segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Pedro Faria: O Sistema de Metas de Inflação não está dando conta do recado

O IPCA, medida de referência da inflação brasileira, fechou 2024 com alta de 4,83%, acima do limite de tolerância de 4,5% da meta de inflação. É a terceira vez que a inflação fica acima da meta desde 2021 e a sétima vez desde 1999.

A inflação de 4,83% não é um problema muito grave, caso não continue acelerando.  No entanto, temos um problema quando no Sistema de Metas de Inflação o teto da meta é tratado como o centro.

Como nota o economista Nelson Marconi, a inflação brasileira raramente se aproxima do centro da meta atual, hoje em 3%. Quando isso ocorre, normalmente está associado a uma desaceleração forte do crescimento e a um custo social elevado. De fato, a recessão de 2015-2016 foi utilizada pelo “time dos sonhos” do governo golpista de Michel Temer para dar início a um ciclo de queda da meta de inflação.

A consequência de uma meta de inflação irreal é a necessidade de juros excessivamente altos. Em 2023, o bolsonarista e presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que seria necessária uma taxa de juros de 26,5% para colocar a inflação no centro da meta (que era de 3,25%).

Por incrível que pareça, Campos Neto estava “correto”, no sentido de que, de fato, os modelos econômicos ortodoxos utilizados pelo Banco Central apontam para essa conclusão. A meta foi cumprida porque o ano contou com fatores internacionais e de oferta favoráveis, além dos efeitos atrasados da taxa de juros mantida excessivamente alta até o meio do ano.

No entanto, manter os juros excessivamente altos tem muitos efeitos colaterais: reduz excessivamente o crescimento econômico, principalmente o crescimento de boa qualidade baseado no aumento do investimento. E, no caso de um choque de oferta (aumento do custo de insumos), o risco é matar a economia brasileira com inflação alta e desemprego alto, como aconteceu em 2015-2016.

Para piorar, há ainda outro problema: o mundo atual é cada vez mais um mundo em policrise. Economistas e historiadores como Isabella Weber e Adam Tooze têm utilizado este conceito para caracterizar um mundo com diversas crises sobrepostas: guerras, pandemias, quebras das cadeias globais de suprimentos, emergência climática.

Crises sobrepostas exigem uma reação diferente. Nesse caso, o todo é maior que a soma das partes, pois as crises se retroalimentam. Enchentes e secas extremas ocorrem simultaneamente, como vimos no Brasil em 2024. Guerras limitam a oferta de trigo ou de petróleo enquanto o clima destrói ainda mais as safras.

O sistema de metas de inflação não é feito para lidar com choques de oferta individuais e muito menos com vários acontecendo ao mesmo tempo. Como o BC é obrigado a perseguir a meta, ele é obrigado a reagir a qualquer aumento de inflação com aumento de juros, mesmo que a inflação não seja sensível aos juros.

No contexto de policrise, os efeitos se acumulam e se multiplicam e os bancos centrais se veem obrigados a elevar cada vez mais a taxa de juros em resposta. O caso brasileiro de juros excessivos tem um histórico mais longo, mas estamos vivendo um momento global de juros altos.

Para quem só tem um martelo, tudo vira um prego. Estamos tentando resolver um problema complexo com uma ferramenta simples. Não vai funcionar.

Mas como podemos reagir? De maneira mais imediata, podemos adaptar o Sistema de metas de Inflação. Adotar uma meta de inflação mais flexível seria muito razoável. É difícil fazer isso em momentos de desconfiança excessiva dos mercados financeiros, mas, em minha leitura, o Conselho Monetário Nacional (CMN) teve uma oportunidade para fazer a mudança no segundo semestre de 2023. No próximo ciclo de tranquilidade, o governo deveria aproveitar para voltar a meta de inflação para 4 ou 4,5%, mantendo a banda de 1,5 p.p.

Ainda dentro do sistema de metas de inflação, o governo pode adotar uma medida de núcleo de inflação como referência para a política monetária. Os núcleos de inflação eliminam os efeitos mais voláteis e permitem que o Banco Central evite reações exageradas a mudanças bruscas, mas temporárias de preços.

No entanto, nenhuma dessas medidas nos prepara para lidar com a policrise. Aqui, é necessário ir além do sistema de metas de inflação e pensar na capacidade de reação física da economia. Diversificar a oferta de alimentos, promovendo a agricultura familiar contra o latifúndio, e a oferta de energia, com vários tipos de energias renováveis e o gás natural, pode reduzir a vulnerabilidade.

Estoques reguladores e controles limitados de preços também podem ser utilizados em produtos críticos da cadeia produtiva, como petróleo, combustíveis, minério de ferro, aço e os gêneros alimentícios mais essenciais. O governo também pode criar “fundos estabilizadores”, principalmente no caso do petróleo. Esses fundos taxam lucros excessivos causados por fenômenos não-econômicos (uma guerra no Oriente Médio aumentando o lucro das petroleiras no Brasil, por exemplo) e usam as receitas para amortecer o aumento de custos. 

Independente da solução a ser adotada, é importante observar que o Sistema de Metas de Inflação foi um produto da “grande moderação” dos países ricos na década de 1990-2000, quando governos de centro-esquerda e centro-direita governaram com tranquilidade por 20 anos, sem grandes crises. Nunca foi um sistema pensado para um país periférico como o Brasil, exposto ao preço de commodities internacionais no lado da exportação e ao alto grau de dependência de importações na nossa indústria e no consumo de bens de maior nível tecnológico.

¨      BC: dólar e economia aquecida explicam maior parte da alta da inflação

A alta do dólar e das commodities (bens primários com cotação internacional) e o aquecimento da economia explicam a maior parte da alta da inflação em 2024, disse nesta sexta-feira (10) o Banco Central (BC). A instituição divulgou, no início da noite, carta para justificar o fato de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ter ficado acima do teto da meta no ano passado.

Em 2024, o IPCA ficou em 4,83%, acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Dessa forma, a inflação poderia ter encerrado o ano passado em até 4,5% sem necessidade de o BC mandar a carta.

Segundo o documento, os principais fatores que contribuíram para o desvio de 1,83 ponto percentual (p.p.) da inflação em relação ao centro da meta de 3% foram a inflação importada (contribuição de 0,72 p.p.); a inércia do ano anterior (0,52 p.p.); o hiato do produto (0,49 p.p.), a economia produzindo acima da capacidade e as expectativas de inflação (0,3 p.p.)

Dentro do grupo inflação importada, destacou a carta do BC, a principal contribuição veio da alta do dólar, com efeito de 1,21 p.p; seguida das commodities, com efeito de 0,10 p.p. O Banco Central destacou que a contribuição das commodities para o estouro da meta só não foi maior porque os preços internacionais do petróleo caíram 5,4% no ano passado, reduzindo em 0,59 p.p o desvio em relação ao centro da meta.

<><> Depreciação cambial

Em relação ao dólar, a carta do BC avaliou que a maior parte da depreciação cambial decorreu de fatores domésticos. O documento apresentou um gráfico em que mostra que o real, que se desvalorizou 19,7% no ano passado, perdeu mais valor que as principais moedas de países emergentes. Em 2024, a lira turca perdeu 16,8%; o peso mexicano, 15,3%; o peso chileno, 10,9% e o peso colombiano, 10%.

“O fato de o real ter sido a moeda de maior depreciação em 2024, considerando seus pares ao nível internacional e os países avançados, sugere que fatores domésticos e específicos do Brasil tiveram papel expressivo nesse movimento cambial. No âmbito doméstico, a percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio”, destacou a carta do BC.

<><> Mercado interno

Apesar da predominância dos fatores externos, o BC destacou que o aquecimento econômico também impactou a inflação. “O crescimento da atividade econômica, que surpreendeu para cima ao longo do ano, foi forte e também contribuiu para a inflação acima do intervalo de tolerância. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,3% no acumulado do ano até o terceiro trimestre de 2024. O BC espera crescimento de 3,5% para 2024”, destacou o documento.

De acordo com o BC, o fato de a taxa de desemprego estar em níveis mínimos históricos também ajudou a pressionar a inflação. Em novembro, a taxa de desemprego medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou em 6,5%, o menor valor da série histórica.

Quanto aos serviços, geralmente relacionados ao desempenho da economia, a carta destacou que a inflação do segmento caiu de 6,22% em 2023 para 4,77% em 2024. No entanto, ao excluir as passagens aéreas, o índice sobe de 5,4% para 5,53% na mesma comparação.

No caso dos bens industriais, a carta ressaltou que a inflação subiu de 1,1% em 2023 para 2,89% em 2024. O BC atribuiu a alta à valorização do dólar, à elevação do preço internacional de metais e ao crescimento da economia.

<><> Clima e combustíveis

Entre os tipos de preços, o BC destacou que diferentes grupos que compõem o IPCA sofreram pressão inflacionária. A carta destacou a inflação da alimentação em casa, que atingiu 8,22% em 2024, após registrar deflação de 0,52% em 2023, influenciada em boa parte pela seca que atingiu boa parte do país no ano passado, o aumento de exportações de carnes e a alta no preço de diversas commodities agrícolas.

No segmento de preços administrados, com reajustes definidos parcialmente pelo governo, a inflação ficou em 4,66% no ano passado, contra 4,89% para os preços livres. Entre as maiores contribuições para a inflação nos preços administrados, o BC destacou planos de saúde, que subiram 7,88% em 2024, e de produtos farmacêuticos (+5,96%).

Segundo o BC, a maior contribuição para a inflação dos preços administrados veio da alta de 9,7% da gasolina no ano passado. Apesar da queda do preço do petróleo, o Banco Central informa que o preço da gasolina foi influenciado pela alta do dólar, do etanol anidro e pela elevação das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no início de 2024.

¨      Paulo Nogueira: "O mercado só ataca quando sente cheiro de sangue"

Em entrevista ao programa Brasil Agora, o economista Paulo Nogueira Batista Junior abordou os desafios econômicos enfrentados pelo Brasil no início de 2025, com destaque para o impacto do ataque especulativo à moeda brasileira, políticas fiscais e monetárias, e a dinâmica entre governo e mercado financeiro.

Paulo Nogueira afirmou que os movimentos do mercado financeiro, muitas vezes, refletem estratégias coordenadas de grandes investidores. “Estamos diante de um movimento coordenado, opaco e politicamente motivado, com grandes investidores nacionais e internacionais. Para esses capitais, governos como os de Lula, mesmo moderados, não são tão favoráveis quanto figuras como Bolsonaro ou Milei.”

Ele destacou a lógica por trás das ações do mercado financeiro: “A matilha só ataca quando sente cheiro de sangue. No contexto econômico, esse ‘cheiro de sangue’ são fragilidades como desorganização fiscal e sinais de instabilidade econômica.”

Sobre o recente aumento da taxa de juros promovido pelo Banco Central, Nogueira foi crítico. “A taxa de juro elevada agrava o desequilíbrio fiscal e concentra renda. É paradoxal que a resposta ao nervosismo do mercado tenha sido um aumento tão abrupto. Essa política monetária recessiva fragiliza ainda mais a economia.”

O economista também alertou para os riscos de intervenções cambiais descontroladas. “A intervenção do Banco Central com reservas precisa ser dosada. Há o risco de queimar reservas e, mesmo assim, ver a moeda continuar desvalorizada.”

Questionado sobre possíveis soluções, Paulo Nogueira defendeu um câmbio administrado e políticas mais rígidas de controle de capitais. “O Brasil ficou vulnerável à volatilidade dos mercados internacionais por conta da liberalização prematura nos anos 1990. Seria necessário recriar mecanismos de controle, mas isso deve ser feito com cuidado para evitar sinais de desespero.”

Paulo Nogueira também comentou o impacto social das políticas econômicas. “A redistribuição de renda promovida pelo governo Lula está incomodando elites tradicionais, que enxergam a ascensão social de classes mais baixas como uma ameaça à sua posição relativa. É um conservadorismo mesquinho.”

Ao encerrar, o economista enfatizou a necessidade de um ajuste fiscal mais justo. “Não se pode negar a necessidade de ajuste fiscal, mas ele deve ser socialmente equilibrado. A tributação de ricos e super-ricos é um caminho necessário que ainda está sendo negligenciado pelo governo.”

 

¨      As perspectivas do governo Lula. Por Emir Sader

Lula faz um excelente governo, frontalmente antineoliberal, privilegiando as políticas sociais. A economia voltou a crescer, chegando a 3% este ano, e o desemprego baixou ao seu menor nível. Há um evidente processo de distribuição de renda, que se constata no aumento exponencial do movimento do comércio e das compras em geral. A situação da massa da população melhorou.

Os programas antineoliberais do governo são colocados em prática, com um conjunto de medidas como nunca antes. No entanto, o eixo da economia continua sendo o capital financeiro. Não o que financia o desenvolvimento econômico, mas o especulativo, que vive da taxa de juros, a qual freia o crescimento.

A reforma tributária é socialmente justa, com os ricos passando a pagar mais e os pobres, menos. O salário mínimo é elevado, garantindo-se o aumento do acesso ao Bolsa Família e a outros programas sociais do governo.

No entanto, os índices de apoio ao governo deveriam ser muito mais altos do que os apontados pelas pesquisas. Bolsonaro está derrotado, mas distintas formas de oposição — do bolsonarismo aberto a outras expressões de direita e de extrema direita — seguem com apoios, sem que se consiga compreender esse fenômeno. Bolsonaro deixou um legado claramente negativo e não tem propostas para o país.

É claro que o eixo da oposição ao governo é a mídia, com uma atuação reiterada de críticas totalmente irrelevantes, mas sistemáticas, ao Lula. Não podem criticar a diminuição do desemprego ou o crescimento da economia, mas buscam encontrar defeitos até mesmo na reforma tributária.

Lula faz um bom governo, mas está perdendo a disputa no plano das comunicações. Lula é o maior comunicador da esquerda, mas é, ao mesmo tempo, alvo reiterado das críticas da mídia.

Tentam desconhecer ou desgastar o inegável prestígio internacional de Lula. Ignoram os fortes argumentos a favor da melhoria econômica e social do país. Não divulgam dados reais sobre a situação do povo.

Ao mesmo tempo, quaisquer que sejam os problemas reais que o governo enfrenta, ele tem uma margem muito grande de possibilidades de readequação de suas políticas. Caso Lula se reeleja, isso significará cerca de seis anos de possibilidades para a reformulação das políticas do governo e a projeção de um projeto renovado para o país.

Uma questão que se coloca é saber o que vem depois do neoliberalismo. Essa ainda é a política que marca o período histórico atual do capitalismo. Como já dissemos, o capital especulativo continua sendo hegemônico no plano da economia. Combatemos o neoliberalismo, mas ainda sem condições de passar do antineoliberalismo ao pós-neoliberalismo.

O que é isso? É o fortalecimento da retomada da expansão econômica, derrotando a especulação financeira e promovendo a centralidade do desenvolvimento econômico. O crescimento econômico atual não terá fôlego duradouro se a taxa de juros continuar em patamares altos. O fim do mandato do presidente do Banco Central herdado por Lula é a oportunidade fundamental para revisar a política de juros e propiciar condições mais favoráveis à transição para um ciclo longo e expansivo da economia brasileira.

 

Fonte: Opera Mundi/Jornal GGN/Brasil 247

 

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