Pedro Faria: O Sistema de Metas de
Inflação não está dando conta do recado
O IPCA, medida de referência da
inflação brasileira, fechou 2024 com alta de 4,83%, acima do limite de
tolerância de 4,5% da meta de inflação. É a terceira vez que a inflação fica
acima da meta desde 2021 e a sétima vez desde 1999.
A inflação de 4,83% não é um
problema muito grave, caso não continue acelerando. No entanto, temos um
problema quando no Sistema de Metas de Inflação o teto da meta é tratado como o
centro.
Como nota o economista Nelson
Marconi,
a inflação brasileira raramente se aproxima do centro da meta atual, hoje em
3%. Quando isso ocorre, normalmente está associado a uma desaceleração forte do
crescimento e a um custo social elevado. De fato, a recessão de 2015-2016 foi
utilizada pelo “time dos sonhos” do governo golpista de Michel Temer para dar
início a um ciclo de queda da meta de inflação.
A consequência de uma meta de
inflação irreal é a necessidade de juros excessivamente altos. Em 2023, o bolsonarista
e presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que seria
necessária uma taxa de juros de 26,5% para colocar a inflação no centro da
meta (que era de 3,25%).
Por incrível que pareça, Campos
Neto estava “correto”, no sentido de que, de fato, os modelos econômicos
ortodoxos utilizados pelo Banco Central apontam para essa conclusão. A meta foi
cumprida porque o ano contou com fatores internacionais e de oferta favoráveis,
além dos efeitos atrasados da taxa de juros mantida excessivamente alta até o
meio do ano.
No entanto, manter os juros
excessivamente altos tem muitos efeitos colaterais: reduz excessivamente o
crescimento econômico, principalmente o crescimento de boa qualidade baseado no
aumento do investimento. E, no caso de um choque de oferta (aumento do custo de
insumos), o risco é matar a economia brasileira com inflação alta e desemprego
alto, como aconteceu em 2015-2016.
Para piorar, há ainda outro
problema: o mundo atual é cada vez mais um mundo em policrise. Economistas e
historiadores como Isabella Weber e Adam Tooze têm utilizado este
conceito para caracterizar um mundo com diversas crises sobrepostas: guerras,
pandemias, quebras das cadeias globais de suprimentos, emergência climática.
Crises sobrepostas exigem uma
reação diferente. Nesse caso, o todo é maior que a soma das partes, pois as
crises se retroalimentam. Enchentes e secas extremas ocorrem simultaneamente,
como vimos no Brasil em 2024. Guerras limitam a oferta de trigo ou de petróleo
enquanto o clima destrói ainda mais as safras.
O sistema de metas de inflação
não é feito para lidar com choques de oferta individuais e muito menos com
vários acontecendo ao mesmo tempo. Como o BC é obrigado a perseguir a meta, ele
é obrigado a reagir a qualquer aumento de inflação com aumento de juros, mesmo
que a inflação não seja sensível aos juros.
No contexto de policrise, os
efeitos se acumulam e se multiplicam e os bancos centrais se veem obrigados a
elevar cada vez mais a taxa de juros em resposta. O caso brasileiro de juros
excessivos tem um histórico mais longo, mas estamos vivendo um momento global de juros altos.
Para quem só tem um martelo,
tudo vira um prego. Estamos tentando resolver um problema complexo com uma
ferramenta simples. Não vai funcionar.
Mas como podemos reagir? De
maneira mais imediata, podemos adaptar o Sistema de metas de Inflação. Adotar
uma meta de inflação mais flexível seria muito razoável. É difícil fazer isso
em momentos de desconfiança excessiva dos mercados financeiros, mas, em minha
leitura, o Conselho Monetário Nacional (CMN) teve uma oportunidade para fazer a
mudança no segundo semestre de 2023. No próximo ciclo de tranquilidade, o
governo deveria aproveitar para voltar a meta de inflação para 4 ou 4,5%,
mantendo a banda de 1,5 p.p.
Ainda dentro do sistema de
metas de inflação, o governo pode adotar uma medida de núcleo de inflação como
referência para a política monetária. Os núcleos de inflação eliminam os
efeitos mais voláteis e permitem que o Banco Central evite reações exageradas a
mudanças bruscas, mas temporárias de preços.
No entanto, nenhuma dessas
medidas nos prepara para lidar com a policrise. Aqui, é necessário ir além do
sistema de metas de inflação e pensar na capacidade de reação física da
economia. Diversificar a oferta de alimentos, promovendo a agricultura familiar
contra o latifúndio, e a oferta de energia, com vários tipos de energias renováveis
e o gás natural, pode reduzir a vulnerabilidade.
Estoques reguladores e
controles limitados de
preços também podem ser utilizados em produtos críticos da cadeia produtiva,
como petróleo, combustíveis, minério de ferro, aço e os gêneros alimentícios
mais essenciais. O governo também pode criar “fundos estabilizadores”,
principalmente no caso do petróleo. Esses fundos taxam lucros excessivos
causados por fenômenos não-econômicos (uma guerra no Oriente Médio aumentando o
lucro das petroleiras no Brasil, por exemplo) e usam as receitas para amortecer
o aumento de custos.
Independente da solução a ser
adotada, é importante observar que o Sistema de Metas de Inflação foi um
produto da “grande moderação” dos países ricos na década de 1990-2000, quando
governos de centro-esquerda e centro-direita governaram com tranquilidade por
20 anos, sem grandes crises. Nunca foi um sistema pensado para um país
periférico como o Brasil, exposto ao preço de commodities internacionais no
lado da exportação e ao alto grau de dependência de importações na nossa
indústria e no consumo de bens de maior nível tecnológico.
¨ BC: dólar e economia aquecida explicam maior parte da
alta da inflação
A alta do dólar e
das commodities (bens primários com cotação internacional) e o aquecimento
da economia explicam a maior parte da alta da inflação em 2024, disse nesta
sexta-feira (10) o Banco Central (BC). A instituição divulgou, no início da
noite, carta para justificar o fato de o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) ter ficado acima do teto da meta no ano passado.
Em 2024, o IPCA ficou
em 4,83%,
acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de
3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Dessa forma, a inflação poderia ter encerrado o ano passado em até 4,5% sem
necessidade de o BC mandar a carta.
Segundo o documento,
os principais fatores que contribuíram para o desvio de 1,83 ponto percentual
(p.p.) da inflação em relação ao centro da meta de 3% foram a inflação
importada (contribuição de 0,72 p.p.); a inércia do ano anterior (0,52 p.p.); o
hiato do produto (0,49 p.p.), a economia produzindo acima da capacidade e as
expectativas de inflação (0,3 p.p.)
Dentro do grupo
inflação importada, destacou a carta do BC, a principal contribuição veio da
alta do dólar, com efeito de 1,21 p.p; seguida das commodities, com efeito
de 0,10 p.p. O Banco Central destacou que a contribuição
das commodities para o estouro da meta só não foi maior porque os
preços internacionais do petróleo caíram 5,4% no ano passado, reduzindo em 0,59
p.p o desvio em relação ao centro da meta.
<><> Depreciação
cambial
Em relação ao
dólar, a carta do BC avaliou que a maior parte da depreciação cambial decorreu
de fatores domésticos. O documento apresentou um gráfico em que mostra que o
real, que se desvalorizou 19,7% no ano passado, perdeu mais valor que as
principais moedas de países emergentes. Em 2024, a lira turca perdeu 16,8%; o
peso mexicano, 15,3%; o peso chileno, 10,9% e o peso colombiano, 10%.
“O fato de o real
ter sido a moeda de maior depreciação em 2024, considerando seus pares ao nível
internacional e os países avançados, sugere que fatores domésticos e
específicos do Brasil tiveram papel expressivo nesse movimento cambial. No
âmbito doméstico, a percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal
afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes,
especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de
câmbio”, destacou a carta do BC.
<><> Mercado
interno
Apesar da
predominância dos fatores externos, o BC destacou que o aquecimento econômico
também impactou a inflação. “O crescimento da atividade econômica, que
surpreendeu para cima ao longo do ano, foi forte e também contribuiu para a
inflação acima do intervalo de tolerância. O Produto Interno Bruto (PIB)
cresceu 3,3% no acumulado do ano até o terceiro trimestre de 2024. O BC espera
crescimento de 3,5% para 2024”, destacou o documento.
De acordo com o BC,
o fato de a taxa de desemprego estar em níveis mínimos históricos também ajudou
a pressionar a inflação. Em novembro, a taxa de desemprego medida pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou em 6,5%, o menor
valor da série histórica.
Quanto aos
serviços, geralmente relacionados ao desempenho da economia, a carta destacou
que a inflação do segmento caiu de 6,22% em 2023 para 4,77% em 2024. No
entanto, ao excluir as passagens aéreas, o índice sobe de 5,4% para 5,53% na
mesma comparação.
No caso dos bens
industriais, a carta ressaltou que a inflação subiu de 1,1% em 2023 para 2,89%
em 2024. O BC atribuiu a alta à valorização do dólar, à elevação do preço
internacional de metais e ao crescimento da economia.
<><> Clima
e combustíveis
Entre os tipos de
preços, o BC destacou que diferentes grupos que compõem o IPCA sofreram pressão
inflacionária. A carta destacou a inflação da alimentação em casa, que atingiu
8,22% em 2024, após registrar deflação de 0,52% em 2023, influenciada em boa
parte pela seca que atingiu boa parte do país no ano passado, o aumento de
exportações de carnes e a alta no preço de diversas commodities agrícolas.
No segmento de
preços administrados, com reajustes definidos parcialmente pelo governo, a
inflação ficou em 4,66% no ano passado, contra 4,89% para os preços livres.
Entre as maiores contribuições para a inflação nos preços administrados, o BC
destacou planos de saúde, que subiram 7,88% em 2024, e de produtos
farmacêuticos (+5,96%).
Segundo o BC, a
maior contribuição para a inflação dos preços administrados veio da alta de
9,7% da gasolina no ano passado. Apesar da queda do preço do petróleo, o Banco
Central informa que o preço da gasolina foi influenciado pela alta do dólar, do
etanol anidro e pela elevação das alíquotas do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) no início de 2024.
¨ Paulo
Nogueira: "O mercado só ataca quando sente cheiro de sangue"
Em
entrevista ao programa Brasil Agora, o economista Paulo Nogueira
Batista Junior abordou os desafios econômicos enfrentados pelo Brasil no início
de 2025, com destaque para o impacto do ataque especulativo à moeda brasileira,
políticas fiscais e monetárias, e a dinâmica entre governo e mercado
financeiro.
Paulo
Nogueira afirmou que os movimentos do mercado financeiro, muitas vezes,
refletem estratégias coordenadas de grandes investidores. “Estamos diante de um
movimento coordenado, opaco e politicamente motivado, com grandes investidores
nacionais e internacionais. Para esses capitais, governos como os de Lula,
mesmo moderados, não são tão favoráveis quanto figuras como Bolsonaro ou
Milei.”
Ele
destacou a lógica por trás das ações do mercado financeiro: “A matilha só ataca
quando sente cheiro de sangue. No contexto econômico, esse ‘cheiro de sangue’
são fragilidades como desorganização fiscal e sinais de instabilidade
econômica.”
Sobre
o recente aumento da taxa de juros promovido pelo Banco Central, Nogueira foi
crítico. “A taxa de juro elevada agrava o desequilíbrio fiscal e concentra
renda. É paradoxal que a resposta ao nervosismo do mercado tenha sido um
aumento tão abrupto. Essa política monetária recessiva fragiliza ainda mais a
economia.”
O economista
também alertou para os riscos de intervenções cambiais descontroladas. “A
intervenção do Banco Central com reservas precisa ser dosada. Há o risco de
queimar reservas e, mesmo assim, ver a moeda continuar desvalorizada.”
Questionado
sobre possíveis soluções, Paulo Nogueira defendeu um câmbio administrado e
políticas mais rígidas de controle de capitais. “O Brasil ficou vulnerável à
volatilidade dos mercados internacionais por conta da liberalização prematura
nos anos 1990. Seria necessário recriar mecanismos de controle, mas isso deve
ser feito com cuidado para evitar sinais de desespero.”
Paulo
Nogueira também comentou o impacto social das políticas econômicas. “A
redistribuição de renda promovida pelo governo Lula está incomodando elites
tradicionais, que enxergam a ascensão social de classes mais baixas como uma
ameaça à sua posição relativa. É um conservadorismo mesquinho.”
Ao
encerrar, o economista enfatizou a necessidade de um ajuste fiscal mais justo.
“Não se pode negar a necessidade de ajuste fiscal, mas ele deve ser socialmente
equilibrado. A tributação de ricos e super-ricos é um caminho necessário que
ainda está sendo negligenciado pelo governo.”
¨ As
perspectivas do governo Lula. Por Emir Sader
Lula
faz um excelente governo, frontalmente antineoliberal, privilegiando as
políticas sociais. A economia voltou a crescer, chegando a 3% este ano, e o
desemprego baixou ao seu menor nível. Há um evidente processo de distribuição
de renda, que se constata no aumento exponencial do movimento do comércio e das
compras em geral. A situação da massa da população melhorou.
Os
programas antineoliberais do governo são colocados em prática, com um conjunto
de medidas como nunca antes. No entanto, o eixo da economia continua sendo o
capital financeiro. Não o que financia o desenvolvimento econômico, mas o
especulativo, que vive da taxa de juros, a qual freia o crescimento.
A
reforma tributária é socialmente justa, com os ricos passando a pagar mais e os
pobres, menos. O salário mínimo é elevado, garantindo-se o aumento do acesso ao
Bolsa Família e a outros programas sociais do governo.
No
entanto, os índices de apoio ao governo deveriam ser muito mais altos do que os
apontados pelas pesquisas. Bolsonaro está derrotado, mas distintas formas de
oposição — do bolsonarismo aberto a outras expressões de direita e de extrema
direita — seguem com apoios, sem que se consiga compreender esse fenômeno.
Bolsonaro deixou um legado claramente negativo e não tem propostas para o país.
É
claro que o eixo da oposição ao governo é a mídia, com uma atuação reiterada de
críticas totalmente irrelevantes, mas sistemáticas, ao Lula. Não podem criticar
a diminuição do desemprego ou o crescimento da economia, mas buscam encontrar
defeitos até mesmo na reforma tributária.
Lula
faz um bom governo, mas está perdendo a disputa no plano das comunicações. Lula
é o maior comunicador da esquerda, mas é, ao mesmo tempo, alvo reiterado das
críticas da mídia.
Tentam
desconhecer ou desgastar o inegável prestígio internacional de Lula. Ignoram os
fortes argumentos a favor da melhoria econômica e social do país. Não divulgam
dados reais sobre a situação do povo.
Ao
mesmo tempo, quaisquer que sejam os problemas reais que o governo enfrenta, ele
tem uma margem muito grande de possibilidades de readequação de suas políticas.
Caso Lula se reeleja, isso significará cerca de seis anos de possibilidades
para a reformulação das políticas do governo e a projeção de um projeto
renovado para o país.
Uma
questão que se coloca é saber o que vem depois do neoliberalismo. Essa ainda é
a política que marca o período histórico atual do capitalismo. Como já
dissemos, o capital especulativo continua sendo hegemônico no plano da
economia. Combatemos o neoliberalismo, mas ainda sem condições de passar do
antineoliberalismo ao pós-neoliberalismo.
O que
é isso? É o fortalecimento da retomada da expansão econômica, derrotando a
especulação financeira e promovendo a centralidade do desenvolvimento
econômico. O crescimento econômico atual não terá fôlego duradouro se a taxa de
juros continuar em patamares altos. O fim do mandato do presidente do Banco
Central herdado por Lula é a oportunidade fundamental para revisar a política
de juros e propiciar condições mais favoráveis à transição para um ciclo longo
e expansivo da economia brasileira.
Fonte: Opera Mundi/Jornal
GGN/Brasil 247
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