Por que homem
acusado de ser mentor do 11 de Setembro quer confessar autoria, mas EUA tentam
evitar?
O acusado de ser o mentor dos ataques
terroristas de 11 de setembro nos Estados
Unidos não vai se declarar mais culpado nesta
sexta-feira (10/1), depois que o governo americano se mobilizou para impedir
que os acordos judiciais firmados no ano passado fossem levados adiante. Khalid
Sheikh Mohammed, muitas vezes chamado de KSM, deveria se declarar culpado das
acusações em um tribunal de guerra na base naval da Baía de Guantánamo, no
sudeste de Cuba, onde está preso em uma prisão militar há quase duas décadas.
Mohammed é o detento mais conhecido de Guantánamo — e um dos últimos mantidos na base.
Mas, na noite de quinta-feira (9/1), um
tribunal federal de apelações suspendeu as audiências programadas, no intuito
de analisar os pedidos do governo para abandonar os acordos judiciais para
confissão de Mohammed e de dois corréus, que, segundo eles, causariam danos
"irreparáveis" ao governo e ao público. Um painel de três juízes
disse que o atraso "não deve ser interpretado, de forma alguma, como uma
decisão sobre o mérito", mas tinha como objetivo dar ao tribunal tempo
para receber um relatório completo e ouvir os argumentos "de forma
expressa". O atraso significa que o assunto agora vai ficar a cargo do
novo governo Trump.
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O que estava marcado para acontecer nesta
semana?
Em uma audiência na manhã desta sexta-feira,
Mohammed deveria se declarar culpado por seu papel nos ataques de 11 de
setembro de 2001, quando sequestradores tomaram aviões de passageiros e os
lançaram contra o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, nos
arredores de Washington. Outro avião caiu em um campo na Pensilvânia depois que
os passageiros reagiram.
Mohammed foi acusado de crimes como conspiração
e assassinato, com 2.976 vítimas listadas na folha de acusação. Ele já disse anteriormente que planejou a
"operação de 11 de setembro de A a Z" — concebendo a ideia de treinar
pilotos para pilotar aviões comerciais contra edifícios e levando esses planos
para Osama bin Laden, então líder do grupo militante islâmico al-Qaeda, em meados da década de 1990. A audiência desta sexta-feira estava
marcada para acontecer em uma sala de audiências na base, onde os familiares
dos mortos e a imprensa estariam sentados em uma galeria de observação atrás de
um vidro espesso.
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Por que tudo isso está acontecendo 23 anos
depois do 11 de setembro?
As audiências pré-julgamento, realizadas em um
tribunal militar na base naval, se arrastam há mais de uma década, complicadas
por questões sobre se a tortura que Mohammed e outros réus sofreram enquanto
estavam sob custódia dos EUA compromete as evidências. Após sua prisão no
Paquistão em 2003, Mohammed passou três anos em prisões secretas da CIA, a
agência de inteligência americana, conhecidas como black sites, onde foi submetido 183 vezes a waterboarding, simulação de
afogamento, entre outras chamadas "técnicas avançadas de
interrogatório", que incluíam privação de sono e nudez forçada.
Karen Greenberg, autora do livro The Least Worst Place: How Guantanamo Became
the World's Most Notorious Prison ("O lugar menos pior: Como
Guantánamo se Tornou a Prisão mais Notória do Mundo", em tradução literal), afirma que o uso de tortura
tornou "praticamente impossível levar esses casos a julgamento de uma
forma que honre o Estado de direito e a jurisprudência americana".
"Aparentemente, é impossível apresentar evidências nesses casos sem o uso
de evidências derivadas de tortura. Além disso, o fato de esses indivíduos
terem sido torturados acrescenta outro nível de complexidade aos
processos", diz ela.
O caso também se enquadra nas comissões
militares, que operam sob regras diferentes do sistema de justiça criminal
tradicional dos EUA, e retardam o processo. O acordo judicial foi fechado no
verão passado, após cerca de dois anos de negociações.
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O que o acordo judicial prevê?
Os detalhes completos dos acordos firmados com
Mohammed e dois de seus corréus não foram divulgados. Sabe-se que um acordo
significa que ele não enfrentaria um julgamento com pena de morte. Em uma
audiência no tribunal na quarta-feira (8/1), sua equipe jurídica confirmou que
ele havia concordado em se declarar culpado de todas as acusações. Mohammed não
se dirigiu pessoalmente ao tribunal, mas conversou com sua equipe enquanto eles
analisavam o acordo, fazendo pequenas correções e alterações no texto com a
promotoria e o juiz. Se os acordos forem mantidos e as confissões forem aceitas
pelo tribunal, as próximas etapas serão a designação de um júri militar, conhecido
como painel, para ouvir as evidências em audiência para apresentação da
sentença.
No tribunal, na quarta-feira, isso foi descrito
pelos advogados como uma forma de julgamento público, em que sobreviventes e
familiares dos mortos teriam a oportunidade de dar depoimento. Pelo acordo, as
famílias também poderiam fazer perguntas a Mohammed, que seria obrigado a
"responder às suas perguntas de forma completa e verdadeira", segundo
os advogados. O ponto central para que a promotoria concordasse com os acordos
era a garantia "de que poderíamos apresentar todas as evidências que
julgássemos necessárias para estabelecer um registro histórico do envolvimento
do acusado no que aconteceu no 11 de setembro", disse o promotor Clayton
G. Trivett Jr. no tribunal na quarta-feira. Mesmo que as confissões sejam
levadas adiante, levaria muitos meses até que esses procedimentos começassem e
uma sentença fosse finalmente proferida.
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Por que o governo dos EUA está tentando impedir
o acordo?
Dias depois de o acordo ter sido fechado, o
secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que havia nomeado o alto
funcionário resposável pela assinatura, tentou revogá-lo. Em um memorando, ele
argumentou: "A responsabilidade por tal decisão deve recair sobre mim,
como autoridade superior". Tanto um juiz militar quanto um painel de
apelação militar decidiram, no entanto, que o acordo era válido — e que Austin
havia intervindo tarde demais.
Em outra tentativa de impedir o acordo, o
governo pediu nesta semana a intervenção de um tribunal federal de apelações.
Em documento judicial, eles disseram que Mohammed e os outros dois homens foram
acusados de "perpetrar o ato criminoso mais chocante em solo americano na
história moderna", e que fazer cumprir os acordos "privaria o governo
e o povo americano de um julgamento público sobre a culpa dos réus e a
possibilidade de pena de morte, apesar do fato de o secretário de Defesa ter
revogado legalmente esses acordos". Após o anúncio do acordo, em meados do
ano passado, o senador republicano Mitch McConnell, na época líder de seu
partido na Casa, divulgou uma declaração descrevendo-o como "uma
revoltante abdicação da responsabilidade do governo de defender os Estados
Unidos e fazer justiça".
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O que as famílias das vítimas disseram?
Algumas famílias dos mortos nos ataques também
criticaram o acordo, dizendo que é muito brando ou carece de transparência. Em
entrevista ao programa Today, da BBC, em meados do ano passado, Terry Strada,
cujo marido, Tom, foi morto nos ataques, descreveu o acordo como "dar aos
detidos na Baía de Guantánamo o que eles querem". "Esta é uma vitória
para Khalid Sheikh Mohammed e para os outros dois, é uma vitória para
eles", declarou Strada, que é presidente nacional do grupo ativista 9/11
Families United. Outras famílias veem os acordos como um caminho para as
condenações diante dos processos complexos e arrastados, e ficaram desapontadas
com a última intervenção do governo.
Stephan Gerhardt, cujo irmão mais novo, Ralph,
foi morto nos ataques, viajou para a Baía de Guantánamo para assistir a
Mohammed se declarar culpado. "Qual é o objetivo final do governo Biden?
Para que consigam a suspensão, e isso se arraste até o próximo governo. Com que
objetivo? Pensem nas famílias. Por que vocês estão prolongando essa
saga?", ele questionou. Gerhardt disse à BBC que os acordos "não
foram uma vitória" para as famílias, mas que era "hora de encontrar
uma maneira de encerrar isso, de condenar esses homens".
As famílias presentes na base estavam se
reunindo com a imprensa quando a notícia do atraso foi divulgada. "Era
para ser um momento de cura. Vamos embarcar naquele avião ainda com essa
profunda sensação de dor — simplesmente não tem fim", afirmou um dos
familiares.
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Por que as audiências são em Guantánamo?
Mohammed está preso em uma prisão militar na Baía
de Guantánamo desde 2006.
A prisão foi inaugurada há 23 anos — em 11 de
janeiro de 2002 — durante a chamada "guerra contra o terror" que se
seguiu aos ataques de 11 de setembro, como um lugar para manter suspeitos de
terrorismo e "combatentes inimigos ilegais". A maioria dos detidos
nunca foi formalmente acusada, e a prisão militar enfrentou críticas de grupos
de defesa dos direitos humanos e da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o
tratamento dado aos detentos. A maioria já foi repatriada ou realocada em
outros países. Atualmente, a prisão abriga 15 detentos — o menor número de sua
história. Com exceção de seis, os demais foram acusados ou condenados por
crimes de guerra.
Fonte: BBC News Mundo
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