segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Entre a memória e a justiça: é preciso dar um jeito de findar o 8 de janeiro

A primeira semana após o recesso iniciou com a premiação de Fernanda Torres no Globo de Ouro como melhor atriz pelo filme “Ainda Estou Aqui” de Walter Salles. A obra adaptou o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, que retrata a história da família Paiva na época da ditadura militar no Brasil. Rubens Paiva foi sequestrado durante a Ditadura militar e, sua mulher, Eunice Paiva lutou 40 anos para saber a verdade sobre o desaparecimento de seu marido.

Ontem, dia 8 de janeiro de 2025, passaram-se dois anos do ataque às instituições democráticas na capital brasileira. Embora diversas matérias tenham sido escritas sobre o ocorrido, grande parte da população brasileira minimaliza os atos daquele janeiro de 2023, seja por desconhecimento do contexto, seja por um apoio anti-sistêmico aos autores dos crimes. 

Ainda nessa semana, Camila Rocha escreveu no Caderno Política na Folha de São Paulo sobre a necessidade de contextualizar o fatídico dia 8 como uma tentativa de golpe, e não apenas como atos de vandalismo para que seja possível consolidar a memória nacional e não minimizar os ataques aos três poderes.

A memória nacional ainda é alvo de disputas narrativas. Obras como a de Walter Salles nos fazem rememorar partes importantes da história que foram esquecidas pelos mais velhos e não conhecidas pelos mais jovens, ora por uma mobilização real de apagar e revisionar esse passado recente ora por um desapreço pela história brasileira. 

Nessa linha, tentando rememorar o dia 8 de janeiro de 2023 dando sua devida importância e não minimizando-o a mero vandalismo, é imperioso dar o contexto – anterior e dos fatos revelados posteriormente – daquele dia para que este seja lembrado como um ataque direto ao Estado Democrático de Direito e de conhecimento de todos os cidadãos brasileiros.

Ao analisar o Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos de 8 de Janeiro de 2023, criada pelo Congresso Nacional através do Requerimento nº 1, de 2023, é possível entender o contexto anterior e contemporâneo aos ataques sistemáticos feitos naquele ano.

A insurreição daquele dia não fora repentina, mas sim premeditada. Entender que os atos não foram uma expressão de insatisfação popular, ou vandalismo do patrimônio público da União, mas uma conspiração articulada que contou com o apoio de agentes do alto escalão das Forças Armadas, financiamento de setores do agronegócio, corporações e organizações internacionais de extrema direita e participação das mídias sociais – principalmente das chamadas “Big Techs”, que deram vazão a guerra híbrida, psicológica e difamatória contra o sistema eleitoral. Os antecedentes foram escancarados, seja pela propagação de desinformação nas mídias sociais, tentativas de descredibilização do processo eleitoral, deslegitimação das instituições democráticas, figuradas aqui nos três poderes, são exemplos das ações antecedentes àquele dia.

Revelações posteriores do Relatório da PF indicaram a participação ativa e passiva de militares na organização e omissão diante da gravidade dos fatos. Mais ainda, o envolvimento de Jair Bolsonaro, então ex-presidente, e do General Braga Neto –  o primeiro general de quatro estrelas a ser preso no Brasil -, como líderes e arquitetos dessa conspiração, reforça a conexão direta entre os discursos golpistas e as ações de seus seguidores. Bolsonaro não apenas alimentou o sentimento de revolta em sua base, mas também se posicionou como o âmago dessa ameaça à ordem constitucional.

Além dos danos materiais causados aos edifícios históricos que representam a República, o ataque deixou marcas profundas e intangíveis no sistema democrático constitucional brasileiro. A confiança na estabilidade institucional foi abalada, revelando a necessidade de fortalecer os mecanismos de proteção contra ameaças futuras e reformas estruturais no Estado Brasileiro.

O Brasil, por outro lado, se encontra em uma encruzilhada histórica. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE) avança na proteção do Estado Democrático de Direito, por meio de decisões e resoluções importantes, como a declaração da inelegibilidade de Jair Bolsonaro e as resoluções de combate à desinformação no período eleitoral, o Congresso Nacional, em oposição aos avanços institucionais, revela um movimento conservador que busca relativizar os crimes cometidos contra a democracia e absolver os culpados pela depredação dos três poderes.

Um retrato deste movimento é o projeto de lei que concede anistia ampla, geral e irrestrita, proposta pelo deputado federal Major Vitor Hugo (PL), e impede a responsabilização dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 da responsabilização pelos crimes cometidos, reproduzindo, em forma e mérito, a Lei de Anistia de 1979. A proposta ameaça consolidar a impunidade para crimes contra democracia, produzir novas injustiças e relativização dos abusos e violações de direitos humanos cometidas, como as cometida por figuras como Rubens Paiva, Honestino Guimarães, Vladimir Herzog, Dilma Rousseff, Helenira Rezende, Zuzu Angel e milhares de outros torturados políticos da ditadura militar.

Ainda que as instituições tenham reagido com firmeza, o 8 de janeiro permanece como um lembrete de que a democracia exige vigilância constante. Os eventos daquele dia não podem ser tratados como um episódio isolado; eles refletem uma tensão contínua que precisa ser combatida com educação cívica, responsabilização dos agentes públicos envolvidos para fortalecimento do pacto democrático.

Lembrar o 8 de janeiro de 2023 como um ataque ao Estado Democrático de Direito é essencial para que episódios semelhantes nunca mais se repitam. Mais do que um dia de caos, foi um alerta sobre os perigos da desinformação, do autoritarismo e da radicalização política.

O encerramento do julgamento dos atos anti-democráticos e responsabilização de Jair Bolsonaro, principal autor e operador do plano de golpe frustrado, é imperativo para passar a limpo a história, e – pela primeira vez na história deste país – punir os responsáveis, reparar as vítimas e instituições democráticas.

Cabe a todos os brasileiros, em especial os estudantes de direito, não apenas preservar a memória desse dia, mas também atuar como defensores ativos da democracia, para que ela continue a ser o alicerce da sociedade brasileira. Sensibilizar as juventudes e a população da importância da democracia, dos limites à liberdade de expressão e fortalecimento da educação cívica para evitar a ascensão de regimes totalitários e fascistas.

Não obstante, no plano internacional, deve-se criar uma corrente de resistência democrática contra o avanço da extrema direita no mundo. Reformar as organizações multilaterais e o multilateralismo, redefinidos após Guerra Fria, para promoção global do desenvolvimento sustentável, compromisso com o combate à fome, pobreza e a desigualdade, limitação dos poderes das plataformas digitais são meios para que, de fato, haja uma contenção do avanço da extrema direita no mundo e no Brasil.

Por fim, sensibilizar e furar bolhas por meio da arte e cultura, como nos mostrou “Ainda Estou Aqui”, nos relembra a importância da democracia e da luta incessante pela memória, verdade e justiça no Brasil. Que violações de direitos humanos foram cometidas por militares e agentes do sistema de justiça do estado brasileiro. Apresentar a luta, através da dramaturgia, de Rubens Paiva, Helenira Rezende e tantos que apesar de mortos pelo regime,“ainda estão aqui”, em memória e referência, norteiam a luta por um país mais democrático e pela justiça de transição para punir torturadores, ditadores e violadores de direito8, somente assim, colocaremos fim ao ano de 1964 e ao 8 de Janeiro.

 

¨      Nova presidente do STM vê militares como “legalistas” e diz que 8 de Janeiro ensinou que a “democracia precisa ser vigiada”

Esposa de um general, cunhada de um desaparecido político, filha de um fundador do PDT de Minas Gerais, Maria Elizabeth Rocha, ministra do Superior Tribunal Militar há 17 anos, fez história ao ser eleita a primeira mulher a presidir a corte castrense pelos próximos dois anos. Na última sexta (27), o canal TV GGN transmitiu entrevista exclusiva com a nova presidente do STM [assista abaixo], que falou, com uma visão garantista e humanizada, sobre golpe militar, democracia, o papel histórico da instituição, criminalidade, formação dos militares, racismo estrutural e outros temas pautados pelo jornalista Luis Nassif.

O STM é o mais longevo tribunal do país, criado em 1808 por Dom João, quando este ainda era príncipe regente no Brasil colonial. Seu papel é julgar crimes militares (matéria penal) praticados por membros das Forças Armadas e civis. A corte especial não tem tribunais intermediários, ou seja, seus recursos vão diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Já a Justiça Militar nos estados funciona com distinções: julgam crimes militares e administrativos (penal e cível) praticados somente pelos membros das policiais militares e do corpo de bombeiros.

Na entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, a nova presidente do STM defendeu a imagem da instituição que vai comandar entre 2025 e 2027, bem como sua atuação durante o regime militar. A ministra declarou que os militares, via de regra, “sempre foram legalistas”, a despeito do rompimento constitucional que se deu em 1964, episódio que ela chamou de “apocalipse”.

Segundo Maria Elizabeth, são exceções os militares que apoiaram a tentativa de golpe para manter Jair Bolsonaro em 2022. O então comandante da Marinha, Almirante Garnier, foi um dos conspiradores e hoje encontra-se preso. De acordo com a ministra, a despeito do envolvimento de Garnier, “o almirantado [em geral] sequer tomou conhecimento desse plano escabroso“.

Para a ministra, o 8 de Janeiro deixou lições sobre democracia, assim como as novas da revelações da Polícia Federal a respeito do plano de golpe de 2022, que envolveu tentativa de assassinato de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin. Esses fatos ensinam que “a democracia nunca está pronta e acabada. Ela tem que ser vigiada permanentemente, construída diariamente.”

Na visão da magistrada, a fragilidade da democracia brasileira tem relação com o racismo estrutural, com a sociedade patriarcal e heteronormativa que foi construída pelas elites do país, e que ainda hoje deixam cicatrizes profundas na população e nas instituições.

“Eu realmente acreditei, quando a Constituição de 1988 foi promulgada, que estávamos virando uma página da história. Mas eu vi que não. E eu fico assustada quando a juventude fala em autoritarismo e pede intervenção militar, porque essa juventude não conheceu o que é o autoritarismo, as dores e mazelas de um estado autocrático“, declarou.

A ministra também comentou o recente julgamento de militares acusados pela morte de um músico e um catador de recicláveis no Rio de Janeiro. Para ela, a redução da penas dos envolvidos versa contra a imagem do STM. As vítimas foram alvejadas por 257 tiros, mas a maioria dos ministros da corte entendeu que o homicídio do catador foi culposo e não doloso. Já no caso do músico, o STF entendeu de não havia como afirmar que o tiro que o matou partiu dos militares.

“Acho que foi ruim para a Justiça Militar. (…) o fato é que mesmo que aquele músico e aquele catador fossem meliantes, como a tropa se referiu a eles, não é assim que uma pessoa deve ser tratada pelo Estado. Quando um criminoso infringe a lei, ele deve ser acusado, julgado, absolvido ou condenado, cumprir sua pena e ser depois reinserido. Isso é o que o estado de direito proclama, mas, infelizmente, o Estado brasileiro está adoecido com a criminalidade, então acha que bandido bom é bandido morto.“

<><> Confira os principais pontos da entrevista abaixo:

·        O STM na ditadura e a omissão do MP Militar

A sociedade civil pouco conhece a atuação da Justiça Militar na ditadura. É lamentável, porque nos criticam muito – e acho que todas as instituições merecem críticas, é assim que nos aperfeiçoamos – mas também merecíamos aplausos. E os aplausos não vêm. Durante a ditadura, foi o Superior Tribunal Militar que concedeu a primeira liminar em habeas corpus, que serviu de precedente para o STF. Quando o AI-5 acabou com habeas corpus para crimes políticos, o STM criou o chamado direito de petição que os grandes advogados da Nação dizem que salvou muitas vidas porque identificavam onde os presos estavam, que não poderiam desaparecer nem serem assassinados.

O STM garantiu a liberdade de imprensa quando disse que palavras chulas, mesmo expressas de forma vulgar, não constituíam crimes contra a segurança nacional, se referindo especificamente ao Pasquim.

Quando o AI-5 quebrou a comunicabilidade dos presos com seus advogados, o STM autorizou que houvesse esse contato.

O direito às greves, quando reivindicavam melhorias salarias, o STM assentou que não configuravam crimes contra a segurança nacional.

E, por fim, foi o único tribunal pátrio que assinou, num acordão subscrito à unanimidade – por todos os generais, almirantes, brigadeiros e civis -, que as torturas e sevícias eram inaceitáveis.

É lógico que o STM tinha noção das torturas – até porque fui eu, na minha primeira presidência, que mandei degravar as sessões secretas e passar para a mídia digital. Mas quem deveria agir não era o STM, mas o Ministério Público Militar. O Judiciário só age quando provocado, não de ofício. Era preciso que o Ministério Público Militar apresentasse as denúncias de torturas e sevícias que ocorriam dentro dos quartéis, no DOPS e outros locais, e isso nunca foi feito.

·        STF, ocultação de corpos e Lei da Anistia

Eu sou interessada [na decisão do ministro Flávio Dino que trata ocultação de corpos como crime continuado]. O meu cunhado estava na luta armada e é desaparecido político. Ele se chama Paulo Costa Ribeiro Bastos. Ele desapareceu com 27 anos. Meu marido, na época, era um major com 29 anos. Meu sogro era um general. Mas a ditadura não escolhe suas vítimas, mata todas indistintamente.

Neste caso, Flávio Dino se esqueceu de um ponto: as torturas. Muitos torturados estão vivos e a tortura é um crime inafiançável e imprescritível. Está na Constituição. Ademais, o Brasil é signatário de todos os tratados de direitos humanos internacionais que, por decisão do STF, têm status supralegal: está abaixo da Constituição mas acima das leis. Portanto, acima da Lei de Anistia. Mas, de toda sorte, o próprio STF, disse que a Lei da Anistia era válida. E veja, temos dois julgados na Corte Interamericana, onde foi assentado pela Corte que a Lei de Anistia não era válida e que o Brasil tinha que julgar crimes da ditadura. Mas o STF entendeu que não. A decisão do Supremo é inconvencional, ou seja, é contra a Convenção Interamericana. É preciso que ela seja revista pelo plenário da Corte para que o pronunciamento de Flávio Dino seja efetivamente válido, caso contrário, tudo ficará como está.

·        Militares são legalistas

Meu cunhado especificamente estava na luta armada e não era militar. Militar era seu irmão e pai. Mas muitos militares foram perseguidos. Não podemos nos esquecer que o comunismo nasceu com Prestes dentro dos quartéis. Houve perseguição, muitos militares foram cassados. Eles não estavam indenes aos horrores da ditadura, da tortura e das perseguições. Ninguém escapou ileso [entre] quem se opunha ao regime.

(…)

Os militares sempre foram legalistas. Pela primeira, em 1964, foi o rompimento da ordem constitucional. A partir daí, a política entrou dentro dos quartéis. É lógico que na Revolução de 1930, na ditadura de Vargas, também aconteceu isso, mas com menos força. Sessenta e quatro foi o apocalipse, foi a hecatombe.

Acho que está provado que os militares serão sempre obstados de qualquer expectativa política, porque não há como se falar que o poder militar não se submeta ao poder civil. A criação do Ministério da Defesa pelo presidente Fernando Henrique é prova disso. Acabaram-se os ministérios militares, que foram transformados em comandos.

Os militares, via de regra – com exceção de alguns -, são legalistas, batem continência para a Constituição. Tanto é que o comandante do Exército, o Alto Comando do Exército e o comando da Força Aérea não aceitaram a tentativa de golpe. E o almirantado sequer tomou conhecimento desse plano escabroso – não me refiro ao Almirante Garnier [que apoiava o plano de golpe de 2022]. O almirantado desconhecia isso. Eu convivo com eles, almirantes da ativa e da reserva, todos foram unânimes em me dizer que não tinham conhecimento desse complô.

·        O caso do músico assassinado com 257 tiros

Eu fui voto vencido no julgamento. Eu mantive as penas elevadas, fiz apenas distinção com relação ao cabo e soldado, porque acho que, numa cadeia de comando, um sargento que estava anos na força e jovens que obedeciam às ordem não podem ser apenados da mesma forma. Mantive a pena do tenente de 32 anos e do sargento, de 28 anos, e abaixei a do cabo e soldados, todos cumprindo em regime fechado.

Acho que [a decisão da maioria do STM] foi ruim para a Justiça Militar. É difícil criticar voto de um colega, porque, afinal, cada um tem sua consciência de julgador e tem sua visão de mundo. Mas o fato é que mesmo que aquele músico e aquele catador fossem meliantes, como a tropa se referiu a eles, não é assim que uma pessoa deve ser tratada pelo Estado. Quando um criminoso infringe a lei, ele deve ser acusado, julgado, absolvido ou condenado, cumprir sua pena e ser depois reinserido. Isso é o que o estado de direito proclama, mas, infelizmente, o Estado brasileiro está adoecido com a criminalidade, então acha que bandido bom é bandido morto.

·        Enfrentamento à criminalidade

Acho que falta uma política de enfrentamento à criminalidade, mas políticas efetivas e não de extermínio. Falta letramento em direitos humanos por parte das polícias e Forças Armadas. É preciso fortalecer a Carta Cidadã para que seja respeitada. Acho, também, que a sociedade brasileira está adoecida. Tivemos uma pena que quase equivaleu à absolvição no caso de Guadalupe, mas os homicídios cometidos por PMs contra civis e que são julgados nos tribunais do júri, não na Justiça Militar, resvalam todos em absolvições, porque na cabeça das pessoas ‘bandido bom é bandido morto’. São visões deturpadas de um processo civilizatório que estacionou. Para mim, se assemelha à barbárie, e isso me assusta demais, porque, afinal de contas eu falo pelo Estado e acredito no contrato social. Se eu não acreditar nas instituições, no Estado, no bom funcionamento da Justiça, o que estou fazendo lá?

·        Democracia consolidada?

O que aprendi com o 8 de Janeiro e essas novas descobertas da Polícia Federal [a respeito do plano de golpe de 2022, que envolvi tentativa de assassinato de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin] é que a democracia nunca está pronta e acabada. Ela tem que ser vigiada permanentemente, construída diariamente.

A Constituição é um projeto inacabado, é um pacto intergeracional onde as futuras gerações têm que aprimorá-la, lutar pela legitimidade e pela legalidade. Porque, como diz meu querido amigo Flávio Bierrenbach, que foi ministro da mesma corte que ocupo: quando a democracia se despede, ela não costuma dizer adeus. Quando ela parte, a gente só se dá conta depois que se foi. E aí não tem o que fazer.

(…)

O nosso processo civilizatório, nossa história escravocata, as elites que sempre tomaram conta do país e não querem vê-lo progredir, tudo isso faz parte de uma conjunção de fatores históricos que explicam os acontecimentos de hoje. Eu realmente acreditei, quando a Constituição de 1988 foi promulgada, que estávamos virando uma página da história. Mas eu vi que não. E eu fico assustada quando a juventude fala em autoritarismo e pede intervenção militar, porque essa juventude não conheceu o que é o autoritarismo, as dores e mazelas de um estado autocrático. Eu mesma tinha 4 anos quando 1964 foi desfechado. Mas eu leio, eu estudo. E tive dentro da minha família uma história de desaparecimento político. Meu pai também era um homem de esquerda, fundador do PDT em Minas Gerais. Então eu tive no berço uma instrução política e ideológica, mas isso não acontece com a juventude de hoje.

 

Fonte: Por Danton Mello e Silva e Karen Beatriz Magalhães dos Santos, no Jornal GGN

 

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