A crise da Inteligência,
artificial
As estratégias de inteligência artificial vieram para mexer com os brios
das big techs e tamanha é a revolução que a incorporação da
inteligência artificial está forçando essas empresas a mudar suas estratégias
de atuação sob o risco de ficarem obsoletas. O impacto é tal que essas empresas
estão comprando brigas pesadas até mesmo com as instituições de Estado para
ganhar tempo e poder ajustar seus pesados custos e processos no treinamento das
suas inteligências artificiais.
Nas recentes crises entre as big techs e o poder
público (seja o brasileiro ou os outros) tão importante quanto os resultados
práticos que significam, é preciso entender que governos e parte dos
intelectuais que analisam os acontecimentos se equivocam porque movem pelas
ideologias, enquanto os CEOs das empresas e os entendidos dos negócios de
microchips se movem pelo capital. Nessa dissonância de propósitos as empresas
têm muito a esconder e querem que continuemos a acreditar que sua motivação é
fundamentalmente ideológica, porque assim permanecemos ignorantes nas questões
técnicas que sustentam o capital digital.
Despistar o essencial ajuda a fazer com que nos ceguemos para os dados,
que são absorvidos por suas empresas, seguindo o fluxo de alimentação da
inteligência artificial de modo voluntário e gratuito, o que alimenta o capital
digital à custa de conflitos para o cotidiano social. Fazer com que não
percebamos onde está sua mina de ouro e persuadir a população de que a
liberdade de expressão que eles pregam é de fato desejável é a maior habilidade
técnica desses performáticos CEOs das big techs.
No contexto brasileiro, primeiro veio a crise com o “X”, a rede social
comprada por Elon Musk que se recusou a cumprir a ordem do STF. A origem desta
crise foi a decisão corporativa de manter perfis falsos na ativa depois de
determinação judicial para retira-las. Lembremos que o caminho para o aumento
do engajamento robótico iniciou com a decisão (anterior) da “X” em acabar com
as checagens de perfis. Com isso o volume de dados da rede aumentou e só então
veio o receio de que o crescimento do trafego artificial pudessem ter peso nas
eleições brasileiras.
Para aqueles que se atentaram aos fatos, a questão foi muito menos
política e mais tecnológica no que diz respeito aos ataques do dono da rede
social “X” (antigo Twitter). No final ficou para a disputa a capacidade que o
conglomerado bilionário do empresário tinha em desrespeitar decisões judiciais.
O STF determinou que perfis falsos e postagens duvidosas fossem retirados da
plataforma. A “X” se recusou a cumprir a ordem judicial e seu dono, Elon Musk,
resolveu usar a plataforma para questionar os poderes judiciais atacando
pessoalmente o Ministro Alexandre de Moraes.
O resultado todos nós conhecemos: os outros negócios vinculados ao “X”
foram também punidos pelo descumprimento da ordem. Até chegar na Starlink. Aí,
encontrou-se o calcanhar de Aquiles. Mais uma vez, a política era secundária em
relação a estratégia: Starlink é a principal redes de internet da Amazônia.
Provavelmente ela tem mais dados a respeito da floresta e seus moradores que o
governo. Além do resultado financeiro que isso projeta paralisar as atividades
da empresa significava ficar sem esses dados que eles têm sobre a região e
abrir espaço aos concorrentes. Resultado: Elon Musk recuou.
Retirar a checagem de perfil ou de procedimento de postagem era (e é) o
cerne da questão que foi transformada em celeuma entre os órgãos públicos do
Brasil e o próprio Elon Musk, que agora se tornara conselheiro do governo dos
EUA. Agora, por seus próprios motivos, a Meta segue o mesmo caminho. O
argumento para isso é sempre defendido como uma cruzada das big techs em
favor a liberdade de expressão e manifestação na internet. Mas, talvez isso
seja apenas uma pista falsa para jogar com a plateia e conquistar apoio social
ao mesmo tempo em que esconde as vantagens de estimular a ampliação do trafego
artificial: o treinamento da Inteligência Artificial dessas plataformas.
Então, o dono da Meta, outra figura carimbada adotada pelo Vale do
Silício, o icônico criador do Facebook, Mark Zuckerberg anunciou que encerrara
o sistema de checagem de fatos nas redes justificando que “tem sido muito
tendenciosos politicamente e destruíram mais a confiança do que criaram”. A
questão parece se relacionar diretamente com a primeira, em que as empresas de
tecnologia, principalmente as redes sociais estão numa ofensiva para questionar
os limites da fé pública na regulamentação jurídica.
A maior parte dos tomadores de decisão dentro dessas megacorporações
sabe que essa é uma luta perdida, e que o máximo que vão conseguir algum tempo
nos países da OCDE que os permite reorientar seus modelos negócios para
concorrer com novas startups que já vão nascer no mundo de
regulação. Isso faz com que seja uma luta contra o tempo para aproveitar ao
máximo da janela de oportunidades em treinar as inteligências artificiais em
ambiente de mata virgem e tornar-se mais eficiente que a concorrente.
Por isso, está claro que Elon Musk e Mark Zuckerberg, assim como Jeff
Bezos e outros figurões das big techs sabem que não vão
conseguir salvar seus negócios da imposição de limites e responsabilidades
legais em ambientes mais restritivas nos EUA e na União Europeia no futuro. Em
relação a China então: não há a menor chance de influírem na política digital
daquele país com suas pirotecnias retóricas. Nesse contexto, é compreensível
que eles arriscarem-se nos países periféricos onde a luta pode render outros
frutos e o treinamento da inteligência artificial é uma aposta que pode
mantê-los na vanguarda.
Por isso politizar a questão jurídica no Brasil é tão importante. Ainda
estamos distantes de uma governança para a internet ou a Inteligência Artificial.
Entrar em conflito com as Instituições de Estado permite a essas empresas
reduzir a velocidade da tendência à regulação; inclusive seria uma derrota a
essa empresas as propostas de tomá-las corresponsáveis pelos prejuízos às
pessoas e instituições.
Mas, ainda é preciso observar que cada empresa convive com seus próprios
dramas. Meta e X não têm a mesma estratégia, mesmo tomando decisões similares.
No caso de Mark Zuckerberg, a motivação principal parece ser seu atraso
tecnológico e os prejuízos financeiros que isso possa gerar; enquanto para Elon
Musk aumentar o tráfego e treinar a inteligência artificial neste momento já
está no mapeamento do controle da informação.
Me explico: o Facebook passou por um desgaste enorme junto ao congresso
dos EUA depois das eleições de 2016. Em 2018 o próprio CEO da empresa, o mesmo
Zucherberg foi intimado pelo Congresso dos EUA para se justificar de como dados
foram vazados para a Cambridge Analytics e outras empresas de
manipulação digital e como isso influenciou nas eleições. Numa tentativa de
resguardar a imagem da empresa, o Facebook criou as checagens, investiu em
governança dos dados – atenção: por pura sobrevivência e não por ideologia.
Além disso, mudou se reposicionou, virou Meta e definiu como estratégia
de longo prazo investir em realidade aumentada, jogos 3D, óculos virtuais etc;
afastando-se das questões políticas. Mas o crescimento da tecnologia nessa
direção não correspondeu e a opção pela realidade virtual se mostrou errada; o
mundo das big techs caminhou para outro lugar, e a chamada
quarta fase das TICs foi para a Inteligência Artificial e não para a internet
das coisas como muitos esperavam ou para a realidade aumentada como
alternativa; e a Meta teve outro revés.
Se esta hipótese estiver correta, as empresas de Mark Zuckerberg
perderam muito tempo e dinheiro com a realidade virtual e não deu a devida
atenção à inteligência artificial. Agora vão precisar correr atrás do prejuízo.
Fazer as checagens e realizar um mínimo de controle de conteúdo é caro, custa
tempo e atrapalha na alimentação da base de dados da inteligência artificial.
Depois do fiasco de 2016, fez sentido o Facebook investir em checagem e
confiabilidade para resgatar sua imagem, mas com os rumos recentes da
inteligência artificial, a Meta abandonar a checagem é uma decisão financeira e
tecnológica, não ideológica. Mark Zuckerberg não pode admitir isso,
publicamente, então usa como muleta a retorica da liberdade de expressão.
Obviamente que todos sabemos qual é a política de checagem ideal para o
Vale do Silício: guerra de todos contra todos e quem sair vivo tem razão. E se
isso proporciona um prejuízo social sem precedentes o importante é esconder
qualquer nexo causal com a balbúrdia. Por não haver comprovação cientifica de
que a ganancia por dados das big techs provocam anomia social,
as empresas não estão submetidas ainda a uma legislação restritiva.
Meta se antecipou ao problema (talvez pela sua crise de 2018) e criou
filtros de checagem. A atual mudança de estratégia da Meta em abandona o
sistema de checagem é um revés considerável para aqueles que defendem a
regulação ao mesmo tempo em que a empresa entende que o enquadramento público
pode demorar.
Particularmente acho difícil que o compromisso da Meta com os filtros
tenham se pautado pela ética. Assim como o revés recente não parece estar
ligado a ode a liberdade de expressão, mas há uma mudança de rumo nas decisões
de investimentos da empresa muito atenta ao desenvolvimento da inteligência
artificial. E digo mais: se eu tivesse dinheiro investido em papeis da Meta,
correria para trocá-los; eu não apostaria no Facebook como uma ferramenta
relevante em quatro ou cinco anos.
Tudo isso não significa que o governo brasileiro não deva estar atento e
consciente das implicações que essas decisões das big techs provocam.
Num país onde a cultura da internet forma ignorantes virtuais virulentos em
proporções maiores que a média, o efeito da retirada de checagens é imediato e
deletério. Mas, também é preciso entender contra quem e em favor de que se organizam
as disputas, para se permitir sair delas fortalecido.
A Meta está numa guerra com seus concorrentes embora “eleja” o governo
como antagonista, aparentemente está perdendo espaço dentro da disputa
empresarial por inovação. Sua atitude é menos de política e mais de desespero e
o que interessa a eles não é uma visão positiva da opinião pública, mas correr
atrás do prejuízo que é o treinamento das suas ferramentas de inteligência
artificial.
Com as redes neurais da inteligência artificial empresas como a Meta, X,
Amazon, Google, Apple etc, precisam de megadados para treinar seus robôs.
Precisam de muito engajamento para calibrar suas ferramentas e mais do que
dados em volume exponencial, também precisam de variedade, diversidade,
contrastes e multiplicidade de tipos. Por esses critérios, o mercado brasileiro
é um oásis de dados. Quer pais mais diverso, desigual multirracial e multipolar
que o Brasil? Tem volume e diversidade. O mercado brasileiro de alimentação de
inteligência artificial é ótimo para qualquer empresa, que ainda tem uma
legislação totalmente permissiva extração de dados e engajamento dos
algoritmos.
Pensar que há uma motivação ideológica para a Meta mudar sua política de
checagem pode ser um erro se observada a evolução tecnológica do presente. O
que importa não é a ideologia, é o dado. E o governo brasileiro e nossas
instituições de Estado precisam considerar que os dados aqui produzidos pela
interação dos usuários são o que importa a essas empresas.
Se o custo é de que uma pessoa morreu por pressão nas redes, se há
disputas nas famílias que provocam violência, se há polarização entre vizinhos,
golpe ou qualquer desconstrução social, tanto faz para os CEOs; desde que os
nexos entre aumento do engajamento virtual e aumento dos conflitos sociais não
sejam estabelecidos… e, principalmente: desde que os dados cheguem.
Assim, se há nexo entre o virtual e a anomia, tanto melhor que os
conflitos aconteçam porque se retroalimentam: se o engajamento virtual aumenta
o conflito social, o caminho oposto também ocorre e o aumento do conflito
social provoca mais engajamento virtual.
Fonte: Por Luís Fernando Vitagliano, em A
Terra é Redonda
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