segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Ausência de Lula, crítica a Milei e protestos: os destaques da posse Maduro sob acusações de fraude

Nicolás Maduro antecipou em algumas horas sua cerimônia de posse para um terceiro mandato como presidente da Venezuela nesta sexta-feira (10/1), diante do plano da oposição de tomar posse no lugar do contestado mandatário.

"Eles tentaram transformar a tomada de posse (...) em uma guerra mundial. Que eles invadam, que eles entrem, que eles saiam... Digam o que quiserem dizer, façam o que quiserem fazer, mas eles não conseguiram impedir essa inauguração constitucional venezuelana, e essa é uma grande vitória venezuelana", disse Maduro.

Apesar das acusações de fraude da oposição e de governos internacionais, o líder inicia um terceiro mandato marcado por dúvidas sobre sua legitimidade.

"Juro perante esta Constituição que cumprirei todos os seus mandatos, que cumprirei todas as obrigações da Constituição e das leis da República, e que este novo mandato presidencial será um período de paz, prosperidade, igualdade e nova democracia", afirmou Maduro ao assumir o cargo em sessão no emblemático Salão Elíptico.

"Juro pela história, juro pela minha vida", acrescentou ele, com a mão direita sobre a Constituição venezuelana, diante do presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez.

·        Discurso desafiador

Após prestar juramento de posse, Maduro fez um longo discurso no qual reivindicou a legitimidade de seu novo mandato presidencial.

"O poder dos Estados Unidos, junto com seus escravos na América Latina, transformou a eleição venezuelana em uma eleição global. E nós vencemos", disse Maduro.

O líder oficial brincou várias vezes sobre a possibilidade da chegada do candidato opositor Edmundo González Urrutia, que reivindica ser o verdadeiro vencedor das eleições de 28 julho.

Ele está exilado na Espanha desde setembro e prometeu retornar à Venezuela e assumir o cargo.

"Já chegou?", perguntou Maduro, em tom de brincadeira, em meio às risadas dos convidados do evento no Palácio Legislativo, em Caracas.

O mandatário acusou "os governos fascistas de direita da América Latina" de serem "desequilibrados" e "espalharem ódio" por sua incapacidade de removê-lo do poder.

"Eles não aprenderam com a experiência de Guaidó", disse ele, referindo-se ao político da oposição reconhecido em 2019 como presidente interino do país pelos Estados Unidos e pela maioria dos países da União Europeia e da América Latina.

O líder chavista também teve como alvo o presidente argentino Javier Milei.

"A extrema direita sionista liderada por um sádico social como Javier Milei, com a ajuda do império norte-americano, acreditava que poderia impor um presidente à Venezuela", disse Maduro.

·        Denúncias de fraude

A posse de Maduro ocorreu apesar das alegações de fraude da oposição, que aponta a vitória de Edmundo Gonzálvez, reconhecido como presidente eleito por outros países.

Nos últimos dias, o líder da oposição embarcou em uma viagem que o levou à Argentina, Estados Unidos, Panamá e República Dominicana para angariar apoio.

A cerimônia de posse de Maduro começou antes da cerimônia de abertura no Palácio Legislativo Federal, sede do parlamento unicameral da Venezuela.

A oposição afirma que González obteve quase 70% dos votos, de acordo com 80% dos registros de votação publicados pela aliança anti-Chávez.

Sem mostrar os comprovantes eleitorais, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo partido no poder, afirmou que o candidato à reeleição venceu com 52% dos votos.

<><> Convidados internacionais

"Fiquei muito emocionado ao receber minha faixa presidencial", disse Maduro durante seu discurso, que foi feito cercado pelo alto comando militar venezuelano, os mais altos representantes dos poderes públicos – todos controlados pelo partido no poder –, seu gabinete e representantes internacionais.

Os presidentes de Cuba e Nicarágua, Miguel Díaz Canel e Daniel Ortega, respectivamente, foram os únicos líderes da região que compareceram à posse, depois que a maioria dos governantes questionou os resultados eleitorais e a cerimônia de posse de Maduro.

Representantes da Rússia, do Irã e da China também compareceram.

A maioria dos líderes latino-americanos se recusou a comparecer, incluindo aliados do governo de Maduro, como o presidente colombiano Gustavo Petro e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Lula optou por não comparecer ao evento, após o governo brasileiro criticar o processo eleitoral venezuelano e se recusar a aceitar a vitória de Maduro sem que fossem apresentadas as atas de votação que atestam o resultado.

O país decidiu, entretanto, enviar um representante à posse - a embaixadora em Caracas, Gilvânia Maria de Oliveira.

O governo dos EUA também apoiou a oposição venezuelana. Após a captura e libertação de María Corina Machado no dia anterior, Donald Trump, que tomará posse em 20 de janeiro, referiu-se a Gonzalez como "presidente eleito" e disse que ambos os líderes oposicionistas deveriam permanecer "seguros e vivos".

O atual governo Joe Biden impôs mais sanções à Venezuela nesta sexta-feira e aumentou a recompensa oferecida pela prisão de Maduro e outros líderes chavistas para US$ 25 milhões (R$ 152 milhões), segundo a agência Reuters.

As novas autoridades sancionadas incluem o recém-nomeado chefe da empresa estatal petrolífera venezuelana PDVSA, Hector Obregón, o ministro dos Transportes da Venezuela, Ramon Velasquez, e autoridades policiais e militares.

A medida coincidiu com sanções anunciadas pela Grã-Bretanha e pela União Europeia contra 15 autoridades venezuelanas, incluindo membros do Conselho Eleitoral Nacional e das forças de segurança. O Canadá também impôs novas sanções à Venezuela.

Maduro e seus assessores sempre rejeitaram as sanções dos EUA e outros países, dizendo que são medidas ilegítimas que equivalem a uma "guerra econômica" destinada a prejudicar a Venezuela, lembrou a Reuters.

<><> Perseguição a opositores

Maduro foi empossado em meio a uma atmosfera tensa, um dia após a líder da oposição María Corina Machado ter sido presa e liberada minutos de participar de um protesto contra a posse de Maduro em todo o país.

"O que eles fizerem amanhã marcará o fim do regime", disse Machado a uma multidão de milhares de apoiadores da oposição em Caracas na quinta-feira. "Estamos em uma nova fase."

Mais tarde, foi relatado que a líder havia sido "violentamente" detida pelas forças de segurança do Estado e posteriormente liberada.

Autoridades venezuelanas negaram a prisão e alegaram que as acusações da oposição faziam parte de uma "operação psicológica" que buscava gerar violência.

Pelo menos vinte pessoas foram presas em 157 protestos em todos os Estados do país um dia antes da posse, informou o Observatório Venezuelano de Conflito Social (OVCS).

O governo de Maduro lançou uma onda de prisões de líderes, ativistas e cidadãos comuns após protestos desencadeados pelo anúncio de sua vitória nas eleições de 28 de julho.

Nos últimos cinco meses, mais de 2 mil pessoas foram presas, incluindo pelo menos 100 menores.

Após a posse de Maduro, o governo ativou uma intensa mobilização de segurança envolvendo forças policiais e militares em todo o país, que montaram postos de controle nas ruas para impedir reuniões da oposição.

Aos 1,2 mil agentes uniformizados que saíram às ruas juntaram-se funcionários da Direção de Ações Especiais de Contrainteligência Militar (DGCIM), que, juntamente com o Serviço Nacional de Inteligência Bolivariano (Sebin) e o Exército, está entre os órgãos acusados por instâncias como a Organização das Nações Unidas (ONU) de cometer crimes contra a humanidade, como tortura, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias.

 

¨      Nicolás Maduro tem condições de vencer os desafios do terceiro mandato. Por José Reinaldo Carvalho

O presidente Nicolás Maduro iniciou seu terceiro mandato à frente da Venezuela demonstrando capacidades que podem ser decisivas para o sucesso de seu governo, assegurando um futuro vitorioso para a Revolução Bolivariana. São fatores internos e externos que precisam ser levados em conta pelos governos e forças políticas partidárias e sociais no exterior. Em seu discurso de posse, o presidente revelou uma notável lucidez política, com clareza de propósitos e convicções arraigadas que apontam seu preparo para percorrer um caminho firme e estratégico. Foi um discurso que combinou emoção com lucidez e ciência política, história e perspectiva e uma análise criteriosa dos desafios do presente, e que destacou a importância da participação popular e apresentou um ambicioso programa de sete transformações para o futuro da Venezuela.

A capacidade de resistência, cultivada ao longo de anos de desafios internos e externos, destaca-se como um dos pilares de sua liderança, acompanhada de um programa de governo bem definido.

Entre os fatores favoráveis à continuidade de seu projeto político está a combinação entre firmeza e disposição para realizar um diálogo político e social amplo, abrangente e inclusivo, do qual só exclui a extrema-direita violenta e de caráter entreguista. Isto se expressou cristalinamente por meio do anúncio de uma reforma constitucional, concebida para atender aos anseios por mais democracia e participação popular. Essa iniciativa reforça o compromisso do governo com a construção de um modelo que amplie os direitos e a inclusão dos venezuelanos no processo político. Maduro fez acenos ao empresariado, instando-o a participar integralmente na primeira das sete transformações que constituem a essência de seu programa de governo: a transformação econômica, priorizando a diversificação produtiva, com foco na indústria nacional e na agricultura, para reduzir a dependência do petróleo. O apelo soou como música. 

O Plano das Sete Transformações de Maduro é uma proposta desenvolvimentista que tem  encontrado eco em setores empresariais que reconhecem a necessidade de uma economia menos dependente do petróleo e mais integrada aos mercados globais emergentes. Este é um dos caminhos que Maduro irá trilhar para combater as ações das “oligarquias de sobrenome”, estes setores antipopulares e vende-pátria que continuam a agir como obstáculos ao desenvolvimento soberano, alinhando-se aos interesses estrangeiros e tentando deslegitimar os esforços do governo pelo progresso econômico e social.

Assim, Maduro se lança num empenho para articular alianças e promover o entendimento com diferentes setores da sociedade e aponta para o desenvolvimento nacional e o máximo aproveitamento das potencialidades do país. 

Tudo isso está, por óbvio, ligado a um aguçado senso de responsabilidade para exercer a autoridade que lhe foi conferida pelo povo, não por algum governo estrangeiro, como assinalou em seu pronunciamento. Esta autoridade o capacita a unir e mobilizar o povo e comandar as Forças Armadas e demais instituições de defesa, segurança, promoção da paz e garantia da estabilidade, mantendo-as alinhadas ao projeto de desenvolvimento soberano e independente do país. Esse equilíbrio entre liderança política, clareza programática e capacidade de resistência oferece as condições para que o terceiro mandato de Maduro seja marcado por avanços significativos e pela consolidação do projeto bolivariano.

A combinação desses fatores com uma política externa baseada no interesse nacional, no internacionalismo e na leitura correta da nova situação mundial pode ser decisiva para que a Venezuela supere os desafios da nova etapa.  

<><> O caminho da multipolaridade 

Sob o cerco de uma intensa pressão internacional, liderada por um imperialismo ocidental  em declínio econômico e político, Nicolás Maduro tem conseguido promover a inserção da Venezuela no sistema internacional de forma a garantir não apenas a soberania do país, mas também avanços significativos no campo econômico e geopolítico. O presidente venezuelano não só resiste às sanções e pressões impostas por potências ocidentais, designadamente o imperialismo estadunidense, mas também tem fortalecido laços com os polos dinâmicos da economia e da política mundiais – especialmente China, Rússia e o Sul Global (este com suas reivindicações por uma nova ordem econômica), construindo um modelo de cooperação que aponta para o desenvolvimento nacional no quadro de uma nova globalização e da emergente multipolaridade. 

A China, hoje o principal motor da economia global, tem sido uma das peças-chave na estratégia de Maduro. A cooperação com Pequim inclui acordos em infraestrutura, energia, tecnologia e agricultura, que não apenas impulsionam setores estratégicos da economia venezuelana, mas também contribuem para reduzir a dependência do país em relação aos países imperialistas ocidentais. Os investimentos chineses na Venezuela, com visão de desenvolvimento compartilhado, reforçam uma política de desenvolvimento de longo prazo, voltada para a diversificação econômica.  

A parceria com a Rússia também desempenha um papel decisivo, especialmente no campo energético e militar. Com o apoio de Moscou, a Venezuela tem conseguido preparar-se para enfrentar a hostilidade norte-americana e fortalecer sua capacidade de defesa. Além disso, a aliança estratégica entre China, Rússia e os países do Sul Global, simbolizada principalmente pelo BRICS, representa uma transformação estrutural na ordem mundial. Esse bloco, agora ampliado, surge como um contrapeso ao unilateralismo do imperialismo ocidental e como o principal vetor das mudanças que a multipolaridade propicia.

Nessa perspectiva, Maduro tem razão ao afirmar que a Venezuela é membro do BRICS desde sua independência, em uma potente metáfora que reflete o sentimento de pertencimento dos países independentes ao movimento por multipolaridade e soberania. Essa posição não é apenas simbólica, mas também prática, dado que os países do Sul Global veem na Venezuela um aliado estratégico na luta contra o imperialismo econômico e político. E também porque entre os países fundadores do BRICS, a China e a Rússia já deixaram claro que querem a Venezuela no grupo. A recepção calorosa que Vladimir Putin ofereceu a Nicolás Maduro em Kazan, na última Cúpula do BRICS, foi um gesto contundente, que nenhum veto pode obnubilar.  

Maduro tem conseguido avançar apesar dos obstáculos, demonstrando que a cooperação com os países do Sul Global é um modelo virtuoso de resistência e progresso. Os acordos com China, Rússia, Irã e outros países emergentes não só fortalecem a economia venezuelana, mas também projetam o país como um exemplo de soberania e independência.

<><> O Brasil e a necessidade de um reposicionamento

O Brasil, sob o governo de Lula, precisa reavaliar sua posição em relação à Venezuela. A postura de distanciamento e hostilidade é incompatível com os princípios históricos da política externa brasileira, baseados na solidariedade latino-americana e no fortalecimento do Sul Global. Além disso, nos últimos dias, uma ensurdecedora cacofonia soou estridente, com uma diversidade de vozes de figuras do governo, da oposição de extrema direita, de setores equivocados da esquerda, governadores estaduais, veículos da mídia empresarial, representantes do Legislativo e do Judiciário a condenar a posse de Maduro como algo lamentável e simbólico do ataque à democracia, como se o Brasil estivesse querendo inventar uma espécie de “Delenda Venezuela”, como nos tempos do senador Catão para com Cartago. 

Um alinhamento mais próximo entre Brasil e Venezuela é essencial para consolidar o papel da região como um polo relevante no cenário internacional. Uma leitura correta do atual quadro geopolítico deveria convencer as instâncias dirigentes de nossa política externa que o sol não nasce na Casa Branca sob a liderança de um governo cessante que fracassou em toda a linha, nem em Champs Elysées, cujo atual inquilino não vale sequer uma missa. 

A integração regional, impulsionada por mecanismos como o BRICS, demanda que o Brasil atue como um parceiro estratégico da Venezuela, reconhecendo os avanços do governo Maduro e colaborando para superar os desafios impostos pelas sanções internacionais. Essa aliança é fundamental para fortalecer a multipolaridade e garantir que a América Latina ocupe um lugar de destaque na nova ordem mundial.

<><> O que virá de Trump? 

Há uma incógnita no cenário internacional quanto à estratégia que o imperialismo estadunidense adotará em face do terceiro mandato de Nicolás Maduro, o que só tomará forma a partir da posse no próximo dia 20 de janeiro. 

Donald Trump adotou uma postura agressiva em seu primeiro mandato, incluindo sanções e tentativas de desestabilização, mas ainda não está claro se ele irá radicalizar ainda mais essa abordagem ou optará por um caminho mais pragmático em face das novas circunstâncias. A pergunta que todos os governos e forças políticas se fazem é se a crescente influência da China e da Rússia na região e o protagonismo global dessas duas potências com as quais os Estados Unidos rivalizam levará o governo Trump a reconsiderar suas estratégias, buscando evitar um maior isolamento dos EUA no hemisfério e uma confrontação que no momento não é prioritária considerando a guerra na Ucrânia e o genocídio perpetrado por Israel contra os palestinos, com a perspectiva de uma crise generalizada no Oriente Médio.

Maduro demonstrou que a Venezuela, com seus princípios e a decisão de resistir a quaisquer ameaças, prepara-se diuturnamente para enfrentar situações adversas e se mostra capaz de trilhar um caminho independente mesmo diante das adversidades, com a noção estratégica de que não se enfrentam guerras simultaneamente. 

 

Fonte: BBC News Mundo/Brasil 247    

 

Nenhum comentário: