Violência policial, uma crise de saúde
pública
As últimas noticiais publicizadas em torno das ações dos agentes de
segurança pública no Brasil, especialmente nas capitais São Paulo/SP e
Salvador/BA, chamam a atenção pelo descontrole de suas ações. A violência
policial tem impulsionado o debate acerca da competência das instituições
públicas quanto à sua real capacidade de promover condições objetivas de segurança
e ordem social.
O caso do jovem de 25 anos, Marcelo Amaral, que ficou ferido quando foi
arremessado do alto de uma ponte da zona sul da cidade de São Paulo por um
policial militar, quando já estava dominado e desarmado, ilustra bem a
discricionariedade, o descontrole e a violência que permeiam as ações de
abordagem dos agentes policiais ostensivos. Este caso ocorreu na madrugada do
dia 02 de dezembro de 2024, no bairro de Vila Clara. Já em Salvador, na
madrugada do dia 1º de dezembro de 2024, no bairro de Ondina, o jovem de 17
anos, Gabriel Santos Costa, foi morto e outro jovem de 19 anos, o qual não teve
o nome divulgado, foi gravemente ferido por um policial à paisana. Os jovens
foram rendidos, xingados e obrigados a colocarem seus rostos no asfalto com as
mãos na cabeça. Mesmo rendidos, desarmados e obedecendo a todas as ordens,
receberam cerca de 12 tiros disparados pelo policial.
Os casos mencionados ratificam como a intersecção entre raça-etnia,
classe social, pertencimento territorial e perfil etário tem sido determinante
na produção dos critérios de suspeição na prática dos agentes de segurança
pública no Brasil. São exatamente os jovens negros, pobres e moradores de
favelas os que se configuram como público alvo das abordagens policiais mais violentas,
muitas destas resultando na morte destes jovens ou em ferimentos com
consequências gravíssimas (Anunciação; Trad; Ferreira, 2020).
O processo de determinação social, permeado pelo racismo estrutural e
institucional, mostra como a ausência de políticas públicas articuladas à
defesa e promoção da cidadania de pessoas negras elevam a escalada da
violência. Importante salientar que a violência policial tem um impacto
significativo na saúde pública, afetando tanto as vítimas diretas quanto a
sociedade como um todo. Evidencia-se também, nestes casos, que as principais
vítimas pertencem às comunidades marginalizadas e em condição de
vulnerabilização, enfrentando barreiras de acesso aos serviços de saúde.
As vítimas de violência policial quando não morrem, sofrem ferimentos
graves como fraturas e traumas internos, que resultam em custos elevados para o
sistema de saúde devido aos atendimentos de emergência e tratamentos
prolongados. Ademais, este tipo de violência também acarreta transtornos
mentais como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático (TEPT), tanto nas
vítimas quanto em familiares, amigos e em testemunhas.
Além disso, sobrecarrega os serviços de emergência e hospitais; e
demanda maiores investimentos indiretos em prevenção e políticas de mitigação.
Inclusive, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, por
exemplo, aponta no capítulo III, Estratégias e responsabilidades das esferas de
gestão, inciso XI, a necessidade de criação de estratégias para redução da
vulnerabilidade de jovens negros às violências em diversos níveis, sugerindo a:
implantação e implementação dos núcleos de Prevenção à Violência e
Promoção da Saúde, nos estados e municípios, conforme a Portaria MS/ GM nº 936,
de 19 de maio de 2004, como meio de reduzir a vulnerabilidade de jovens negros
à morte, traumas ou incapacitação por causas externas (Brasil, 2009).
A violência policial, portanto, vai além de uma questão de segurança
pública e deve ser tratada como uma crise de saúde pública, exigindo ações
integradas entre saúde, justiça e políticas sociais. Embora tenhamos avançado
na formulação de mecanismos institucionais que registram os dados como o
Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, as áreas
da saúde e da segurança pública não têm se comunicado na medida com que
deveriam.
Importante salientar que a partir dos anos 2003, com o advento das
políticas de segurança pública com viés no fortalecimento da dimensão cidadã,
buscou-se aliar a perspectiva da promoção da cidadania, orientando para uma
necessária integração dessas políticas sociais, a exemplo do Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI). Nesse ponto, a reconfiguração
das políticas de segurança pública deve aproximar-se da abordagem da saúde
pública, na qual os fatores de prevenção tornam-se o principal fundamento do
enfrentamento à criminalidade. Na esteira dessa nova e importante formulação de
políticas de segurança, tivemos a implantação do Sistema Único de Segurança
Pública (SUSP) e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social
2018-2028 (PNSPDS) as quais, de forma articulada, envolvem as demais áreas
correlatas das políticas públicas como educação, saúde, lazer e cultura.
Para se enfrentar a mitigação da violência é necessário a aplicação de
iniciativas intersetoriais envolvendo as políticas sociais com ênfase nas
políticas de saúde, segurança pública e educação. As estruturas socioeconômicas
aliadas ao aumento das desigualdades exigem mais do que políticas de segurança
pública repressivas e punitivas, restritas a uma atuação pontual na coibição da
criminalidade.
Em suma, é urgente que reformas
institucionais sejam realizadas ofertando treinamento antirracista
tanto na área da segurança pública, quanto na área da saúde, além do controle
do uso da força e maior transparência no policiamento. É preciso também o
incremento no investimento em serviços de saúde mental e redes de suporte para
as comunidades afetadas, bem como de promoção
da equidade em saúde, reduzindo as desigualdades étnico-raciais que
tornam a população negra mais vulnerável neste processo.
Fonte:
Por Diana Anunciação e Carlos Alberto Santos de Paulo, para a coluna Saúde É Coletiva
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