Os países que
reivindicam controle da Antártida
A Antártida não é um
país: não tem governo nem população indígena. Todo o continente é reservado para
a ciência.
No início do mês, o
presidente do Chile, Gabriel Boric, fez uma visita
histórica ao Polo Sul, se tornando o primeiro líder latino-americano a visitar
o ponto mais ao sul do planeta.
E lembrou ao mundo
que seu país reivindica soberania sobre parte do continente.
Mas o Chile não
está sozinho.
Vários países
reivindicam controle sobre partes da Antártida — e muitos outros estão
presentes lá.
·
Quais
são estes países? E que direito eles têm?
A Antártida é o
quarto maior continente do mundo — depois da Ásia, América e África —, e um dos
lugares mais cobiçados do planeta.
Sete países
reivindicam partes de seu extenso território de 14 milhões de quilômetros
quadrados.
Alguns são países
vizinhos, como Argentina, Austrália, Chile e Nova Zelândia.
Mas três nações
europeias — França, Noruega e Reino Unido — também
reivindicam soberania sobre partes da Antártida.
A Argentina foi a
primeira a estabelecer uma base permanente na região e a declarar sua soberania
ali, em 1904. A Base Orcadas é a estação científica mais antiga ainda em
funcionamento na Antártida.
O país
sul-americano considerava a região como uma extensão de sua província mais ao
sul, Terra do Fogo, assim como as Ilhas Malvinas (ou Falklands), Geórgia do Sul
e Sandwich do Sul.
·
Argentina,
Reino Unido e Chile
No entanto, o Reino
Unido, que controla estas ilhas, fez sua própria reivindicação de parte da
Antártida em 1908, reivindicando uma região que engloba toda a área requisitada
pela Argentina.
O Chile apresentou
sua própria reivindicação anos depois, em 1940, também com base no fato de que
se tratava de uma extensão natural de seu território.
A Antártica chilena
— como é conhecida no país — faz parte da região de Magalhães, a mais ao sul
das 16 regiões em que o país se divide, e se sobrepõe em partes aos territórios
reivindicados pela Argentina e pelo Reino Unido.
As outras
reivindicações de soberania se baseiam nas ocupações realizadas por famosos
exploradores da Antártida no início do século 20.
A da Noruega é
baseada nas explorações de Roald Amundsen, o primeiro a alcançar o Polo Sul
geográfico em 1911.
E as reivindicações
da Nova Zelândia e da Austrália têm como base as proezas de James Clark Ross,
que hasteou a bandeira do Império Britânico em territórios que foram colocados
sob a administração destes dois países pela Coroa Britânica em 1923 e 1926,
respectivamente.
Enquanto isso, a
França também reivindica uma pequena porção de solo antártico que foi
descoberto em 1840 pelo comandante Jules Dumont D'Urville, que o chamou de
Terra de Adélia, em homenagem à sua esposa.
·
Sem
donos
Além destas
reivindicações soberanas, 35 outros países, incluindo Alemanha, Brasil, China,
Estados Unidos, Índia e Rússia, possuem bases permanentes no chamado continente
branco.
No entanto, o lugar
que muitos chamam de Polo Sul (por conter o Polo Sul geográfico) não pertence a
ninguém.
Desde 1961, ele é
administrado por um acordo internacional, o Tratado da Antártida, que foi
originalmente assinado em 1º de dezembro de 1959 pelos sete países com
reivindicações soberanas, além de cinco outros: Bélgica, Estados Unidos (onde o
acordo foi assinado), Japão, África do Sul e Rússia.
O tratado, assinado
no contexto da Guerra Fria, buscava evitar
uma escalada militar, declarando que "é do interesse de toda a humanidade
que a Antártida continue a ser usada exclusivamente para fins pacíficos, e não
se torne palco ou objeto de discórdia internacional".
O pacto congelou as
reivindicações territoriais existentes, e estabeleceu que a Antártida se
tornasse uma reserva científica internacional.
Também proibiu
testes nucleares e "qualquer medida de natureza militar, exceto para
auxiliar as pesquisas científicas".
Desde então, 42
outras nações aderiram ao tratado, embora apenas 29 — aquelas com
"atividades de pesquisa significativas" — tenham poder de voto e
possam tomar decisões sobre o presente e o futuro da Antártida.
Até agora, todos os
países membros do pacto concordaram em continuar a proibir qualquer outra atividade
no continente que não seja científica.
·
Quais
as riquezas da Antártida?
Mas por que tanto
interesse em um continente coberto quase totalmente por gelo?
Um dos principais
motivos tem a ver com o que potencialmente está sob o gelo: recursos naturais
abundantes.
"Há uma razão
pela qual os geólogos geralmente ocupam a posição de maior destaque (nas bases
científicas da Antártida)", diz o documentarista e jornalista Matthew
Teller, que escreveu exaustivamente para a BBC sobre o continente branco.
Embora as
atividades de prospecção de petróleo e mineração
sejam proibidas pelo Tratado da Antártida, a exploração para fins científicos é
permitida.
Assim, os
especialistas conseguiram estimar que sob o solo da Antártida há cerca de 200
bilhões de barris de petróleo, segundo Teller.
"Muito mais do
que no Kuwait ou em Abu Dhabi", destaca.
Atualmente, no
entanto, não é viável explorar esses recursos, uma vez que — além de ser
expressamente proibido — o custo de extração seria muito alto.
Isso porque,
diferentemente do Ártico, que é composto principalmente de oceano congelado, a
Antártida é um continente rochoso coberto de gelo.
E essa camada de
gelo pode ter até quatro quilômetros de profundidade.
Ao mesmo tempo, a
construção de plataformas de petróleo offshore na costa da Antártida, onde se
acredita que existam vastas reservas de petróleo e gás, também seria muito
onerosa porque a água congela no inverno.
·
Renovação
do tratado
No entanto, adverte
Teller, "é impossível prever em que situação a economia mundial vai estar
em 2048, quando será o momento de renovar o protocolo que proíbe a prospecção
na Antártida".
"Nesse
cenário, um mundo faminto por energia poderia estar desesperado", afirma.
Além de petróleo e
gás, acredita-se que a região seja rica em carvão, chumbo, ferro, cromo, cobre,
ouro, níquel, platina, urânio e prata.
O Oceano Antártico
também tem grandes populações de krill e peixes, cuja pesca é regulamentada
pela Comissão para a Conservação dos Recursos Marinhos Vivos da Antártida.
Todas essas
riquezas naturais explicam por que os países que reivindicam partes do
continente também foram até a Organização das Nações Unidas (ONU) para exigir
seus direitos de propriedade sobre o fundo do mar adjacente aos territórios que
reivindicam.
Em 2016, a Comissão
sobre os Limites da Plataforma Continental (CLPC, na sigla em inglês) da ONU
reconheceu o direito da Argentina de estender seus limites externos no
Atlântico Sul, permitindo que o país sul-americano adicionasse 1,6 milhão de
quilômetros quadrados de área marítima.
·
Áreas
em disputa
No entanto, a CLPC
não se pronunciou sobre a reivindicação relacionada aos territórios antárticos
(nem da Argentina, nem de qualquer outro país), uma vez que o órgão não considera
nem emite recomendações sobre áreas em disputa.
O continente branco
possui mais dois usos em potencial que são únicos, mas menos conhecidos do que
as riquezas naturais tradicionais.
Enquanto muitos se
concentram nos possíveis benefícios econômicos que se encontram a quilômetros
sob o gelo ou nos mares, eles ignoram o que muitos acreditam que vai ser o bem
mais precioso no futuro: a água doce.
·
Benefícios
menos conhecidos
O gelo que cobre a
Antártida é a maior reserva de água doce do mundo, um recurso essencial escasso
que pode um dia valer mais que o ouro.
Estima-se que a
Antártida contenha 70% da água doce do planeta, já que 90% de todo o gelo da
Terra está concentrado lá.
E há muito mais
água doce congelada do que a encontrada no subsolo, nos rios e nos lagos.
Se considerarmos
que 97% da água do mundo é salgada, é fácil entender a importância deste
recurso hídrico congelado no extremo sul do planeta.
A outra vantagem
pouco conhecida da Antártida tem a ver com seus céus, que são particularmente
limpos e excepcionalmente livres de interferência de rádio.
Isso os torna
ideais para pesquisas no espaço profundo e rastreamento por satélite.
"Mas também
são ideais para o estabelecimento de redes secretas de vigilância e para o
controle remoto de sistemas de armas de ataque", adverte Teller.
A Austrália alertou
que a China poderia usar sua base científica de Taishan — a quarta do país na
Antártida, construída em 2014 — para vigilância.
"As bases na
Antártida estão tendo cada vez mais um 'uso duplo': pesquisa científica que é
útil para fins militares", denunciou o governo australiano em 2014.
Entretanto, o
sistema de navegação por satélite da China, chamado BeiDou, está em
conformidade com as regras do Tratado da Antártida, assim como o sistema
Trollsat da Noruega.
¨ A perigosa mudança que pode transformar Antártida de
'geladeira' em 'aquecedor' do planeta
O gelo marítimo que
cerca a Antártida alcançou nível bem inferior a qualquer medição prévia
existente, segundo dados de satélite . Isso está causando alarme em cientistas
que viam a região como resistente ao aquecimento global.
"(Os níveis)
estão muito distantes de tudo o que já vimos, é quase de arrepiar", diz
Walter Meier, que monitora gelo marítimo no Centro de Dados de Neve e Gelo dos
EUA.
A instabilidade na Antártida
pode ter amplas consequências, segundo especialistas no ecossistema polar.
O enorme bloco de
gelo antártico ajuda a regular a temperatura do planeta, já que a superfície
branca reflete a energia do sol de volta à atmosfera e resfria a água abaixo e
ao redor.
Com a redução desse
bloco de gelo, a Antártida pode se transformar de "geladeira da
Terra" em "aquecedor" do planeta.
O gelo que flutua
na superfície do Oceano Antártico hoje mede menos de 17 milhões de quilômetros
quadrados. Isso é 1,5 milhão a menos de gelo marítimo do que a média histórica
do mês de setembro, e bem inferior aos níveis mais baixos mensurados no período
de inverno na região.
Meier não está
otimista de que essa perda será recuperada significativamente.
Cientistas ainda
tentam identificar todos os fatores que levam às baixas recordes, mas estudar
tendências na Antártida sempre foi um desafio.
Em um ano em que
vários recordes de alta de temperatura terrestre e oceânica foram quebrados,
cientistas insistem em que é preciso prestar atenção ao que acontece no Polo
Sul do planeta.
"Vemos o
quanto é (uma região) vulnerável", diz Robbie Mallet, da Universidade de
Manitoba e que está atualmente baseado na península antártica.
Ele diz que o gelo
marítimo fino observado neste ano dificultou ainda mais os trabalhos de campo.
"Há o risco de que (o gelo) se rompa e flutue pelo mar conosco por
cima", Mallet explica.
O gelo marítimo se
forma durante o inverno antártico (de março a outubro), antes de derreter em
grande parte durante o verão, e pertence a um sistema interconectado que também
engloba icebergs, gelo terrestre e enormes plataformas de gelo - que são
extensões flutuantes próximas à costa.
O gelo marítimo age
como uma camada protetora que previne o aquecimento excessivo do oceano.
Caroline Holmes, do
projeto British Antarctic Survey, explica que o impacto do encolhimento dessa
camada pode se tornar evidente na transição para o verão -quando pode
potencialmente ocorrer um derretimento ininterrupto.
O motivo é que, à
medida que mais gelo marítimo desaparece, áreas escuras do oceano serão
expostas, absorvendo calor do sol em vez de refeti-lo. Isso fará com que mais
calor seja incorporado à água, o que por sua vez provocará mais derretimento de
gelo.
É esse ciclo que
pode adicionar ainda mais calor ao planeta, interrompendo o papel típico da
Antártida de reguladora de temperaturas globais.
"Será que
estamos acordando o gigante da Antártida?", questiona o professor Martin
Siegert, especialista glacial da Universidade de Exeter (Reino Unido). Seria,
segundo ele, "um desastre absoluto" para o mundo.
Desde os anos 1990,
a perda de gelo terrestre na Antártida já contribuiu para um aumento de 7,2 mm
nos níveis dos mares. E mesmo pequenos incrementos produzem enormes tempestades
que podem varrer comunidades costeiras. Ou seja, o derretimento do gelo
marítimo pode, em tese, ser catastrófico para milhões de pessoas ao redor do
mundo.
Por ser um
continente cercado de água, a Antártida tem um clima e sistema próprios. Até
2016, o gelo da região estava, na verdade, aumentando durante os meses de
inverno.
No entanto, uma
onda de calor extremo atingiu o continente em março de 2022, deixando as
temperaturas na casa de -10°C quando elas deveriam estar por volta de -50°C.
Nos últimos sete
anos, o gelo marítimo baixou a níveis mínimos recordes, incluindo em fevereiro
de 2023.
Alguns cientistas
acham que isso sinaliza uma mudança fundamental no continente - inclusive nas
características que mantinham essa região isolada.
Ao mesmo tempo,
esse isolamento também faz com que haja poucas informações históricas sobre a
Antártida, chamada por Mallet de "o Velho-Oeste" da ciência.
Por exemplo, os
cientistas conhecem a extensão do gelo marítimo, mas não sua grossura.
Desvendar esse tipo de informação poderá ser crucial para preparar modelos
climáticos da região.
Na base científica
de Rothera, Mallet está usando instrumentos de radar para estudar a grossura do
gelo e compreender melhor as razões por trás do encolhimento dessa camada. E o
calor recorde registrado neste ano provavelmente é um dos fatores, já que
dificulta que a água congele por ali.
Pode ter havido
também mudanças em correntes oceânicas e nos ventos que moldam a temperatura na
Antártida.
Além disso, o
fenômeno natural El Niño é outro possível fator envolvido.
De qualquer modo,
Mallet diz que existem "muitas, muitas razões para se preocupar".
"É
potencialmente um sinal muito alarmante de mudanças no clima da Antártida que
não ocorreram nos últimos 40 anos. E que só estão emergindo agora.”
Fonte: BBC News
Mundo
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