Micah Uetricht: O início do fim do
realismo capitalista
Mark Fisher lutou a vida
inteira contra a depressão. Essa luta culminou em seu suicídio em 13 de janeiro
de 2017. Para Fisher, a depressão não era apenas uma aflição individual, o
resultado de um cérebro mal conectado ou de um ou dois desequilíbrios químicos.
Como ele escreveu em vários ensaios em K-Punk: The Collected and
Unpublished Writings of Mark Fisher (2004-2016), publicado pela
Repeater Books, ele passou a ver a depressão também como uma aflição social. E
o social nos deu muitos motivos para ficarmos deprimidos nas últimas quatro
décadas.
Ele frequentemente sentia sua depressão como uma voz
“zombeteira” dentro de sua cabeça. Essa voz parecia profundamente pessoal, com
certeza. Mas Fisher passou a ver essa voz como “a expressão internalizada de
forças sociais reais”. E essas forças “têm um interesse pessoal em negar
qualquer conexão entre depressão e política”.
Essas forças sociais estavam ligadas, sem dúvida, ao
conceito pelo qual ele se tornou famoso: “realismo capitalista”. O realismo
capitalista, ele escreveu em seu livro
de mesmo nome,
é “a aceitação generalizada de que não há alternativa ao capitalismo”. Não é
uma aceitação entusiasmada do capitalismo neoliberal — essa aceitação já passou
há muito tempo, se é que alguma vez existiu. Em vez disso, é um senso
generalizado de resignação sobre a conclusão precipitada de que o capitalismo
neoliberal é o único jogo na mesa.
“O neoliberalismo agora se arrasta como um zumbi”,
ele escreve, “mas como os
aficcionados por filmes de zumbis bem sabem, às vezes é mais difícil matar um
zumbi do que uma pessoa viva”.
Mark viu essa resignação ao neoliberalismo em todos os
lugares que analisou. E como qualquer um que ler este livro verá, ele
analisou em muitos, muitos lugares.
Ele viu isso na música de Flo-Rida, Pitbull e
will.i.am, sobre a qual escreveu: “É difícil não ouvir as demandas desses
discos de que nos divertimos como tentativas tênues de nos distrair de uma
depressão que eles só conseguem mascarar, nunca dissipar. Uma tristeza secreta
espreita por trás do sorriso forçado do século XXI.”
Fisher viu a ascensão de Donald Trump e o Brexit como
uma reação a essa renúncia: ambos representavam uma “fantasia do renascimento
nacionalista” e, por mais absurda que fosse essa fantasia, ela pelo menos
sugeria que há uma alternativa ao realismo capitalista.
Ele viu essa resignação na esquerda, em seu compromisso
com estilos de ação e organização inspirada por anarquistas. Refletindo em 2013
sobre as “explosões estimulantes de militância que recuam tão rapidamente
quanto irrompem, sem produzir nenhuma mudança sólida” desde a crise financeira,
ele observou um senso de “fatalismo anarquista” por toda a esquerda. A recusa
dos militantes em adotar táticas que pudessem realmente disputar o poder do
Estado e transformar as narrativas da mídia de massa era, ele argumentou, um
reflexo involuntário de resignação depressiva.
“O neoanarquismo”, escreveu ele, “não é tanto um
desafio ao realismo capitalista, mas sim um dos seus efeitos”.
E ele viu essa resignação na forma como os militantes
de esquerda se comunicavam entre si, descrevendo, em um de seus ensaios mais
famosos, “Deixando
o castelo do vampiro”,
como a esquerda abandonou a solidariedade, a experiência compartilhada e o
propósito comum em favor do essencialismo, da proteção individual do território
e da construção de marcas, muitas vezes usando a identidade como arma para
espancar uns aos outros em vez de construir um movimento eficaz. Tragicamente,
a abordagem paralisa esses movimentos, tornando-os incapazes de assumir a
tarefa urgente de lutar contra a opressão — ou qualquer outra coisa.
Não culpo Fisher por avaliar esse resultado e afundar
cada vez mais em sua depressão. As coisas têm sido sombrias. Mas eu queria que
ele tivesse conseguido se manter.
Gostaria que ele tivesse conseguido se manter por
razões egoístas: poucos escritores neste mundo me trouxeram o tipo de alegria e
até mesmo espanto que ele trouxe, através da amplitude de sua escrita, sua
clareza e seu destemor. Mas também gostaria que Fisher tivesse conseguido se
manter porque o pesadelo do realismo capitalista com o qual ele passou grande
parte de sua vida lutando está finalmente começando a se quebrar.
Podemos ver isso onde quer que olhemos. O realismo
capitalista está começando a quebrar no Reino Unido, onde Jeremy Corbyn se
tornou o líder do Partido Trabalhista. Ele viu isso antes de sua morte: em sua
lembrança de Fisher para a Los Angeles Review of Books, a
escritora britânica Ellie Mae O’Hagan escreve que a última vez que viu Fisher,
ela discutiu com ele sobre Corbyn. Ela estava pessimista; ele “estava animado e
cheio de esperança; era isso, ele pensou, a hora da esquerda estava chegando.”
Apropriadamente, no festival alternativa do Partido
Trabalhista The World Transformed, inspirado pelo livro em que
Fisher estava trabalhando quando morreu, chamado Acid Communism (cujo
rascunho está incluído no K-Punk), organizadores do grupo
militante trabalhista de esquerda Momentum realizaram um evento que reuniu o
projeto político de esquerda de Corbyn com os estilos contraculturais alegres
que Fisher tanto amava. Eles o chamaram de “Acid
Corbynism”.
Podemos ver o realismo capitalista começando a se
desintegrar nos Estados Unidos, nos grandes sucessos de Bernie Sanders e na
explosão dos Socialistas Democratas da América (DSA), nas transformações
velozes da consciência pública em torno do “Medicare for All” e na luta pela
faculdade gratuita para todos e tributação dos ricos.
Talvez não possamos ver isso melhor do que na conta do
Twitter da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, que ela usa com alegria contra
qualquer idiota que se oponha à sua agenda política de esquerda com velhos
argumentos capitalistas-realistas.
Também tenho a sensação de que Fisher teria tirado
muito proveito do recente surto conservador sobre um vídeo de AOC dançando na
faculdade. Ele gostava de usar a palavra “libidinal” em contextos diferentes de
seus escritos; ele provavelmente teria encontrado bastante energia libidinal em
seu estilo extático de dançar e tuitar — assim como, talvez, um tipo diferente
de energia na cobertura constante e obsessiva da Fox News sobre ela.
Ele teria ficado animado com a justiça poética das
notícias quando quatro décadas depois que seu sindicato, PATCO, foi esmagado
por Ronald Reagan, simbolizando um novo dia de destruição de sindicatos
corporativos e ajudando a anunciar a destruição de solidariedades sociais que
Fisher acreditava serem tão cruciais para a nossa reconstrução, os
controladores de tráfego aéreo paralisaram os voos em um dos principais
aeroportos do mundo. Junto com a ameaça de greves de comissários de bordo, eles
forçaram o governo Trump a encerrar a paralisação em seu primeiro mandato. Os
mesmos trabalhadores cuja derrota esmagadora em 1981 pareceu anunciar o fim da
história provaram ser a velha toupeira bem enterrada de hoje, surgindo do
subsolo bem a tempo de salvar o mundo.
É impossível olhar para as últimas quatro décadas e ver
qualquer coisa além das paisagens sombrias do realismo capitalista que Fisher
descreveu. Mas também é impossível olhar para o mundo de hoje e ver o realismo
capitalista marchando para a frente, incontestado, presunçoso e seguro em sua
hegemonia.
Um mundo melhor não é certo. Mas uma coisa é clara:
estamos testemunhando o começo do fim do realismo capitalista.
Fisher nos ajudou a ver aquela depressão coletiva em
que todos nós vivemos. Eu só queria que ele tivesse aguentado o suficiente para
ver aquela depressão finalmente se dissipar do mundo. Talvez isso tivesse
ajudado a dissipar a dele.
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