quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Micah Uetricht: O início do fim do realismo capitalista

Mark Fisher lutou a vida inteira contra a depressão. Essa luta culminou em seu suicídio em 13 de janeiro de 2017. Para Fisher, a depressão não era apenas uma aflição individual, o resultado de um cérebro mal conectado ou de um ou dois desequilíbrios químicos. Como ele escreveu em vários ensaios em K-Punk: The Collected and Unpublished Writings of Mark Fisher (2004-2016), publicado pela Repeater Books, ele passou a ver a depressão também como uma aflição social. E o social nos deu muitos motivos para ficarmos deprimidos nas últimas quatro décadas.

Ele frequentemente sentia sua depressão como uma voz “zombeteira” dentro de sua cabeça. Essa voz parecia profundamente pessoal, com certeza. Mas Fisher passou a ver essa voz como “a expressão internalizada de forças sociais reais”. E essas forças “têm um interesse pessoal em negar qualquer conexão entre depressão e política”.

Essas forças sociais estavam ligadas, sem dúvida, ao conceito pelo qual ele se tornou famoso: “realismo capitalista”. O realismo capitalista, ele escreveu em seu livro de mesmo nome, é “a aceitação generalizada de que não há alternativa ao capitalismo”. Não é uma aceitação entusiasmada do capitalismo neoliberal — essa aceitação já passou há muito tempo, se é que alguma vez existiu. Em vez disso, é um senso generalizado de resignação sobre a conclusão precipitada de que o capitalismo neoliberal é o único jogo na mesa.

“O neoliberalismo agora se arrasta como um zumbi”, ele escreve, “mas como os aficcionados por filmes de zumbis bem sabem, às vezes é mais difícil matar um zumbi do que uma pessoa viva”.

Mark viu essa resignação ao neoliberalismo em todos os lugares que analisou. E como qualquer um que ler este livro verá, ele analisou em muitos, muitos lugares.

Ele viu isso na música de Flo-Rida, Pitbull e will.i.am, sobre a qual escreveu: “É difícil não ouvir as demandas desses discos de que nos divertimos como tentativas tênues de nos distrair de uma depressão que eles só conseguem mascarar, nunca dissipar. Uma tristeza secreta espreita por trás do sorriso forçado do século XXI.”

Fisher viu a ascensão de Donald Trump e o Brexit como uma reação a essa renúncia: ambos representavam uma “fantasia do renascimento nacionalista” e, por mais absurda que fosse essa fantasia, ela pelo menos sugeria que há uma alternativa ao realismo capitalista.

Ele viu essa resignação na esquerda, em seu compromisso com estilos de ação e organização inspirada por anarquistas. Refletindo em 2013 sobre as “explosões estimulantes de militância que recuam tão rapidamente quanto irrompem, sem produzir nenhuma mudança sólida” desde a crise financeira, ele observou um senso de “fatalismo anarquista” por toda a esquerda. A recusa dos militantes em adotar táticas que pudessem realmente disputar o poder do Estado e transformar as narrativas da mídia de massa era, ele argumentou, um reflexo involuntário de resignação depressiva.

“O neoanarquismo”, escreveu ele, “não é tanto um desafio ao realismo capitalista, mas sim um dos seus efeitos”.

E ele viu essa resignação na forma como os militantes de esquerda se comunicavam entre si, descrevendo, em um de seus ensaios mais famosos, “Deixando o castelo do vampiro”, como a esquerda abandonou a solidariedade, a experiência compartilhada e o propósito comum em favor do essencialismo, da proteção individual do território e da construção de marcas, muitas vezes usando a identidade como arma para espancar uns aos outros em vez de construir um movimento eficaz. Tragicamente, a abordagem paralisa esses movimentos, tornando-os incapazes de assumir a tarefa urgente de lutar contra a opressão — ou qualquer outra coisa.

Não culpo Fisher por avaliar esse resultado e afundar cada vez mais em sua depressão. As coisas têm sido sombrias. Mas eu queria que ele tivesse conseguido se manter.

Gostaria que ele tivesse conseguido se manter por razões egoístas: poucos escritores neste mundo me trouxeram o tipo de alegria e até mesmo espanto que ele trouxe, através da amplitude de sua escrita, sua clareza e seu destemor. Mas também gostaria que Fisher tivesse conseguido se manter porque o pesadelo do realismo capitalista com o qual ele passou grande parte de sua vida lutando está finalmente começando a se quebrar.

Podemos ver isso onde quer que olhemos. O realismo capitalista está começando a quebrar no Reino Unido, onde Jeremy Corbyn se tornou o líder do Partido Trabalhista. Ele viu isso antes de sua morte: em sua lembrança de Fisher para a Los Angeles Review of Books, a escritora britânica Ellie Mae O’Hagan escreve que a última vez que viu Fisher, ela discutiu com ele sobre Corbyn. Ela estava pessimista; ele “estava animado e cheio de esperança; era isso, ele pensou, a hora da esquerda estava chegando.”

Apropriadamente, no festival alternativa do Partido Trabalhista The World Transformed, inspirado pelo livro em que Fisher estava trabalhando quando morreu, chamado Acid Communism (cujo rascunho está incluído no K-Punk), organizadores do grupo militante trabalhista de esquerda Momentum realizaram um evento que reuniu o projeto político de esquerda de Corbyn com os estilos contraculturais alegres que Fisher tanto amava. Eles o chamaram de “Acid Corbynism”.

Podemos ver o realismo capitalista começando a se desintegrar nos Estados Unidos, nos grandes sucessos de Bernie Sanders e na explosão dos Socialistas Democratas da América (DSA), nas transformações velozes da consciência pública em torno do “Medicare for All” e na luta pela faculdade gratuita para todos e tributação dos ricos.

Talvez não possamos ver isso melhor do que na conta do Twitter da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, que ela usa com alegria contra qualquer idiota que se oponha à sua agenda política de esquerda com velhos argumentos capitalistas-realistas.

Também tenho a sensação de que Fisher teria tirado muito proveito do recente surto conservador sobre um vídeo de AOC dançando na faculdade. Ele gostava de usar a palavra “libidinal” em contextos diferentes de seus escritos; ele provavelmente teria encontrado bastante energia libidinal em seu estilo extático de dançar e tuitar — assim como, talvez, um tipo diferente de energia na cobertura constante e obsessiva da Fox News sobre ela.

Ele teria ficado animado com a justiça poética das notícias quando quatro décadas depois que seu sindicato, PATCO, foi esmagado por Ronald Reagan, simbolizando um novo dia de destruição de sindicatos corporativos e ajudando a anunciar a destruição de solidariedades sociais que Fisher acreditava serem tão cruciais para a nossa reconstrução, os controladores de tráfego aéreo paralisaram os voos em um dos principais aeroportos do mundo. Junto com a ameaça de greves de comissários de bordo, eles forçaram o governo Trump a encerrar a paralisação em seu primeiro mandato. Os mesmos trabalhadores cuja derrota esmagadora em 1981 pareceu anunciar o fim da história provaram ser a velha toupeira bem enterrada de hoje, surgindo do subsolo bem a tempo de salvar o mundo.

É impossível olhar para as últimas quatro décadas e ver qualquer coisa além das paisagens sombrias do realismo capitalista que Fisher descreveu. Mas também é impossível olhar para o mundo de hoje e ver o realismo capitalista marchando para a frente, incontestado, presunçoso e seguro em sua hegemonia.

Um mundo melhor não é certo. Mas uma coisa é clara: estamos testemunhando o começo do fim do realismo capitalista.

Fisher nos ajudou a ver aquela depressão coletiva em que todos nós vivemos. Eu só queria que ele tivesse aguentado o suficiente para ver aquela depressão finalmente se dissipar do mundo. Talvez isso tivesse ajudado a dissipar a dele.

 

Fonte: Tradução de Caue S. Ameni, pela Jacobin Brasil

 

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