Soja
e pasto pressionam áreas conservadas do Jalapão, onde brilha o capim-dourado
Bem ao fundo da terra arrasada, buritis clamam por uma
chance. Faz dois anos que a aridez avança pela vereda com seu manto de morte.
Um gavião-carcará solta um grunhido solitário. Luzia pousa longe o olhar.
“Eu me sinto sufocada”, diz a moça, com voz de buriti
acuado.
Mas, se num dia o buriti acorda acossado, no outro ele
não se intimida e dispersa semente madura para germinar todo o chão.
Aos 35 anos, a mãe de sete filhos tem um futuro a
cuidar. Tanto que, certo dia, Luzia Passos Ribeiro disse em grunhido alto de
causar inveja a qualquer carcará: “Dentro do território quilombola só fica quem
nós queremos”.
Foi assim que recolheram trator, escavadeira, caminhão
e caminhonete de uma fazenda instalada dentro da comunidade de Quilombo do
Prata, no município de São Félix do Tocantins – território quilombola
certificado em 2006, mas até hoje sem a titularidade.
Os desmatamentos, que minguam águas, ameaçam também o
brilho do Jalapão, famoso pelo capim-dourado e por suas águas, que atraem
turistas de todo o país. A área, que tem o maior mosaico de unidades de
conservação do Cerrado, e ainda bastante preservada, sofre pressão das
queimadas, da irregularidade fundiária e das mudanças climáticas. A chegada do
asfalto, de grande relevância para as comunidades locais e para o turismo,
imprime no chão não apenas o piche, mas também a especulação imobiliária.
·
Chapéu de ouro
Ribeiro Matos colocou uma ideia na cabeça: daquele
capim poderiam ser feitas artes outras. E foi assim que, no começo do século
20, a baiana recém-chegada no Jalapão em busca de terras onde a água aflorasse
teceu um chapéu para o marido.
Mal sabia ela que aquele chapéu seria o começo de uma
atividade econômica que daria sombra e sustento às próximas gerações de
mulheres. Foi nas mãos de sua filha, Guilhermina Ribeiro Matos, conhecida por
dona Miúda, que cresceu a visibilidade do capim, chegando à popularização na
década de 1990.
“Eu aprendi [o artesanato] com a mamãe na idade de 12
anos. Foi o dia mais lindo para mim”, conta Noeme Ribeiro da Silva, conhecida
como Dotora, filha de dona Miúda e neta de Laurina. “O capim-dourado, ele está
em todos os assuntos da nossa vida. Você vai comprar um remédio? É o
capim-dourado. Você vai fazer uma construção? Capim-dourado. Panela de pressão,
ferro elétrico, geladeira, cama, colchão: é o capim-dourado”.
No Quilombo Mumbuca, no município de Mateiros, a casa
de Noeme é indicada por uma placa: Casa
de Dotora. A artesã recebeu o apelido aos 9 anos por ter curado uma
inflamação no olho desenganado do pai com chá de alfavaca (Ocimum gratissimum), colhido no
quintal. Desde então, Dotora não nega ajuda a quem chegar. “Deus honra quem
compartilha a bondade”, diz.
Sentada na cadeira de madeira e envolta na névoa do
fogão a lenha, Dotora costura ao lado de Tonha, ou Antônia Ribeiro da Silva,
sua irmã. “Minha casa é uma sala dourada porque ela junta para a gente
conversar”, conta. “Quando a gente não tá aqui, tá na casa das outras artesãs,
conversando, fazendo peça”.
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Costurando comunidades
A Associação de Artesãos e Extrativistas do Povoado do
Mumbuca congrega 147 associados. Destes, cem são mulheres que têm no artesanato
do capim-dourado sua principal fonte de sustento. “A gente tem a nossa lojinha,
aí coloca essas peças. Do dinheiro que entra, 90% vai para a mão dessas
mulheres que fazem as peças, 5% fica para o vendedor e 5% para despesas da
associação”, explica Silvanete Tavares da Silva, presidente da associação e
artesã desde os 9 anos de idade.
O chapéu de Laurina, elaborado há mais de 180 anos,
protegeu com trabalho e renda as mulheres do Quilombo Mumbuca, mas foi grande o
suficiente para unir outras comunidades ao redor do artesanato.
Laudeci Ribeiro Monteiro, diretora da Associação
Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros (ACAPPM), aprendeu a
costura ainda menina com Tonha e dona Miúda. Naquele tempo, a grande diversão
anual era participar das festas tradicionais nas comunidades vizinhas, mas
Laudeci não tinha uma rede. “Minha mãe falava: ‘eu não vou levar vocês para a
casa dos outros para dormir no chão’”.
Aos 10 anos de idade, a menina decidiu que ganharia o
próprio dinheiro para comprar a rede. Costurou algumas peças com o capim –
pequenas cestas e porta-joias – e combinou com o pai que, se ele as vendesse,
deveria comprar uma rede. E se sobrasse dinheiro, deveria comprar uma agulha –
peça tão difícil de achar na região, que levava a menina ao pranto quando
quebrava.
“Quando ele chegou com essa rede e essa agulha, para
mim parece que era minha vida. Era como se eu tivesse ganhado uma caminhonete”,
conta emocionada a artesã que carrega no peito as biojoias de capim com
orgulho. “Eu vi uma liberdade, parece que tinha ganhado o mundo”.
A ACAPPM conta com 80 associados, 60 deles são mulheres.
Também a Associação Quilombola do Prata produz peças com o capim-dourado e tem
35 associados, a maioria mulheres.
São muitas as comunidades da região que fazem arte com
o capim. Em 2011, o Jalapão recebeu do Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI) o registro de Indicação Geográfica, atestando que o
artesanato em capim-dourado está vinculado à região. Em 2019, a Lei 3.594 estabeleceu a
política estadual do manejo sustentável do capim-dourado e do buriti,
regulamentando normas para a colheita e o manejo.
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Devolver as flores à terra
José Ribeiro da Silva, chamado por todo o Mumbuca de
Paizinho, circula ao redor do caminhão, atarefado com a organização e o
carregamento. No fim de setembro começa a temporada de colheita do
capim-dourado, que vai até novembro pelas veredas do Jalapão. A família toda
seguirá em busca da matéria dourada que, ao longo do ano, será trançada junto à
seda do buriti para dar forma a chapéus, fruteiras, sousplats, bolsas e bijuterias.
Para colher o capim-dourado é preciso estar registrado
no Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), que regulamenta a
colheita sustentável para a preservação da espécie. A colheita é permitida
apenas entre final de setembro e final de novembro, quando o capim está maduro.
Os coletores se comprometem a devolver as flores nas veredas para que as
sementes gerem a continuidade da espécie. “É a forma da gente devolver para a
natureza e a natureza continuar devolvendo para a gente”, diz Taiane Ribeiro
Tavares, tataraneta
de dona Laurina.
O sol de fim da tarde acompanha o caminhão por estradas
tortuosas em direção à vereda. Por vezes, o caminho nem está desenhado no chão,
mas na memória e no corpo de quem caminhava todo o trajeto antes do caminhão
chegar à família. É só no amanhecer do dia seguinte, após o acampamento em
noite de lua cheia, que a colheita se inicia.
“Aqui era quarado [cheio] de capim. Tinha muito, bastante,
bastante. Agora tá assim, ó”, testemunha Tonha, enquanto caminha pelo campo
úmido colhendo as hastes rarefeitas. “O pessoal arranca o capim e não
deixa a cabeça”.
O sol da manhã segue seu projeto de quentura e a
andança é muita – tanta que Paizinho, com quase 1,90 de altura, se perde da
vista da família na vastidão da vereda.
“Eu tô cansada. Quero beber água fria”, resmunga Lorena
Ribeiro Tavares, a neta de Tonha.
“Amanhã nós não estamos vivos e a geração dela vai
continuar conhecendo os brejos, conhecendo as estradas, conhecendo as veredas e
conhecendo também o valor que o capim tem”, diz a avó sobre a importância da
nova geração no campo.
Além da necessidade do manejo correto, outras
preocupações povoam a mente dos que têm no capim-dourado sua arte e sustento:
os casos de roubo do capim antes do início da
colheita oficial,
os incêndios, e o desmatamento, que vem empurrando bois e soja Jalapão adentro.
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Avança a aridez
“O Jalapão é uma área importante na porção norte do
bioma Cerrado. É uma zona que ainda se encontra bastante protegida devido à
existência de um conjunto de unidades de conservação, que é o Mosaico do
Jalapão, além de outros tipos de áreas protegidas como os territórios
quilombolas”, diz Kolbe Soares, especialista em conservação do
WWF-Brasil. “Muitos dos territórios quilombolas estão dentro de unidades de
conservação, convivendo de forma harmônica e contribuindo para proteger o
Cerrado, como é o caso das artesãs, as mulheres que coletam o capim-dourado e
usam de práticas sustentáveis”.
O Mosaico do Jalapão une nove
unidades de conservação (UCs) em municípios do Tocantins e da Bahia, abrangendo
quase 3 milhões de hectares. É a maior área protegida do Cerrado. O conjunto
das áreas protegidas e os povos tradicionais que lá vivem têm importante papel
de resistência às pressões, que vêm sobretudo da expansão do pasto e da
monocultura da soja.
“O avanço do agronegócio é uma ameaça muito grande
vinda do oeste da Bahia. No município de Mateiros tem áreas já de grandes
desmatamentos, e na comunidade do Prata, dentro do território quilombola,
também”, diz Kolbe.
Ainda que os últimos números divulgados pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tenham mostrado a
diminuição de 25,7% do desmatamento do Cerrado em 2023, é no Matopiba –
fronteira agrícola que agrega áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia – que se concentra a destruição. O Tocantins foi o segundo estado do
Cerrado com a maior perda de área de vegetação, somando 2.019 quilômetros
quadrados de supressão, após o Maranhão, com 2.487 quilômetros quadrados.
O Matopiba abriga ainda 47,8% da
vegetação remanescente do Cerrado e guarda os maiores remanescentes
contínuos de vegetação savânica e campestre, tendo grande importância hídrica.
Dos 5 milhões de hectares de vegetação nativa que o Cerrado perdeu nos últimos
seis anos, 72% ocorreram nos estados do Matopiba. Apesar de parte da vegetação estar
protegida,
a maior parte está em áreas privadas, sendo mais vulnerável ao desmatamento.
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As pragas migram
Quase todo o estado do Tocantins está dentro dos
limites do chamado Matopiba. No Jalapão, o município de Mateiros faz divisa com
o oeste da Bahia e enfrenta a
pressão da monocultura da soja, com maquinário pesado em terra e agrotóxico
pesado no ar. A dispersão de pesticidas feita por avião causa contaminação de
solo e água, além de intoxicação humana.
Grande parte da bacia hidrográfica do Rio Galhão, com
70 mil hectares, fica em Mateiros, mesmo município onde está o Quilombo
Mumbuca, a Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de
Mateiros e também importantes atrações turísticas, como fervedouros, dunas e
cachoeiras.
“A partir de 2014 nós começamos a sentir. Eles passavam
veneno lá e as pragas vinham para a plantação nossa”, conta Jardilene Alves
Batista, moradora da comunidade do Galhão que foi candidata a vereadora nas
últimas eleições. “Depois veio a doença, diarreia, dor de barriga, o pessoal
com febre vomitando. Teve gente que até empolou o corpo. Quando a gente não
banhava com a água do rio, ficava de boa. Mas, quando banhava, o corpo empolava
todinho”.
A maioria das 105 famílias da comunidade do Galhão bebe
a água do rio. “A água do Rio Galhão já esteve uma água limpa, totalmente
transparente. Mas, depois do desmatamento e da erosão que está tendo na
lateral, ficou uma água turva e baixou muito o rio”, conta Adão Batista Souza,
morador da região e brigadista. “O desmatamento está muito próximo. Tem muitos
poços artesianos na cabeceira e laterais. Tem também lavouras e gado que puxam
água do rio. Aí, o consumo de água está grande”.
Levantamento feito pelo Ministério Público do Estado do
Tocantins aponta 120 casos de desmatamentos ilegais na região da Bacia
Hidrográfica do Rio Galhão. “Em razão das eventuais práticas do agronegócio na
região fora dos padrões de sustentabilidade, podem ser observadas situações de
erosão do solo, com o carreamento do solo para nascentes e leitos de rios”,
afirma o promotor de Justiça Francisco Brandes em artigo divulgado na página do
Ministério Público.
“O veneno, ele intoxica. Ele vai intoxicando e a pessoa
vai só adoecendo. Cada vez mais a fazenda está chegando mais perto. Já tem
outra área desmatada bem pertinho”, diz Jardilene, que tem tido encontros
indesejados na região: aves mortas. Diversas. “Futuramente, é entregar a vida,
porque nós não temos condição de sair daqui. É muita família. Vão pra onde?”
“O Rio Galhão é impactado diretamente por toda essa
atividade agrícola que ocorre na cabeceira. A comunidade que está em meio à
bacia hidrográfica fica sujeita aos sedimentos que escorrem com a chuva”,
explica Bruno Machado Carneiro, professor e pesquisador do Instituto Federal de
Ciência, Educação e Tecnologia do Tocantins (IFTO). “Nessa época
[novembro] se inicia o período de plantio de soja na região. Então, você vai
ter uma grande quantidade de defensivos agrícolas sendo utilizados e
provavelmente vão impactar a qualidade de água nessa bacia.”
Bruno explica que a ausência de licenciamento ambiental
fragiliza a região. “O licenciamento da atividade é feito justamente para você
minimizar os impactos ambientais decorrentes da atividade agrícola, tais como
aplicação de curvas de nível e terraceamento para tentar conter o processo
erosivo na chegada de sedimentos no curso do rio.”
Alterações relacionadas ao Cadastro Ambiental Rural
(CAR), registro para os imóveis rurais feito por autodeclaração, assim como os
conflitos fundiários, são recorrentes. “Temos observado que as alterações no
CAR têm como principal objetivo tentar viabilizar a regularidade ambiental do
imóvel e desvincular a área de alguma possível pendência ambiental anterior”.
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Fragilidade fundiária
Segundo a Coordenação Estadual das Comunidades
Quilombolas do Tocantins (Coeqto), cerca de 50 comunidades quilombola foram
certificadas pela Fundação Cultural Palmares no Estado do Tocantins, mas nenhum
território quilombola está com o processo de regularização concluído.
A irregularidade fundiária abre a ferida dos conflitos
entre fazendeiros – que não tiveram suas terras devidamente desapropriadas e
indenizadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) –
e as comunidades tradicionais, que veem a monocultura da soja avançando
criminosamente sobre as veredas do território – já certificado como quilombola,
mas ainda não titulado.
Além de ter a aridez avançando, moradores veem suas
poucas cabeças de gado para subsistência adoecerem – há relatos de morte
inclusive – pela ingestão de calcário, utilizado na região em grandes
quantidades para melhorar o solo para as plantações de soja.
“Tem uma mudança
nos últimos 10 anos. Você não via esses maquinários de grande porte andando
naquelas estradas e hoje é comum cruzar com seis ou sete carretas com material
de calcário”, diz Bruno sobre as estradas que levam ao Quilombo do Prata.
No Prata, áreas desmatadas nas margens do Parque
Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba, unidade de conservação que integra o
Mosaico do Jalapão, mobilizaram a comunidade. Diante da luta de cerca de dois
anos contra o avanço do desmatamento – até o maquinário dos fazendeiros ser
retirado –, a quilombola Luzia Passos Ribeiro lamenta as áreas protegidas do
Jalapão não serem ainda mais abrangentes.
“A área do parque é grande, né?”, diz Luzia sobre os
quase 730 mil hectares. “Mas não é o suficiente para nós, porque se ele tivesse
estendido mais para o lado da Bahia, então aquelas fazendas que têm lá… elas
hoje não aconteceriam”.
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O fogo não é uma coisa só
“Olha, eu me preocupo com o fogo descontrolado no
capim”, diz Taiane Tavares, artesã do Quilombo Mumbuca. “Todos os anos a
gente fica com medo de não dar mais o capim naquele lugar. O clima eu vejo que
está muito quente. Tem várias queimadas, vários fogos. Então isso me preocupa.”
No horizonte e na respiração, o fogo se faz presente. A
reportagem da Mongabay presenciou na região, mais de uma vez, incêndios com
redemoinhos – jeito do vento expandir as chamas com agilidade.
Segundo o MapBiomas, de janeiro a outubro de 2024, as
áreas queimadas no Cerrado aumentaram 97% em comparação com o mesmo período de
2023. Dos 9,4 milhões de hectares queimados, 85% ocorreram em áreas de
vegetação nativa. O estado do Tocantins teve 2,7 milhões de hectares queimados.
Se no tempo seco existe o fogo acidental, que pode
virar incêndio a partir de uma bituca de cigarro mal apagada, há também o fogo
criminoso, utilizado para “limpar” áreas e torná-las mais atrativas para
investidores. Em estradas prestes a ser asfaltadas, a valorização dos terrenos
é ainda maior e a especulação imobiliária cresce. Ainda que o avanço do asfalto
seja um desejo das comunidades no Jalapão, inclusive cobrado pelo Ministério Público, outros aspectos
ficam ocultos no piche.
“O meu receio é que não vai aumentar só o fluxo
turístico, mas um fluxo de caminhões para abastecer projetos de agricultura”,
diz Lúcio Adorno, professor da Universidade Federal de Tocantins, que atua em
projetos de conservação ambiental desde 1994 no Jalapão. “Pelo que a gente ouve
falar, o projeto desse asfalto não é só para atender a comunidade local, mas
serve como um corredor de exportação para ligar à Bahia”, complementa,
lembrando da proximidade com a Ferrovia Norte-Sul, que vai do Maranhão a São
Paulo, transportando minérios e commodities do agronegócio.
Lúcio considera que os projetos de monocultura
implementados na região não são compatíveis com a vocação da terra. “A
perspectiva é de que vão implementar lavouras, que não conseguirão subsistir em
função do solo extremamente arenoso, do clima cada vez mais árido; com isso, a
tendência é que esses projetos causem apenas mais degradação para o Jalapão”.
Também proprietário da Reserva Particular do Patrimônio
Natural (RPPN) Catedral do Jalapão, cartão-postal no município de São Félix do
Tocantins, Lúcio diz já ter visto “noites acesas de fogo” na estrada que liga a
capital Palmas ao Jalapão e lamenta que na região “tem gente que vive de uma
pecuária das cinzas”.
Ironicamente, a RPPN Catedral é vizinha de uma grande
extensão de chão recém-queimado com uma placa indicativa: “Fazenda Santo
Expedito” – o santo das causas urgentes.
Se o fogo deve ser zerado na época da seca, ele é
reconhecido como uma ferramenta útil quando gerido adequadamente no Cerrado.
Aplicado desde 2014 na região, o Manejo Integrado do Fogo (MIF) tornou-se
oficial no Brasil em 2024 por meio da Lei 14.944, que considera o
manejo parte do trabalho de prevenção.
“A ideia é usar o fogo, compreendendo a natureza e com
muita responsabilidade, com um conhecimento em relação à direção do vento, à
temperatura, à umidade do ar, ao horário que vai colocar”, explica Cassiana
Moreira, assessora técnica da Cooperativa Central do Cerrado. “É bem importante
a gente diferenciar. O fogo não é uma coisa só. Tem o fogo bom, com um impacto
positivo, inclusive para o capim dourado”.
As comunidades tradicionais fazem o manejo do fogo a
cada dois anos nos campos úmidos. “O mesmo fogo usado para rebrota do pasto
nativo serve para o manejo do capim-dourado”, explica Rejane Nunes, supervisora
da Área de Proteção Ambiental (APA) do
Jalapão,
que integra o Mosaico do Jalapão.
Segundo Rejane, o modo de vida das comunidades do
Jalapão inclui culturalmente a utilização do fogo como instrumento de manejo, e
o fogo tornou-se também um instrumento na gestão das UCs.
“Com a aplicação de queimas prescritas e outros
instrumentos de prevenção, como confecção de aceiros, monitoramento, reuniões
de planejamento e treinamento das brigadas no âmbito do MIF, houve uma redução
significativa, de até 36%, das áreas queimadas por incêndios no final
da estação seca no Jalapão”, diz Lívia Moura, especialista em MIF do Instituto Sociedade, População e
Natureza (ISPN).
“Além disso, houve uma melhora não só do diálogo entre os diferentes setores,
reduzindo conflitos antigos, mas também na construção de acordos e termos de
compromisso que trouxeram maior qualidade de vida para as comunidades
tradicionais e locais da região.”
Fonte: Mongabay
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