Antonio Martins: Que viva México!
A cena parece pertencer a outro tempo, mais feliz.
Falando ontem (12/1) a uma multidão de dezenas de milhares, que lotou o
gigantesco Zócalo da Cidade do México e as ruas adjacentes, a presidenta
Claudia Sheinbaum lançou
mais um elegante desafio a Donald Trump. Lembrou que os presidentes dos
dois países colaboraram em muitos momentos: Abrahan Lincoln com Benito Juarez,
contra a invasão francesa; Franklin Roosevelt com Lázaro Cárdenas, que nacionalizou
o petróleo e concluiu a reforma agrária. Porém, frisou, diante das
ameaças de Trump, de expulsar milhões de imigrantes mexicanos e impor tarifas
proibitivas às exportações mexicanas: “Não vamos regressar ao modelo
neoliberal. [Com os EUA], nos coordenamos, colaboramos, mas nunca nos
submeteremos”. A multidão interrompeu-a em coro: “México! México! México!…”
Dias antes, depois de Trump propor renomear o Golfo do
México, chamando-o de Golfo Americano, Sheinbaum retrucara: “A denominação é
reconhecida pela ONU mas, se é para mudar, poderíamos resgatar os antigos mapas
e chamar os EUA de América Mexicana. Soa bonito, não?” Apenas cem dias depois
de empossada, a
governante de
62 anos – uma climatóloga que nasceu em família de intelectuais, foi ativista
estudantil, considera-se “filha de 1968” e aderiu ao “populismo de esquerda” de
seu antecessor – parece disposta a dar continuidade à herança de Andrés Manuel
Lopez Obrador (o “AMLO”) e, ao mesmo tempo, transformá-la. Insinua uma presença
muito mais ativa na cena internacional. Inaugurou-a com brilho, durante a
Cúpula do G-20, no Rio. Ainda mais importante: indica que, diante da crise
civilizatória e dos arreganhos da ultradireita, a esquerda não precisa
encolher-se, nem buscar refúgio num liberalismo moribundo. Pode buscar um novo
projeto, cujas bases são atender as demandas básicas das maiorias e avançar na
construção de um novo Comum.
É disso que Sheinbaum falou à multidão, no discurso do
Zócalo. Seu governo ampliou o direito à aposentadoria dos idosos e
incapacitados que não puderam contribuir com a Previdência. Elevou o gasto
público, ao invés de constrangê-lo com “ajustes fiscais”. Graças a isso,
construirá 1 milhão de casas populares, para quem recebe até 3 salários
mínimos. Implanta rapidamente uma estrutura nacional de saúde da família.
Erguerá seis novos campi universitários. Manteve as
políticas que garantiram um aumento real de 135% no salário mínimo, desde 2018.
E aprovou há poucas semanas, no Congresso, uma lei que garante, aos
trabalhadores em empresas-plataforma, direitos como
previdência social, seguro contra acidentes, pensões, licença-maternidade,
participação nos lucros da empresa e um bônus de Natal.
No terreno da infraestrutura – que também implica
elevar o gasto público para garantir melhores condições de vida – Sheinbaum
anunciou no Zócalo a retomada dos trens de passageiros, com três novas
ferrovias (serão em parte construídas por batalhões de engenharia do exército).
Ressaltou as ações para tornar novamente públicas as empresas de petróleo (Pemex) e eletricidade. E, cereja no
bolo, lembrou que em 1º de junho os mexicanos elegerão democraticamente, pela
primeira vez na História, juízes, desembargadores e ministros da Suprema Corte.
Os feitos são possíveis graças a um cenário muito
particular, totalmente distinto do brasileiro. Em 2024, além de vencer as
eleições para o Executivo por amplíssima
margem (60%
contra 28% da segunda colocada), a coalizão
de Sheinbaum (formada
pelo Morena, seu partido,
pelo Partido
do Trabalho e Partido
Verde Ecologista)
elegeu 364
dos 500 deputados e 83 dos
128 senadores.
Isso foi possível graças tanto à popularidade de AMLO quanto às características
muito peculiares do Morena (Movimento de
Regeneração Nacional): as que permitem falar em “populismo de esquerda”.
Fundado em 2011, a princípio como uma associação civil,
o partido formou-se no ambiente de contestação do início do século, que
assistiu aos Fóruns Sociais Mundiais, à Primavera Árabe e a rebeliões como a
dos Indignados espanhóis, o Occupy Wall Street e a revolta do passe livre, no
Brasil. Era claramente antissistema, mas tinha sotaque
mexicano. Não praticava o horizontalismo, ao contrário do Podemos, nem tinha um
programa radical. Ao contrário: levava a marca de Lopez Obrador, seu fundador.
Este, que disputou duas eleições presidenciais (2006 e 2012) e governou a
Cidade do México antes de se eleger, em 2018, já era um político tarimbado,
carismático e centralizador – apesar de muito combativo contra os partidos
tradicionais e suas relações com o grande poder econômico.
Suas características mais marcantes eram as capacidades
de pautar a agenda política e de dialogar com as maiorias – o que fechou, no
México, o espaço para os apelos da ultradireita. AMLO lançou, desde os
primeiros dias de governo, as mañaneras, entrevistas coletivas
prolongadas que oferecia no início do dia. Nelas, expunha os planos do governo,
as estratégias para alcançá-los e, em especial, as resistências do sistema.
Embora a contragosto, a mídia comercial via-se obrigada a cobri-las, dada sua
enorme repercussão.
A classe média – inclusive em seus setores
intelectualizados – jamais aceitou Lopez Obrador. Uma pesquisa às vésperas da
eleição de Sheinbaum mostrou que 65% dos
eleitores com ensino fundamental apoiavam o Morena, assim como 49% com diploma
universitário – mas apenas 17% daqueles com mestrado ou doutorado. À mesma
época, o percentual dos que expressavam “confiança no governo nacional”, entre
o conjunto da população, saltava
a 61% (em
comparação a 29% no início do mandato de AMLO). 73% consideravam que seu padrão
de vida “estava
melhorando” e
57% diziam o mesmo em relação à economia do país.
Obrador sofreu resistência encarniçada no Congresso e
no Judiciário, ao longo de todo o mandato. Suas duas respostas foram preparar,
para 2024, uma campanha eleitoral muito incisiva e propor a grande reforma do
Judiciário. Cumpriu a primeira. Sheimbaum prepara-se para executar a segunda. A
eleição direta de juízes é certamente um passo arriscado, mas as razões para a
mudança são claras – como demonstrou o analista Edwin Acherman, num texto
indispensável sobre o cenário mexicano, que Outras Palavras traduziu.
Além de atrelada ao grande poder econômico por laços pessoais e ideológicos, a
Justiça é, também no México, oligárquica, racista e pobrefóbica.
A principal surpresa oferecida por Sheinbaum em seus
primeiros cem dias de governo foi manter o diálogo direto com a população que
marcou AMLO. Conservou inclusive as mañaneras, contrariando
os que esperavam uma governante mais contida e enquadrada – e em especial a
mídia, que a “acusa” de “não ter estilo próprio”. Ironizou-os no Zócalo,
chamando-os de “comentocracia”. “Foi para isso que nos elegemos: para dar
continuidade”. Porém, ao contrário de Obrador, que sequer viajava ao exterior,
destacou-se no plano internacional não apenas por zombar do “Golfo Americano”;
mas por manter constantes conversações com Gustavo Petro, da Colômbia; reagir (ao contrário
do Brasil) à cobiça de Trump sobre o Canal do Panamá; e propor, junto com sua
colega Xiomara Castro, de Honduras, um encontro de urgência das chancelarias
latinoamericanas, para analisar as ameaças de Washington contra os imigrantes
da região.
A mobilização social promovida por Sheinbaum pode
dar-lhe forças para enfrentar as batalhas difíceis que virão. Há décadas a
economia mexicana está, em boa parte, voltada para exportações aos EUA. A
tendência cresceu nos últimos anos, quando, diante da guerra comercial movida
por Washington contra a China, empresas desse país instalaram-se no México para
exportar a partir de lá, beneficiando-se do acordo de “livre” comércio entre as
nações da América do Norte. Caso Trump leve adiante a ameaça de restringir
severamente este comércio, a economia mexicana enfrentará desafios duros.
Além disso, há 10,6 milhões de mexicanos vivendo nos
EUA. Se parte importante deles for deportada, como propõe o bufão que está
prestes a assumir o governo em Washington, o México se deparará com um enorme
contingente de cidadãos a quem será preciso oferecer ocupação. Além disso, perderá
uma fonte importante de divisas. Os mexicanos nos EUA enviam ao país 65 bilhões
de dólares ao ano, lembrou ontem a presidente. E no entanto, frisou: “Eles e
elas contribuem com a economia do México, mas – que se escute em alto e bom som
– contribuem mais com a economia dos EUA, pois trabalham como ninguém e o que
nos enviam é apenas 20% do que deixam ali em consumo, poupança e impostos”.
A altivez destas palavras, assim como o caráter dos
governos de AMLO e Sheinbaum e sua popularidade duradoura (na pesquisa mais
recente, a presidenta aparece com 80% de apoio) convidam a examinar melhor a
hipótese do populismo de esquerda (veja nosso vídeo a respeito).
É a ele que a filósofa Nancy Fraser se refere, ao propor
hoje,
em entrevista à Folha, que, em face da ameaça de Trump,
articule-se não a volta às políticas do século XX, mas uma “coalizão ampliada
da classe trabalhadora, que inclui imigrantes, pessoas racializadas,
trabalhadores do setor de serviços, empregadas domésticas e até donas de casa
que realizam trabalho não remunerado”.
Para compreender alinda melhor a ideia, vale ler a
filósofa política Chantal Mouffe, inclusive em Outras Palavras. Em Por um
Populismo de Esquerda, uma de suas obras mais recentes (Ed. Autonomia Literária), ela percorre os processos
históricos centrais de nosso tempo – crise da democracia, explosão das
desigualdades e descoesão social. E argumenta: a revolta
resultante pode alimentar transformações radicais. Porém, frisa: os “velhos
partidos tornaram-se incapazes de enfrentar a direita, por insistirem no
bom-mocismo e na volta ao ‘velho normal’. É hora do choque Multidão X
Oligarquia; e de recolocar os afetos no centro da política”.
¨ Sheinbaum apresenta plano para tornar o México uma das
10 maiores economias do mundo
O governo de
Claudia Sheinbaum apresentou, nesta segunda-feira (13), o esboço do Plano
México, que visa impulsionar a produção nacional e se distanciar das
importações.
Em entrevista
coletiva, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, disse que o principal
objetivo do projeto é reduzir as importações de outras nações, especialmente da
Ásia e da China, e aumentar a produção em solo nacional.
"[Queremos]
ter mais produção no México, não só para o nosso mercado, mas também para o
mercado regional", esclareceu.
A chefe de Estado
acrescentou que isso ajudará a atingir mais de uma dúzia de objetivos,
como colocar a nação latino-americana entre as dez maiores economias do
mundo; atingir a produção de 50% do abastecimento e consumo nacional de maneira
doméstica; produzir vacinas nacionalmente; reduzir a pobreza e a
desigualdade; e garantir que 30% das pequenas e médias empresas tenham
financiamento suficiente para crescer.
Embora as
negociações e as mesas de trabalho continuem, o Plano México será lançado este
ano, disse Sheinbaum.
Segundo o
secretário de Economia do México, Marcel Ebrard, a estratégia é resultado
de meses de trabalho entre membros do governo federal, secretários de
desenvolvimento econômico dos 32 estados do país, além do setor empresarial
mexicano.
"É a carta de
navegação do México para a nova era que vamos enfrentar […]. Há incertezas no
futuro imediato, mas se formos coesos e tivermos uma liderança nacional como [a
que temos], seguiremos em frente."
No mesmo evento,
realizado no Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México, a
coordenadora do Conselho Consultivo para o Desenvolvimento Econômico Regional e
Relocalização (CADERR, na sigla em espanhol), Altagracia Gómez, anunciou
algumas das atividades que se pretende promover com o plano.
O Plano México se
concentra em cinco setores, em particular: bens de consumo, turismo,
energia, indústria automobilística e tecnologias da informação.
>>>> Claudia
Sheinbaum definiu as missões de estratégia do seu governo, com o intuito de:
# desenvolver
regionalmente o país a longo prazo;
# promover a
realocação;
# aumentar o
conteúdo nacional e regional, com foco na substituição de importações;
# relançar o
programa Feito no México;
# criar empregos
bem remunerados nos setores de manufatura e serviços;
# aumentar a oferta
local de valor agregado;
# promover centros
de desenvolvimento e bem-estar baseados nas características regionais;
# ampliar o acesso
ao ensino superior e secundário, bem como sua vinculação ao plano de
desenvolvimento;
# fortalecer o
avanço científico, tecnológico e a inovação;
# promover a integração do continente.
¨ Tribunal peruano retrocede julgamento contra Keiko
Fujimori por suposta lavagem de dinheiro
A Justiça do Peru
anulou, nesta segunda-feira (13), a fase oral do julgamento contra a líder do
partido Força Popular (direita), Keiko Fujimori, pelo suposto crime de lavagem
de dinheiro no caso Coquetéis, desmembramento do caso Odebrecht no Peru, relata
o jornal local El Comercio.
A mídia noticiou
que a Terceira Vara Colegiada Penal do Tribunal Superior Nacional aceitou o
pedido de Fujimori para que ela e outros 30 réus tivessem o julgamento oral
anulado pelo suposto financiamento ilícito de sua campanha presidencial em 2011.
O julgamento de
Fujimori e outros 40 réus ligados ao Força Popular teve início em
julho de 2024, recebendo grande atenção da mídia. Keiko é filha de Alberto
Fujimori, ex-ditador peruano que governou o país entre 1990 e
2000.
Conhecido como caso
Coquetéis, a acusação sustenta que o dinheiro obtido com esses coquetéis supera
em muito o que foi efetivamente arrecadado e que há pessoas físicas e jurídicas
que contribuíram por meio de terceiros para fugir do controle da auditoria.
Segundo a
promotoria, entre os contribuintes ilegais está a empresa brasileira Odebrecht.
A Terceira Vara
Colegiada Penal do Tribunal Superior Nacional fundamentou sua decisão no fato
de que a acusação apresentava inconsistências que impossibilitavam o
prosseguimento do processo.
"Conduzir um
julgamento com uma acusação deficiente abre caminho para a
arbitrariedade", disse o juiz Max Vengoa após anunciar o veredito.
A decisão do
tribunal anula apenas a fase de julgamento oral do caso contra a presidente do
partido. Dessa forma, o processo judicial contra Fujimori retorna à fase
anterior ao julgamento oral, ou seja, ao controle da acusação.
O controle da
acusação é a etapa do processo criminal que se inicia quando o Ministério
Público apresenta a acusação escrita. Nessa fase, o juiz decide se o caso
vai ou não a julgamento.
Keiko Fujimori, de
49 anos, concorreu quatro vezes à presidência. Na última, em 2021, perdeu para
o candidato da esquerda Pedro Castillo, que em poucos meses sofreu um impeachment.
Alberto
Fujimori morreu em setembro do ano passado após cumprir
16 de 25 anos de uma pena por violações dos direitos humanos.
¨ Forças Armadas da Venezuela recusam pedido de
intervenção militar do ex-presidente colombiano Uribe
As Forças Armadas
da Venezuela rejeitaram nesta segunda-feira (13) o pedido feito pelo
ex-presidente colombiano Álvaro Uribe (2002-2010) de apoiar uma intervenção
militar internacional contra o país caribenho. Uribe apoia o opositor Edmundo
González, que foi derrotado nas urnas pelo presidente Nicolás Maduro.
"Em estrito
cumprimento às funções que lhe são atribuídas constitucionalmente, de garantir
a independência e a soberania da nação e assegurar a integridade do espaço
geográfico, manifesta seu mais firme e categórico repúdio às pérfidas
declarações de Álvaro Uribe Vélez, nas quais o covarde personagem, aliado
do narco-paramilitarismo colombiano, ousou pedir uma intervenção militar
internacional para derrubar o governo legítimo do cidadão Nicolás Maduro
Moros", afirma o comunicado divulgado Exército.
Durante visita
à fronteira entre Colômbia e Venezuela, Uribe solicitou
uma intervenção internacional, avalizada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), para "remover esses tiranos do poder e convocar imediatamente
eleições livres".
Sobre as
declarações, a instituição militar considerou que convocar uma guerra na
América Latina é um ato "aberrante".
"Promover a
guerra na América Latina, que há séculos não sofre as atrocidades de um
conflito bélico e foi declarada como zona de paz, é um ato de insana
aberração que só pode ocorrer a uma mente maligna, desprovida de
princípios ético-morais", destaca o texto.
Além disso, as
Forças Armadas afirmaram que não hesitarão em enfrentar, combater e neutralizar qualquer ameaça ou
corpo armado para preservar a paz e a integridade do território
nacional.
No último sábado
(11), Maduro classificou Uribe como "narcotraficante, assassino e
covarde" após o pedido de intervenção contra a Venezuela.
A solicitação do
ex-presidente colombiano foi feita um dia após Maduro assumir o cargo para
um terceiro mandato consecutivo, em meio à tensão causada pela
possibilidade de o ex-candidato opositor Edmundo González retornar à
Venezuela para se autoproclamar chefe de Estado, como havia prometido.
A Venezuela
realizou eleições em 28 de julho, nas quais Maduro obteve 51,95% dos
votos, seguido pelo opositor Edmundo González, com 43,18%, de acordo com o
Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Já a oposição divulgou supostas atas que
indicariam que a vitória de González na disputa.
Fonte: Outras Palavras/Sputnik
Brasil
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