quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Antonio Martins: Que viva México!

A cena parece pertencer a outro tempo, mais feliz. Falando ontem (12/1) a uma multidão de dezenas de milhares, que lotou o gigantesco Zócalo da Cidade do México e as ruas adjacentes, a presidenta Claudia Sheinbaum lançou mais um elegante desafio a Donald Trump. Lembrou que os presidentes dos dois países colaboraram em muitos momentos: Abrahan Lincoln com Benito Juarez, contra a invasão francesa; Franklin Roosevelt com Lázaro Cárdenas, que nacionalizou o petróleo e concluiu a reforma agrária. Porém, frisou, diante das ameaças de Trump, de expulsar milhões de imigrantes mexicanos e impor tarifas proibitivas às exportações mexicanas: “Não vamos regressar ao modelo neoliberal. [Com os EUA], nos coordenamos, colaboramos, mas nunca nos submeteremos”. A multidão interrompeu-a em coro: “México! México! México!…”

Dias antes, depois de Trump propor renomear o Golfo do México, chamando-o de Golfo Americano, Sheinbaum retrucara: “A denominação é reconhecida pela ONU mas, se é para mudar, poderíamos resgatar os antigos mapas e chamar os EUA de América Mexicana. Soa bonito, não?” Apenas cem dias depois de empossada, a governante de 62 anos – uma climatóloga que nasceu em família de intelectuais, foi ativista estudantil, considera-se “filha de 1968” e aderiu ao “populismo de esquerda” de seu antecessor – parece disposta a dar continuidade à herança de Andrés Manuel Lopez Obrador (o “AMLO”) e, ao mesmo tempo, transformá-la. Insinua uma presença muito mais ativa na cena internacional. Inaugurou-a com brilho, durante a Cúpula do G-20, no Rio. Ainda mais importante: indica que, diante da crise civilizatória e dos arreganhos da ultradireita, a esquerda não precisa encolher-se, nem buscar refúgio num liberalismo moribundo. Pode buscar um novo projeto, cujas bases são atender as demandas básicas das maiorias e avançar na construção de um novo Comum.

É disso que Sheinbaum falou à multidão, no discurso do Zócalo. Seu governo ampliou o direito à aposentadoria dos idosos e incapacitados que não puderam contribuir com a Previdência. Elevou o gasto público, ao invés de constrangê-lo com “ajustes fiscais”. Graças a isso, construirá 1 milhão de casas populares, para quem recebe até 3 salários mínimos. Implanta rapidamente uma estrutura nacional de saúde da família. Erguerá seis novos campi universitários. Manteve as políticas que garantiram um aumento real de 135% no salário mínimo, desde 2018. E aprovou há poucas semanas, no Congresso, uma lei que garante, aos trabalhadores em empresas-plataforma, direitos como previdência social, seguro contra acidentes, pensões, licença-maternidade, participação nos lucros da empresa e um bônus de Natal.

No terreno da infraestrutura – que também implica elevar o gasto público para garantir melhores condições de vida – Sheinbaum anunciou no Zócalo a retomada dos trens de passageiros, com três novas ferrovias (serão em parte construídas por batalhões de engenharia do exército). Ressaltou as ações para tornar novamente públicas as empresas de petróleo (Pemex) e eletricidade. E, cereja no bolo, lembrou que em 1º de junho os mexicanos elegerão democraticamente, pela primeira vez na História, juízes, desembargadores e ministros da Suprema Corte.

Os feitos são possíveis graças a um cenário muito particular, totalmente distinto do brasileiro. Em 2024, além de vencer as eleições para o Executivo por amplíssima margem (60% contra 28% da segunda colocada), a coalizão de Sheinbaum (formada pelo Morena, seu partido, pelo Partido do Trabalho e Partido Verde Ecologista) elegeu 364 dos 500 deputados e 83 dos 128 senadores. Isso foi possível graças tanto à popularidade de AMLO quanto às características muito peculiares do Morena (Movimento de Regeneração Nacional): as que permitem falar em “populismo de esquerda”.

Fundado em 2011, a princípio como uma associação civil, o partido formou-se no ambiente de contestação do início do século, que assistiu aos Fóruns Sociais Mundiais, à Primavera Árabe e a rebeliões como a dos Indignados espanhóis, o Occupy Wall Street e a revolta do passe livre, no Brasil. Era claramente antissistema, mas tinha sotaque mexicano. Não praticava o horizontalismo, ao contrário do Podemos, nem tinha um programa radical. Ao contrário: levava a marca de Lopez Obrador, seu fundador. Este, que disputou duas eleições presidenciais (2006 e 2012) e governou a Cidade do México antes de se eleger, em 2018, já era um político tarimbado, carismático e centralizador – apesar de muito combativo contra os partidos tradicionais e suas relações com o grande poder econômico.

Suas características mais marcantes eram as capacidades de pautar a agenda política e de dialogar com as maiorias – o que fechou, no México, o espaço para os apelos da ultradireita. AMLO lançou, desde os primeiros dias de governo, as mañaneras, entrevistas coletivas prolongadas que oferecia no início do dia. Nelas, expunha os planos do governo, as estratégias para alcançá-los e, em especial, as resistências do sistema. Embora a contragosto, a mídia comercial via-se obrigada a cobri-las, dada sua enorme repercussão.

A classe média – inclusive em seus setores intelectualizados – jamais aceitou Lopez Obrador. Uma pesquisa às vésperas da eleição de Sheinbaum mostrou que 65% dos eleitores com ensino fundamental apoiavam o Morena, assim como 49% com diploma universitário – mas apenas 17% daqueles com mestrado ou doutorado. À mesma época, o percentual dos que expressavam “confiança no governo nacional”, entre o conjunto da população, saltava a 61% (em comparação a 29% no início do mandato de AMLO). 73% consideravam que seu padrão de vida “estava melhorando” e 57% diziam o mesmo em relação à economia do país.

Obrador sofreu resistência encarniçada no Congresso e no Judiciário, ao longo de todo o mandato. Suas duas respostas foram preparar, para 2024, uma campanha eleitoral muito incisiva e propor a grande reforma do Judiciário. Cumpriu a primeira. Sheimbaum prepara-se para executar a segunda. A eleição direta de juízes é certamente um passo arriscado, mas as razões para a mudança são claras – como demonstrou o analista Edwin Acherman, num texto indispensável sobre o cenário mexicano, que Outras Palavras traduziu. Além de atrelada ao grande poder econômico por laços pessoais e ideológicos, a Justiça é, também no México, oligárquica, racista e pobrefóbica.

A principal surpresa oferecida por Sheinbaum em seus primeiros cem dias de governo foi manter o diálogo direto com a população que marcou AMLO. Conservou inclusive as mañaneras, contrariando os que esperavam uma governante mais contida e enquadrada – e em especial a mídia, que a “acusa” de “não ter estilo próprio”. Ironizou-os no Zócalo, chamando-os de “comentocracia”. “Foi para isso que nos elegemos: para dar continuidade”. Porém, ao contrário de Obrador, que sequer viajava ao exterior, destacou-se no plano internacional não apenas por zombar do “Golfo Americano”; mas por manter constantes conversações com Gustavo Petro, da Colômbia; reagir (ao contrário do Brasil) à cobiça de Trump sobre o Canal do Panamá; e propor, junto com sua colega Xiomara Castro, de Honduras, um encontro de urgência das chancelarias latinoamericanas, para analisar as ameaças de Washington contra os imigrantes da região.

A mobilização social promovida por Sheinbaum pode dar-lhe forças para enfrentar as batalhas difíceis que virão. Há décadas a economia mexicana está, em boa parte, voltada para exportações aos EUA. A tendência cresceu nos últimos anos, quando, diante da guerra comercial movida por Washington contra a China, empresas desse país instalaram-se no México para exportar a partir de lá, beneficiando-se do acordo de “livre” comércio entre as nações da América do Norte. Caso Trump leve adiante a ameaça de restringir severamente este comércio, a economia mexicana enfrentará desafios duros.

Além disso, há 10,6 milhões de mexicanos vivendo nos EUA. Se parte importante deles for deportada, como propõe o bufão que está prestes a assumir o governo em Washington, o México se deparará com um enorme contingente de cidadãos a quem será preciso oferecer ocupação. Além disso, perderá uma fonte importante de divisas. Os mexicanos nos EUA enviam ao país 65 bilhões de dólares ao ano, lembrou ontem a presidente. E no entanto, frisou: “Eles e elas contribuem com a economia do México, mas – que se escute em alto e bom som – contribuem mais com a economia dos EUA, pois trabalham como ninguém e o que nos enviam é apenas 20% do que deixam ali em consumo, poupança e impostos”.

A altivez destas palavras, assim como o caráter dos governos de AMLO e Sheinbaum e sua popularidade duradoura (na pesquisa mais recente, a presidenta aparece com 80% de apoio) convidam a examinar melhor a hipótese do populismo de esquerda (veja nosso vídeo a respeito). É a ele que a filósofa Nancy Fraser se refere, ao propor hoje, em entrevista à Folha, que, em face da ameaça de Trump, articule-se não a volta às políticas do século XX, mas uma “coalizão ampliada da classe trabalhadora, que inclui imigrantes, pessoas racializadas, trabalhadores do setor de serviços, empregadas domésticas e até donas de casa que realizam trabalho não remunerado”.

Para compreender alinda melhor a ideia, vale ler a filósofa política Chantal Mouffe, inclusive em Outras Palavras. Em Por um Populismo de Esquerdauma de suas obras mais recentes (Ed. Autonomia Literária), ela percorre os processos históricos centrais de nosso tempo – crise da democracia, explosão das desigualdades e descoesão social. E argumenta: a revolta resultante pode alimentar transformações radicais. Porém, frisa: os “velhos partidos tornaram-se incapazes de enfrentar a direita, por insistirem no bom-mocismo e na volta ao ‘velho normal’. É hora do choque Multidão X Oligarquia; e de recolocar os afetos no centro da política”.

 

¨      Sheinbaum apresenta plano para tornar o México uma das 10 maiores economias do mundo

O governo de Claudia Sheinbaum apresentou, nesta segunda-feira (13), o esboço do Plano México, que visa impulsionar a produção nacional e se distanciar das importações.

Em entrevista coletiva, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, disse que o principal objetivo do projeto é reduzir as importações de outras nações, especialmente da Ásia e da China, e aumentar a produção em solo nacional.

"[Queremos] ter mais produção no México, não só para o nosso mercado, mas também para o mercado regional", esclareceu.

A chefe de Estado acrescentou que isso ajudará a atingir mais de uma dúzia de objetivos, como colocar a nação latino-americana entre as dez maiores economias do mundo; atingir a produção de 50% do abastecimento e consumo nacional de maneira doméstica; produzir vacinas nacionalmente; reduzir a pobreza e a desigualdade; e garantir que 30% das pequenas e médias empresas tenham financiamento suficiente para crescer.

Embora as negociações e as mesas de trabalho continuem, o Plano México será lançado este ano, disse Sheinbaum.

Segundo o secretário de Economia do México, Marcel Ebrard, a estratégia é resultado de meses de trabalho entre membros do governo federal, secretários de desenvolvimento econômico dos 32 estados do país, além do setor empresarial mexicano.

"É a carta de navegação do México para a nova era que vamos enfrentar […]. Há incertezas no futuro imediato, mas se formos coesos e tivermos uma liderança nacional como [a que temos], seguiremos em frente."

No mesmo evento, realizado no Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México, a coordenadora do Conselho Consultivo para o Desenvolvimento Econômico Regional e Relocalização (CADERR, na sigla em espanhol), Altagracia Gómez, anunciou algumas das atividades que se pretende promover com o plano.

O Plano México se concentra em cinco setores, em particular: bens de consumo, turismo, energia, indústria automobilística e tecnologias da informação.

>>>> Claudia Sheinbaum definiu as missões de estratégia do seu governo, com o intuito de:

# desenvolver regionalmente o país a longo prazo;

# promover a realocação;

# aumentar o conteúdo nacional e regional, com foco na substituição de importações;

# relançar o programa Feito no México;

# criar empregos bem remunerados nos setores de manufatura e serviços;

# aumentar a oferta local de valor agregado;

# promover centros de desenvolvimento e bem-estar baseados nas características regionais;

# ampliar o acesso ao ensino superior e secundário, bem como sua vinculação ao plano de desenvolvimento;

# fortalecer o avanço científico, tecnológico e a inovação;

# promover a integração do continente.

 

¨      Tribunal peruano retrocede julgamento contra Keiko Fujimori por suposta lavagem de dinheiro

A Justiça do Peru anulou, nesta segunda-feira (13), a fase oral do julgamento contra a líder do partido Força Popular (direita), Keiko Fujimori, pelo suposto crime de lavagem de dinheiro no caso Coquetéis, desmembramento do caso Odebrecht no Peru, relata o jornal local El Comercio.

A mídia noticiou que a Terceira Vara Colegiada Penal do Tribunal Superior Nacional aceitou o pedido de Fujimori para que ela e outros 30 réus tivessem o julgamento oral anulado pelo suposto financiamento ilícito de sua campanha presidencial em 2011.

O julgamento de Fujimori e outros 40 réus ligados ao Força Popular teve início em julho de 2024, recebendo grande atenção da mídia. Keiko é filha de Alberto Fujimori, ex-ditador peruano que governou o país entre 1990 e 2000.

Conhecido como caso Coquetéis, a acusação sustenta que o dinheiro obtido com esses coquetéis supera em muito o que foi efetivamente arrecadado e que há pessoas físicas e jurídicas que contribuíram por meio de terceiros para fugir do controle da auditoria.

Segundo a promotoria, entre os contribuintes ilegais está a empresa brasileira Odebrecht.

A Terceira Vara Colegiada Penal do Tribunal Superior Nacional fundamentou sua decisão no fato de que a acusação apresentava inconsistências que impossibilitavam o prosseguimento do processo.

"Conduzir um julgamento com uma acusação deficiente abre caminho para a arbitrariedade", disse o juiz Max Vengoa após anunciar o veredito.

A decisão do tribunal anula apenas a fase de julgamento oral do caso contra a presidente do partido. Dessa forma, o processo judicial contra Fujimori retorna à fase anterior ao julgamento oral, ou seja, ao controle da acusação.

O controle da acusação é a etapa do processo criminal que se inicia quando o Ministério Público apresenta a acusação escrita. Nessa fase, o juiz decide se o caso vai ou não a julgamento.

Keiko Fujimori, de 49 anos, concorreu quatro vezes à presidência. Na última, em 2021, perdeu para o candidato da esquerda Pedro Castillo, que em poucos meses sofreu um impeachment.

Alberto Fujimori morreu em setembro do ano passado após cumprir 16 de 25 anos de uma pena por violações dos direitos humanos.

¨      Forças Armadas da Venezuela recusam pedido de intervenção militar do ex-presidente colombiano Uribe

As Forças Armadas da Venezuela rejeitaram nesta segunda-feira (13) o pedido feito pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe (2002-2010) de apoiar uma intervenção militar internacional contra o país caribenho. Uribe apoia o opositor Edmundo González, que foi derrotado nas urnas pelo presidente Nicolás Maduro.

"Em estrito cumprimento às funções que lhe são atribuídas constitucionalmente, de garantir a independência e a soberania da nação e assegurar a integridade do espaço geográfico, manifesta seu mais firme e categórico repúdio às pérfidas declarações de Álvaro Uribe Vélez, nas quais o covarde personagem, aliado do narco-paramilitarismo colombiano, ousou pedir uma intervenção militar internacional para derrubar o governo legítimo do cidadão Nicolás Maduro Moros", afirma o comunicado divulgado Exército.

Durante visita à fronteira entre Colômbia e Venezuela, Uribe solicitou uma intervenção internacional, avalizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), para "remover esses tiranos do poder e convocar imediatamente eleições livres".

Sobre as declarações, a instituição militar considerou que convocar uma guerra na América Latina é um ato "aberrante".

"Promover a guerra na América Latina, que há séculos não sofre as atrocidades de um conflito bélico e foi declarada como zona de paz, é um ato de insana aberração que só pode ocorrer a uma mente maligna, desprovida de princípios ético-morais", destaca o texto.

Além disso, as Forças Armadas afirmaram que não hesitarão em enfrentar, combater e neutralizar qualquer ameaça ou corpo armado para preservar a paz e a integridade do território nacional.

No último sábado (11), Maduro classificou Uribe como "narcotraficante, assassino e covarde" após o pedido de intervenção contra a Venezuela.

A solicitação do ex-presidente colombiano foi feita um dia após Maduro assumir o cargo para um terceiro mandato consecutivo, em meio à tensão causada pela possibilidade de o ex-candidato opositor Edmundo González retornar à Venezuela para se autoproclamar chefe de Estado, como havia prometido.

A Venezuela realizou eleições em 28 de julho, nas quais Maduro obteve 51,95% dos votos, seguido pelo opositor Edmundo González, com 43,18%, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Já a oposição divulgou supostas atas que indicariam que a vitória de González na disputa.

 

Fonte: Outras Palavras/Sputnik Brasil

 

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