quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Ajuste fiscal mantém privilégios e sacrifica quem mais precisa

O programa de ajuste fiscal do governo, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, é composto por um elenco de medidas visando o equilíbrio fiscal (déficit primário igual a zero) e à redução dos gastos federais nos próximos seis anos (de 2025 a 2030) em cerca de R$ 320 bilhões, estimativa questionada pelos especialistas. O fato mais concreto é que nos anos de 2025 e 2026, o último biênio do atual governo, a redução de gastos será em média de R$ 70 bilhões, portanto, média de R$ 34 bilhões/ano.

Merece destaque o projeto de lei nº 4.614/24, de autoria do líder do governo, deputado José Guimarães, do PT (CE) e irmão do ex-presidente do PT José Genoíno, aprovado pelo Congresso Nacional e enviado para sanção pelo presidente da República, tendo como objetos principais a imposição de restrições do acesso de pessoas ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) e a introdução de limites aos futuros reajustes dos aumentos reais do salário mínimo nacional.

Até a sanção da lei e sua respectiva publicação no Diário Oficial da União para vigorar a partir de 2025, a correção anual do salário mínimo era determinada pela variação anual do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acrescido do aumento real equivalente à taxa de crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) brasileiro no segundo ano antes da vigência do novo salário mínimo.

Admitindo-se a inflação de 2024 igual a 4,88% e considerando que em 2023, o PIB do Brasil cresceu 3,20%, o novo salário mínimo para 2025 seria de R$ 1.528,30.

Pela nova lei, o reajuste do salário mínimo será calculado através de uma correção anual da variação do IPCA (ano anterior) acrescido do aumento real mínimo de 0,6% até o limite de 2,50%, tudo dependendo de o governo cumprir ou não a meta estabelecida para o crescimento real da receita primária da União.

Cumprida a meta, o aumento real será igual a 70% da variação real da receita primária. Já em caso de descumprimento da meta do arcabouço fiscal, o reajuste real será equivalente a 50% da variação real da receita primária.

Eis a primeira incoerência do ajuste anunciado, pois se o governo continuar com os gastos e descumprir as metas, os primeiros a serem penalizados serão os trabalhadores, os aposentados e pensionistas do INSS e os beneficiários do BPC, justamente os menos favorecidos.

Assim, a melhor estimativa para o novo salário mínimo em 2025, pela nova legislação, é baseada na taxa de crescimento real da receita primária estimada pelo IPEA como 7,60%. No entanto, na hipótese de o governo descumprir a meta do arcabouço fiscal, o percentual do aumento será de 50% dos 7,60%, ou seja de 3,80%, porém face o limitador (teto) imposto pela nova lei, será de apenas 2,50%, portanto inferior aos 3,2% do crescimento do PIB em 2023. Ou seja, em consequência de descumprimento das metas pelo governo e considerando o teto do aumento real imposto pela nova lei, o novo mínimo para 2025 será igual a R$ 1.517,92/mês, arredondado para R$ 1.518,00 pelo governo.

Assim, 28,3 milhões de aposentados e pensionistas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) que recebem um salário mínimo mensal, em razão da mudança de critério imposta pela nova lei perderão em 2025 R$ 10,30/mês para propiciar ao governo federal a redução de gastos da ordem de R$ 3,79 bilhões no ano, considerando-se 13 parcelas de pagamento com o 13º.

A mesma perda de R$ 10,30/mês atingirá os 4,83 milhões de idosos deficientes beneficiários do BPC, pessoas sem nenhuma renda e incapazes de prover seu sustento. Com eles, a economia do governo será de R$ 0,60 bilhão/ano porque não há pagamento de 13º no BPC.

Como se vê, as restrições propiciarão ao governo, em 2025, uma redução dos de gastos da ordem de R$ 4,39 bilhões ou 11,6% da meta fixada de R$ 34 bilhões/ano.

Já em 2026, pelas mesmas restrições impostas pela nova lei, com a taxa de crescimento do PIB 2024 igual a 3,50%, e admitindo-se o cumprimento do teto da meta de inflação (4,5% em 2025), a perda de cada aposentado, pensionista e beneficiário do Programa de Prestação Continuada subirá de R$ 10,30 para R$ 27,08/mês.  A remuneração que seria de R$ 1.652,97 pela lei anterior, em razão da nova legislação deverá cair para R$ 1.625,96/mês. Isso representará para o governo, em 2026, redução de gastos de R$ 11,51 bilhões, o correspondente a 33,86% do total da meta de R$ 34 bilhões.

No período acumulado dos próximos dois anos, a economia proporcionada ao governo atingirá R$ 15,90 bilhões, equivalentes a 23,50% da meta total de corte de gastos, às custas dos 33,13 milhões de cidadãos aposentados, pensionistas e beneficiários do BPC, de cujas mesas estará sendo retirado valor suficiente para a compra de 2 quilos de arroz por mês em 2025, e a 2 quilos de arroz e 2 quilos de feijão por mês, em 2026.

Em suma, o programa do governo – que na campanha eleitoral prometeu que os pobres comeriam picanha -, está acabando com o tão tradicional arroz e feijão, prato típico dos brasileiros, em um ato perverso contra os que mais precisam e que em razão da idade ou de alguma deficiência não têm mais condições de prover o próprio sustento e de suas famílias.

O grito dos aposentados e dos idosos já não é tão forte, não reverbera e nem ecoa; logo o incômodo para o governo é muito reduzido. É muito mais fácil de administrar que o barulho que causaria o corte de supersalários, de penduricalhos, de assessores, gabinetes, ministérios (37), privilégios dos donatários do poder, ou dos beneficiários dos gastos tributários da União (renúncias fiscais via sistema tributário), que hoje atingem quase 5% do PIB Brasil, ou seja cerca de R$ 570 bilhões/ano. O corte em tantas benesses nesses setores representaria, sem dúvida, uma economia significativa e fariam do Brasil um país menos injusto.

Basta lembrar que, segundo dados oficiais do IPEA, do IBGE e de outros órgãos do governo federal, cerca de 80% da força de trabalho dos estados de Alagoas, Amazonas, Maranhão e Paraíba têm remuneração mensal equivalente a um salário mínimo. Uma situação igual é enfrentada por milhões de brasileiros trabalhadores do setor privado.

Há o argumento de que o setor privado ou mesmo o setor público estadual ou municipal não estão obrigados a acompanhar as restrições do aumento real imposto pela nova lei federal. É verdade, mas o Brasil não tem a tradição de generosidade para com os trabalhadores da base da pirâmide e a maioria esmagadora dos empregadores, públicos e privados, certamente irá acompanhar o estabelecido pela nova lei.

Em uma economia tão expressiva (oitavo lugar no mundo) e tão complexa como a brasileira, não é exagero questionar se um dos efeitos danosos da nova lei não será a redução da baixa massa salarial nacional.

A qualquer pessoa sensata pareceria mais honesto, mais justo e mais compatível com os pronunciamentos do alto escalão do governo federal e dos próprios membros comandantes e componentes das mesas das duas casas do Congresso Nacional, começar os cortes necessários pelos gastos tributários da União e dos supersalários dos modernos donatários do poder.

Hoje, a União, renuncia via privilégios concedidos ao setor privado por meio dos gastos tributários, montante correspondente a 5% por cento do PIB, algo em torno de R$ 570 a R$ 590 bilhões/ano. Muitas dessas renúncias, senão a maioria, não são constitucionais, não têm amparo de lei complementar e quase a totalidade dessa renúncia é concedida sem prazo fixo. Além de não ter prazo decadencial, sequer submetida e não tem sequer aferição em relação ao que está gerando de bem para o país que está renunciando ao direito de cobrar valores.

Se o Brasil reduzisse em apenas 3% o total dos gastos tributários não constitucionais, apenas esse montante seria suficiente para evitar o ataque ao bolso do trabalhador e à mesa de suas famílias agora imposta pela nova lei.

Tal medida não seria nenhum absurdo porque falta clareza a essas renúncias, vez que sua concessão não obedece ao princípio fundamental constitucional segundo o qual as renúncias fiscais devem priorizar “a redução das desigualdades regionais e sociais”, algo que não vem ocorrendo há décadas. Assistimos a um flagrante e contínuo descumprimento do artigo 43 e do artigo 151 e parágrafo sexto e sétimo do artigo 165 da Constituição Federal. A comprovação dessa violação é muito fácil, bastando mencionar que 62% a 64% dos beneficiários das renúncias fiscais são empresas do setor privado instaladas nas regiões Sudeste e Sul, sabidamente as mais desenvolvidas e não as mais necessitadas como são o Norte e o Nordeste.  Esse seria o caminho mais correto.

Entramos em 2025 com uma grande dúvida. Implantar um corte de gastos tirando renda (e comida) do cidadão que mais precisa e que tem menos força para protestar é comodismo do governo ou perversidade deliberada?

 

¨      'Economia brasileira tem todas as condições para continuar crescendo', destaca executivo do Citi

O chefe da divisão internacional do Citi, Ernesto Torres Cantú, destacou a posição favorável do Brasil no contexto econômico global durante sua primeira visita ao país desde que assumiu o cargo em outubro do ano passado. Em entrevista concedida ao Valor Econômico, Cantú enfatizou que, mesmo diante de desafios globais, o Brasil apresenta desempenho positivo em comparação com outras grandes economias. Atualmente, ele supervisiona as operações do conglomerado financeiro em 93 países, responsáveis por quase 60% da receita global da instituição.

Cantú ressaltou que o Brasil iniciou 2024 com uma projeção de crescimento do PIB inferior a 1%, mas deve encerrar o ano com uma expansão de 3%, desempenho raro entre economias de grande porte. "Em termos relativos, o Brasil parece bem", afirmou. O executivo também destacou que a principal preocupação dos investidores locais, a situação fiscal, tem mostrado sinais de estabilidade. Segundo ele, a expectativa de que a dívida pública atingisse mais de 90% do PIB foi superada, com a atual projeção girando em torno de 78%. "As receitas orçamentárias estão indo bem, e isso é incrivelmente importante para manter a disciplina fiscal. A intenção do governo é manter essa disciplina. Não acho que houve mudança sobre isso".

Na avaliação de Cantú, a América Latina tem aproveitado as mudanças nas cadeias globais de suprimento, com o México se beneficiando do nearshoring e o Brasil do powershoring, dada sua matriz energética limpa e autossuficiência energética. "A economia brasileira tem fundamentos, ferramentas, que deixam muitos países com inveja. Tem um enorme mercado consumidor local, autossuficiência energética, uma matriz limpa, não tem desastres climáticos. Tem todas as condições necessárias para continuar crescendo."

Além disso, o executivo destacou a aprovação da reforma tributária como um avanço significativo no ambiente de negócios do Brasil. O Citi tem registrado crescimento expressivo no país, com lucro superando a meta de expansão de 50% nos ganhos entre 2022 e 2024. Mesmo com a ausência de ofertas públicas iniciais (IPOs), as atividades de emissão de dívida e de fusões e aquisições (M&A) têm mantido bom desempenho. "Somos muito fortes em custódia, cash management, câmbio e instrumentos de hedge. O grosso do negócio está em outros setores, que crescem todos".

Cantú reforçou o compromisso do Citi com o Brasil, afirmando que o banco continuará investindo no país. "O Brasil é uma fonte importante de crescimento para o Citi. E um exportador líquido de 'melhores práticas'. Muitas coisas que são feitas aqui eu gostaria de ver replicadas em outras partes do mundo".

Sobre o cenário internacional, Cantú comentou os possíveis impactos do novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos, prevendo aumento das tarifas e, consequentemente, da inflação e das taxas de juros. No entanto, destacou a resiliência da economia americana e sua influência no crescimento global. "Os EUA são uns 20 e pouco por cento da economia global, o que significa que ainda tem os 75%, 80% restantes".

Com perspectivas otimistas e sólido desempenho, o Brasil segue consolidando sua posição como mercado estratégico para o Citi e atraindo a atenção de investidores internacionais.

 

Fonte: Por Samuel Hanan, no Le Monde/Brasil 247 

 

 

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