Ajuste fiscal mantém
privilégios e sacrifica quem mais precisa
O programa de ajuste fiscal do governo, recentemente
aprovado pelo Congresso Nacional, é composto por um elenco de medidas visando o
equilíbrio fiscal (déficit primário igual a zero) e à redução dos gastos
federais nos próximos seis anos (de 2025 a 2030) em cerca de R$ 320 bilhões,
estimativa questionada pelos especialistas. O fato mais concreto é que nos anos
de 2025 e 2026, o último biênio do atual governo, a redução de gastos será em
média de R$ 70 bilhões, portanto, média de R$ 34 bilhões/ano.
Merece destaque o projeto de lei nº 4.614/24, de
autoria do líder do governo, deputado José Guimarães, do PT (CE) e irmão do
ex-presidente do PT José Genoíno, aprovado pelo Congresso Nacional e enviado
para sanção pelo presidente da República, tendo como objetos principais a
imposição de restrições do acesso de pessoas ao BPC (Benefício de Prestação
Continuada) e a introdução de limites aos futuros reajustes dos aumentos reais
do salário mínimo nacional.
Até a sanção da lei e sua respectiva publicação no
Diário Oficial da União para vigorar a partir de 2025, a correção anual do
salário mínimo era determinada pela variação anual do Índice de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), acrescido do aumento real equivalente à taxa de
crescimento do Produto Interno Bruno (PIB) brasileiro no segundo ano antes da
vigência do novo salário mínimo.
Admitindo-se a inflação de 2024 igual a 4,88% e
considerando que em 2023, o PIB do Brasil cresceu 3,20%, o novo salário mínimo
para 2025 seria de R$ 1.528,30.
Pela nova lei, o reajuste do salário mínimo
será calculado através de uma correção anual da variação do IPCA (ano
anterior) acrescido do aumento real mínimo de 0,6% até o limite de 2,50%, tudo
dependendo de o governo cumprir ou não a meta estabelecida para o crescimento
real da receita primária da União.
Cumprida a meta, o aumento real será igual a 70% da
variação real da receita primária. Já em caso de descumprimento da meta do
arcabouço fiscal, o reajuste real será equivalente a 50% da variação real da
receita primária.
Eis a primeira incoerência do ajuste anunciado, pois se
o governo continuar com os gastos e descumprir as metas, os primeiros a serem
penalizados serão os trabalhadores, os aposentados e pensionistas do INSS e os
beneficiários do BPC, justamente os menos favorecidos.
Assim, a melhor estimativa para o novo salário mínimo
em 2025, pela nova legislação, é baseada na taxa de crescimento real da receita
primária estimada pelo IPEA como 7,60%. No entanto, na hipótese de o governo
descumprir a meta do arcabouço fiscal, o percentual do aumento será de 50% dos
7,60%, ou seja de 3,80%, porém face o limitador (teto) imposto pela nova lei,
será de apenas 2,50%, portanto inferior aos 3,2% do crescimento do PIB em 2023.
Ou seja, em consequência de descumprimento das metas pelo governo e
considerando o teto do aumento real imposto pela nova lei, o novo mínimo para 2025 será
igual a R$ 1.517,92/mês, arredondado para R$ 1.518,00 pelo governo.
Assim, 28,3 milhões de aposentados e pensionistas do
Regime Geral da Previdência Social (RGPS) que recebem um salário mínimo mensal,
em razão da mudança de critério imposta pela nova lei perderão em 2025 R$
10,30/mês para propiciar ao governo federal a redução de gastos da ordem de R$
3,79 bilhões no ano, considerando-se 13 parcelas de pagamento com o 13º.
A mesma perda de R$ 10,30/mês atingirá os 4,83 milhões
de idosos deficientes beneficiários do BPC, pessoas sem nenhuma renda e
incapazes de prover seu sustento. Com eles, a economia do governo será de R$
0,60 bilhão/ano porque não há pagamento de 13º no BPC.
Como se vê, as restrições propiciarão ao governo, em
2025, uma redução dos de gastos da ordem de R$ 4,39 bilhões ou 11,6% da meta
fixada de R$ 34 bilhões/ano.
Já em 2026, pelas mesmas restrições impostas pela nova
lei, com a taxa de crescimento do PIB 2024 igual a 3,50%, e admitindo-se o
cumprimento do teto da meta de inflação (4,5% em 2025), a perda de cada
aposentado, pensionista e beneficiário do Programa de Prestação Continuada
subirá de R$ 10,30 para R$ 27,08/mês. A remuneração que seria de R$
1.652,97 pela lei anterior, em razão da nova legislação deverá cair para R$
1.625,96/mês. Isso representará para o governo, em 2026, redução de gastos de
R$ 11,51 bilhões, o correspondente a 33,86% do total da meta de R$ 34 bilhões.
No período acumulado dos próximos dois anos, a economia
proporcionada ao governo atingirá R$ 15,90 bilhões, equivalentes a 23,50% da
meta total de corte de gastos, às custas dos 33,13 milhões de cidadãos
aposentados, pensionistas e beneficiários do BPC, de cujas mesas estará sendo
retirado valor suficiente para a compra de 2 quilos de arroz por mês em 2025, e
a 2 quilos de arroz e 2 quilos de feijão por mês, em 2026.
Em suma, o programa do governo – que na campanha
eleitoral prometeu que os pobres comeriam picanha -, está acabando com o tão
tradicional arroz e feijão, prato típico dos brasileiros, em um ato perverso
contra os que mais precisam e que em razão da idade ou de alguma deficiência
não têm mais condições de prover o próprio sustento e de suas famílias.
O grito dos aposentados e dos idosos já não é tão
forte, não reverbera e nem ecoa; logo o incômodo para o governo é muito
reduzido. É muito mais fácil de administrar que o barulho que causaria o corte
de supersalários, de penduricalhos, de assessores, gabinetes, ministérios (37),
privilégios dos donatários do poder, ou dos beneficiários dos gastos
tributários da União (renúncias fiscais via sistema tributário), que hoje
atingem quase 5% do PIB Brasil, ou seja cerca de R$ 570 bilhões/ano. O corte em
tantas benesses nesses setores representaria, sem dúvida, uma economia
significativa e fariam do Brasil um país menos injusto.
Basta lembrar que, segundo dados oficiais do IPEA, do
IBGE e de outros órgãos do governo federal, cerca de 80% da força de trabalho dos
estados de Alagoas, Amazonas, Maranhão e Paraíba têm remuneração mensal
equivalente a um salário mínimo. Uma situação igual é enfrentada por
milhões de brasileiros trabalhadores do setor privado.
Há o argumento de que o setor privado ou mesmo o setor
público estadual ou municipal não estão obrigados a acompanhar as restrições do
aumento real imposto pela nova lei federal. É verdade, mas o Brasil não tem a
tradição de generosidade para com os trabalhadores da base da pirâmide e a
maioria esmagadora dos empregadores, públicos e privados, certamente irá
acompanhar o estabelecido pela nova lei.
Em uma economia tão expressiva (oitavo lugar no mundo)
e tão complexa como a brasileira, não é exagero questionar se um dos efeitos
danosos da nova lei não será a redução da baixa massa salarial nacional.
A qualquer pessoa sensata pareceria mais honesto, mais
justo e mais compatível com os pronunciamentos do alto escalão do governo
federal e dos próprios membros comandantes e componentes das mesas das duas
casas do Congresso Nacional, começar os cortes necessários pelos gastos
tributários da União e dos supersalários dos modernos donatários do poder.
Hoje, a União, renuncia via privilégios concedidos ao
setor privado por meio dos gastos tributários, montante correspondente a 5% por
cento do PIB, algo em torno de R$ 570 a R$ 590 bilhões/ano. Muitas dessas
renúncias, senão a maioria, não são constitucionais, não têm amparo de lei
complementar e quase a totalidade dessa renúncia é concedida sem prazo fixo.
Além de não ter prazo decadencial, sequer submetida e não tem sequer aferição
em relação ao que está gerando de bem para o país que está renunciando ao
direito de cobrar valores.
Se o Brasil reduzisse em apenas 3% o total dos gastos
tributários não constitucionais, apenas esse montante seria suficiente para
evitar o ataque ao bolso do trabalhador e à mesa de suas famílias agora imposta
pela nova lei.
Tal medida não seria nenhum absurdo porque falta
clareza a essas renúncias, vez que sua concessão não obedece ao princípio fundamental
constitucional segundo o qual as renúncias fiscais devem priorizar “a redução
das desigualdades regionais e sociais”, algo que não vem ocorrendo há décadas.
Assistimos a um flagrante e contínuo descumprimento do artigo 43 e do artigo
151 e parágrafo sexto e sétimo do artigo 165 da Constituição Federal. A
comprovação dessa violação é muito fácil, bastando mencionar que 62% a 64% dos
beneficiários das renúncias fiscais são empresas do setor privado instaladas
nas regiões Sudeste e Sul, sabidamente as mais desenvolvidas e não as mais
necessitadas como são o Norte e o Nordeste. Esse seria o caminho mais
correto.
Entramos em 2025 com uma grande dúvida. Implantar um
corte de gastos tirando renda (e comida) do cidadão que mais precisa e que tem
menos força para protestar é comodismo do governo ou perversidade deliberada?
¨ 'Economia
brasileira tem todas as condições para continuar crescendo', destaca executivo
do Citi
O chefe da divisão
internacional do Citi, Ernesto Torres Cantú, destacou a posição favorável do
Brasil no contexto econômico global durante sua primeira visita ao país desde
que assumiu o cargo em outubro do ano passado. Em entrevista concedida ao Valor Econômico, Cantú
enfatizou que, mesmo diante de desafios globais, o Brasil apresenta desempenho
positivo em comparação com outras grandes economias. Atualmente, ele
supervisiona as operações do conglomerado financeiro em 93 países, responsáveis
por quase 60% da receita global da instituição.
Cantú ressaltou que o Brasil
iniciou 2024 com uma projeção de crescimento do PIB inferior a 1%, mas deve
encerrar o ano com uma expansão de 3%, desempenho raro entre economias de
grande porte. "Em termos relativos, o Brasil parece bem", afirmou. O
executivo também destacou que a principal preocupação dos investidores locais,
a situação fiscal, tem mostrado sinais de estabilidade. Segundo ele, a
expectativa de que a dívida pública atingisse mais de 90% do PIB foi superada,
com a atual projeção girando em torno de 78%. "As receitas orçamentárias
estão indo bem, e isso é incrivelmente importante para manter a disciplina
fiscal. A intenção do governo é manter essa disciplina. Não acho que houve
mudança sobre isso".
Na avaliação de Cantú, a
América Latina tem aproveitado as mudanças nas cadeias globais de suprimento,
com o México se beneficiando do nearshoring e o Brasil do powershoring, dada
sua matriz energética limpa e autossuficiência energética. "A economia
brasileira tem fundamentos, ferramentas, que deixam muitos países com inveja.
Tem um enorme mercado consumidor local, autossuficiência energética, uma matriz
limpa, não tem desastres climáticos. Tem todas as condições necessárias para
continuar crescendo."
Além disso, o executivo
destacou a aprovação da reforma tributária como um avanço significativo no
ambiente de negócios do Brasil. O Citi tem registrado crescimento expressivo no
país, com lucro superando a meta de expansão de 50% nos ganhos entre 2022 e
2024. Mesmo com a ausência de ofertas públicas iniciais (IPOs), as atividades
de emissão de dívida e de fusões e aquisições (M&A) têm mantido bom
desempenho. "Somos muito fortes em custódia, cash management, câmbio e instrumentos
de hedge. O grosso do negócio está em outros setores, que crescem todos".
Cantú reforçou o compromisso
do Citi com o Brasil, afirmando que o banco continuará investindo no país.
"O Brasil é uma fonte importante de crescimento para o Citi. E um
exportador líquido de 'melhores práticas'. Muitas coisas que são feitas aqui eu
gostaria de ver replicadas em outras partes do mundo".
Sobre o cenário
internacional, Cantú comentou os possíveis impactos do novo governo de Donald
Trump nos Estados Unidos, prevendo aumento das tarifas e, consequentemente, da
inflação e das taxas de juros. No entanto, destacou a resiliência da economia
americana e sua influência no crescimento global. "Os EUA são uns 20 e
pouco por cento da economia global, o que significa que ainda tem os 75%, 80%
restantes".
Com perspectivas otimistas e
sólido desempenho, o Brasil segue consolidando sua posição como mercado
estratégico para o Citi e atraindo a atenção de investidores internacionais.
Fonte: Por Samuel Hanan, no Le Monde/Brasil 247
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