quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Trump quer controlar a Groenlândia: 4 possíveis desfechos para a polêmica

Nas últimas semanas, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, demonstrou um interesse renovado em assumir o controle da Groenlândia, um território amplamente autônomo da Dinamarca no Ártico e a maior ilha do mundo.

Ele indicou pela primeira vez a intenção de comprar a Groenlândia em 2019, durante seu primeiro mandato como presidente. Mas na última semana ele foi além, recusando-se a descartar a força econômica ou militar para assumir o controle.

Autoridades dinamarquesas e europeias responderam negativamente, dizendo que a Groenlândia não está à venda e que sua integridade territorial deve ser preservada.

Então, como essa situação incomum poderia se desenrolar, com dois aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em desacordo sobre um enorme território que é 80% coberto de gelo, mas tem considerável riqueza mineral inexplorada?

E como as aspirações de independência entre a população da Groenlândia, com 56 mil habitantes, sob controle dinamarquês por 300 anos, podem afetar o resultado?

Aqui, analisamos quatro cenários possíveis para o futuro do território desejado.

·        Trump perde o interesse, nada acontece

Há algumas especulações de que a ação de Trump é apenas fanfarronice, algo para fazer a Dinamarca aumentar a segurança da Groenlândia diante da ameaça da Rússia e da China buscando influência na região.

Em dezembro de 2024, a Dinamarca anunciou um novo pacote militar de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 9,1 bilhões) para o Ártico. Ele havia sido preparado antes dos comentários de Trump, mas o anúncio poucas horas depois deles foi descrito pelo ministro da defesa dinamarquês como uma "ironia do destino".

"O que era importante no que Trump disse era que a Dinamarca tem que cumprir suas obrigações no Ártico ou tem que deixar os EUA fazerem isso", diz Elisabet Svane, correspondente política chefe do jornal dinamarquês Politiken.

Marc Jacobsen, professor associado do Royal Danish Defence College, acredita que este é um caso de Trump "se posicionando antes de assumir o cargo", enquanto a Groenlândia está usando a ocasião para ganhar mais autoridade internacional, como um passo importante em direção à independência.

Então, mesmo que Trump perdesse mais interesse na Groenlândia agora, o que o Professor Jacobsen acha ser o cenário mais provável, ele certamente colocou os holofotes sobre a questão.

Mas a independência da Groenlândia está na agenda há muitos anos, e alguns dizem que o debate pode até ir na direção oposta.

"Notei que nos últimos dias o primeiro-ministro da Groenlândia está mais calmo em seus comentários — ou seja, sim, queremos independência, mas a longo prazo", diz Svane.

·        Groenlândia vota pela independência e busca laços mais próximos com os EUA

Há um consenso na Groenlândia de que a independência acontecerá eventualmente, e também que se a Groenlândia votar a favor, a Dinamarca a aceitará e ratificará.

No entanto, também é improvável que a Groenlândia vote pela independência, a menos que seu povo tenha garantias de que pode manter os subsídios que recebe atualmente da Dinamarca para pagar por coisas como assistência médica e sistema de bem-estar social.

"O primeiro-ministro da Groenlândia pode estar em pé de guerra agora, mas no caso de ele realmente convocar um referendo, precisará de algum tipo de narrativa convincente sobre como salvar a economia e o sistema de bem-estar da Groenlândia", disse Ulrik Gad, pesquisador sênior do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais, à BBC.

Um possível próximo passo é uma associação livre — algo como os EUA têm atualmente com os Estados do Pacífico, como Ilhas Marshall, Micronésia e Palau.

A Dinamarca se opôs anteriormente a esse status, tanto para a Groenlândia quanto para as Ilhas Faroé. Mas, de acordo com Gad, a atual primeira-ministra Mette Frederiksen não é categoricamente contra.

"A compreensão dinamarquesa da experiência histórica da Groenlândia é muito melhor do que era há 20 anos", diz ele, com a Dinamarca aceitando a responsabilidade colonial.

As discussões recentes "podem persuadir (Frederiksen) a dizer 'melhor manter a Dinamarca no Ártico e continuar com algum tipo de conexão com a Groenlândia, mesmo que seja mais frouxa'", acrescenta.

Mas, mesmo que a Groenlândia consiga se livrar da Dinamarca, ficou claro nos últimos anos que ela não pode se livrar dos Estados Unidos. Os americanos nunca realmente saíram depois de assumir o controle da ilha na Segunda Guerra Mundial, e veem isso como vital para sua segurança.

Um acordo em 1951 afirmou a soberania básica da Dinamarca sobre a ilha, mas, na verdade, deu aos EUA o que eles queriam.

Gad disse que as autoridades da Groenlândia estiveram em contato com as duas últimas administrações dos EUA sobre o papel de Washington.

"Eles agora sabem que os Estados Unidos nunca sairão", disse ele.

·        Trump aumenta a pressão econômica

Houve especulações de que a retórica econômica de Trump é potencialmente a maior ameaça à Dinamarca — com os EUA aumentando drasticamente as tarifas sobre produtos dinamarqueses, ou mesmo da União Europeia, forçando a Dinamarca a fazer algum tipo de concessão sobre a Groenlândia.

O professor Jacobsen diz que os governos dinamarqueses estão se preparando para isso, e não apenas por causa do território do Ártico.

Trump tem ameaçado impor tarifas universais de 10% sobre todas as importações dos Estados Unidos, o que poderia, entre outras coisas, prejudicar significativamente o crescimento europeu. E algumas empresas dinamarquesas e outras empresas europeias estão considerando a criação de fábricas nos EUA.

Possíveis opções para aumentar tarifas incluem invocar a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA) de 1977, disse Benjamin Cote, do escritório de advocacia internacional Pillsbury, ao site MarketWatch.

Uma das principais indústrias dinamarquesas potencialmente afetadas por isso é a farmacêutica. Os Estados Unidos recebem produtos como aparelhos auditivos e a maior parte de sua insulina da Dinamarca, assim como o medicamento para diabetes Ozempic, fabricado pela empresa dinamarquesa Novo Nordisk.

Analistas dizem que o aumento nos preços que resultaria dessas medidas não agradaria ao público dos Estados Unidos.

·        Trump invade a Groenlândia

A "opção nuclear" parece absurda, mas com Trump falhando em descartar uma ação militar, ela tem que ser considerada.

Essencialmente, não seria difícil para os EUA assumirem o controle, dado que eles já têm bases e muitas tropas na Groenlândia.

"Os EUA já têm o controle de fato", diz o professor Jacobsen, acrescentando que as observações de Trump pareciam mal informadas e que ele não entendeu o sentido delas.

Dito isso, qualquer uso de força militar por Washington criaria um incidente internacional.

"Se eles invadirem a Groenlândia, eles invadem a Otan", diz Svane. "Então é aí que para. O Artigo 5 teria que ser acionado. E se um país da Otan invadir a Otan, então não há Otan."

Gad diz que Trump soa como o presidente chinês Xi Jinping falando sobre Taiwan ou Vladimir Putin, da Rússia, falando sobre a Ucrânia.

"Ele está dizendo que é legítimo para nós tomarmos este pedaço de terra", diz ele. "Se o levarmos realmente a sério, isso é um mau presságio para toda a aliança ocidental."

¨      Fala de Trump sobre Groenlândia é tentativa de forçar submissão de outros países, diz ex-diplomata

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, está tentando intimidar outros países com suas declarações escandalosas sobre a Groenlândia para forçá-los a seguir a vontade do novo governo dos EUA, disse o diplomata estadunidense aposentado Jim Jatras à Sputnik.

No início de janeiro, Trump disse que a Groenlândia deveria se juntar aos Estados Unidos para conter a influência da China e da Rússia.

Ele já havia expressado a ideia de adquirir a ilha, que goza de ampla autonomia na Dinamarca, em 2019, durante seu primeiro mandato presidencial. Tanto naquela época quanto agora, as autoridades groenlandesas e dinamarquesas rejeitaram a proposta.

Desta vez primeiro-ministro groenlandês, Mute Egede, respondeu que a ilha não está à venda.

"Seus comentários sobre a Groenlândia precisam ser vistos no contexto de suas falas sobre anexar o Canadá, renomear o golfo do México, controlar o canal do Panamá e impor tarifas de 100% aos países que abandonarem o dólar americano por uma moeda BRICS", disse Jatras. "É para que os Estados Unidos possam intimidar outros países e forçá-los à submissão."

Segundo ele, há uma possibilidade de que os planos do novo governo, que tomará posse em 20 de janeiro, incluam uma mudança no foco da geopolítica dos EUA, de tentar garantir o domínio global para fortalecer a posição dos Estados Unidos no Hemisfério Ocidental.

No entanto, o ex-diplomata observa que não se deve levar as palavras de Trump, que é conhecido por declarações exageradas e imprevisibilidade, muito a sério.

Jatras também expressou a opinião de que os Estados Unidos não receberiam nenhum benefício tangível ao adquirir ou tomar a Groenlândia, uma vez que ela tem seus recursos naturais intocados, e a ilha dinamarquesa já abriga a base espacial americana de Pituffik.

"Por outro lado, se houvesse uma razão convincente para explorar os recursos da Groenlândia, então chegar a um acordo com a Dinamarca para esse propósito certamente seria mais fácil e barato do que tentar forçar Copenhague, para não mencionar os groenlandeses, a ceder a ilha aos EUA. Novamente, nada disso faz sentido, mas isso é clássico de Trump", observa o ex-diplomata.

Tomada da Groenlândia prejudicaria relações com Europa

Uma tomada forçada da Groenlândia pelos Estados Unidos seria um golpe sério no relacionamento de Washington com a Europa, disse o tenente-coronel aposentado do Exército dos EUA e consultor político Earl Rasmussen à Sputnik.

"Se tomarmos a Groenlândia à força, militar ou economicamente, isso prejudicaria significativamente as relações entre a Europa e a EUA", disse Rasmussen.

Rasmussen lembrou que a Groenlândia foi uma colônia ou um território dependente da Noruega e da Dinamarca por séculos, e que um movimento de independência está crescendo atualmente.

"Uma abordagem mais palatável seria negociar diplomaticamente com a Groenlândia, Dinamarca e Europa o acesso em que os EUA têm interesse, seja por razões estratégicas de segurança nacional ou acesso a recursos naturais", acrescentou.

O especialista também destacou que os EUA têm uma base militar na Groenlândia que desempenha um papel fundamental na rede global de sistemas de alerta de mísseis dos EUA.

Rasmussen acredita que Trump quer acessar a Groenlândia por razões comerciais, de segurança e políticas. "Isso forneceria acesso pronto e direto ao Ártico e a uma riqueza de recursos naturais, como minerais, incluindo terras raras, bem como petróleo e gás", acrescentou.

A Groenlândia foi uma colônia da Dinamarca até 1953. Ela continua sendo parte do reino, mas em 2009 recebeu autonomia com a possibilidade de autogoverno e escolha independente na política doméstica.

¨      Republicanos elaboram projeto de lei que autoriza Trump a negociar compra da Groenlândia

Um grupo de parlamentares republicanos da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos elabora um projeto de lei que autoriza o presidente eleito Donald Trump a negociar a compra da Groenlândia, segundo texto obtido pela Sputnik.

"Autoriza o presidente a buscar negociações com o Reino da Dinamarca para assegurar a aquisição da Groenlândia pelos Estados Unidos", diz o documento.

O texto também sugere que a lei seja chamada de "Ato para tornar a Groenlândia grande novamente".

No mês passado, Trump, que assumirá o cargo em 20 de janeiro, afirmou que seria "uma necessidade absoluta" para os EUA possuírem a Groenlândia. Em resposta, o primeiro-ministro da região autônoma, Mute Egede, declarou que a ilha não está à venda.

A Groenlândia foi uma colônia da Dinamarca até 1953. Apesar de ainda fazer parte do reino, recebeu autonomia em 2009 e, com isso, a capacidade de se autogovernar e tomar decisões independentes em questões de política doméstica.

·        'Obsessão' de Trump com a Groenlândia

Na última semana, a CNN informou que autoridades norte-americanas e dinamarquesas não entendem a "obsessão" de Trump com a ideia de controlar a Groenlândia, já que a posse da ilha traria uma série de problemas para Washington e exigiria investimentos.

Trump voltou a dizer que a Groenlândia deve virar parte dos Estados Unidos, enfatizando sua importância estratégica para a segurança nacional e a defesa de um "mundo livre", inclusive da China e da Rússia.

No entanto, ele se recusou a se comprometer a não usar a força militar para obter o controle da Groenlândia e do canal do Panamá.

Os EUA já têm um acordo de defesa antigo por décadas com a Dinamarca, que permite aos Estados Unidos colocar na ilha ártica uma quantidade significativa de tropas e equipamentos.

"Autoridades americanas e dinamarquesas dizem não entender a obsessão do presidente entrante com a aquisição da Groenlândia, que [Donald] Trump chamou de 'uma necessidade absoluta'", informa o artigo da CNN.

 

¨         A Groenlândia além do gelo. Por Bruno Quitilano

A última vez que vi alguém tão empolgado com a Groenlândia foi em uma partida de War. Claro, no jogo de tabuleiro a maior ilha do mundo é um território estratégico para as ambições dos jogadores, visto que ela fornece uma ligação entre a América do Norte e a Europa. Fora do tabuleiro, a Groenlândia, um território autônomo da Dinamarca, parece menos glamorosa, sendo mais conhecida por sua vastidão gelada, uma população escassa (57 mil habitantes) e uma modesta economia, ao ponto de depender de um subsídio anual dinamarquês de US$ 500 milhões que representa mais da metade do seu orçamento público. No entanto, Donald Trump, como um jogador que viu em seu objetivo “Conquiste a Groenlândia para Ganhar o Jogo”, lançou-se na campanha Make Greenland Great Again.

Neste texto, vou explorar os dois principais motivos que levaram Trump a colocar o frio da Groenlândia no calor das disputas geopolíticas.

<><> Recursos minerais

De maneira curiosa, a mudança climática está acelerando a competição geopolítica no Ártico, à medida que o derretimento de gelo torna mais fácil o acesso a recursos naturais antes inacessíveis, como petróleo e minerais estratégicos. Embora coberta de gelo, a Groenlândia abriga vastos recursos naturais inexplorados, incluindo mais de 43 dos 50 elementos raros essenciais para o avanço da tecnologia limpa.

Em 2023, o governo dinamarquês publicou um relatório destacando a ilha da Groenlândia como um grande depósito de minerais estratégicos, revelando que a região possui reservas significativas de cobalto, grafite, lítio e níquel, fundamentais para indústrias em pleno crescimento, como baterias e veículos elétricos (New York Times, 2024). Além disso, em 2022, a CNN divulgou que um grupo de bilionários, incluindo nomes como Jeff Bezos, Michael Bloomberg e Bill Gates, estava investindo na Kobold Metals, uma empresa de exploração mineral com foco na Groenlândia. Kurt House, CEO da empresa declarou à CNN na época: “Estamos procurando um depósito que será o maior ou segundo maior depósito significativo de níquel e cobalto do mundo” (CNN, 2022). Outra evidência do potencial exploratório da região, é um estudo da Agência Federal de Informação Energética dos Estados Unidos, divulgado em 2012, que revelou que o Ártico contém cerca de 13% das reservas de petróleo e 30% das reservas de gás natural ainda não descobertas (EIA, 2012).

<><> Rotas marítimas

O degelo no Ártico também tem impulsionado a abertura de novas rotas de navegação marítima, atraindo o interesse de potências como China e Rússia que estão trabalhando em conjunto para desenvolver essas passagens estratégicas. Em novembro de 2024, o jornal South China Morning Post, divulgou que as duas nações chegaram a um consenso sobre a cooperação na Rota do Mar do Norte (ver Imagem 1), que se estende desde a Escandinávia até o Estreito de Bering (SCMP, 2024).

Outro dado relevante é o aumento de 37% na navegação no Ártico entre 2013 e 2023 (Arctic Council, 2024). Esse crescimento reflete como a redução do gelo tem facilitado o acesso a regiões antes remotas, em um momento em que o mundo busca alternativas para encurtar rotas marítimas. Além disso, estima-se que a Rota do Mar do Norte reduza em até 40% a distância de navegação entre portos no noroeste europeu e o Extremo Oriente, quando comparada à tradicional rota pelo Canal de Suez (Journal of Transport Geography, 2011).

Trump não é o primeiro presidente americano a almejar a aquisição da Groenlândia. Harry Truman, em 1945, também demonstrou interesse em comprar a ilha após a Segunda Guerra Mundial, como parte de uma estratégia para conter a expansão das forças soviéticas. Oito décadas depois, Trump recorre à mesma lógica estratégica, observando a crescente presença da Rússia e da China no Ártico.

É relevante destacar que a política externa dos Estados Unidos tem voltado sua atenção para a Groenlândia, um foco que se intensificou recentemente. Durante o seu primeiro mandato, Trump reabriu o consulado americano na região e comprometeu-se a destinar mais de 12 milhões de dólares em ajuda. Já sob a presidência de Biden, foi assinado um acordo de 12 anos para a manutenção da Base Aérea de Thule, que vem se tornando cada vez mais importante para o governo dos Estados Unidos, consolidando a presença militar americana na ilha com um investimento de 3,95 bilhões de dólares.

Ao trazer à tona o desejo de “conquistar” a Groenlândia, Trump revive um sonho antigo. A ilha, assim como em um jogo de War, não é apenas um pedaço de terra, mas um ponto crucial em um jogo maior de poder, segurança e recursos. A questão vai além de uma simples disputa por território, ela é tão peculiar que faz Trump crer nas mudanças climáticas e apelar para a questão de segurança nacional. A proteção do mundo livre, evocada por Trump é a representação do realismo nas relações internacionais que enfatiza a busca pelo poder, segurança e os interesses nacionais como motivadores centrais da política externa de um Estado.

 

Fonte: BBC News/Sputnik Brasil/Le Monde

 

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