'Bomba de longo
prazo': por que a economia aquecida está gerando inflação?
Em entrevista à
Sputnik Brasil, economistas explicam por que, apesar da queda no desemprego e
do crescimento econômico, o Banco Central mantém a política de aumentar a taxa
de juros e qual a relação desse cenário com a alta do dólar.
A inflação fechou o
ano de 2024 em 4,83%,
superando o teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de
3%, com tolerância de variação de 1,5%, ou seja, até 4,5%.
Dentre os fatores
apontados para o aumento está a alta do dólar, o impacto abaixo do esperado do
pacote de cortes apresentado pela equipe econômica e o aquecimento da economia,
que possibilitou o aumento nos gastos das famílias.
Para conter a alta
da inflação, o Banco Central (BC) vem elevando a taxa básica de juros, a Selic,
fixada em 12,25% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária
(Copom) em dezembro de 2024 e projetada para 15% neste ano, segundo o Boletim
Focus, divulgado nesta segunda-feira (13). A medida, no entanto, é
acompanhada de críticas da população e de alguns parlamentares que apontam um
ataque especulativo.
A Sputnik
Brasil conversou com especialistas que explicam por que a economia
aquecida está gerando inflação e o que explica a inflação ter fechado 2024
acima do teto da meta, mesmo após as medidas de corte do governo.
Alexandre Chaia,
economista e professor de finanças do Insper e gestor da Carmel Capital,
explica que nem sempre uma economia aquecida gera inflação. Segundo ele,
isso acontece quando um aquecimento econômico supera a capacidade de produção.
Ele lembra que, em 2023, a economia também
estava aquecida,
mas não houve inflação; ao contrário, o Banco Central iniciou um ciclo de
redução de juros.
Segundo ele, o
aumento atual ocorre por conta de um hiato de produção, que acontece quando o
país tem uma demanda maior do que a capacidade de produção.
"Já em 2024
isso não aconteceu. A gente esgotou nossa capacidade produtiva ali no final de
2023. Você teve aquela crise de alimentos, com quebra de safra, com [as
enchentes no] Rio Grande do Sul, com injeção de dinheiro, sem necessariamente
produção. Tudo isso gerou uma manutenção do grau de aquecimento da renda das
famílias, só que por outro lado não tinha produção. Quando não há produção,
começa uma disputa pelo mesmo produto, e as pessoas que pagam mais levam. Você
gera inflação."
Chaia afirma que o
que o Banco Central está tentando fazer agora elevando os juros é desacelerar
esse consumo excessivo.
"Parece ruim
falar assim: 'Ah, o Banco Central quer que as pessoas comprem menos, tenham
menos padrão de vida.' Sim. Por quê? Porque essa compra está sendo além do
ponto ótimo da economia. A economia não consegue suprir a necessidade, você não
consegue aumentar a capacidade de produção muito rápido, então você tem que
reduzir a capacidade de consumo. Esse é o objetivo do Banco Central."
A opinião é
compartilhada pelo economista Sillas de Souza Cezar, que afirma que, em termos
práticos, uma economia é regida por duas forças que se movimentam em direções
opostas: uma é a demanda, exercida pelos indivíduos que desejam comprar
coisas; a outra é a oferta, exercida pelos indivíduos que desejam produzir e
vender essas coisas.
"Fatores como
aumento da renda, créditos facilitados e baixo desemprego causam, nos
consumidores, maior desejo de comprar, o que aquece a demanda. Quando ela está
aquecida, a disposição de comprar das pessoas torna-se mais rápida do que as
condições de produzir dos ofertantes. Leva certo tempo para eles, ofertantes, conseguirem
produzir mais. Afinal, eles precisam contratar mais mão de obra, adquirir mais
insumos ou matérias-primas e produzir, propriamente dito. Enquanto isso não
acontece, eles aproveitam a oportunidade para subir seus preços. O aumento dos
preços, quando acontece por essas razões, é chamada de inflação de
demanda."
<>< O BC
poderia conter a inflação sem elevar a taxa de juros?
Seria possível para
o Banco Central recorrer a outro mecanismo que não a elevação à taxa de juros
para conter a alta da inflação? Segundo Chaia, a resposta é não.
"O Banco
Central só tem um mecanismo de conter a inflação, que é a taxa de juros, é
desacelerar a economia. Isso não é só aqui, é no FED [Federal Reserve, o banco
central dos EUA], no Banco Central europeu, em todo o mundo. O Banco Central
não é gerador de demanda, ele não consegue diminuir a demanda via cortar
transferência. Ele consegue diminuir a demanda pressionando as pessoas a evitar
o gasto, dificultando o crédito", explica.
Chaia afirma que,
hoje, o gasto do governo é um problema porque, para não ter inflação, é preciso
ter produção, e para ter produção é necessário investimento. Segundo
ele, cada vez mais o governo, não apenas o central, mas também estados e
municípios e o Congresso, gastam mais.
"E como se tem
menos investimento, você acaba não incentivando o desenvolvimento de capacidade
produtiva. Se o governo fosse um alavancador da capacidade produtiva, fizesse
investimento em estradas, fábricas, tecnologia, saneamento, isso geraria de
alguma forma a produção de bens para atender à população sem gerar inflação.
Então como o governo gasta mais dinheiro do que arrecada e cada vez gasta menos
em investimento, cada vez menos você tem capacidade de expandir o grau de
produção. Por isso que você tem uma pressão nesse ponto de inflação."
<><> Como
a alta inflacionária se relaciona com a alta do dólar?
Cezar explica
que a alta do dólar está
relacionada a outro tipo de inflação, chamada inflação de oferta, que
ocorre quando os preços dos produtos aumentam não por causa de maior procura,
mas porque a produção ficou mais cara.
"Como muitos
dos nossos produtos dependem de insumos ou matérias-primas importadas, na
medida em que o dólar aumenta, o preço final dos nossos produtos também
aumenta. É o caso da gasolina, do azeite, dos eletroeletrônicos, dos
automóveis."
Ele afirma ainda
que o cenário externo está conturbado pelas incertezas geradas pelo novo
mandato de Donald Trump, que assume a presidência dos EUA no dia 20 de janeiro,
e pela incerteza diante do conflito entre Rússia e Ucrânia. Ambos os casos
têm gerado uma corrida pelo dólar no mundo todo.
"No entanto,
os maiores problemas relacionados ao dólar no Brasil vêm de questões internas,
das quais a mais dramática é a dificuldade que o governo Lula, sobretudo do
ministro [Fernando] Haddad, têm de convencer o mercado financeiro de que irá
reduzir seus gastos. Os indicadores apontam que a dívida pública cresce em um
ritmo maior do que o da receita. Matematicamente, isso é uma bomba de longo
prazo."
Segundo ele, as
medidas que o governo tem apresentado para equilibrar as contas não são vistas
como suficientes, e temerosos de uma desvalorização ainda maior da moeda, os
agentes se antecipam buscando proteção em moeda forte, comprando dólar, o que
aumenta sua demanda e, consequentemente, seu preço, o que torna o dólar
mais caro, a gasolina mais cara e assim por diante.
Chaia, por sua vez,
afirma que a alta do dólar ocorre, apesar da capacidade do Brasil de produzir
alimentos e combustíveis.
"As pessoas
falam: 'Ah, mas a gente produz todo o combustível, todos os alimentos', e o
empresário [diz]: 'Eu vou vender pelo maior preço possível. Se lá fora estão
comprando pagando mais caro, eu vou vender para fora, eu não vou vender para
dentro.'"
Ele afirma
que a alta da moeda norte-americana também está ligada ao hiato de
produção somado ao aquecimento da economia.
"Então você
tem esse crescimento [econômico], e como eu não estou conseguindo produzir
internamente, todos os outros produtos que eu não consigo produzir, mas que
existem no mundo inteiro, eu importo. A nossa balança comercial, se você olhar,
foi alta esse ano, mas foi bem menor do que ano passado, porque as importações
dispararam. E disparou por quê? Porque você está precisando comprar produtos
para vender no Brasil para suprir a demanda que a população está tendo",
explica.
Somado a isso, ele
acrescenta que a incerteza diante da capacidade do governo brasileiro de pagar
a dívida e fazer investimentos faz com que empresários evitem colocar dinheiro
no país. "Então você tem menos investimento, menos dinheiro vindo de fora
para o Brasil para investir", afirma.
<><> Por
que as medidas de corte do governo falharam em causar impacto?
Chaia explica que
as medidas de corte não foram bem recebidas pelo mercado porque, além de levar
muito tempo para serem anunciadas, não trouxeram cortes de gastos; ao
contrário, houve aumento.
"A verdade é
que a equipe econômica, o Haddad, a Simone Tebet, a Esther Dweck, eles estão
remando contra o governo, que gosta de gastar dinheiro. Lula é um cara que
sofre quando tem que cortar. Ele é a favor de gastar, acha que tem que dar
dinheiro para as pessoas. Obviamente que não tem nada de errado no que ele está
falando sobre ajudar as classes no Brasil, que tem uma desigualdade muito
grande. A questão é que não dá para você ajudar tirando de outras fontes
dinheiro."
Ele afirma que uma
das formas de contornar isso seria aumentar impostos para elevar a
arrecadação, mas essa é uma medida rechaçada pela sociedade brasileira.
"O imposto no
Brasil é alto, mas na Suécia é muito mais alto. Na Noruega é muito mais alto. E
uma vez já quiseram reduzir o imposto [na Noruega], e a população não queria.
Falaram: 'Não, sou contra reduzir imposto porque eu quero que esse dinheiro
seja usado para a seguridade social, para ajudar a sociedade como um todo.'
Então essa é uma decisão da sociedade. O que acontece é que a sociedade [brasileira]
não quer mais pagar imposto."
Questionado sobre
um possível ataque especulativo do mercado, como apontado por alguns
parlamentares, que estaria afetando as medidas econômicas do governo, Cezar
afirma que "ataques especulativos devem ser vistos por sua natureza
econômica, e não como uma maquinação de mentes diabólicas que não gostam dos
domingos no parque".
"Essa retórica
é um artifício político consagrado que, infelizmente, funciona politicamente,
mas não traz qualquer efeito prático real. Quem tem muito dinheiro, tanto
quanto tem pouco dinheiro, usa as informações que dispõe para tentar antecipar
ações das autoridades monetárias e, dessa forma, proteger seus próprios
patrimônios ou de seus clientes. Todos os governos do mundo sabem disso e agem
e reagem a essa realidade econômica. Então, sim, há especulação, mas supor que
suas causas sejam pura 'malvadeza' é reduzir bastante o entendimento sobre o
problema."
Ele afirma
que o pacote de cortes do governo dependia de consequências positivas de
ações cujos desfechos mais esperados não são positivos, como negociações com o
Congresso nas quais os parlamentares teriam menos recursos para as suas
emendas.
"Já imaginou
um Congresso feliz votando sobre o próprio corte de gastos? No entanto, a
medida mais polêmica foi a alteração na cobrança do IRPF [Imposto de Renda de
Pessoa Física], que passou a desonerar um número de contribuintes tal que a
receita desse imposto cairia, reduzindo as receitas e não estabilizando ou
aumentando-as, como era a intenção do pacote."
O especialista
afirma não ver em curto prazo uma melhoria consistente na convivência entre o
Congresso e o Executivo, mas vê uma possível melhoria na arrecadação, em
virtude do próprio crescimento da economia.
"Acho que
haverá melhorias, mas abaixo das expectativas do governo. Quanto ao cenário
externo, as incertezas são maiores. Elas podem, eventualmente, descompensar
todo e qualquer esforço interno, embora essa aposta seja um pouco
extrema", conclui.
¨ "Quem
realmente entende de finanças sabe que o país está no rumo certo", diz
Gleisi Hoffmann
A presidente
do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), utilizou suas redes sociais para
destacar a avaliação positiva da economia brasileira feita por Ernesto Torres
Cantú, chefe da divisão internacional do Citi. Em sua postagem, Gleisi
repercutiu a entrevista concedida por Cantú ao jornal Valor Econômico, na qual o executivo mexicano elogiou os fundamentos
econômicos do Brasil e a condução da política fiscal pelo governo Lula (PT).
Gleisi
ressaltou a declaração de Cantú de que "a economia brasileira tem
fundamentos, ferramentas, que deixam muitos países com inveja" e que o
Brasil possui "todas as condições necessárias para continuar
crescendo". O executivo também apontou o desempenho acima das expectativas
do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que deve encerrar 2024 com
crescimento superior a 3%, um feito raro entre grandes economias globais.
"Não foi
nenhum economista de esquerda que disse isso, foi o mexicano Ernesto Cantú,
chefe da divisão internacional do Citi, um dos maiores bancos do mundo",
afirmou Gleisi. A líder petista também enfatizou o reconhecimento de Cantú
quanto à disciplina fiscal mantida pelo governo brasileiro, apesar das
críticas. "Não acho que houve mudança quanto a isso", destacou o
executivo, contrariando, segundo Gleisi, a narrativa de especialistas que fazem
"terrorismo" sobre a situação econômica do país.
Gleisi
Hoffmann aproveitou a repercussão da entrevista para criticar setores que,
segundo ela, apostam contra a economia nacional e promovem especulações sem
fundamento. "Quem realmente entende de finanças sabe que o país está no
rumo certo, apesar da torcida contra e da especulação sem freios",
escreveu.
A fala de
Cantú, que supervisiona as operações do Citi em 93 países e acompanha de perto
o cenário econômico global, reforça o otimismo em relação ao Brasil. Ele
destacou a importância da disciplina fiscal e a solidez das contas públicas,
fatores essenciais para atrair investimentos e sustentar o crescimento
econômico.
<><> Pressão por reajustes da Petrobras visa
sabotar a economia e desgastar Lula, critica Gleisi
A presidente
nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), criticou nesta
terça-feira (14) a pressão feita pela mídia tradicional brasileira por um
reajuste nos preços dos combustíveis. Uma matéria publicada pelo jornal O Globo
nesta terça traz um estudo feito pelo banco Santander que afirma que a
Petrobras deveria aplicar um reajuste de 7% a 8% nos preços para reduzir a
diferença entre preços internacionais e os praticados nas refinarias,
prejudicando, assim, os consumidores internos e beneficiando os acionistas
privados da empresa.
Segundo
Gleisi, a pressão tem como objetivo desgastar o governo do presidente Lula
(PT). “Continua a pressão totalmente indevida, via mídia, para que a Petrobrás
aumente os preços dos combustíveis. É mais um movimento para sabotar a economia
do país e tentar desgastar o governo do presidente Lula, que está cumprindo o
compromisso de abrasileirar os preços”, criticou, lembrando que a Petrobras
acabou com a paridade internacional dos preços dos combustíveis no início do
terceiro mandato de Lula.
“Fechamos 2024 com o diesel custando, nas refinarias, o mesmo preço do
primeiro ao último dia do ano. E a gasolina teve apenas um reajuste. Imaginem
como estaria se fosse retomada a política de preços dolarizados que havia
antes”, completou a deputada.
Fonte: Sputnik
Brasil/Brasil 247
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