quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

'Bomba de longo prazo': por que a economia aquecida está gerando inflação?

Em entrevista à Sputnik Brasil, economistas explicam por que, apesar da queda no desemprego e do crescimento econômico, o Banco Central mantém a política de aumentar a taxa de juros e qual a relação desse cenário com a alta do dólar.

inflação fechou o ano de 2024 em 4,83%, superando o teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de 3%, com tolerância de variação de 1,5%, ou seja, até 4,5%.

Dentre os fatores apontados para o aumento está a alta do dólar, o impacto abaixo do esperado do pacote de cortes apresentado pela equipe econômica e o aquecimento da economia, que possibilitou o aumento nos gastos das famílias.

Para conter a alta da inflação, o Banco Central (BC) vem elevando a taxa básica de juros, a Selic, fixada em 12,25% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em dezembro de 2024 e projetada para 15% neste ano, segundo o Boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (13). A medida, no entanto, é acompanhada de críticas da população e de alguns parlamentares que apontam um ataque especulativo.

A Sputnik Brasil conversou com especialistas que explicam por que a economia aquecida está gerando inflação e o que explica a inflação ter fechado 2024 acima do teto da meta, mesmo após as medidas de corte do governo.

Alexandre Chaia, economista e professor de finanças do Insper e gestor da Carmel Capital, explica que nem sempre uma economia aquecida gera inflação. Segundo ele, isso acontece quando um aquecimento econômico supera a capacidade de produção. Ele lembra que, em 2023, a economia também estava aquecida, mas não houve inflação; ao contrário, o Banco Central iniciou um ciclo de redução de juros.

Segundo ele, o aumento atual ocorre por conta de um hiato de produção, que acontece quando o país tem uma demanda maior do que a capacidade de produção.

"Já em 2024 isso não aconteceu. A gente esgotou nossa capacidade produtiva ali no final de 2023. Você teve aquela crise de alimentos, com quebra de safra, com [as enchentes no] Rio Grande do Sul, com injeção de dinheiro, sem necessariamente produção. Tudo isso gerou uma manutenção do grau de aquecimento da renda das famílias, só que por outro lado não tinha produção. Quando não há produção, começa uma disputa pelo mesmo produto, e as pessoas que pagam mais levam. Você gera inflação."

Chaia afirma que o que o Banco Central está tentando fazer agora elevando os juros é desacelerar esse consumo excessivo.

"Parece ruim falar assim: 'Ah, o Banco Central quer que as pessoas comprem menos, tenham menos padrão de vida.' Sim. Por quê? Porque essa compra está sendo além do ponto ótimo da economia. A economia não consegue suprir a necessidade, você não consegue aumentar a capacidade de produção muito rápido, então você tem que reduzir a capacidade de consumo. Esse é o objetivo do Banco Central."

A opinião é compartilhada pelo economista Sillas de Souza Cezar, que afirma que, em termos práticos, uma economia é regida por duas forças que se movimentam em direções opostas: uma é a demanda, exercida pelos indivíduos que desejam comprar coisas; a outra é a oferta, exercida pelos indivíduos que desejam produzir e vender essas coisas.

"Fatores como aumento da renda, créditos facilitados e baixo desemprego causam, nos consumidores, maior desejo de comprar, o que aquece a demanda. Quando ela está aquecida, a disposição de comprar das pessoas torna-se mais rápida do que as condições de produzir dos ofertantes. Leva certo tempo para eles, ofertantes, conseguirem produzir mais. Afinal, eles precisam contratar mais mão de obra, adquirir mais insumos ou matérias-primas e produzir, propriamente dito. Enquanto isso não acontece, eles aproveitam a oportunidade para subir seus preços. O aumento dos preços, quando acontece por essas razões, é chamada de inflação de demanda."

<>< O BC poderia conter a inflação sem elevar a taxa de juros?

Seria possível para o Banco Central recorrer a outro mecanismo que não a elevação à taxa de juros para conter a alta da inflação? Segundo Chaia, a resposta é não.

"O Banco Central só tem um mecanismo de conter a inflação, que é a taxa de juros, é desacelerar a economia. Isso não é só aqui, é no FED [Federal Reserve, o banco central dos EUA], no Banco Central europeu, em todo o mundo. O Banco Central não é gerador de demanda, ele não consegue diminuir a demanda via cortar transferência. Ele consegue diminuir a demanda pressionando as pessoas a evitar o gasto, dificultando o crédito", explica.

Chaia afirma que, hoje, o gasto do governo é um problema porque, para não ter inflação, é preciso ter produção, e para ter produção é necessário investimento. Segundo ele, cada vez mais o governo, não apenas o central, mas também estados e municípios e o Congresso, gastam mais.

"E como se tem menos investimento, você acaba não incentivando o desenvolvimento de capacidade produtiva. Se o governo fosse um alavancador da capacidade produtiva, fizesse investimento em estradas, fábricas, tecnologia, saneamento, isso geraria de alguma forma a produção de bens para atender à população sem gerar inflação. Então como o governo gasta mais dinheiro do que arrecada e cada vez gasta menos em investimento, cada vez menos você tem capacidade de expandir o grau de produção. Por isso que você tem uma pressão nesse ponto de inflação."

<><> Como a alta inflacionária se relaciona com a alta do dólar?

Cezar explica que a alta do dólar está relacionada a outro tipo de inflação, chamada inflação de oferta, que ocorre quando os preços dos produtos aumentam não por causa de maior procura, mas porque a produção ficou mais cara.

"Como muitos dos nossos produtos dependem de insumos ou matérias-primas importadas, na medida em que o dólar aumenta, o preço final dos nossos produtos também aumenta. É o caso da gasolina, do azeite, dos eletroeletrônicos, dos automóveis."

Ele afirma ainda que o cenário externo está conturbado pelas incertezas geradas pelo novo mandato de Donald Trump, que assume a presidência dos EUA no dia 20 de janeiro, e pela incerteza diante do conflito entre Rússia e Ucrânia. Ambos os casos têm gerado uma corrida pelo dólar no mundo todo.

"No entanto, os maiores problemas relacionados ao dólar no Brasil vêm de questões internas, das quais a mais dramática é a dificuldade que o governo Lula, sobretudo do ministro [Fernando] Haddad, têm de convencer o mercado financeiro de que irá reduzir seus gastos. Os indicadores apontam que a dívida pública cresce em um ritmo maior do que o da receita. Matematicamente, isso é uma bomba de longo prazo."

Segundo ele, as medidas que o governo tem apresentado para equilibrar as contas não são vistas como suficientes, e temerosos de uma desvalorização ainda maior da moeda, os agentes se antecipam buscando proteção em moeda forte, comprando dólar, o que aumenta sua demanda e, consequentemente, seu preço, o que torna o dólar mais caro, a gasolina mais cara e assim por diante.

Chaia, por sua vez, afirma que a alta do dólar ocorre, apesar da capacidade do Brasil de produzir alimentos e combustíveis.

"As pessoas falam: 'Ah, mas a gente produz todo o combustível, todos os alimentos', e o empresário [diz]: 'Eu vou vender pelo maior preço possível. Se lá fora estão comprando pagando mais caro, eu vou vender para fora, eu não vou vender para dentro.'"

Ele afirma que a alta da moeda norte-americana também está ligada ao hiato de produção somado ao aquecimento da economia.

"Então você tem esse crescimento [econômico], e como eu não estou conseguindo produzir internamente, todos os outros produtos que eu não consigo produzir, mas que existem no mundo inteiro, eu importo. A nossa balança comercial, se você olhar, foi alta esse ano, mas foi bem menor do que ano passado, porque as importações dispararam. E disparou por quê? Porque você está precisando comprar produtos para vender no Brasil para suprir a demanda que a população está tendo", explica.

Somado a isso, ele acrescenta que a incerteza diante da capacidade do governo brasileiro de pagar a dívida e fazer investimentos faz com que empresários evitem colocar dinheiro no país. "Então você tem menos investimento, menos dinheiro vindo de fora para o Brasil para investir", afirma.

<><> Por que as medidas de corte do governo falharam em causar impacto?

Chaia explica que as medidas de corte não foram bem recebidas pelo mercado porque, além de levar muito tempo para serem anunciadas, não trouxeram cortes de gastos; ao contrário, houve aumento.

"A verdade é que a equipe econômica, o Haddad, a Simone Tebet, a Esther Dweck, eles estão remando contra o governo, que gosta de gastar dinheiro. Lula é um cara que sofre quando tem que cortar. Ele é a favor de gastar, acha que tem que dar dinheiro para as pessoas. Obviamente que não tem nada de errado no que ele está falando sobre ajudar as classes no Brasil, que tem uma desigualdade muito grande. A questão é que não dá para você ajudar tirando de outras fontes dinheiro."

Ele afirma que uma das formas de contornar isso seria aumentar impostos para elevar a arrecadação, mas essa é uma medida rechaçada pela sociedade brasileira.

"O imposto no Brasil é alto, mas na Suécia é muito mais alto. Na Noruega é muito mais alto. E uma vez já quiseram reduzir o imposto [na Noruega], e a população não queria. Falaram: 'Não, sou contra reduzir imposto porque eu quero que esse dinheiro seja usado para a seguridade social, para ajudar a sociedade como um todo.' Então essa é uma decisão da sociedade. O que acontece é que a sociedade [brasileira] não quer mais pagar imposto."

Questionado sobre um possível ataque especulativo do mercado, como apontado por alguns parlamentares, que estaria afetando as medidas econômicas do governo, Cezar afirma que "ataques especulativos devem ser vistos por sua natureza econômica, e não como uma maquinação de mentes diabólicas que não gostam dos domingos no parque".

"Essa retórica é um artifício político consagrado que, infelizmente, funciona politicamente, mas não traz qualquer efeito prático real. Quem tem muito dinheiro, tanto quanto tem pouco dinheiro, usa as informações que dispõe para tentar antecipar ações das autoridades monetárias e, dessa forma, proteger seus próprios patrimônios ou de seus clientes. Todos os governos do mundo sabem disso e agem e reagem a essa realidade econômica. Então, sim, há especulação, mas supor que suas causas sejam pura 'malvadeza' é reduzir bastante o entendimento sobre o problema."

Ele afirma que o pacote de cortes do governo dependia de consequências positivas de ações cujos desfechos mais esperados não são positivos, como negociações com o Congresso nas quais os parlamentares teriam menos recursos para as suas emendas.

"Já imaginou um Congresso feliz votando sobre o próprio corte de gastos? No entanto, a medida mais polêmica foi a alteração na cobrança do IRPF [Imposto de Renda de Pessoa Física], que passou a desonerar um número de contribuintes tal que a receita desse imposto cairia, reduzindo as receitas e não estabilizando ou aumentando-as, como era a intenção do pacote."

O especialista afirma não ver em curto prazo uma melhoria consistente na convivência entre o Congresso e o Executivo, mas vê uma possível melhoria na arrecadação, em virtude do próprio crescimento da economia.

"Acho que haverá melhorias, mas abaixo das expectativas do governo. Quanto ao cenário externo, as incertezas são maiores. Elas podem, eventualmente, descompensar todo e qualquer esforço interno, embora essa aposta seja um pouco extrema", conclui.

¨      "Quem realmente entende de finanças sabe que o país está no rumo certo", diz Gleisi Hoffmann

A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), utilizou suas redes sociais para destacar a avaliação positiva da economia brasileira feita por Ernesto Torres Cantú, chefe da divisão internacional do Citi. Em sua postagem, Gleisi repercutiu a entrevista concedida por Cantú ao jornal Valor Econômico, na qual o executivo mexicano elogiou os fundamentos econômicos do Brasil e a condução da política fiscal pelo governo Lula (PT).

Gleisi ressaltou a declaração de Cantú de que "a economia brasileira tem fundamentos, ferramentas, que deixam muitos países com inveja" e que o Brasil possui "todas as condições necessárias para continuar crescendo". O executivo também apontou o desempenho acima das expectativas do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que deve encerrar 2024 com crescimento superior a 3%, um feito raro entre grandes economias globais.

"Não foi nenhum economista de esquerda que disse isso, foi o mexicano Ernesto Cantú, chefe da divisão internacional do Citi, um dos maiores bancos do mundo", afirmou Gleisi. A líder petista também enfatizou o reconhecimento de Cantú quanto à disciplina fiscal mantida pelo governo brasileiro, apesar das críticas. "Não acho que houve mudança quanto a isso", destacou o executivo, contrariando, segundo Gleisi, a narrativa de especialistas que fazem "terrorismo" sobre a situação econômica do país.

Gleisi Hoffmann aproveitou a repercussão da entrevista para criticar setores que, segundo ela, apostam contra a economia nacional e promovem especulações sem fundamento. "Quem realmente entende de finanças sabe que o país está no rumo certo, apesar da torcida contra e da especulação sem freios", escreveu.

A fala de Cantú, que supervisiona as operações do Citi em 93 países e acompanha de perto o cenário econômico global, reforça o otimismo em relação ao Brasil. Ele destacou a importância da disciplina fiscal e a solidez das contas públicas, fatores essenciais para atrair investimentos e sustentar o crescimento econômico.

<><> Pressão por reajustes da Petrobras visa sabotar a economia e desgastar Lula, critica Gleisi

A presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), criticou nesta terça-feira (14) a pressão feita pela mídia tradicional brasileira por um reajuste nos preços dos combustíveis. Uma matéria publicada pelo jornal O Globo nesta terça traz um estudo feito pelo banco Santander que afirma que a Petrobras deveria aplicar um reajuste de 7% a 8% nos preços para reduzir a diferença entre preços internacionais e os praticados nas refinarias, prejudicando, assim, os consumidores internos e beneficiando os acionistas privados da empresa.

Segundo Gleisi, a pressão tem como objetivo desgastar o governo do presidente Lula (PT). “Continua a pressão totalmente indevida, via mídia, para que a Petrobrás aumente os preços dos combustíveis. É mais um movimento para sabotar a economia do país e tentar desgastar o governo do presidente Lula, que está cumprindo o compromisso de abrasileirar os preços”, criticou, lembrando que a Petrobras acabou com a paridade internacional dos preços dos combustíveis no início do terceiro mandato de Lula.

“Fechamos 2024 com o diesel custando, nas refinarias, o mesmo preço do primeiro ao último dia do ano. E a gasolina teve apenas um reajuste. Imaginem como estaria se fosse retomada a política de preços dolarizados que havia antes”, completou a deputada.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247

 

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