Comer mais de 10
ovos por dia é saudável?
A influenciadora
fitness Gracyanne Barbosa, uma das participantes da 25ª edição do Big Brother
Brasil, reality show transmitido
pela TV Globo, comeu nove ovos cozidos
apenas no primeiro dia do programa.
Gracyanne já
declarou que, em sua rotina normal, come 40 ovos por dia. Ela disse, porém,
saber que no reality seria obrigada a alterar sua dieta.
Em um vídeo postado
em suas redes sociais antes da estreia da nova edição do Big Brother Brasil, a
ex-dançarina brincou sobre a questão: "São 40 ovos que eu como por dia,
vezes 7 dias na semana, vezes 15 semanas do BBB 25. Ah, então eu só preciso de
4.200 ovos para ser feliz no BBB 25."
Mas afinal, faz bem
para a saúde comer mais do que 10 ovos - ou até 40 - por dia?
Segundo
nutricionistas consultados pela BBC Brasil, o consumo excessivo e repetido de
qualquer alimento é contraindicado.
"Nenhum
alimento tem um consumo livre. Nem os vegetais, legumes ou frutas", diz
Antonio Herbert Lancha Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP). Todos
os alimentos devem respeitar uma quantidade alinhada com nossa necessidade
diária."
O ovo é bastante
popular entre atletas e fisiculturistas porque, além de ser um alimento de
baixo custo e fácil preparo, possui proteínas de alta qualidade, colaborando
para a construção e a reparação muscular e, portanto, para a hipertrofia.
Mas segundo a nutricionista
Desire Coelho, doutora em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (USP), muitos dos hábitos praticados por
fisiculturistas e influenciadores fitness com rotinas extremas não são
embasados pela ciência.
"Cada pessoa
tem uma resposta metabólica diferente", diz. "Essa participante em si
não é o padrão fisiológico. O corpo dela pode tolerar bem o consumo excessivo
de ovos, mas outras pessoas provavelmente não."
Gracyanne já disse
em entrevistas que a dieta de 40 ovos diários tem acompanhamento de
profissionais de saúde.
Segundo Coelho, o
consumo diário indicado do nutriente depende do nível de atividade física
praticado, mas gira em torno de 0,8 até 2,4 gramas de proteína por quilo por
dia.
Cada ovo de galinha
possui cerca de 6 gramas de proteína. Ao consumir 40 unidades, Gracyanne
Barbosa estaria ingerindo o equivalente a 240 gramas do nutriente todos os dias
- um excesso considerando o seu peso.
"Existe um
efeito fisiológico de ingerir uma quantidade tão elevada como essa, mas também
um efeito social, já que pode gerar muitos gases", diz Desire Coelho.
De acordo com
Antonio Lancha Jr., pesquisas têm demonstrado que o consumo excessivo de ovos
pode provocar uma alteração nas bactérias do intestino e levar à produção de
uma substância chamada TMAO. Ela, por sua vez, está ligada ao estímulo da
produção de colesterol.
O alto teor de
colesterol está associado a um risco aumentado de doenças cardíacas. Ao mesmo
tempo, a substância desempenha um papel fundamental para a execução de funções
vitais no organismo.
A quantidade de
lipídios ingerida com o ovo varia conforme a forma de preparação. O ovo cozido,
por exemplo, é considerado muito mais saudável do que o ovo frito.
Gracyanne Barbosa
relatou no passado comer 40 ovos diariamente, - dez deles com gema e os
restantes só com a clara - divididos em oito ovos por refeição.
A gema é, de fato,
a parte mais gordurosa do ovo. Uma gema de ovo contém cerca de 185 miligramas
de colesterol, que é mais da metade da quantidade diária de 300 mg recomendada
por órgãos americanos até recentemente.
Mas segundo Lancha
Jr., comer apenas a clara também pode levar ao aumento da produção de timol e,
consequentemente, à alteração da capacidade de síntese do colesterol.
Além disso, diz o
nutricionista, o excesso de proteína na alimentação pode levar à produção de
sulfeto de hidrogênio (H2S), ligado à proliferação de células tumorais no
intestino.
"Ao divulgar o
consumo excessivo de ovos na televisão, ela pode estar prestando um desserviço
à população", diz o professor da USP.
De acordo com os
nutricionistas, o consumo de até três ovos por dia é considerado normal. Em
alguns casos, essa quantidade pode ser elevada, chegando a algo entre cinco e
sete ovos por dia, mas sempre com orientação médica e de forma alinhada à
necessidade de cada metabolismo.
Pessoas que
praticam grande quantidade de exercícios ou não consomem outras fontes de
proteína além do ovo, por exemplo, podem ser instruídas a comer mais ovos.
Mas 40 é uma
quantidade considerada extremamente excessiva e pouco saudável, dizem os
especialistas.
Desire Coelho
ressalta ainda que o consumo de proteína em excesso para hipertrofia ou outros
objetivos estéticos extremos pode ser indicativo de transtornos alimentares.
"Pessoas com
controle excessivo, que abrem mão de momentos sociais em relação à comida, ou
quem mantém uma dieta que pode trazer prejuízos, já exibem traços do comer
transtornado", diz.
Para Lancha Jr., a
monotonia alimentar - prática de comer sempre os mesmos alimentos - e o consumo
em excesso de certos alimentos também pode gerar um efeito nocebo negativo.
"Um indivíduo
que tem o hábito de consumir essa quantidade de ovo em um único dia pode se
sentir fraco psicologicamente se diminuir a quantidade ou mudar a dieta",
afirma.
·
Ovo:
'vilão' ou 'mocinho'?
O debate sobre os
benefícios e malefícios de comer ovos é constante entre médicos e
nutricionistas.
Ao mesmo tempo que
são acessíveis, fáceis de cozinhar e cheios de proteínas, possuem alto teor de
colesterol.
Uma gema de ovo
contém cerca de 185 miligramas de colesterol, que é mais da metade da
quantidade diária de 300 mg de colesterol recomendada por órgãos americanos até
recentemente.
Mas os cientistas
não estabeleceram qualquer vínculo definitivo sobre o consumo de colesterol e o
aumento no risco de doenças cardiovasculares.
Até por isso, as
diretrizes alimentares dos EUA não indicam mais restrições ao colesterol, nem
no Reino Unido.
Em vez disso,
enfatiza-se a limitação da quantidade de gordura saturada que consumimos, o
que, sim, pode aumentar o risco de desenvolver doenças cardiovasculares.
Alimentos que
contêm gorduras trans, em particular, aumentam nossos níveis de LDL, sigla para
"low density lipoprotein", conhecido como "colesterol
ruim".
Embora algumas
gorduras trans estejam naturalmente em produtos de origem animal, a maioria é
produzida artificialmente e é encontrada em níveis mais altos em margarinas,
salgadinhos, alimentos fritos e assados, como bolos e donuts.
Enquanto isso,
junto com os camarões, os ovos são os únicos alimentos ricos em colesterol e
com baixos níveis de gordura saturada.
"Enquanto o
colesterol nos ovos é muito maior do que na carne e outros produtos de origem
animal, a gordura saturada aumenta o colesterol no sangue. Isso vem sendo
demonstrado por muitos estudos há anos", disse à BBC Maria Luz Fernandez,
professora de ciências nutricionais da Universidade de Connecticut cujas
pesquisas mais recentes não encontraram relação entre comer uma quantidade
padrão de ovos e um aumento no risco de doenças cardiovasculares.
A discussão sobre
os efeitos dos ovos na saúde mudou em parte porque nossos corpos podem
compensar o colesterol que consumimos.
"Existem
sistemas em vigor (no corpo) para que, para a maioria das pessoas, o colesterol
ingerido não seja um problema", diz Elizabeth Johnson, professora
associada em ciências nutricionais da Universidade Tufts, nos EUA.
Em uma revisão de
40 estudos publicada em 2015, Johnson e uma equipe de pesquisadores não
encontraram nenhuma evidência conclusiva sobre a relação entre o colesterol
vindo da dieta e doenças cardíacas.
"Os seres
humanos têm uma boa regulação ao consumir colesterol da dieta, e nesse caso
produzem menos colesterol (em seus organismos)", explica.
E quando se trata
de ovos, o colesterol pode representar um risco ainda menor para a saúde. O
colesterol é mais nocivo quando oxidado em nossas artérias, mas a oxidação não
acontece com o colesterol dos ovos, diz Blesso.
"Quando o
colesterol é oxidado, ele pode ser mais inflamatório. Mas nos ovos há todos os
tipos de antioxidantes que evitam a oxidação", explica.
Isso tudo, é claro,
quando os ovos são consumidos na quantidade recomendada, sem excessos.
Publicações de
2019, no entanto, desafiaram o recente consenso de que os ovos não causam danos
à nossa saúde.
Em uma delas,
pesquisadores analisaram dados de 30 mil adultos acompanhados por uma média de
17 anos e descobriram que cada meio ovo adicional consumido por dia teve
associação significativa com um risco maior de doenças cardíacas e morte.
"Descobrimos
que, para cada adicional de 300 mg de colesterol consumidos por uma pessoa,
independentemente da origem do alimento, os riscos aumentaram em 17% para
doenças cardiovasculares e 18% para mortalidade por causas diversas", diz
Norrina Allen, uma das autoras do estudo e professora associada de medicina
preventiva na Universidade Northwestern, nos EUA.
"Também
descobrimos que cada meio ovo por dia leva a um aumento de 6% no risco de
doenças cardíacas e de 8% no risco de mortalidade."
Apesar de o estudo
ser um dos maiores do gênero a abordar essa relação específica entre ovos e
doenças cardíacas, ele tem caráter observacional, não dando indicação de causa
e efeito.
Também se baseou em
um único conjunto de dados autorrelatados – os participantes foram questionados
sobre o que comeram no mês ou ano anterior e tiveram seus indicadores de saúde
acompanhados por anos.
Isso significa que
os pesquisadores obtiveram apenas um fragmento do que os participantes estavam
comendo, já que as dietas podem mudar com o tempo.
E o estudo entra em
conflito com estudos anteriores.
Vários deles já
sugeriram que os ovos são bons para a saúde do coração. Um publicado em 2018 e
baseado em dados de meio milhão de adultos na China demonstrou até o oposto: o
consumo de ovos estava associado a um menor risco de doenças cardíacas.
Aqueles que comiam
ovos todos os dias tinham um risco 18% menor de morte por doença cardíaca e 28%
menor risco de morte por acidente vascular cerebral em comparação com aqueles
que não comiam ovos.
Como o estudo
anterior, este com dados de chineses também era observacional, o que significa
que é impossível demonstrar causalidade: os adultos mais saudáveis da China simplesmente comem mais ovos ou o alimento os
torna mais saudáveis?
Ou seja, o que vem
primeiro, o ovo ou seus benefícios apontados nas pessoas?
Esse tipo de
incógnita pode fomentar grande parte da confusão que permanece sobre os ovos
serem heróis ou vilões.
Fonte: BBC News
Brasil
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