Militares fraudam
licitação de R$ 46 milhões e recebem pena de apenas um ano
Dois oficiais da
reserva do Exército Brasileiro foram condenados por fraudar uma licitação no
valor de R$ 46 milhões destinada à compra de móveis hospitalares para o
Hospital Central do Exército (HCE), no Rio de Janeiro. O coronel e o
tenente-coronel, que ocupavam cargos de chefia no HCE, direcionaram o processo
licitatório para beneficiar empresas específicas, ignorando alertas técnicos e
aumentando os custos das aquisições. Apesar da gravidade do caso, ambos
receberam penas de apenas um ano, suspensas, podendo recorrer em liberdade.
A decisão, tomada
pelo Conselho Permanente de Justiça da 4ª Auditoria Militar, causou indignação
em especialistas e levantou questionamentos sobre a leniência da Justiça
Militar em casos que envolvem corrupção e danos ao erário.
Como funcionou o
esquema de fraude
A fraude consistiu
em manipular o pregão destinado à compra de móveis hospitalares para o HCE,
favorecendo determinadas empresas em detrimento da concorrência. Os dois
oficiais ignoraram pareceres técnicos da Consultoria Jurídica da União (CJU),
que apontavam falhas no processo licitatório, e ainda forneceram informações
falsas sobre a aprovação do certame.
Segundo a denúncia
apresentada pelo Ministério Público Militar (MPM), os militares violaram normas
de transparência e governança. Entre as irregularidades constatadas,
destacam-se:
# Desconsideração
de pareceres técnicos que indicavam falhas no edital e riscos de
direcionamento;
# Ausência de um
estudo de mercado adequado para definir os preços e parâmetros do certame;
# Reserva de 25% do
objeto da licitação para empresas de pequeno porte, sem justificativa técnica;
# Uso de
informações falsas para mascarar irregularidades na aprovação do edital.
Essas ações
resultaram na contratação de fornecedores com preços acima do mercado, gerando
prejuízos financeiros à Administração Pública.
·
Decisão
judicial e penas aplicadas
Os militares foram
condenados com base no artigo 339 do Código Penal Militar, que pune crimes de
fraude em licitações. No entanto, a pena aplicada foi de apenas um ano de
detenção cada, com suspensão condicional da execução e possibilidade de recurso
em liberdade. Além disso, não houve determinação de ressarcimento do valor
desviado aos cofres públicos.
O julgamento também
não considerou a aplicação de sanções mais severas previstas em legislações
modernas, como a Lei nº 14.133/2021, que regula licitações e contratos
administrativos e prevê medidas como:
# Multas
compensatórias e punitivas proporcionais ao prejuízo causado;
# Declaração de
inidoneidade, impedindo os envolvidos de participar de novas licitações;
# Ressarcimento
integral do dano ao erário.
A decisão também
reforça críticas recorrentes à Justiça Militar, acusada de leniência com
membros das Forças Armadas envolvidos em crimes. “É mais um exemplo de como a
Justiça Militar protege seus próprios membros, aplicando penas irrisórias em
casos que deveriam ser tratados com muito mais rigor,” afirmou um jurista
consultado pela reportagem.
A ausência de
sanções severas, somada à falta de mecanismos para garantir o ressarcimento do
erário, reforça a sensação de impunidade. Segundo especialistas, a Justiça
Militar opera sob uma lógica corporativa que protege os integrantes das Forças
Armadas, mesmo em casos de graves violações.
·
Impacto
e omissões na decisão
O prejuízo de R$ 46
milhões, que poderia ter sido destinado a melhorias no atendimento de saúde do
HCE, permanece sem solução prática. A sentença não só falha em punir
adequadamente os responsáveis como também não aborda a necessidade de medidas
reparatórias para minimizar os danos causados.
O caso também
revela a omissão na aplicação de novas leis que poderiam aumentar a penalidade.
A Lei nº 14.133/2021, por exemplo, busca modernizar as regras de licitação e
punir com mais rigor casos de corrupção. No entanto, sua ausência no julgamento
demonstra um descompasso entre os avanços legais e a prática jurídica no âmbito
militar.
·
Reflexo
de um problema maior
Casos como esse
expõem a necessidade de revisar a atuação da Justiça Militar no Brasil. A
aplicação de penas brandas em crimes que causam prejuízo ao erário contrasta
com o rigor observado em processos envolvendo civis. “A Justiça Militar precisa
ser repensada. Não podemos mais tolerar um sistema que privilegia alguns em
detrimento da sociedade,” concluiu um especialista ouvido pela reportagem.
Enquanto os
militares condenados seguem em liberdade, a sociedade brasileira arca com as
consequências de um sistema que parece favorecer a impunidade.
¨ Polícia investiga fraude e lavagem de dinheiro por
coronel da PMDF
Jorge Eduardo Naime Barreto (foto em
destaque), coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), e
sua esposa, Mariana Fiúza Taveira Adorno, são investigados pelo Departamento de
Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor/PCDF). O casal é suspeito de
envolvimento em estelionato, lavagem de dinheiro e desvio de recursos,
utilizando empresas e transferências financeiras suspeitas para,
supostamente, beneficiar-se ilegalmente.
Os primeiros
indícios vieram à tona durante as investigações da CPI dos Atos
Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Quebras de
sigilos bancários revelaram movimentações financeiras atípicas envolvendo
Naime, sua esposa e outros aliados. O coronel teria recebido transferências de
policiais subordinados e de empresas contratadas por entidades, como a
Associação dos Oficiais da Polícia Militar (Asof), enquanto presidida por ele.
Um dos principais
esquemas investigados é a contratação possivelmente simulada da empresa Pico
Serviços de Comunicação e Representação Comercial Ltda., administrada por
Sérgio Barbosa de Assis, sócio de Mariana Adorno em outras empresas. Segundo os
investigadores, os pagamentos feitos pela Asof à Pico Serviços retornavam,
descontados os tributos, diretamente a Naime e Mariana, o que configura desvio
de recursos.
Além disso, a
empresa H&F Vigilância e Segurança Ltda., ligada a parentes de Mariana,
teria transferido mais de R$ 42 mil para Naime entre 2022 e 2023. As
justificativas apresentadas incluem o tratamento do filho do casal, que tem
hidrocefalia e necessita de cuidados médicos constantes. No entanto, a
recorrência e os valores elevados dos repasses levantaram suspeitas.
A H&F
transferiu R$ 15.635,88 para Naime ao longo de cinco meses, com repasses
mensais de R$ 3 mil e um adicional de R$ 635,88 em dezembro de 2022.
<><> Fraude
Identificou-se um
esquema de desvio de recursos, por meio da contratação da Pico Serviços,
durante a gestão de Naime como presidente da Asof. Documentos mostram que a
empresa recebia pagamentos da associação, que eram repassados ao casal
Naime-Adorno após dedução de impostos.
Empresas associadas
a Mariana Adorno, como a Monumental Serviços de Segurança Patrimonial Ltda.,
também estão sob investigação. Apesar de registros societários, as operações
dessas empresas são descritas como inexistentes ou incompatíveis com os valores
movimentados.
<><> O outro lado
O coronel Leonardo
Moraes, presidente da Asof, informou que a associação foi questionada sobre o
fato pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela Corregedoria da PMDF, que
também tem um inquérito aberto sobre o caso. “Nas nossas contas, aparece o
pagamento regular do contrato com a Pico e os serviços foram prestados de
acordo com a previsão contratual. Ao assumir, abrimos auditoria para verificar
as contas da Asof e não foi encontrada nenhuma evidência de desvio de
recursos”, afirmou.
A defesa de Jorge
Eduardo Naime e Mariana Adorno Naime destacou que ambos sempre mantiveram uma
conduta ética irrepreensível, sem qualquer indício de irregularidades em suas
atuações. Eles reafirmaram confiança nas instituições e no devido processo
legal. Mariana Adorno Naime informou, ainda, que permanece à disposição das
autoridades competentes. A nota ressalta que nenhum dos dois teve conhecimento
ou foi informado sobre qualquer investigação em andamento relacionada ao caso.
¨ PM ligado a CV pediu bônus após ser preso por tráfico
de drogas
O policial militar
de Rondônia Roberte Paulo Aguiar Souza (à direita na foto em destaque),
condenado por tráfico de drogas, pediu na Justiça um bônus no próprio salário
cerca de três meses depois de ser preso transportando 508 kg de cocaína em uma
caminhonete.
Conforme revelou a
coluna, a Polícia Militar de
Rondônia (PMRO) paga, há mais de um ano, o salário de Roberte, embora o militar
esteja foragido e responda por crimes de tráfico e associação criminosa. O cabo tem uma
remuneração mensal de R$ 6.195,79.
Roberte é acusado pela
Polícia Federal de integrar uma organização criminosa que enviava drogas para o
Comando Vermelho (CV). Ele foi alvo da
Operação Puritas, deflagrada no fim de 2024.
Em 31 de março de
2023, o policial ajuizou uma ação no Tribunal de Justiça do estado (TJRO) para ganhar
um adicional de compensação por disponibilidade militar, benefício previsto em
uma lei criada pelo governo Bolsonaro em 2019. Ele pedia mais de R$ 11 mil em
retroativos, bem como o início do pagamento do bônus.
De acordo com
cálculo da Procuradoria-Geral de Rondônia, caso o adicional fosse concedido a
Roberte e aos outros policiais militares do estado, o impacto orçamentário
chegaria a R$ 77,5 milhões por ano.
“Logo, além de
juridicamente improcedente, a ação é uma grave violação às finanças públicas,
na medida em que cria despesa orçamentária milionária às finanças estatais.
Deste modo, não resta qualquer dúvida, da flagrante improcedência da ação
proposta”, escreveu a PGE.
O juiz de direito
do 1º Juizado Especial da Fazenda Pública do TJRO decidiu negar o pedido do PM
traficante, em 15 de junho de 2023. O magistrado pontuou que o pagamento é
destinado aos militares das Forças Armadas.
“Assim, não é
possível estender a condição de Militar das Forças Armadas aos policiais
militares de Rondônia, com fundamento no art. 4º da Lei nº 6.880/80 (Estatuto
dos Militares), uma vez que não se confundem os militares da reserva das Forças
Armadas com policiais militares”, acrescentou.
<><> PM
fugiu da prisão
Em 31 de outubro de
2023, Aguiar fugiu do Centro de Correição da Polícia Militar, em Porto Velho, e
nunca mais foi encontrado. Ele estava preso desde janeiro daquele ano, após ser
flagrado com meia tonelada de cocaína.
Atualmente, Aguiar
tem dois mandados de prisão em aberto. O primeiro deles foi emitido em 6 de
novembro de 2023, pela 2ª Vara Criminal da Comarca de Vilhena, do TJRO, em
razão da sua fuga.
O outro foi
expedido pela 2ª Vara de Delitos de Tóxicos de Porto Velho no último dia 7 de
novembro. Cabo Aguiar teve a prisão decretada novamente no âmbito da Operação
Puritas, da Polícia Federal, que investiga organização criminosa de tráfico de
drogas interestadual formada por policiais militares (PMs) e policiais
rodoviários federais (PRFs).
¨ Mais de 7 mil militares da ativa estão filiados a
clubes militares com intensa atuação política
Dados recentes
revelam que 3.261 militares da ativa do Exército estão associados a
clubes militares, destacando-se o Clube Militar do Rio de Janeiro, o Clube do
Exército e a Casa do Sargento do Brasil. Essas associações, que
tradicionalmente deveriam ser espaços de lazer e integração social para os militares,
têm assumido uma postura política cada vez mais ativa, o que levanta
preocupações sobre a influência desses espaços em temas de interesse nacional e
o uso de recursos públicos para sustentar suas operações.
O Clube
Militar, em especial, conta com 1.821 militares da ativa do
Exército entre seus associados, seguido pelo Clube do
Exército com 1.434 e pela Casa do Sargento do
Brasil com 6. Já o Clube Naval, entidade ligada à Marinha do
Brasil, apresenta 4.220 militares da ativa filiados, conforme informações
do Sistema de Pagamento da Marinha, base até outubro de 2024. Além disso, o
Clube Naval também conta com 3.609 veteranos e 245 pensionistas. Por outro
lado, o Clube Militar registra 158 militares ativos, acompanhados de 263
veteranos e 62 pensionistas egressos da Marinha do Brasil.
A coluna também
acionou a Aeronáutica solicitando informações sobre membros da ativa filiados a
clubes militares, mas a Força se negou a fornecer os dados referentes ao
efetivo alegando que, diferente das demais forças, apenas ela não tem acesso a
essas informações.
Este alto número de
militares ativos do Exército e da Marinha em clubes que mantêm uma intensa
participação política é, para muitos, um ponto de alerta.
<><> Atuação
política e histórico de manifestações
O Clube Militar do
Rio de Janeiro se destaca entre essas associações por sua postura política
aberta e contundente. Nos últimos anos, a instituição emitiu uma série de notas
públicas e organizou eventos nos quais expressou posições sobre questões de
política nacional. Um exemplo notável foi durante a reeleição de Dilma Rousseff
em 2014, quando, embora afirmasse respeito ao resultado eleitoral, o clube
deixou clara sua insatisfação com o governo e lançou uma campanha pela
“moralidade nacional.” Durante o evento de lançamento dessa campanha, o então
presidente do Clube Militar, general Gilberto Rodrigues Pimentel, criticou
programas sociais como o "Mais Médicos" e acusou o governo de ter uma
agenda "totalitária" e "autoritária."
Ao longo da última
década, o Clube Militar também se posicionou em defesa do voto impresso,
criticou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e acusou a instituição de promover
uma “ditadura.” Durante o governo Bolsonaro, a associação publicou notas em
apoio ao ex-presidente, com ataques frequentes ao Supremo Tribunal Federal
(STF) e ao sistema de urnas eletrônicas, além de ter defendido o ex-deputado
Daniel Silveira, condenado por ataques a instituições democráticas e por
incitar violência contra opositores. A oposição do clube à CPI da Covid, em que
insinuou a possibilidade de um golpe militar como resposta à investigação,
também reforça a sua postura política inflamada e alinhada a setores
conservadores.
<><> O
custo para o público: designações de militares da ativa e uso de recursos
Esse contexto torna
ainda mais complexo o fato de que muitos desses clubes recebem apoio financeiro
significativo dos militares da ativa do Exército e da Marinha. Em maio de 2024,
o Clube Militar recebeu mais de um milhão de reais em consignações, valores
deduzidos diretamente dos contracheques de seus sócios militares. Além disso, o
Clube Naval, com 4.220 militares da ativa associados, também se beneficia dessa
mesma estrutura.
Sob a gestão do
General Tomás Miné Ribeiro Paiva, o Comando do Exército autorizou que militares
ocupem funções administrativas nesses clubes sob a modalidade de “Prestação de
Tarefa por Tempo Certo.” Com isso, esses militares recebem adicionais sobre
seus salários para atuar em funções essencialmente recreativas e
administrativas, sem qualquer relação direta com a defesa nacional.
O Clube Militar, ao
longo dos anos, tornou-se uma voz ativa entre os militares do Exército,
consolidando-se como uma plataforma de influência política. Em 2018, Jair
Bolsonaro, ao considerar nomes para a posição de vice em sua chapa, cogitou
representantes do Clube Militar, reconhecendo a projeção política que o cargo
de presidente da associação possui entre a tropa. Isso evidencia como a
associação se tornou um pilar de poder simbólico dentro das Forças Armadas, com
potencial para mobilizar a opinião pública e influenciar o debate político.
<><> Um
cenário que exige transparência e revisão
A presença
de mais de 3.200 militares da ativa do Exército e 4.220 militares da
Marinha em clubes com histórico de atuação política intensa e, em
certos momentos, antidemocrática, traz à tona a necessidade de maior
transparência e regulamentação. As designações para funções administrativas em
associações recreativas que não possuem ligação direta com a defesa nacional,
financiadas por meio de recursos públicos, geram questionamentos sobre a real
necessidade e impacto dessas práticas.
O contexto atual
revela a importância de uma discussão mais aprofundada sobre o papel e os
limites das associações militares no cenário político brasileiro. Em tempos de
estabilidade democrática, é fundamental que as Forças Armadas mantenham sua
neutralidade e que associações como o Clube Militar e o Clube Naval respeitem
os limites de sua função recreativa, sem comprometer a confiança e a
imparcialidade que a sociedade espera de seus militares em serviço ativo.
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