Governo X Centrão:
Cenário atual tende a intensificar disputa por nacos de poder, afirmam
analistas
Com a chegada de
2025 e em meio a uma reforma ministerial que, com a troca no comando da
Secretaria de Comunicação Social (Secom), já emite seus primeiros sinais, o
governo Lula segue enfrentando sobressaltos com lideranças e bancadas do
campo da direita no Congresso Nacional. Das dificuldades de ajustes na
articulação política à queda de braço em torno das emendas, a tendência é que a
gestão enfrente novos pontos de conflito com o segmento na segunda metade do
mandato, segundo projetam cientistas políticos ouvidos pelo Brasil de
Fato.
A conjuntura da
relação é marcada pela disputa por cargos no alto escalão da Esplanada dos
Ministérios e pela instabilidade nos apoios dos partidos do campo durante as
votações na Câmara dos Deputados e no Senado. A fotografia do atual cenário
político foi precedida por um filme de dois anos de soluços na relação entre a
gestão petista e algumas bancadas que, apesar de integrarem o governo, nem
sempre se alinharam aos posicionamentos da gestão no jogo legislativo. O
contexto pode ser ilustrado a partir de exemplos como os das siglas União
Brasil, PSD e MDB, que, apesar de ocuparem postos de destaque nos ministérios,
em diferentes momentos se opuseram ao governo em votações de interesse da
gestão.
Na Câmara, o União,
que ocupa três pastas e possui 59 parlamentares, tem nomes cujo alinhamento ao
governo nas votações da Casa fica abaixo dos 40%. É o caso de Dr. Fernando
Máximo (RO), que votou com a gestão em 37% das vezes entre 2023 e 2024, e
Alfredo Gaspar (AL), cujo grau de governismo foi de 30% no mesmo período, sendo
este último um dos integrantes da bancada da bala. Os dados são do Radar do
Congresso, painel de estatísticas alimentado pelo Congresso em Foco.
A plataforma
identifica também que, no caso do MDB, partido com 44 deputados, o percentual
de alinhamento chega a mais de 70% na maior parte do grupo, mas ainda é baixo
entre alguns personagens da sigla. Os emedebistas Delegado Palumbo (SP), Osmar
Terra (RS) e Pezenti (SC) tiveram, até aqui, apenas 26%, 28% e 31% de adesão às
pautas do governo, respectivamente. É em meio a esse cenário que legendas da
direita liberal têm pressionado o governo por mais espaço na Esplanda. Acenos
dados nos últimos dias pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, indicam que Lula
pode promover novas mudanças nos ministérios antes mesmo do próximo dia 21,
quando deve ocorrer a primeira reunião ministerial de 2025.
As pressões vêm de
todos os lados. O PSD, por exemplo, lidera hoje os Ministérios de Minas e
Energia (MME), Agricultura (Mapa) e Pesca, mas já avisou ao governo que tende a
abandonar este último se não for contemplado com uma pasta mais robusta na
arquitetura do poder. Nos bastidores, Lula teria avisado aos líderes que nem
todo mundo tende
a ser atendido na reforma que bate à porta. O cientista político Francisco
Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aponta que a consideração sobre o
tamanho das bancadas e sobre a qualidade da relação com cada uma delas passa a
ser fundamental agora para que Lula (PT) avalie como gerenciar a dança das
cadeiras na cúpula do governo.
“Não adianta ter a
maior bancada e, na hora de entregar voto, um partido entregar um terço do que
tem de membros. No fundo, talvez até valha mais uma bancada menor que entrega
mais para o governo do que uma grande bancada que entrega menos. Esse é um
ponto central. E, mais: é preciso ver o número de vetos que são derrubados
porque a questão não é apenas votar a favor, mas também impedir a derrubada de
vetos presidenciais”, afirma Francisco Fonseca.
Em 2023, primeiro
ano de gestão, Lula teve 40% dos vetos revertidos por deputados e senadores,
segundo estatística levantada pelo Congresso em Foco. “O governo tinha que
olhar para isso. E talvez haja outros elementos aí também. Veja, o que um
partido conservador quer com o governo? Tem um jargão politico que fala em
‘porteira fechada’, que é quando você dá um ministério a um partido e, com ele,
todas as secretarias ligadas à pasta. O governo deveria disputar alguns desses
espaços para fazer contrapeso porque o centrão é uma agência de negócios. É
preciso investir nessa negociação”, avalia Fonseca.
·
Desafios
Para o professor do
Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) Lúcio
Rennó, a configuração de forças observada nos dois primeiros anos de mandato
tende a se manter no jogo político em relação a diferentes pautas. “A
polarização crescente no Brasil torna as discussões sobre alguns
temas muito controversas no âmbito do Legislativo. Sobre temas controversos o
Executivo não tem a menor chance de avançar, como, por exemplo, na pauta de
costumes e, talvez, em questões relativas a políticas distributivistas. São
temas difíceis para o presidente. Ele consegue aprovar aquilo que o Legislativo
quer e que seja algo com que ele concorda. Nisso entram questões econômicas, a
questão tributária e questões fiscais também podem entrar. Mas a temática da
agenda fica reduzida àquilo em que há consenso, ou seja, compartilhamento da
agenda com o Poder Legislativo. No mais, o presidente fica extremamente restrito
e corre, na verdade, o risco de ver o Legislativo impor sua própria agenda”,
esquadrinha o cientista político.
O pesquisador
lembra que os desajustes entre governo federal e setores majoritários do
Legislativo, sobretudo da Câmara, não podem ser analisados sem que se considere
a dissonância ideológica entre essas duas partes: enquanto a gestão Lula entoa
um discurso de esquerda, o Congresso Nacional tem hoje a composição mais
conservadora da sua história. “Um governo de esquerda com um Legislativo conservador
e empoderado tem muitas dificuldades. Esse é o cenário, e isso não vai mudar
nos próximos dois anos nem nos próximos dez anos, a não ser que as regras
mudem. Mas, em se mantendo esse conjunto de regras, nós vamos ver cada vez mais
um Executivo refém do Legislativo, como a gente tem visto nesses últimos anos,
com reformas que se aprofundaram na gestão Dilma Rousseff (PT) e nas
controvérsias múltiplas com Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara cassado em
2016].”
Professor de
Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), Bruno Schaefer lembra que hoje o xadrez
da relação entre governo federal e Legislativo é fortemente delineado pelo
controle que o Congresso passou a
exercer sobre o orçamento público, o que acabou por capturar parte
significativa do poder da gestão num país que, historicamente, tem tradição de
um Poder Executivo forte. O domínio de deputados e senadores sobre essas verbas
é traduzido pela política do orçamento secreto, iniciada na gestão Bolsonaro,
que vem sendo ampliada e diversificada na Câmara e no Senado e se tornou o
principal ponto de conflito do momento, tendo
chegado às vias da judicialização.
“Os legisladores
hoje têm mais recursos e não dependem tanto agora dos ministérios para destinar
esses valores para suas bases eleitorais, o que era uma moeda de troca
importante que o Executivo tinha no presidencialismo de coalizão. Você liberava
recursos na medida em que precisava de apoio para votações importantes e
entregava os ministérios para parceiros dessa coalizão, de modo que garantisse
um apoio mínimo [no Legislativo]. Era uma negociação no varejo, e não no atacado.
Houve uma mudança grande quanto a isso”, realça Schaefer.
“Temos um governo de esquerda,
centro-esquerda, que tem uma coalizão com vários partidos de direita ocupando
ministérios. O centro do governo é o Partido dos Trabalhadores (PT), que tem as
pastas mais importantes, mas o Legislativo está muito à direita. Então, você
tem uma série de dificuldades nessa relação para conseguir passar qualquer
coisa porque o legislador médio é uma pessoa de direita e não tem também
interesse em auxiliar o governo federal, seja por razões ideológicas, seja
porque não quer que o presidente se reeleja. Tem, então, esse aspecto mais
estrutural de mudança da relação entre Executivo e Legislativo, que gera uma
situação de impasse, e governar se torna muito mais difícil”, emenda Bruno
Schaefer.
·
Eleições
2026
Para Rennó, a
densidade do
cenário pode ser agravada pela maior proximidade em relação às eleições de
2026, corrida para a qual o ambiente político entra agora em contagem
regressiva. “Quando você escolhe aliados que são muito diferentes de você,
diferentes da forma como você pensa, é bem mais difícil fazer a gestão disso e
encontrar consensos. A proximidade da eleição não facilita as coisas e,
obviamente, até aumenta as pressões por mais nacos de poder, por mais espaços
no orçamento, e o governo fica mais fragilizado porque fica
mais dependente da sua popularidade e da expectativa de vitória na
eleição [seguinte]. Então, é muito diferente dos dois primeiros anos de gestão,
quando o governo vem de uma vitória eleitoral”, destrincha.
O professor
sublinha ainda que, diante desse conjunto de elementos, o desempenho do governo
começa a pesar mais nas escolhas dos parceiros políticos na hora de se calcular
o apoio às pautas de interesse da gestão. “Como o Legislativo está cada vez
mais empoderado, a gestão da coalizão passa a ser fundamental, e essa gestão
depende também, em grande medida, da popularidade do presidente. Presidentes
mais populares, que têm uma aceitação maior da população, acabam tendo isso
como um mecanismo de pressão sobre Congresso e de convencimento também. Então,
no cenário que eu estou mencionando, o desempenho econômico do governo ou em
temas que afetem sua popularidade, como as políticas públicas que ele adota,
passa a ser central para influenciar essa adesão ao governo por parte do
centrão, por exemplo”.
·
Oportunidades
Para o professor
Francisco Fonseca, à revelia dos grandes desafios, o cenário à frente pode
também trazer oportunidades de qualificação da relação entre o governo Lula e o
campo da direita. Os deputados escolherão
o sucessor de Arthur Lira (PP-AL) no comando da Câmara no próximo dia
1o, quando há tendência de vitória do líder da bancada do Republicanos, Hugo
Motta (PB), que conseguiu consolidar até aqui um amplo leque de apoios à sua
candidatura. Apesar da diversidade da chapa, que vai do PT de Lula ao PL de
Jair Bolsonaro, algumas diferenças podem ser amenizadas em virtude do perfil de
Motta, tido pelos pares como um parlamentar de perfil mais
negociador e menos indócil que Lira.
“Não vamos esquecer que o Hugo Motta é um
conservador, claro. Ele votou, fez campanha contra a presidente Dilma, por isso
não vamos ter ilusão. Mas, de qualquer maneira, é um novo cenário. O governo
pode tentar aproveitar esse novo cenário para buscar uma repactuação”, observa
Fonseca. Na mesma linha de raciocínio, Bruno Schaefer também vê uma janela de
oportunidade para que o ambiente de negociação se torne menos insalubre para a
gestão do PT com a provável alçada de Motta ao posto de presidente da Câmara,
porta de entrada da maior parte das propostas legislativas.
“Claro que me
parece que algumas coisas não vão se modificar muito, inclusive porque a
própria possibilidade de se ter uma candidatura de consenso como a do Hugo
Motta denota que o Legislativo, a Câmara, tem uma pauta própria, e essa pauta
está muito ligada às emendas. Parece que isso é um ponto um
tanto quanto irredutível. Mas se abre aí adiante a possibilidade de você ter
um outro tipo de negociação porque serão outras pessoas, vai ser [eleita] uma
outra mesa diretora, assim como presidentes de comissão. Se o governo conseguir
articular bem, talvez consiga melhores resultados”, examina.
O professor
Francisco Fonseca frisa, no entanto, que, para oxigenar a relação com os
parlamentares, a gestão Lula precisaria aprimorar a interface com o Congresso
Nacional. A frente de coordenação política da gestão está hoje sob a batuta do
ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da
República, Alexandre Padilha. “O governo precisa de uma coordenação política
mais proativa porque a de agora é muito mais reativa: quando eles parar para
ver, as coisas já aconteceram. Precisaria, talvez, até de uma combinação entre
membros do PT e de outros partidos nessa tarefa. Não vejo o Alexandre Padilha
como um deputado com o traquejo necessário para lidar com os dois terços
conservadores do Congresso, inclusive com a extrema direita, que precisava ser
isolada. O governo precisa, então, olhar para essas questões”, encerra o
professor da FGV.
Fonte: Brasil de
Fato
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