quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Governo X Centrão: Cenário atual tende a intensificar disputa por nacos de poder, afirmam analistas

Com a chegada de 2025 e em meio a uma reforma ministerial que, com a troca no comando da Secretaria de Comunicação Social (Secom), já emite seus primeiros sinais, o governo Lula segue enfrentando sobressaltos com lideranças e bancadas do campo da direita no Congresso Nacional. Das dificuldades de ajustes na articulação política à queda de braço em torno das emendas, a tendência é que a gestão enfrente novos pontos de conflito com o segmento na segunda metade do mandato, segundo projetam cientistas políticos ouvidos pelo Brasil de Fato.

A conjuntura da relação é marcada pela disputa por cargos no alto escalão da Esplanada dos Ministérios e pela instabilidade nos apoios dos partidos do campo durante as votações na Câmara dos Deputados e no Senado. A fotografia do atual cenário político foi precedida por um filme de dois anos de soluços na relação entre a gestão petista e algumas bancadas que, apesar de integrarem o governo, nem sempre se alinharam aos posicionamentos da gestão no jogo legislativo. O contexto pode ser ilustrado a partir de exemplos como os das siglas União Brasil, PSD e MDB, que, apesar de ocuparem postos de destaque nos ministérios, em diferentes momentos se opuseram ao governo em votações de interesse da gestão.

Na Câmara, o União, que ocupa três pastas e possui 59 parlamentares, tem nomes cujo alinhamento ao governo nas votações da Casa fica abaixo dos 40%. É o caso de Dr. Fernando Máximo (RO), que votou com a gestão em 37% das vezes entre 2023 e 2024, e Alfredo Gaspar (AL), cujo grau de governismo foi de 30% no mesmo período, sendo este último um dos integrantes da bancada da bala. Os dados são do Radar do Congresso, painel de estatísticas alimentado pelo Congresso em Foco.

A plataforma identifica também que, no caso do MDB, partido com 44 deputados, o percentual de alinhamento chega a mais de 70% na maior parte do grupo, mas ainda é baixo entre alguns personagens da sigla. Os emedebistas Delegado Palumbo (SP), Osmar Terra (RS) e Pezenti (SC) tiveram, até aqui, apenas 26%, 28% e 31% de adesão às pautas do governo, respectivamente. É em meio a esse cenário que legendas da direita liberal têm pressionado o governo por mais espaço na Esplanda. Acenos dados nos últimos dias pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, indicam que Lula pode promover novas mudanças nos ministérios antes mesmo do próximo dia 21, quando deve ocorrer a primeira reunião ministerial de 2025.

As pressões vêm de todos os lados. O PSD, por exemplo, lidera hoje os Ministérios de Minas e Energia (MME), Agricultura (Mapa) e Pesca, mas já avisou ao governo que tende a abandonar este último se não for contemplado com uma pasta mais robusta na arquitetura do poder. Nos bastidores, Lula teria avisado aos líderes que nem todo mundo tende a ser atendido na reforma que bate à porta. O cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aponta que a consideração sobre o tamanho das bancadas e sobre a qualidade da relação com cada uma delas passa a ser fundamental agora para que Lula (PT) avalie como gerenciar a dança das cadeiras na cúpula do governo.

“Não adianta ter a maior bancada e, na hora de entregar voto, um partido entregar um terço do que tem de membros. No fundo, talvez até valha mais uma bancada menor que entrega mais para o governo do que uma grande bancada que entrega menos. Esse é um ponto central. E, mais: é preciso ver o número de vetos que são derrubados porque a questão não é apenas votar a favor, mas também impedir a derrubada de vetos presidenciais”, afirma Francisco Fonseca.

Em 2023, primeiro ano de gestão, Lula teve 40% dos vetos revertidos por deputados e senadores, segundo estatística levantada pelo Congresso em Foco. “O governo tinha que olhar para isso. E talvez haja outros elementos aí também. Veja, o que um partido conservador quer com o governo? Tem um jargão politico que fala em ‘porteira fechada’, que é quando você dá um ministério a um partido e, com ele, todas as secretarias ligadas à pasta. O governo deveria disputar alguns desses espaços para fazer contrapeso porque o centrão é uma agência de negócios. É preciso investir nessa negociação”, avalia Fonseca.

·        Desafios

Para o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB) Lúcio Rennó, a configuração de forças observada nos dois primeiros anos de mandato tende a se manter no jogo político em relação a diferentes pautas. “A polarização crescente no Brasil torna as discussões sobre alguns temas muito controversas no âmbito do Legislativo. Sobre temas controversos o Executivo não tem a menor chance de avançar, como, por exemplo, na pauta de costumes e, talvez, em questões relativas a políticas distributivistas. São temas difíceis para o presidente. Ele consegue aprovar aquilo que o Legislativo quer e que seja algo com que ele concorda. Nisso entram questões econômicas, a questão tributária e questões fiscais também podem entrar. Mas a temática da agenda fica reduzida àquilo em que há consenso, ou seja, compartilhamento da agenda com o Poder Legislativo. No mais, o presidente fica extremamente restrito e corre, na verdade, o risco de ver o Legislativo impor sua própria agenda”, esquadrinha o cientista político.

O pesquisador lembra que os desajustes entre governo federal e setores majoritários do Legislativo, sobretudo da Câmara, não podem ser analisados sem que se considere a dissonância ideológica entre essas duas partes: enquanto a gestão Lula entoa um discurso de esquerda, o Congresso Nacional tem hoje a composição mais conservadora da sua história. “Um governo de esquerda com um Legislativo conservador e empoderado tem muitas dificuldades. Esse é o cenário, e isso não vai mudar nos próximos dois anos nem nos próximos dez anos, a não ser que as regras mudem. Mas, em se mantendo esse conjunto de regras, nós vamos ver cada vez mais um Executivo refém do Legislativo, como a gente tem visto nesses últimos anos, com reformas que se aprofundaram na gestão Dilma Rousseff (PT) e nas controvérsias múltiplas com Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara cassado em 2016].”

Professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), Bruno Schaefer lembra que hoje o xadrez da relação entre governo federal e Legislativo é fortemente delineado pelo controle que o Congresso passou a exercer sobre o orçamento público, o que acabou por capturar parte significativa do poder da gestão num país que, historicamente, tem tradição de um Poder Executivo forte. O domínio de deputados e senadores sobre essas verbas é traduzido pela política do orçamento secreto, iniciada na gestão Bolsonaro, que vem sendo ampliada e diversificada na Câmara e no Senado e se tornou o principal ponto de conflito do momento, tendo chegado às vias da judicialização.

“Os legisladores hoje têm mais recursos e não dependem tanto agora dos ministérios para destinar esses valores para suas bases eleitorais, o que era uma moeda de troca importante que o Executivo tinha no presidencialismo de coalizão. Você liberava recursos na medida em que precisava de apoio para votações importantes e entregava os ministérios para parceiros dessa coalizão, de modo que garantisse um apoio mínimo [no Legislativo]. Era uma negociação no varejo, e não no atacado. Houve uma mudança grande quanto a isso”, realça Schaefer.

 “Temos um governo de esquerda, centro-esquerda, que tem uma coalizão com vários partidos de direita ocupando ministérios. O centro do governo é o Partido dos Trabalhadores (PT), que tem as pastas mais importantes, mas o Legislativo está muito à direita. Então, você tem uma série de dificuldades nessa relação para conseguir passar qualquer coisa porque o legislador médio é uma pessoa de direita e não tem também interesse em auxiliar o governo federal, seja por razões ideológicas, seja porque não quer que o presidente se reeleja. Tem, então, esse aspecto mais estrutural de mudança da relação entre Executivo e Legislativo, que gera uma situação de impasse, e governar se torna muito mais difícil”, emenda Bruno Schaefer.

·        Eleições 2026

Para Rennó, a densidade do cenário pode ser agravada pela maior proximidade em relação às eleições de 2026, corrida para a qual o ambiente político entra agora em contagem regressiva. “Quando você escolhe aliados que são muito diferentes de você, diferentes da forma como você pensa, é bem mais difícil fazer a gestão disso e encontrar consensos. A proximidade da eleição não facilita as coisas e, obviamente, até aumenta as pressões por mais nacos de poder, por mais espaços no orçamento, e o governo fica mais fragilizado porque fica mais dependente da sua popularidade e da expectativa de vitória na eleição [seguinte]. Então, é muito diferente dos dois primeiros anos de gestão, quando o governo vem de uma vitória eleitoral”, destrincha.

O professor sublinha ainda que, diante desse conjunto de elementos, o desempenho do governo começa a pesar mais nas escolhas dos parceiros políticos na hora de se calcular o apoio às pautas de interesse da gestão. “Como o Legislativo está cada vez mais empoderado, a gestão da coalizão passa a ser fundamental, e essa gestão depende também, em grande medida, da popularidade do presidente. Presidentes mais populares, que têm uma aceitação maior da população, acabam tendo isso como um mecanismo de pressão sobre Congresso e de convencimento também. Então, no cenário que eu estou mencionando, o desempenho econômico do governo ou em temas que afetem sua popularidade, como as políticas públicas que ele adota, passa a ser central para influenciar essa adesão ao governo por parte do centrão, por exemplo”.

·        Oportunidades

Para o professor Francisco Fonseca, à revelia dos grandes desafios, o cenário à frente pode também trazer oportunidades de qualificação da relação entre o governo Lula e o campo da direita. Os deputados escolherão o sucessor de Arthur Lira (PP-AL) no comando da Câmara no próximo dia 1o, quando há tendência de vitória do líder da bancada do Republicanos, Hugo Motta (PB), que conseguiu consolidar até aqui um amplo leque de apoios à sua candidatura. Apesar da diversidade da chapa, que vai do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, algumas diferenças podem ser amenizadas em virtude do perfil de Motta, tido pelos pares como um parlamentar de perfil mais negociador e menos indócil que Lira.

 “Não vamos esquecer que o Hugo Motta é um conservador, claro. Ele votou, fez campanha contra a presidente Dilma, por isso não vamos ter ilusão. Mas, de qualquer maneira, é um novo cenário. O governo pode tentar aproveitar esse novo cenário para buscar uma repactuação”, observa Fonseca. Na mesma linha de raciocínio, Bruno Schaefer também vê uma janela de oportunidade para que o ambiente de negociação se torne menos insalubre para a gestão do PT com a provável alçada de Motta ao posto de presidente da Câmara, porta de entrada da maior parte das propostas legislativas.

“Claro que me parece que algumas coisas não vão se modificar muito, inclusive porque a própria possibilidade de se ter uma candidatura de consenso como a do Hugo Motta denota que o Legislativo, a Câmara, tem uma pauta própria, e essa pauta está muito ligada às emendas. Parece que isso é um ponto um tanto quanto irredutível. Mas se abre aí adiante a possibilidade de você ter um outro tipo de negociação porque serão outras pessoas, vai ser [eleita] uma outra mesa diretora, assim como presidentes de comissão. Se o governo conseguir articular bem, talvez consiga melhores resultados”, examina.

O professor Francisco Fonseca frisa, no entanto, que, para oxigenar a relação com os parlamentares, a gestão Lula precisaria aprimorar a interface com o Congresso Nacional. A frente de coordenação política da gestão está hoje sob a batuta do ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República, Alexandre Padilha. “O governo precisa de uma coordenação política mais proativa porque a de agora é muito mais reativa: quando eles parar para ver, as coisas já aconteceram. Precisaria, talvez, até de uma combinação entre membros do PT e de outros partidos nessa tarefa. Não vejo o Alexandre Padilha como um deputado com o traquejo necessário para lidar com os dois terços conservadores do Congresso, inclusive com a extrema direita, que precisava ser isolada. O governo precisa, então, olhar para essas questões”, encerra o professor da FGV.

 

Fonte: Brasil de Fato

 

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