quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Os desdobramentos do ataque ao assentamento do MST em São Paulo

A Justiça de São Paulo atendeu, neste domingo (12), um pedido da Polícia Civil de São Paulo e emitiu uma ordem de prisão temporária para o segundo suspeito envolvido no ataque brutal contra famílias do assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), no município de Tremembé.

O crime, ocorrido na última sexta-feira (10), deixou dois mortos e seis feridos. Quatro vítimas passaram por cirurgia e não correm risco de morte, uma recebeu alta do hospital e outra está em estado grave. Os corpos de Valdir do Nascimento e Gleison Barbosa foram sepultados ontem (12), com a presença dos ministros do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo. 

No sábado (11), a polícia prendeu temporariamente um homem conhecido como Nero do Piseiro, apontado como mentor intelectual do crime. Agora, os agentes de segurança tentam encontrar o segundo suspeito, que não teve a identidade revelada. 

Nero foi reconhecido por testemunhas que presenciaram quando os autores do crime chegaram ao local. Ele ficará detido por, no mínimo, 30 dias. 

Um terceiro homem chegou a ser preso pela Polícia Militar na área do assentamento por porte ilegal de arma de fogo, mas os investigadores descartam o possível envolvimento dele no ataque, já que ele teria ido ao local para prestar socorro às vítimas.

·        Motivação

Segundo a Polícia Civil, o crime teria sido motivado por um desentendimento nas negociações de um terreno na área do assentamento. Já o ministro Paulo Teixeira afirmou que o ataque foi motivado por uma disputa de lote.

“Eles [os membros do MST] estavam dentro do assentamento, não estavam perturbando ninguém. E [os atiradores] quiseram subtrair um lote, eles [os assentados] foram defender o lote. Isso aconteceu às cinco da tarde. Às oito da noite, chegou esse grupo de vândalos e atirou, levando à morte já dois desses assentados”, disse Teixeira em entrevista coletiva em Tremembé.

“O que a gente espera é que a polícia esclareça a autoria desse crime e o verdadeiro mandante desse crime. E que possa dar segurança a esses assentados que querem tocar sua vida, querem produzir alimentos”, acrescentou o ministro.

<><> Ações de proteção às vítimas

A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, também presente no velório das vítimas, em Tremembé, a pasta coordenará ações de proteção e assistência aos assentados, por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), a partir desta segunda. 

O ministério prestará atendimento individualizado a cada família, para ouvir as demandas e definir medidas preventivas e de segurança na área. 

“Primeiro, queremos prestar nossa solidariedade, mas também procurar entender um pouco mais do que aconteceu. A partir de amanhã, ouviremos cada família para que a gente possa organizar uma agenda que garanta a proteção coletiva da comunidade”, afirmou Evaristo.

A ministra também ressaltou que não havia qualquer denúncia anterior sobre ameaças no assentamento Olga Benário, mas agora a comunidade passa a integrar o PPDDH. “Ninguém aqui tinha ciência de ataque, nem do grupo de atiradores, tanto que este grupo não faz parte do nosso programa de proteção, mas passará a fazer a partir deste episódio”, declarou Macaé.

“Temos o dever estatal de dar proteção integral às defensoras e aos defensores de direitos humanos. Neste sentido, acionaremos os órgãos de Estado responsáveis pela resolução de conflitos agrários e pela segurança pública para atuarmos de forma conjunta e coordenada”, completou a ministra.

<><> Polícia Civil de SP identifica suposto mandante de ataque

A Polícia Civil de São Paulo iniciou a busca pelo mandante do ataque ao acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Tremembé, no interior do estado, ocorrido na última sexta-feira (10). A informação foi divulgada à CNN Brasil pelo delegado Marcos Parra, responsável pela Delegacia Seccional de Taubaté. A identidade do mandante não foi revelada para não comprometer as investigações.

O ataque resultou na morte de dois assentados, além de deixar ao menos outros seis feridos, alguns em estado grave. O suspeito de organizar o ataque, Antônio Martins dos Santos Filho, conhecido como "Nero do Piseiro", foi preso durante o final de semana. Parra informou que a investigação apura o possível envolvimento de um vereador da cidade de Tremembé na tentativa de comercialização de lotes no acampamento Olga Benário, do MST.

"Existe uma linha de apuração sobre a participação de políticos na tentativa de comercialização dos lotes. Pode haver um vereador envolvido", afirmou o delegado.

A Polícia Federal também entrou no caso, conduzindo uma investigação paralela sob a supervisão da Delegacia de São José dos Campos. As duas corporações trabalham de forma independente, mas trocam informações para auxiliar nas investigações.

¨      MST pede que polícia investigue empreiteiras em assassinatos em assentamento

O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) pede que as investigações policiais sobre os dois assassinatos ocorridos no assentamento Olga Benário, em Tremembé (SP), na última sexta-feira (10), considerem a possível participação de empreiteiras e incorporadoras. 

Segundo o movimento, os terrenos onde as famílias estão assentadas desde 2005 são alvo de cobiça para projetos imobiliários. 

O ataque resultou nas mortes de Valdir do Nascimento de Jesus, o Valdirzão, um dos líderes do assentamento, e de Gleison Barbosa de Carvalho. Outras seis pessoas ficaram feridas. 

A princípio, a Polícia Civil de São Paulo apontou a disputa por um lote de terra no assentamento como causa do ataque. A Polícia Federal também investiga o crime, por determinação do presidente Lula (PT).

 “Essa é uma região de muitos assentamentos próximos às zonas urbanas e, portanto, motivo de sanha do capital imobiliário local, com objetivo de transformar os assentamentos em áreas de condomínios e de especulação imobiliária”, afirma Gilmar Mauro, dirigente nacional do MST. Ele classificou o atentado como uma ação de “milícia com arsenal armamentista muito forte”, apontando para especulação imobiliária e um possível conluio entre políticos e milícias armadas.  

Criado há 20 anos, o assentamento Olga Benário tem cerca de 50 famílias, em lotes que variam entre 5 e 7 hectares. Segundo Gilmar Mauro, cada lote é avaliado entre R$ 5 milhões e 10 milhões devido à localização estratégica no Vale do Paraíba. Um terreno de 7 hectares, por exemplo, corresponde a 70 mil metros quadrados. 

O ataque aconteceu por volta das 23h de sexta, quando um grupo de 40 homens armados, divididos em carros e motos, invadiu o assentamento e atirou contra os moradores. Antônio Martins dos Santos Filho – conhecido como Nero do Piseiro – foi preso em flagrante. 

Segundo as investigações, ele, seu sobrinho Ítalo Rodrigues da Silva, e outros homens fortemente armados chegaram ao local para “tirar satisfação” devido a uma desavença relacionada à posse de um dos lotes do assentamento.

O lote em disputa foi abandonado após a família que o ocupava sofrer ameaças. O terreno deveria ter sido destinado a uma nova família pelo Incra. No entanto, sem a regularização, Nero e Ítalo teriam tentado tomar posse do local. Na noite do ataque, Valdirzão, Gleison e outros moradores montaram uma vigília para proteger o terreno.

Ítalo teve a prisão temporária decretada e está foragido. Antônio tem antecedentes criminais por porte ilegal de arma, lesão corporal, desobediência e ameaça. O advogado de Antônio, Jefferson Douglas Paulino, alega que seu cliente nega ter atirado e que foi ao local para apaziguar a situação.

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<><> Pressão para venda

O Olga Benário segue as diretrizes do MST, em que as famílias têm a Concessão do Direito Real de Uso (CDRU) dos terrenos, podendo usar os lotes, mas não vendê-los. 

“Há uma pressão muito grande para que haja uma titulação do assentamento”, explica Mauro. Na visão do MST, a titulação dos lotes, ou seja, a entrega do Título de Domínio a cada agricultor, enfraquece a reforma agrária e coloca a terra no mercado imobiliário. 

Mauro explica que os assentados do Olga Benário sempre resistiram a aderirem à titulação, muito em parte, devido a liderança exercida por Valdirzão. ”Ele era um agrofloresteiro que espalhava sementes para recuperação da mata atlântica”, descreve Mauro sobre o companheiro assassinado.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a estratégia governamental foi distribuir títulos de propriedade para quem já estava assentado. Foram cerca de 370 mil títulos nos quatro anos de governo, um recorde se comparado às outras gestões. 

No período de Michel Temer (2016-2019), quando a legislação foi alterada para flexibilizar a titulação, foram 235 mil títulos, ante 137 mil nos governos Dilma Rousseff (2011-2016) e 105 mil nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010).  

Antes de ingressar no MST, em 1993, Valdirzão trabalhava como frentista. Sua primeira participação foi no acampamento montado na Fazenda Jangada, em Getulina (SP). Chegou ao Vale do Paraíba no ano seguinte e, em 2006, foi assentado em Tremembé. Segundo o MST, além de defensor e praticante da agroecologia, o militante combatia a venda de lotes.

A segunda vítima foi Gleison Barbosa, conhecido como Guegue, filho de uma assentada no Olga Benário. Guegue morava na capital, mas, desde a última visita à mãe, planejava permanecer no assentamento. 

Dois irmãos de Guegue também foram baleados no ataque. Um deles está na UTI e passou por uma cirurgia na noite de domingo (12), para retirada de estilhaços de projétil alojado em sua cabeça. Seu estado de saúde é considerado grave. Outro irmão também segue internado após ser atingido na bacia. 

Durante o velório, a ministra dos Direitos Humanos Macaé Evaristo afirmou que as famílias do assentamento serão inseridas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos,

Segundo Gilmar Mauro, a prioridade para ocupar o lote é de uma família que esteja acampada, ou seja, vivendo em condição precária aguardando a destinação de um terreno em um assentamento. Mas isso depende de uma decisão do Incra. Procurado, o Incra não retornou até a publicação. 

 

Fonte: Jornal GGN

 

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