Os desdobramentos
do ataque ao assentamento do MST em São Paulo
A Justiça de São
Paulo atendeu, neste domingo (12), um pedido da Polícia Civil de São Paulo e
emitiu uma ordem de prisão temporária para o segundo suspeito envolvido
no ataque brutal
contra famílias do assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), no município de Tremembé.
O crime, ocorrido
na última sexta-feira (10), deixou dois mortos e seis feridos. Quatro vítimas
passaram por cirurgia e não correm risco de morte, uma recebeu alta do hospital
e outra está em estado grave. Os corpos de Valdir do Nascimento e Gleison
Barbosa foram sepultados ontem (12), com a presença dos ministros do
Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e dos Direitos Humanos, Macaé
Evaristo.
No sábado (11), a
polícia prendeu temporariamente um homem conhecido como Nero do Piseiro,
apontado como mentor intelectual do crime. Agora, os agentes de segurança
tentam encontrar o segundo suspeito, que não teve a identidade revelada.
Nero foi
reconhecido por testemunhas que presenciaram quando os autores do crime
chegaram ao local. Ele ficará detido por, no mínimo, 30 dias.
Um terceiro homem
chegou a ser preso pela Polícia Militar na área do assentamento por porte
ilegal de arma de fogo, mas os investigadores descartam o possível envolvimento
dele no ataque, já que ele teria ido ao local para prestar socorro às vítimas.
·
Motivação
Segundo a Polícia
Civil, o crime teria sido motivado por um desentendimento nas negociações de um
terreno na área do assentamento. Já o ministro Paulo Teixeira afirmou que o
ataque foi motivado por uma disputa de lote.
“Eles [os membros
do MST] estavam dentro do assentamento, não estavam perturbando ninguém. E [os
atiradores] quiseram subtrair um lote, eles [os assentados] foram defender o
lote. Isso aconteceu às cinco da tarde. Às oito da noite, chegou esse grupo de
vândalos e atirou, levando à morte já dois desses assentados”, disse Teixeira
em entrevista coletiva em Tremembé.
“O que a gente
espera é que a polícia esclareça a autoria desse crime e o verdadeiro mandante
desse crime. E que possa dar segurança a esses assentados que querem tocar sua
vida, querem produzir alimentos”, acrescentou o ministro.
<><> Ações
de proteção às vítimas
A ministra dos
Direitos Humanos, Macaé Evaristo, também presente no velório das vítimas, em
Tremembé, a pasta coordenará ações de proteção e assistência aos assentados,
por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos,
Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), a partir desta segunda.
O ministério
prestará atendimento individualizado a cada família, para ouvir as demandas e
definir medidas preventivas e de segurança na área.
“Primeiro, queremos
prestar nossa solidariedade, mas também procurar entender um pouco mais do que
aconteceu. A partir de amanhã, ouviremos cada família para que a gente possa
organizar uma agenda que garanta a proteção coletiva da comunidade”, afirmou
Evaristo.
A ministra também
ressaltou que não havia qualquer denúncia anterior sobre ameaças no
assentamento Olga Benário, mas agora a comunidade passa a integrar o
PPDDH. “Ninguém aqui tinha ciência de ataque, nem do grupo de atiradores,
tanto que este grupo não faz parte do nosso programa de proteção, mas passará a
fazer a partir deste episódio”, declarou Macaé.
“Temos o dever
estatal de dar proteção integral às defensoras e aos defensores de direitos
humanos. Neste sentido, acionaremos os órgãos de Estado responsáveis pela
resolução de conflitos agrários e pela segurança pública para atuarmos de forma
conjunta e coordenada”, completou a ministra.
<><> Polícia Civil de SP identifica suposto
mandante de ataque
A Polícia Civil de São Paulo
iniciou a busca pelo mandante do ataque ao acampamento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Tremembé, no interior do estado,
ocorrido na última sexta-feira (10). A informação foi divulgada à CNN Brasil pelo
delegado Marcos Parra, responsável pela Delegacia Seccional de Taubaté. A
identidade do mandante não foi revelada para não comprometer as investigações.
O ataque resultou na morte
de dois assentados, além de deixar ao menos outros seis feridos, alguns em
estado grave. O suspeito de organizar o ataque, Antônio Martins dos Santos
Filho, conhecido como "Nero do Piseiro", foi preso durante o final de
semana. Parra informou que a investigação apura o possível envolvimento de um
vereador da cidade de Tremembé na tentativa de comercialização de lotes no
acampamento Olga Benário, do MST.
"Existe uma linha de
apuração sobre a participação de políticos na tentativa de comercialização dos
lotes. Pode haver um vereador envolvido", afirmou o delegado.
A Polícia Federal também
entrou no caso, conduzindo uma investigação paralela sob a supervisão da
Delegacia de São José dos Campos. As duas corporações trabalham de forma
independente, mas trocam informações para auxiliar nas investigações.
¨ MST pede que polícia investigue empreiteiras em
assassinatos em assentamento
O MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) pede que as investigações policiais
sobre os dois assassinatos ocorridos no assentamento Olga Benário, em Tremembé
(SP), na última sexta-feira (10), considerem a possível participação de
empreiteiras e incorporadoras.
Segundo o
movimento, os terrenos onde as famílias estão assentadas desde 2005 são alvo de
cobiça para projetos imobiliários.
O ataque resultou
nas mortes de Valdir do Nascimento de Jesus, o Valdirzão, um dos líderes do
assentamento, e de Gleison Barbosa de Carvalho. Outras seis pessoas ficaram
feridas.
A princípio, a
Polícia Civil de São Paulo apontou a disputa por um lote de terra no
assentamento como causa do ataque. A Polícia Federal também investiga o crime,
por determinação do presidente Lula (PT).
“Essa é uma região de muitos assentamentos
próximos às zonas urbanas e, portanto, motivo de sanha do capital imobiliário
local, com objetivo de transformar os assentamentos em áreas de condomínios e
de especulação imobiliária”, afirma Gilmar Mauro, dirigente nacional do MST.
Ele classificou o atentado como uma ação de “milícia com arsenal armamentista
muito forte”, apontando para especulação imobiliária e um possível conluio
entre políticos e milícias armadas.
Criado há 20 anos,
o assentamento Olga Benário tem cerca de 50 famílias, em lotes que variam entre
5 e 7 hectares. Segundo Gilmar Mauro, cada lote é avaliado entre R$ 5 milhões e
10 milhões devido à localização estratégica no Vale do Paraíba. Um terreno de 7
hectares, por exemplo, corresponde a 70 mil metros quadrados.
O ataque aconteceu
por volta das 23h de sexta, quando um grupo de 40 homens armados, divididos em
carros e motos, invadiu o assentamento e atirou contra os moradores. Antônio
Martins dos Santos Filho – conhecido como Nero do Piseiro – foi preso em
flagrante.
Segundo as
investigações, ele, seu sobrinho Ítalo Rodrigues da Silva, e outros homens
fortemente armados chegaram ao local para “tirar satisfação” devido a uma desavença
relacionada à posse de um dos lotes do assentamento.
O lote em disputa
foi abandonado após a família que o ocupava sofrer ameaças. O terreno deveria
ter sido destinado a uma nova família pelo Incra. No entanto, sem a
regularização, Nero e Ítalo teriam tentado tomar posse do local. Na noite do
ataque, Valdirzão, Gleison e outros moradores montaram uma vigília para
proteger o terreno.
Ítalo teve a prisão
temporária decretada e está foragido. Antônio tem antecedentes criminais por
porte ilegal de arma, lesão corporal, desobediência e ameaça. O advogado de
Antônio, Jefferson Douglas Paulino, alega que seu cliente nega ter atirado e
que foi ao local para apaziguar a situação.
Parte inferior do
formulário
<><> Pressão
para venda
O Olga Benário
segue as diretrizes do MST, em que as famílias têm a Concessão do Direito Real
de Uso (CDRU) dos terrenos, podendo usar os lotes, mas não vendê-los.
“Há uma pressão
muito grande para que haja uma titulação do assentamento”, explica Mauro. Na
visão do MST, a titulação dos lotes, ou seja, a entrega do Título de Domínio a
cada agricultor, enfraquece a reforma agrária e coloca a terra no mercado
imobiliário.
Mauro explica que
os assentados do Olga Benário sempre resistiram a aderirem à titulação, muito
em parte, devido a liderança exercida por Valdirzão. ”Ele era um
agrofloresteiro que espalhava sementes para recuperação da mata atlântica”,
descreve Mauro sobre o companheiro assassinado.
Durante o governo
do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a estratégia governamental foi distribuir
títulos de propriedade para quem já estava assentado. Foram cerca de 370 mil
títulos nos quatro anos de governo, um recorde se comparado às outras
gestões.
No período de
Michel Temer (2016-2019), quando a legislação foi alterada para flexibilizar a
titulação, foram 235 mil títulos, ante 137 mil nos governos Dilma Rousseff
(2011-2016) e 105 mil nos dois primeiros mandatos de Lula
(2003-2010).
Antes de ingressar
no MST, em 1993, Valdirzão trabalhava como frentista. Sua primeira participação
foi no acampamento montado na Fazenda Jangada, em Getulina (SP). Chegou ao Vale
do Paraíba no ano seguinte e, em 2006, foi assentado em Tremembé. Segundo o
MST, além de defensor e praticante da agroecologia, o militante combatia a
venda de lotes.
A segunda vítima
foi Gleison Barbosa, conhecido como Guegue, filho de uma assentada no Olga
Benário. Guegue morava na capital, mas, desde a última visita à mãe, planejava
permanecer no assentamento.
Dois irmãos de
Guegue também foram baleados no ataque. Um deles está na UTI e passou por uma
cirurgia na noite de domingo (12), para retirada de estilhaços de projétil
alojado em sua cabeça. Seu estado de saúde é considerado grave. Outro irmão
também segue internado após ser atingido na bacia.
Durante o velório,
a ministra dos Direitos Humanos Macaé Evaristo afirmou que as famílias do
assentamento serão inseridas no Programa de Proteção a Defensores de Direitos
Humanos,
Segundo Gilmar
Mauro, a prioridade para ocupar o lote é de uma família que esteja acampada, ou
seja, vivendo em condição precária aguardando a destinação de um terreno em um
assentamento. Mas isso depende de uma decisão do Incra. Procurado, o Incra não
retornou até a publicação.
Fonte: Jornal GGN
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