Brasil deu passo
importante no direito internacional para 'impedir impunidade em Gaza'
O direito
internacional não está dando a Israel nenhuma autorização para cometer crimes
de guerra na Faixa de Gaza, é só que os instrumentos legais não estão
funcionando de acordo com o design que foi adotado após a Segunda Guerra
Mundial, disse à Sputnik o professor e pesquisador Manuel Becerra Ramírez.
Yuval Vagdani, um
reservista das Forças de Defesa de Israel (FDI) em férias no Brasil, fugiu
para a Argentina no início de janeiro, momentos depois de o Ministério das
Relações Exteriores de Israel alertá-lo de que um tribunal brasileiro havia
ordenado a abertura de uma investigação sobre seu suposto envolvimento em crimes de guerra na Faixa de Gaza.
Segundo a imprensa, o pedido da Justiça brasileira é resultado de
uma denúncia da Fundação Hind Rajab, instituição sediada na Bélgica que atua
internacionalmente, denunciando soldados das FDI por suas ações nos territórios palestinos ocupados.
A fundação
denunciou soldados israelenses na Tailândia, Sri Lanka, Chile e em outros
países. Em outubro do ano passado, também processou mais de 1.000 soldados
das FDI perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).
<><> Um
sistema de justiça global obsoleto ou aperfeiçoável?
A Sputnik conversou
com Manuel Becerra Ramírez, pesquisador emérito do Sistema Nacional de
Pesquisadores (SNI) e professor da Faculdade de Direito da UNAM, para saber
mais sobre a relevância e o alcance das ações judiciais movidas pela
Fundação Hind Rajab contra soldados israelenses no exterior.
O acadêmico
mexicano observou que, após mais de 15 meses de bombardeios israelenses contra
o enclave palestino — através dos quais o país hebraico matou mais de
46.000 pessoas, a maioria mulheres e crianças — os instrumentos legais
adotados pela comunidade internacional após a Segunda Guerra Mundial não está
funcionando para impedir o genocídio contra o povo palestino.
Becerra Ramírez
acrescentou que, após a conflagração mundial iniciada em 1939 e finalizada em
1945, a comunidade internacional desenhou uma série de mecanismos
legais para impedir a repetição de crimes de guerra, crimes contra a
humanidade, genocídio, entre outros, por serem considerados muito graves.
Um desses
mecanismos, comentou o pesquisador, é o princípio da jurisdição universal, que confere jurisdição aos membros da
comunidade internacional, signatários de tratados internacionais de direito
penal internacional, "para efetuar uma prisão, naturalmente com elementos
– como é o caso sendo feito neste caso — para que possam ser julgados
pelos tribunais, mesmo que naquele momento, ou melhor, naquele lugar,
aqueles crimes não tenham sido cometidos".
"A ideia é que
não haja impunidade e, graças a isso, por exemplo, as autoridades
israelenses parecem ter esquecido que os alemães que cometeram crimes durante o
Holocausto foram levados a julgamento", disse o professor Becerra.
Questionado sobre
as razões pelas quais parece que, apesar da existência de leis internacionais,
o país hebraico parece ter permissão para cometer crimes de guerra na
Faixa de Gaza impunemente, Becerra Ramírez esclareceu que não é a legislação internacional que lhe está concedendo
permissão para Tel Aviv agir como faz no Oriente Médio.
"Na realidade,
o direito internacional não está concedendo nenhuma autorização [a
Israel], o que está acontecendo é que os instrumentos legais não estão
funcionando e isso se deve ao desenho que foi adotado após a Segunda
Guerra Mundial", disse Becerra.
Para desenvolver
sua premissa, o pesquisador lembrou que, graças ao princípio da jurisdição
universal, um jurista espanhol solicitou a extradição do ditador chileno
Augusto Pinochet para julgá-lo por seus crimes contra a
humanidade durante o regime militar (11 de setembro de 1973 a 11 de março
de 1990).
"O caso
Pinochet é emblemático porque, justamente, a jurisdição universal foi
utilizada por meio do pedido feito a um tribunal espanhol para julgar
Pinochet", argumentou o pesquisador.
"Naquela
época, 1998, ele [o ditador Augusto Pinochet] estava no Reino Unido e lá um
juiz, Baltasar Garzón, ordenou que Pinochet fosse preso para julgamento, com base em uma
reivindicação de jurisdição universal que ele tinha na Espanha", lembrou.
No entanto, ele
observou que, depois que o pedido de prisão de Pinochet se tornou público, o
governo dos Estados Unidos reagiu para proteger seus funcionários e
militares, aproveitando sua posição como membro permanente do Conselho de
Segurança da ONU (CSNU).
"Este caso, em
que Pinochet acabou sendo solto, mas por outros motivos, não porque fosse
considerado inocente, também é um divisor de águas no direito penal
internacional e, depois disso, houve uma reação por parte dos Estados Unidos",
disse Becerra Ramírez.
"A jurisdição
universal estava sendo ativada em vários tribunais — na Europa, por exemplo — e
isso colocou os Estados Unidos em perigo porque muitos dos seus funcionários,
em determinada altura, como o senhor [Henry] Kissinger, que foi secretário
de Estado dos Estados Unidos, foram um dos promotores do golpe militar no
Chile", continuou.
Em outras palavras,
os Estados Unidos reagiram "como sempre, com grande arrogância, considerando que a jurisdição universal —
e essas foram as palavras de Kissinger — era a ditadura dos juízes".
"Os Estados
Unidos começaram então a forçar os Estados a fazerem mudanças [na sua legislação interna], não
aceitaram o Estatuto de Roma e, além disso, estabeleceram perante o Conselho de
Segurança uma, digamos, proteção para todos os seus soldados. Isso foi
promovido pelos Estados Unidos", explicou o doutor em direito.
Segundo o professor
Becerra Ramírez, para apelar à jurisdição universal não basta fazer parte dos
tratados internacionais mencionados, mas é necessário que os Estados também
contem com legislação interna.
"É por isso
que este caso é importante, porque há outros países que também podem usar a
jurisdição universal" para impedir o genocídio que Israel está
perpetrando em Gaza, reiterou o acadêmico. Ele observou que, "além disso,
isso não é agir contra a lei, o que está sendo dito é: cumpra o direito internacional".
"Aqui [o
direito internacional] deve operar e parar uma guerra que, é claro para todos
nós, nunca foi uma defesa legítima, mas é genocida e, além disso,
expansionista. Essa é a questão e a comunidade internacional de gente
pensante está muito preocupada com o que está acontecendo", disse Becerra
Ramírez.
Ele acrescentou que
a denúncia apresentada pela Fundação Hind Rajab — que leva o nome de uma menina
palestina de cinco anos morta por Israel — e a investigação subsequente
iniciada pela Justiça brasileira são passos muito importantes, pois constituem uma mensagem para o mundo inteiro que
aqueles que cometem tais crimes serão processados.
"Obviamente,
este ato é muito importante, embora tenha falhado até agora, mas é uma
mensagem para a comunidade internacional de que esses tipos de crimes são
perseguidos por esta via de jurisdição universal e que qualquer suposto
criminoso pode ser preso por essa via", disse o professor Ramirez.
¨
No caso do Genocídio Palestino, não há nenhum sinal de alento no
horizonte, antes pelo contrário. Por Ana
Penido
Não teremos um feliz ano novo. Talvez alguns de vocês conheçam o poema
de Marwan Makhoul: “Para escrever uma poesia que não seja política, devo
escutar os pássaros. Mas para escutar os pássaros, faz falta que cesse o
bombardeio”.
Ano novo, guerras novas, e se renovam as antigas. Se a posse de Trump
pode trazer alterações na configuração atual da Guerra na Ucrânia, no caso do
Genocídio Palestino, não há nenhum sinal de alento no horizonte, antes pelo
contrário. As mudanças no Irã e na Síria abriram um espaço para maior
influência do Estado de Israel na região.
Nunca escrevi sobre a Palestina, me dói. “Ah, mas muita coisa dói.” A
Palestina dói mais. Uma dor aguda, de quem sabe que, só na primeira semana
deste ano, 75 crianças foram assassinadas pelo sionismo na Palestina. Mia Couto
já falava que “nunca se encontrou nada mais triste do que caixão pequenino”.
Sim, a tristeza é um sentimento humano que deve ser acolhido e vivido, mas
quando ela perdura, o nó na garganta vai crescendo, e descendo para as pernas.
A depressão paralisa.
A Carta Semanal do Instituto Tricontinental abriu 2025 escancarando a crise civilizatória em que estamos, e na
qual permaneceremos. Um estudo conduzido pelo Community Training Centre for
Crisis Management, em Gaza, apontou: 79% das crianças em Gaza sofrem de
pesadelos; 87% delas sentem muito medo; 38% relatam fazer xixi na cama; 49% dos
cuidadores disseram que seus filhos acreditavam que morreriam na guerra; 96%
das crianças em Gaza sentiam que a morte era iminente.
O Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança divulgou em 2024
que no Sudão: 24 milhões de crianças — quase metade da população total do país,
de 50 milhões — estão sob risco de uma “catástrofe geracional”; 19 milhões de
crianças estão fora da escola; 4 milhões de crianças estão desabrigadas; 3,7
milhões de crianças sofrem de desnutrição aguda.
Todas as crianças nascidas no Afeganistão desde 2019 cresceram vivendo a
guerra. Nenhuma sequer experimentou a paz. Em tempos de férias escolares e
famílias se desdobrando na tarefa de cuidados com os pequenos que, no caso do
Brasil, é compartilhada entre mulheres das famílias (mães e avós), e a escola,
impossível não pensar nas crianças ao redor do mundo e ficar triste, muito
triste.
E por que achamos que devemos substituir a tristeza pela alegria? Meu
palpite é que a culpa é do Vinicius de Moraes, que nos ensinou que “é melhor
ser alegre que ser triste”. Poetinha, é claro que você está certo, ser alegre é
melhor do que ser triste, mas dá pra substituir a tristeza por outros
sentimentos além da alegria, e o filme Divertidamente vem
pra nos lembrar de outros sentimentos basilares: raiva, medo, nojo, ansiedade,
inveja…
O nó da garganta precisa ir parar no estômago, e se transformar em
raiva, em nojo. Uma pitada de medo também pode ajudar a traçar projetos de
mudança, pois revela a maturidade de saber o enorme problema com que nos
confrontamos. Os dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de
Estocolmo (SIPRI), de 2024, apontam que as cem maiores empresas produtoras de
armas e de serviços militares do mundo aumentaram suas receitas combinadas de
armas em 4,2% em 2023, atingindo a impressionante cifra de US$ 632 bilhões.
Entre 2015 e 2023, essas empresas aumentaram suas receitas totais com armas em
19%. Cinco empresas sediadas nos EUA foram responsáveis por quase um terço
dessas receitas.
É previsível que, com o acirramento da disputa pela hegemonia global, e
crescimento do neofascismo em todo o mundo, o cenário aqui apresentado não
melhore; pelo contrário. Só que predizer é, ao mesmo tempo, agir. Construir
cenários de futuro desejáveis e indesejáveis já é agir sobre o futuro, o
primeiro passo antes de trabalhar ativamente para que eles ocorram ou não.
Cansei de ver a utilização de um trecho da música “Sujeito de Sorte”, do
Belchior, em mensagens de final de ano. Parece que, em 2024, todo mundo sangrou
demais, chorou pra cachorro, morreu, mas prometeu não repetir o feito em 2025.
Correndo o risco de parecer ranzinza, acho pouco provável.
Convido a leitora e o leitor para lembrar que “viver é melhor que
sonhar”. Sonhar é pré-ver, é ver antes. Às vezes, está tudo bem, como diz
Belchior, “não querer o que a cabeça pensa, mas o que a alma deseja”.
Acreditar, profundamente, que é possível construir um novo mundo, com novos
homens e mulheres, é o primeiro passo para perceber a beleza no ordinário
cotidiano, e arrumar forças para transformar a tristeza em raiva. Algum dia, a
raiva há de se tornar alegria. Porque aos nossos mortos não cabe nenhum momento
de silêncio, mas toda uma vida de luta.
Longe de mim ser a Camila Pitanga para protagonizar o Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios,
filme inspirado no romance de Marçal Aquino. Bora que, em 2025, vai ter muita
notícia ruim, mas também vai ter muita peleja.
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