quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Emir Sader: O Oriente como invenção do Ocidente

O Oriente era quase uma invenção europeia, um lugar de romances, de seres exóticos, de memórias, de paisagens, de experiências notáveis. Era o Outro, o que não era o Ocidente, uma definição por exclusão.

Que incluía países tão distintos, como o Japão e o Afeganistão, a Síria e a China.

O livro Orientalismo, de Edward Said, é uma das obras essenciais do mundo contemporâneo. Um autor especial. Palestino, tornou-se professor de literatura comparada da Universidade de Columbia. E, além disso, um grande pianista.

Um dia, na livraria em frente à Universidade de Columbia, justamente buscando seus livros, eis que eu o vejo ao meu lado. Nos tornamos amigos, fui ao seu Departamento, depois nos correspondemos sempre. Ele aceitou vir ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Mas ficou doente e morreu antes de poder vir.

Seu livro é uma das minhas leituras preferidas. É uma crítica concreta do eurocentrismo que marca quase todas as obras históricas ocidentais. 

Ele evidencia como a imagem do oriental era degradante na literatura ocidental. “A mente oriental abomina a precisão. Carência de precisão, que facilmente degenera em insinceridade, é na verdade a principal característica da mente oriental”, diz um. Mas, pior: os orientais são simplórios, desprovidos de energia e de iniciativa, muitos dados a adulações de mau gosto, intriga, simulação e maus tratos dos animais. Os orientais são incapazes de andar em uma estrada de calçamento. São mentirosos inveterados, letárgicos e desconfiados, em tudo se opõem à clareza, integridade e nobreza da raça anglo-saxônica. 

As limitações dessas visões são as de desconsiderar a humanidade das outras culturas. O orientalismo é uma influente tradição acadêmica, uma doutrina imposta ao Oriente, porque este era mais fraco com o Ocidente. 

Desde a Segunda Guerra e, de modo mais observável, após uma das guerras árabe-israelenses, o árabe muçulmano tornou-se uma figura na cultura popular do Ocidente. Significa uma importante mudança na configuração internacional de forças. 

O fato de serem fornecedores de petróleo para o Ocidente faz com que exista certa cautela na desqualificação dos árabes e da sua cultura, sem nunca desaparecer.

O ressurgimento da China como potência econômica coloca outro elemento incômodo para a cultura ocidental. Um país que, com certa rapidez, superou economicamente os Estados Unidos, obriga a considerar não apenas a força econômica, mas a história e a cultura chinesas. A China tornou-se o principal adversário dos Estados Unidos, na concepção geopolítica deste país. 

Quando, nos Estados Unidos, desapareceu a ideia de que as novas gerações viveriam melhor que as anteriores, foi um golpe duro na autoconfiança dos norte-americanos. Ao mesmo tempo que a China revela uma autoconfiança de que o futuro lhe pertence, reverteu as relações de força entre os dois países, e entre o Ocidente e o Oriente.

Ao mesmo tempo, os aliados tradicionais dos Estados Unidos, a Europa e o Japão, também entram em decadência, enquanto os Brics potencializam a força da China e da Rússia. 

O Oriente assim, deixa de ser um amálgama de forças inexpressivas para ganhar identidades próprias, fortes, articuladas entre ei. A dinâmica econômica e política transfere para regiões e zonas do Oriente as decisões fundamentais no mundo contemporâneo.

Aquele que era o Outro do Ocidente, criado por este, para espelhar sua força, passa a ser um fantasma muito real, que assusta o Ocidente e reforça sua decadência.

 

¨      A máscara do colonizador caiu ao chão. Por Vijay Prashad

Há uma década, em uma estrada ao norte de Bamako, Mali, o jipe em que eu estava dirigindo precisou sair da pista para permitir que um comboio militar francês passasse. O comboio estava a caminho do principal campo de aviação usado pela força aérea francesa como parte da Operação Serval (2013–2014). Foi uma longa e empoeirada espera enquanto os caminhões avançavam pela estrada, lutando um pouco contra a lama que começava a tomar conta do caminho. Acenei para alguns soldados, apenas por educação, mas recebi um olhar firme em resposta. Só podia imaginar o que eles estavam pensando, tão longe de casa, tão confusos sobre sua missão.

Algo naquela situação me fez pensar no desenho animado Beau Peep, sobre um britânico que se juntou à Legião Estrangeira Francesa, implantada no norte da África, para escapar da sua esposa Doris. Na verdade, o personagem que eu lembrava era o oficial comandante de Beau Peep, o Coronel Escargot, que acreditava que, enquanto estava preso no Deserto do Saara, estava em conflito com “aqueles belicistas da Suíça” (janeiro de 1986). Havia algo no general de brigada Bernard Barrera, que comandava a Operação Serval, que me lembrava do Coronel Escargot: “O que estamos fazendo aqui?”, parecia dizer quando aparecia em público.

Quando o comboio passou, meus amigos no jipe disseram: “Vamos ver quanto tempo eles duram”. Foi um comentário pertinente. Quando não há uma boa razão para uma força de ocupação estar em um ambiente estrangeiro, elas geralmente partem mais silenciosamente do que chegam. Além disso, as tropas do Norte Global não queriam mais operar em países africanos e asiáticos sem estarem protegidas por acordos de imunidade. Por exemplo, os militares dos Estados Unidos insistiram em um acordo de Status de Forças com o parlamento iraquiano, e, quando os iraquianos decidiram não renová-lo em 2011, as forças dos EUA começaram a deixar o país (muitas permanecem por meio de um acordo sigiloso). Já circulavam rumores do norte do Mali de que aeronaves francesas haviam atacado e matado civis. Quando Les Toubab (os europeus) vão embora?

Foi em Bamako, há uma década, que ouvi pela primeira vez a frase—“France dégage” ou “França, saia” — em referência à intervenção das tropas francesas. Qualquer pessoa que acompanhasse a situação da intervenção francesa sabia que a França havia causado o problema que agora vinha resolver: o ataque da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), liderado pela França, à Líbia em 2011 havia fornecido cobertura aérea para grupos jihadistas, que então se dirigiram à Argélia e ao norte do Mali. O problema havia sido causado por La mère patrie, como a França é frequentemente chamada de forma irônica, a pátria-mãe. Mesmo que essa acusação seja frequentemente exagerada, neste caso, era precisa.Um dos meus amigos no Mali, que sempre usava a expressão “al-Qaeda apoiada pela França”, me disse que “a al-Qaeda apoiada pela França capturou uma área do tamanho da França”. Isso incluía as três principais cidades malianas de Gao, Kidal e Tombuctu. Eu estava fascinado por Gao, que havia se tornado a capital da cocaína no Mali; cocaína da América Latina estava sendo transportada para lá, para ser levada pelo Saara e então enviada para Marselha, entrando no mercado europeu. Sob o controle da al-Qaeda, o tráfico parou por um tempo, mas parecia que os contrabandistas rapidamente fizeram um acordo com o ramo de contrabandistas de cigarros da al-Qaeda para manter o produto circulando. A retórica de La mère patrie era uma piada cruel.Nenhuma das explicações de François Hollande, então presidente da França, para a intervenção contínua (la lutte contre le terrorisme, le jihadisme, etc.) fazia sentido. Era ainda mais peculiar estar sentado no Sahel e ler uma história sobre a libertação de dois pilotos franceses—Bruno Odos e Pascal Fauret—que haviam voado para a OTAN na destruição da Iugoslávia em 1999, foram presos na República Dominicana no caso Air Cocaine e depois libertados por pressão do governo francês. Não havia terreno moral elevado ali. Entre o governo francês, os contrabandistas de cocaína, cigarros e humanos, e a al-Qaeda, todos estavam disputando o nível mais baixo possível.

Não era difícil prever os ciclos de protestos populares que começaram no Mali, de fato, apenas alguns dias após a entrada das tropas francesas no país, e depois se espalharam pelo Sahel, do Senegal ao Níger. A frase “France dégage” era contagiante, mas havia outras. No Senegal, o movimento simplesmente dizia: “Y’en a Marre” (Estamos fartos). Foi dessa onda de protestos que o veículo para o descontentamento popular tornou-se o golpe militar liderado por oficiais patriotas. Não havia outra alternativa que se apresentasse. Muito rapidamente, esses golpes patrióticos tomaram decisões que agora se tornaram gerais na região. A mais importante foi exigir que seus governos exercessem soberania não apenas em termos de forças (expulsar os militares franceses), mas também em termos de política econômica. Mas primeiro, os franceses foram expulsos em ondas:

·         Mali, fevereiro de 2022  

·         Burkina Faso, fevereiro de 2023  

·         Níger, dezembro de 2023  

·         Chade, dezembro de 2024  

·         Senegal, dezembro de 2024  

·         Costa do Marfim, dezembro de 2024

·        Some-se a isso a ferocidade da atitude antifrancesa agora crescente em seus territórios ultramarinos, desde a Frente de Libertação Nacional Canaca e Socialista da Nova Caledônia até os cidadãos revoltados de Mayotte.

Não é de se admirar que o presidente da França, Emmanuel Macron, tenha se comportado como um antigo oficial colonial ao falar em Paris em 6 de janeiro de 2025. A França, disse Macron, não foi expulsa do Sahel, mas decidiu “se reorganizar”. “A França não está em declínio na África”, insistiu com um tom irritado e vazio. Não é a atitude e prática colonial francesa que está em questão, disse ele, mas “um pan-africanismo contemporâneo de boa qualidade que utiliza uma espécie de discurso pós-colonial, enquanto recebe apoio indireto dos imperialistas de hoje”. Ao dizer “imperialistas de hoje”, Macron se referia aos “interesses da Rússia ou de outros na África”, sem ter coragem de nomear a China (pois quem mais seriam os “outros” que constrangeriam Macron?). As palavras-chave estavam todas lá: terrorismo, desinformação, o Ocidente.

Então, Macron disse o que veio dizer: “A ingratidão é uma doença que não pode ser transmitida aos humanos. Digo isso para todos os governantes africanos que não têm coragem de enfrentá-la diante da opinião pública. Nenhum deles estaria em um país soberano hoje se o exército francês não tivesse sido implantado nesta região.” Sejam gratos. Nós os fizemos. Esta é a velha atitude colonial que seria familiar aos antigos chefes coloniais franceses Louis Faidherbe (Senegal), Henri Gouraud (Síria), Paul Doumer (Indochina) e Joseph Gallieni (Madagascar), todos homens desprezíveis.

Ibrahim Traoré, de Burkina Faso, e Assimi Goïta, do Mali, estavam na posse do novo presidente de Gana, John Mahama. Macron não estava lá. Quando Traoré subiu ao palco para cumprimentar Mahama, foi o único a receber aplausos calorosos.

¨      Intenções de Trump de ampliar território dos EUA são presente para China e Rússia, diz mídia

As ameaças à Groenlândia, ao Canadá e ao Panamá do presidente eleito Donald Trump dão uma vantagem estratégica à China e à Rússia, relata o jornal Financial Times.

"A realidade é que as ameaças de Trump à Groenlândia, ao Panamá e ao Canadá são um presente absoluto para a Rússia e a China", ressalta a imprensa.

De acordo com o artigo, se Trump puder dizer sobre a necessidade estratégica de "ocupar" o canal do Panamá, a Rússia e a China também poderiam proteger seus interesses nacionais no contexto da Ucrânia e Taiwan, respectivamente.

"Mesmo que Trump nunca realize suas ameaças, ele já danificou a posição global dos EUA e seu sistema de alianças. E ele ainda não começou seu turno", afirma o Financial Times.

No início de janeiro, Trump disse que a Groenlândia deveria se tornar parte dos Estados Unidos para combater a influência da China e da Rússia. Ele anunciou a ideia de adquirir a ilha, que tem ampla autonomia dentro da Dinamarca, em 2019, durante seu primeiro mandato presidencial.

Tanto naquela época quanto agora, as autoridades da Groenlândia e da Dinamarca rejeitaram a proposta, chamando-a de não séria. Além disso, Trump está promovendo ativamente iniciativas para incorporar o Canadá aos Estados Unidos como o 51º estado e para devolver o controle do canal do Panamá aos Estados Unidos.

¨      Desestabilização do Cáucaso do Sul: o que está por trás da parceria estratégica EUA-Armênia?

Nesta terça-feira (14), a Armênia e os Estados Unidos concluíram um acordo de parceria estratégica durante a visita do ministro das Relações Exteriores da Armênia, Ararat Mirzoyan, a Washington. O que está por trás do acordo?

A iniciativa de parceria estratégica armênio-estadunidense foi anunciada pela primeira vez em junho de 2024 durante a visita do secretário de Estado adjunto dos EUA, James O'Brien, a Yerevan.

Anteriormente, os Estados Unidos estabeleceram cartas de parceria estratégica semelhantes às da Ucrânia em 2008 e da Geórgia em 2009. Essas cartas incluíam princípios de colaboração em defesa e segurança — embora sem garantir o envolvimento militar direto dos EUA em conflitos potenciais — e reconhecimento das aspirações desses países de ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Em 2021, a carta EUA-Ucrânia foi atualizada antes de Washington transformar o conflito da Ucrânia em sua guerra por procuração contra a Rússia. A parceria EUA-Geórgia foi suspensa em novembro de 2024, após o partido governista georgiano implementar políticas priorizando a soberania nacional, que divergiam dos interesses dos Estados Unidos.

<><> Por que a Armênia é importante para os EUA?

A Armênia, uma nação sem litoral no Cáucaso do Sul, mantém laços diplomáticos, econômicos e militares com os Estados Unidos desde o colapso da União Soviética, ocorrido em 1991. Vários fatores contribuem para a importância estratégica da Armênia para Washington:

1. Cooperação de longa data: tropas armênias têm participado ativamente de operações dos EUA e da OTAN, incluindo missões no Afeganistão e na Força do Kosovo (KFOR, na sigla em inglês).

2. Riqueza mineral: a Armênia é um país montanhoso e rico em recursos minerais, como ferro, cobre, molibdênio, chumbo, zinco, ouro, prata, antimônio e alumínio. Mais de 670 minas de minerais sólidos estão registradas no Estado.

3. Localização geoestratégica: a Armênia fica ao longo do Corredor do Meio (como também é conhecida a Rota de Transporte Internacional Trans-Cáspio), uma região de crescente competição estratégica entre os Estados Unidos e a China. O governo de Joe Biden explorou a criação de novas rotas terrestres através do território armênio para fortalecer sua posição na região.

4. Substituição da Geórgia: a parceria EUA-Armênia pode servir como substituto para a influência decrescente de Washington na Geórgia, após a suspensão de seu acordo de parceria estratégica com Tbilisi.

<><> A Armênia está pendendo para o Ocidente?

A Armênia intensificou a mudança para o Ocidente desde sua derrota no conflito de 2023, com o Azerbaijão sobre Nagorno-Karabakh. Yerevan agora está tomando medidas para a adesão à União Europeia (UE) — um movimento questionável, considerando que Estados pós-soviéticos como Ucrânia e Geórgia, que se inscreveram antes, ainda não ganharam a adesão.

<><> O que a Rússia diz?

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta terça-feira (14) que formar uma parceria estratégica com os EUA é o "direito soberano" da Armênia. No entanto, Peskov alertou que a parceria poderia ter como objetivo desestabilizar o Cáucaso do Sul.

 

Fonte: Brasil 247/Sputnik Brasil

 

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