Emir Sader: O
Oriente como invenção do Ocidente
O Oriente era quase uma invenção europeia, um lugar de romances, de
seres exóticos, de memórias, de paisagens, de experiências notáveis. Era o
Outro, o que não era o Ocidente, uma definição por exclusão.
Que incluía países tão distintos, como o Japão e o Afeganistão, a Síria
e a China.
O livro Orientalismo, de Edward Said, é uma das obras essenciais do
mundo contemporâneo. Um autor especial. Palestino, tornou-se professor de
literatura comparada da Universidade de Columbia. E, além disso, um grande pianista.
Um dia, na livraria em frente à Universidade de Columbia, justamente
buscando seus livros, eis que eu o vejo ao meu lado. Nos tornamos amigos, fui
ao seu Departamento, depois nos correspondemos sempre. Ele aceitou vir ao Fórum
Social Mundial, em Porto Alegre. Mas ficou doente e morreu antes de poder vir.
Seu livro é uma das minhas leituras preferidas. É uma crítica concreta
do eurocentrismo que marca quase todas as obras históricas ocidentais.
Ele evidencia como a imagem do oriental era degradante na literatura
ocidental. “A mente oriental abomina a precisão. Carência de precisão, que
facilmente degenera em insinceridade, é na verdade a principal característica
da mente oriental”, diz um. Mas, pior: os orientais são simplórios, desprovidos
de energia e de iniciativa, muitos dados a adulações de mau gosto, intriga,
simulação e maus tratos dos animais. Os orientais são incapazes de andar em uma
estrada de calçamento. São mentirosos inveterados, letárgicos e desconfiados,
em tudo se opõem à clareza, integridade e nobreza da raça anglo-saxônica.
As limitações dessas visões são as de desconsiderar a humanidade das
outras culturas. O orientalismo é uma influente tradição acadêmica, uma
doutrina imposta ao Oriente, porque este era mais fraco com o Ocidente.
Desde a Segunda Guerra e, de modo mais observável, após uma das guerras
árabe-israelenses, o árabe muçulmano tornou-se uma figura na cultura popular do
Ocidente. Significa uma importante mudança na configuração internacional de
forças.
O fato de serem fornecedores de petróleo para o Ocidente faz com que
exista certa cautela na desqualificação dos árabes e da sua cultura, sem nunca
desaparecer.
O ressurgimento da China como potência econômica coloca outro elemento
incômodo para a cultura ocidental. Um país que, com certa rapidez, superou
economicamente os Estados Unidos, obriga a considerar não apenas a força
econômica, mas a história e a cultura chinesas. A China tornou-se o principal
adversário dos Estados Unidos, na concepção geopolítica deste país.
Quando, nos Estados Unidos, desapareceu a ideia de que as novas gerações
viveriam melhor que as anteriores, foi um golpe duro na autoconfiança dos
norte-americanos. Ao mesmo tempo que a China revela uma autoconfiança de que o
futuro lhe pertence, reverteu as relações de força entre os dois países, e
entre o Ocidente e o Oriente.
Ao mesmo tempo, os aliados tradicionais dos Estados Unidos, a Europa e o
Japão, também entram em decadência, enquanto os Brics potencializam a força da
China e da Rússia.
O Oriente assim, deixa de ser um amálgama de forças inexpressivas para
ganhar identidades próprias, fortes, articuladas entre ei. A dinâmica econômica
e política transfere para regiões e zonas do Oriente as decisões fundamentais
no mundo contemporâneo.
Aquele que era o Outro do Ocidente, criado por este, para espelhar sua
força, passa a ser um fantasma muito real, que assusta o Ocidente e reforça sua
decadência.
¨ A máscara do
colonizador caiu ao chão. Por Vijay Prashad
Há uma década, em uma estrada ao norte de Bamako, Mali, o jipe em que eu
estava dirigindo precisou sair da pista para permitir que um comboio militar
francês passasse. O comboio estava a caminho do principal campo de aviação
usado pela força aérea francesa como parte da Operação Serval (2013–2014). Foi uma
longa e empoeirada espera enquanto os caminhões avançavam pela estrada, lutando
um pouco contra a lama que começava a tomar conta do caminho. Acenei para
alguns soldados, apenas por educação, mas recebi um olhar firme em resposta. Só
podia imaginar o que eles estavam pensando, tão longe de casa, tão confusos
sobre sua missão.
Algo naquela situação me fez pensar no desenho animado Beau Peep,
sobre um britânico que se juntou à Legião Estrangeira Francesa, implantada no
norte da África, para escapar da sua esposa Doris. Na verdade, o personagem que
eu lembrava era o oficial comandante de Beau Peep, o Coronel Escargot, que
acreditava que, enquanto estava preso no Deserto do Saara, estava em conflito
com “aqueles belicistas da Suíça” (janeiro de 1986). Havia algo no general de
brigada Bernard Barrera, que comandava a Operação Serval, que me lembrava do
Coronel Escargot: “O que estamos fazendo aqui?”, parecia dizer quando aparecia
em público.
Quando o comboio passou, meus amigos no jipe disseram: “Vamos ver quanto
tempo eles duram”. Foi um comentário pertinente. Quando não há uma boa razão
para uma força de ocupação estar em um ambiente estrangeiro, elas geralmente
partem mais silenciosamente do que chegam. Além disso, as tropas do Norte
Global não queriam mais operar em países africanos e asiáticos sem estarem
protegidas por acordos de imunidade. Por exemplo, os militares dos Estados
Unidos insistiram em um acordo de Status de Forças com o parlamento iraquiano,
e, quando os iraquianos decidiram não renová-lo em 2011, as forças dos EUA
começaram a deixar o país (muitas permanecem por meio de um acordo sigiloso).
Já circulavam rumores do norte do Mali de que aeronaves francesas haviam
atacado e matado civis. Quando Les Toubab (os europeus) vão embora?
Foi em Bamako, há uma década, que ouvi pela primeira vez a frase—“France
dégage” ou “França, saia” — em referência à intervenção das tropas francesas.
Qualquer pessoa que acompanhasse a situação da intervenção francesa sabia que a
França havia causado o problema que agora vinha resolver: o ataque da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), liderado pela França, à Líbia
em 2011 havia fornecido cobertura aérea para grupos jihadistas, que então se
dirigiram à Argélia e ao norte do Mali. O problema havia sido causado por La
mère patrie, como a França é frequentemente chamada de forma irônica, a
pátria-mãe. Mesmo que essa acusação seja frequentemente exagerada, neste caso,
era precisa.Um dos meus amigos no Mali, que sempre usava a expressão “al-Qaeda
apoiada pela França”, me disse que “a al-Qaeda apoiada pela França capturou uma
área do tamanho da França”. Isso incluía as três principais cidades malianas de
Gao, Kidal e Tombuctu. Eu estava fascinado por Gao, que havia se tornado a
capital da cocaína no Mali; cocaína da América Latina estava sendo transportada
para lá, para ser levada pelo Saara e então enviada para Marselha, entrando no
mercado europeu. Sob o controle da al-Qaeda, o tráfico parou por um tempo, mas
parecia que os contrabandistas rapidamente fizeram um acordo com o ramo de
contrabandistas de cigarros da al-Qaeda para manter o produto circulando. A
retórica de La mère patrie era uma piada cruel.Nenhuma das
explicações de François Hollande, então presidente da França, para a
intervenção contínua (la lutte contre le terrorisme, le jihadisme, etc.)
fazia sentido. Era ainda mais peculiar estar sentado no Sahel e ler uma
história sobre a libertação de dois pilotos franceses—Bruno Odos e Pascal
Fauret—que haviam voado para a OTAN na destruição da Iugoslávia em 1999, foram
presos na República Dominicana no caso Air Cocaine e depois libertados por
pressão do governo francês. Não havia terreno moral elevado ali. Entre o
governo francês, os contrabandistas de cocaína, cigarros e humanos, e a
al-Qaeda, todos estavam disputando o nível mais baixo possível.
Não era difícil prever os ciclos de protestos populares que começaram no
Mali, de fato, apenas alguns dias após a entrada das tropas francesas no país,
e depois se espalharam pelo Sahel, do Senegal ao Níger. A frase “France dégage”
era contagiante, mas havia outras. No Senegal, o movimento simplesmente dizia:
“Y’en a Marre” (Estamos fartos). Foi dessa onda de protestos que o veículo para
o descontentamento popular tornou-se o golpe militar liderado por oficiais
patriotas. Não havia outra alternativa que se apresentasse. Muito rapidamente,
esses golpes patrióticos tomaram decisões que agora se tornaram gerais na
região. A mais importante foi exigir que seus governos exercessem soberania não
apenas em termos de forças (expulsar os militares franceses), mas também em
termos de política econômica. Mas primeiro, os franceses foram expulsos em
ondas:
·
Mali, fevereiro de 2022
·
Burkina Faso, fevereiro de 2023
·
Níger, dezembro de 2023
·
Chade, dezembro de 2024
·
Senegal, dezembro de 2024
·
Costa do Marfim, dezembro de
2024
·
Some-se a isso a ferocidade da
atitude antifrancesa agora crescente em seus territórios ultramarinos, desde a
Frente de Libertação Nacional Canaca e Socialista da Nova Caledônia até os
cidadãos revoltados de Mayotte.
Não é de se admirar que o presidente da França, Emmanuel Macron, tenha
se comportado como um antigo oficial colonial ao falar em Paris em 6 de janeiro
de 2025. A França, disse Macron, não foi expulsa do Sahel, mas decidiu “se
reorganizar”. “A França não está em declínio na África”, insistiu com um tom
irritado e vazio. Não é a atitude e prática colonial francesa que está em
questão, disse ele, mas “um pan-africanismo contemporâneo de boa qualidade que
utiliza uma espécie de discurso pós-colonial, enquanto recebe apoio indireto
dos imperialistas de hoje”. Ao dizer “imperialistas de hoje”, Macron se referia
aos “interesses da Rússia ou de outros na África”, sem ter coragem de nomear a
China (pois quem mais seriam os “outros” que constrangeriam Macron?). As
palavras-chave estavam todas lá: terrorismo, desinformação, o Ocidente.
Então, Macron disse o que veio dizer: “A ingratidão é uma doença que não
pode ser transmitida aos humanos. Digo isso para todos os governantes africanos
que não têm coragem de enfrentá-la diante da opinião pública. Nenhum deles
estaria em um país soberano hoje se o exército francês não tivesse sido
implantado nesta região.” Sejam gratos. Nós os fizemos. Esta é a velha atitude
colonial que seria familiar aos antigos chefes coloniais franceses Louis
Faidherbe (Senegal), Henri Gouraud (Síria), Paul Doumer (Indochina) e Joseph
Gallieni (Madagascar), todos homens desprezíveis.
Ibrahim Traoré, de Burkina Faso, e Assimi Goïta, do Mali, estavam na
posse do novo presidente de Gana, John Mahama. Macron não estava lá. Quando
Traoré subiu ao palco para cumprimentar Mahama, foi o único a receber aplausos
calorosos.
¨ Intenções de Trump de ampliar território dos EUA são
presente para China e Rússia, diz mídia
As ameaças à
Groenlândia, ao Canadá e ao Panamá do presidente eleito Donald Trump dão uma
vantagem estratégica à China e à Rússia, relata o jornal Financial Times.
"A realidade é
que as ameaças de Trump à Groenlândia, ao Panamá e ao Canadá são um presente
absoluto para a Rússia e a China", ressalta a imprensa.
De acordo com o
artigo, se Trump puder dizer sobre a necessidade estratégica de
"ocupar" o canal do Panamá, a Rússia e a
China também poderiam proteger seus interesses nacionais no contexto
da Ucrânia e Taiwan, respectivamente.
"Mesmo que
Trump nunca realize suas ameaças, ele já danificou a posição global dos EUA e seu sistema
de alianças. E ele ainda não começou seu turno", afirma o Financial Times.
No início de
janeiro, Trump disse que a Groenlândia deveria se tornar parte dos Estados
Unidos para combater a influência da China e da Rússia. Ele anunciou a ideia de
adquirir a ilha, que tem ampla autonomia dentro da Dinamarca, em 2019, durante
seu primeiro mandato presidencial.
Tanto naquela época
quanto agora, as autoridades da Groenlândia e da Dinamarca rejeitaram a
proposta, chamando-a de não séria. Além disso, Trump está promovendo ativamente
iniciativas para incorporar o Canadá aos Estados
Unidos como o 51º estado e para devolver o controle do canal do Panamá aos
Estados Unidos.
¨ Desestabilização do Cáucaso do Sul: o que está por trás
da parceria estratégica EUA-Armênia?
Nesta terça-feira
(14), a Armênia e os Estados Unidos concluíram um acordo de parceria
estratégica durante a visita do ministro das Relações Exteriores da Armênia,
Ararat Mirzoyan, a Washington. O que está por trás do acordo?
A iniciativa de
parceria estratégica armênio-estadunidense foi anunciada pela primeira vez em
junho de 2024 durante a visita do secretário de Estado adjunto dos EUA, James O'Brien,
a Yerevan.
Anteriormente, os
Estados Unidos estabeleceram cartas de parceria estratégica semelhantes às
da Ucrânia em 2008 e da Geórgia em 2009. Essas cartas incluíam princípios de
colaboração em defesa e segurança — embora sem garantir o envolvimento militar
direto dos EUA em conflitos potenciais — e reconhecimento das aspirações desses
países de ingressar na
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Em 2021, a carta
EUA-Ucrânia foi atualizada antes de Washington transformar o conflito da
Ucrânia em sua guerra por procuração contra a Rússia. A parceria EUA-Geórgia
foi suspensa em novembro de 2024, após o partido governista georgiano
implementar políticas priorizando a soberania nacional, que divergiam dos
interesses dos Estados Unidos.
<><> Por
que a Armênia é importante para os EUA?
A Armênia, uma
nação sem litoral no Cáucaso do Sul, mantém laços diplomáticos, econômicos e
militares com os Estados Unidos desde o colapso da União Soviética, ocorrido em
1991. Vários fatores contribuem para a importância estratégica da Armênia para
Washington:
1. Cooperação de
longa data: tropas armênias têm participado ativamente de operações dos EUA e
da OTAN, incluindo missões no Afeganistão e na Força do Kosovo (KFOR, na sigla
em inglês).
2. Riqueza mineral:
a Armênia é um país montanhoso e rico em recursos minerais, como ferro,
cobre, molibdênio, chumbo, zinco, ouro, prata, antimônio e alumínio. Mais de
670 minas de minerais sólidos estão registradas no Estado.
3. Localização
geoestratégica: a Armênia fica ao longo do Corredor do Meio (como
também é conhecida a Rota de Transporte Internacional Trans-Cáspio), uma região
de crescente competição estratégica entre os Estados Unidos e a China. O
governo de Joe Biden explorou a criação de novas rotas terrestres através do
território armênio para fortalecer sua posição na região.
4. Substituição da
Geórgia: a parceria EUA-Armênia pode servir como substituto para a
influência decrescente de Washington na Geórgia, após a suspensão de seu acordo
de parceria estratégica com Tbilisi.
<><> A
Armênia está pendendo para o Ocidente?
A Armênia
intensificou a mudança para o Ocidente desde sua derrota no conflito de 2023,
com o Azerbaijão sobre Nagorno-Karabakh. Yerevan agora está tomando medidas
para a adesão à União Europeia (UE) — um movimento questionável,
considerando que Estados pós-soviéticos como Ucrânia e Geórgia, que se
inscreveram antes, ainda não ganharam a adesão.
<><> O
que a Rússia diz?
O porta-voz do
Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta terça-feira (14) que formar uma
parceria estratégica com os EUA é o "direito soberano" da Armênia. No
entanto, Peskov alertou que a parceria poderia ter como objetivo
desestabilizar o Cáucaso do Sul.
Fonte: Brasil 247/Sputnik Brasil
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