quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Ameaças de Trump visam gerar instabilidades benéficas para setores como a indústria bélica dos EUA

As recentes e polêmicas declarações intervencionistas do futuro presidente dos EUA, Donald Trump, têm objetivos específicos para beneficiar setores da economia do país, entre elas a indústria bélica e a de petróleo e gás.

Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil avaliaram que, apesar das ameaças de intervenções e do uso da força, Trump deve repetir as medidas adotadas no primeiro mandato, em 2018, com foco na desregulamentação ambiental, guerra comercial, imposição tarifária e no endurecimento da política migratória.

Já as bravatas, vindas de uma das maiores potências mundiais, têm outros fins: gerar instabilidades no cenário geopolítico mundial que resultem em lucros para as indústrias norte-americanas que Trump representa.

"Todo cenário de instabilidade terá impacto sobre a economia internacional. Mas existem setores do capital, como a indústria bélica e toda cadeia produtiva que a cerca, que se beneficiam, até certo ponto, de instabilidades", comentou o professor de história da América na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Rede de Estudos dos Estados Unidos, Roberto Moll Neto.

Essa instabilidade pode gerar perda de confiança nos Estados Unidos, ponderou, mas alimentar outros candidatos de extrema-direita na Europa e na América Latina e conseguir apoio internacional para pressionar a União Europeia, o Panamá e o Canadá.

Pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutor em relações internacionais, Pedro Allemand Mancebo Silva destacou que a atual retórica trumpista também favorece as big techs.

"É boa para os eleitores do Vale do Silício que estão apostando que conseguem direcionar a administração Trump para seus interesses por meio de concessões, como vimos nas vergonhosas, mas nada surpreendentes, adesões de Elon Musk e Mark Zuckerberg à ideologia e à administração trumpista", comentou ele.

Além disso, agregou, muito do que Trump fala e faz "tem um elemento de performance, de showman e dessa postura de 'macho' que ele cultiva como parte de sua reputação".

Na opinião de Silva, a estratégia de mobilização política dos trumpistas tem a desinformação e o alarde como ferramentas para engajar adeptos e apoiadores, criando um senso de pertencimento e comunidade e de uma agenda política a ser implementada.

"Essa função catalisadora trouxe não só sucessos eleitorais, com Trump levando a presidência e a maioria nas duas casas do Legislativo dos EUA, mas também tem tido impactos nacionais e locais em termos de políticas públicas."

Dentre as promessas plausíveis, Moll Neto considerou a mais grave o projeto de perseguição e deportação de imigrantes, por ser mais factível e ter impacto profundo na vida de centenas de milhares de pessoas, inclusive latinos que nasceram nos Estados Unidos.

"Além disso, traz impactos sobre a economia dos Estados Unidos e de países na América Latina, especialmente no México e na América Central", acrescentou.

Já para Silva, a declaração mais grave do futuro presidente diz respeito ao retrocesso da política ambiental dos EUA.

"Enfrentar a mudança climática, mitigar seus efeitos, mas também buscar revertê-los é o principal desafio que a humanidade enfrenta neste momento. Um presidente abertamente negacionista, apoiado por negacionistas, com uma agenda negacionista, é a receita para vários ecocídios", opinou ele.

A expansão da produção de combustíveis fósseis nos EUA tende a aumentar nos próximos anos, apostou o especialista, "inclusive sobre áreas protegidas como o Artic National Wildlife Refuge, no norte do Alasca".

Ele lembrou que, no primeiro mandato, Trump flexibilizou a legislação ambiental e liberou licenças de exploração de petróleo em área protegida. O feito deve se repetir no segundo mandato e agravar a crise climática em prol do enriquecimento das companhias americanas de petróleo e gás.

"Isso também é um baque para esforços de transição ecológica mundo afora, uma vez que empresas de energia baseadas nos EUA — e que têm muitos ativos e negócios nos ramos da geração e desenvolvimento de energias limpas — podem redirecionar seus esforços para a continuidade da exploração de combustíveis fósseis, diminuindo os estímulos e a disponibilidade de capitais para projetos ligados à transição ecológica."

Moll Neto lembrou que, das muitas promessas que Trump fez na primeira gestão, ele efetivamente cumpriu algumas como a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a perseguição, encarceramento e deportação de aproximadamente 1,5 milhão de imigrantes.

Como promessas cumpridas parcialmente, podemos destacar a proposta de renegociar acordos comerciais para colocar os Estados Unidos em uma posição mais favorável no comércio internacional, como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), que resultou no Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, na sigla em inglês).

Na economia, Silva disse que Trump deve renovar ações do primeiro governo, como cortes de imposto para os mais ricos e imposição de tarifas aduaneiras, visando fortalecer a indústria norte-americana, cujas consequências foram o aumento de preços ao consumidor e a guerra comercial com a China.

A guerra comercial com a China, contudo, não provocou os resultados prometidos, analisou o professor da UFF.

Assim como prometeu acabar com o conflito na Ucrânia e na Faixa de Gaza tão logo assuma, Trump também afirmou no primeiro mandato que acabaria com os conflitos no Afeganistão e no Iraque. Reduziu o número de tropas estadunidenses nesses países e arquitetou a retirada completa do Afeganistão, que foi concretizada de forma quase improvisada nos primeiros dias do governo Biden, lembrou o professor da UFF.

"Como promessa não cumprida, podemos lembrar que Trump afirmou que conseguiria pôr fim a guerras no Oriente Médio e acabar com a influência do Irã na região."

<><> Anexação da Groenlândia

A anexação da Groenlândia, proposta por Trump, é uma estratégia de pressão para aumentar a presença dos EUA no território. Atualmente, a defesa da Groênlandia é custeada pela Dinamarca e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

"Existe um receio de que China ou Rússia aumentem a presença na região, seja para explorar recursos e/ou estabelecer posições militares. Portanto, as falas de Trump visam pressionar a Dinamarca e a União Europeia para aumentar os gastos próprios com a defesa da Groenlândia, o que, indiretamente, favorecerá a indústria bélica estadunidense e concederá direitos de exploração a companhias transnacionais afinadas ao governo Trump", esclareceu a professora da UFF.

Ambos os entrevistados descartaram qualquer possibilidade de uso da força por parte dos EUA, pois prejudicaria as relações com a UE e acarretaria custos dispendiosos para a população norte-americana.

"As falas sobre comprar a Groenlândia não só remontam a uma iniciativa estratégica americana que só se encerrou após a Segunda Guerra Mundial e a instalação de uma base aérea permanente na Groenlândia — a base aérea de Thule —, mas também a uma vontade de expandir a presença americana no Atlântico Norte", acrescentou Silva.

Segundo ele, as declarações de Trump já surtiram o efeito pretendido pelo futuro mandatário que recebeu a oferta do governo da Dinamarca de expandir a presença militar dos EUA na colônia: "Ou seja, ele já conseguiu algo que é do interesse dos EUA só por meio das bravatas", disse o pesquisador da PUC-Rio.

Os Estados Unidos já tentaram comprar a Groenlândia em algumas ocasiões devido à riqueza do solo em minério, petróleo e gás, incluindo minérios fundamentais para produção de chips, baterias e componentes tecnológicos, "fundamentais para setores que apoiaram decisivamente a campanha de Trump".

Canal do Panamá

Rota estratégica para os EUA, o Canal do Panamá tem cerca de 6% do comércio internacional passando por ele e 12% a 15% do fluxo de mercadorias vêm dos país norte-americano.

"Além disso, o canal é fundamental para defesa estadunidense, por ocasião da necessidade de transportar efetivos terrestres e navais de forma rápida entre o Atlântico e o Pacífico. Trump quer pressionar o governo panamenho a conter ou extinguir a presença chinesa no canal do Panamá", explicou Moll Neto.

O pesquisador também opinou ser "pouco factível" que o Canadá se torne o 51º estado dos Estados Unidos, e afirmou que o convite de Trump de anexar o Canadá aos EUA está a busca de um acordo sobre tarifas que proteja a indústria estadunidense da concorrência canadense sem afetar as vantagens que os produtos de empresas sediadas nos Estados Unidos encontram no país vizinho nem a importação de gás e petróleo canadense.

Por meio de contrato, a China hoje controla dois portos no canal, o que tem trazido vantagens para o fluxo de mercadorias chinesas e também coloca a China em posição privilegiada para coleta de informações sobre trânsito no canal.

"Soma-se a isso a insatisfação estadunidense com o aumento de custos sobre o transporte de cargas no canal. O desfecho é difícil de prever. A retomada do controle à força, neste momento, parece improvável. Envolveria, inclusive, um atrito com a China. Não parece haver disposição da sociedade civil e de parte do congresso em apoiar uma aventura como essa", disse o professor da UFF.

¨      Compra da Groelândia é 'bravata': Trump usa fraqueza da Europa contra ela própria, notam analistas

Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil dizem que a ameaça de Trump de ocupar ou comprar a ilha traria instabilidade, mas não mudaria a balança de poder na região, onde os EUA são sócios majoritários e os europeus minoritários, e que o objetivo real do republicano é elevar a submissão de aliados europeus fragilizados por conta do conflito ucraniano.

Antes mesmo de assumir a Casa Branca, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, já coleciona declarações polêmicas. Após afirmar que vai promover deportações em massa e taxar em 100% os países do BRICS, na semana passada ele afirmou que não descarta usar a força militar para tomar o controle e ocupar a Groenlândia e o Canal do Panamá, que apontou serem cruciais para a segurança nacional dos EUA. Dias depois, um grupo de deputados republicanos da Câmara dos Representantes elaborou um projeto de lei que autorizaria Trump a negociar a compra da ilha.

Rica em minerais, petróleo e gás e localizada em uma região cada vez mais disputada, entre o Atlântico Norte e o Ártico, a Groenlândia tem sido uma obsessão de Trump desde o seu primeiro mandato (2017-2021). Com cerca de 56 mil habitantes, a ilha foi uma colônia da Dinamarca, um dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), até 1953. Ela continua sendo parte do reino da Dinamarca, mas em 1979 se tornou uma região autônoma.

Hugo Albuquerque, jurista, editor da Autonomia Literária e analista geopolítico, afirma que a aquisição da Groenlândia poderia se dar com a independência em relação à Dinamarca e a transformação dela em um protetorado. Ele afirma que essa seria a tendência na medida que nem a Dinamarca nem a União Europeia (UE) tem procurado ocupar devidamente a ilha.

"Quando os EUA miram adquirir a Groenlândia, aquilo sai de um status quase neutro de um país membro da OTAN, que é pequeno, que é a Dinamarca, para o país líder da OTAN e que é uma superpotência militar [os EUA]", afirma.

Ele destaca que, embora menor do que aparece no mapa mundi, a Groenlândia é um território bem grande como ilha, que por conta de sua posição geográfica é estratégica para o controle do Polo Norte. Ademais, há uma questão econômica envolvida, sobretudo com o processo de degelo causado pelas mudanças climáticas, uma vez que a ilha aparentemente é rica em recursos naturais.

Porém, ele afirma que as declarações de Trump sobre a Groenlândia também são uma forma de tensionar a Europa e parceiros europeus na OTAN. Segundo ele, a ideia é aumentar o poder de submissão dos EUA em relação aos parceiros ocidentais de Washington, algo que também pode ser observado nas declarações dadas pelo republicano sobre anexar o Canadá.

"Trump, na realidade, está mirando a Dinamarca na questão groelandesa, mas mira o Reino Unido na questão do Canadá. O rei da Inglaterra é chefe de Estado do Canadá. Isso tem a ver com o desejo de Trump de aumentar o poder dele de submissão aos seus parceiros ocidentais. Isso tem a ver com uma política de, já que a OTAN, já que a Europa, está em conflito com a Rússia, aliás, provocado pelos EUA, agora ele está usando essa posição de fraqueza da Europa contra ela própria, para obter vantagens em vários níveis."

Sobre a declaração de Trump relativa a ocupar militarmente o Canal do Panamá, Albuquerque afirma que ela tem como alvo a China e o fluxo de mercadorias que abastece o país asiático, e a Venezuela, já que a Colômbia deixou de ser "uma grande base militar" dos EUA na América do Sul.

"Retomar o controle do canal do Panamá por motivos mentirosos tem a ver com uma política de controle que mira certamente a China, mas também é um jeito de colocar tropas próximas à Venezuela e também à Colômbia, já que os EUA perderam, pelo menos no curto prazo, o controle político sobre a Colômbia, com a eleição de Gustavo Petro", enfatiza.

Para Luiz Felipe Osório, professor de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro "Imperialismo, Estado e Relações Internacionais", a ocupação ou compra da Groelândia não parece, pelo menos agora, "uma proposta factível do governo Trump".

"Parece, sim, mais uma bravata de um ator político que vive mobilizando sua base, seja no poder ou não, na vitória e na derrota, como já testemunhamos em outras ocasiões. Enquanto ainda não assume o mandato, ele [Trump] busca se fortalecer internamente, até para poder emplacar nomes mais próximos a ele nos cargos dentro do governo, em meio às disputas internas da facção vencedora da eleição."

Ele acrescenta que não parecer haver um movimento articulado para a tomada da Groelândia porque os EUA já têm uma posição bastante privilegiada no Atlântico Norte, a partir da OTAN.

"Não seria nem uma ocupação militar inédita estadunidense na Europa, pois desde a Segunda Guerra Mundial os americanos já possuem bases militares importantes na porção ocidental do continente, principalmente na Alemanha e na Itália. O equilíbrio de poder no Atlântico Norte, aliás, é um condomínio em que os EUA são os sócios majoritários e os europeus os minoritários, que está firmado há quase 80 anos, e, recentemente, se pode ver atos relacionados à submissão, como as sanções europeias à Guerra na Ucrânia."

Na avaliação de Osório, a compra da Groelândia pelos EUA traria muita instabilidade no contexto global, mas não mudaria tanto assim o cenário regionalmente por dois fatores: a dominância estadunidense no Atlântico Norte e a relação mais histórica do que politicamente estreita entre Groenlândia e Dinamarca.

Já no contexto militar ele afirma que a compra poderia render aos EUA o controle sobre os recursos naturais da ilha e uma proximidade maior dos EUA em relação à região do Ártico, atualmente alvo de disputa com a Rússia e outras potências próximas do território.

"Ainda assim, não me parece que os EUA queiram ir muito além. A política externa indicada por Trump e seu círculo político é a do isolacionismo em relação à Europa, mantendo, mas sem muito apoio e financiamento direto, a OTAN", explica.

Osório sublinha que o discurso de Trump sobre a Groelândia foi direcionado a inflamar sua base e ganhar pontos nas disputas internas dentro do governo que se forma, e a ilha entrou na retórica por sua condição autônoma e por estar no entorno regional de segurança dos EUA.

"As falas são arroubos que não se preocupam em cultivar quaisquer laços multilaterais, mas, sim, cativar o público interno e, até, os aliados externos mais próximos. São movimentos militares muito improváveis e sem grande sentido geopolítico.

Segundo ele, dentre as declarações recentes de Trump, a que mais chama atenção é a ameaça de ocupação militar do Canal do Panamá, que indica que o que deve se acirrar no segundo mandato do republicano são as disputas comerciais, principalmente com a China.

"E o Canal do Panamá é um ponto nodal no comércio marítimo, fundamental para os dois países. O controle militar significaria a possibilidade de ter uma política tributária e fiscal seletiva, prejudicando os concorrentes e favorecendo os EUA. Além, claro, de esvaziar e de inviabilizar o projeto apoiado pela China da construção de um segundo canal interoceânico na região, só que na Nicarágua, o que poderia ser um grande foco de tensão regional e mundial. No mais, as falas não passam de bravatas sem qualquer efeito prático. Como diz o povo, cão que ladra não morde", conclui o especialista.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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