quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Big Techs: ameaça aos direitos fundamentais versus liberdade de expressão

A recente decisão da Meta, controladora de plataformas como FacebookInstagram e Threads, de não mais realizar a verificação de fatos em postagens e de flexibilizar suas políticas contra discursos de ódio, reacendeu o debate sobre os limites entre  liberdade de expressão e direitos fundamentais. Ao anunciar o fim da checagem de notícias e permitir, entre outros pontos, a associação de condições mentais a gênero ou orientação sexual, a empresa não apenas contraria princípios de proteção à dignidade humana, mas também desafia os marcos legais de diversos países, incluindo o Brasil.

O artigo 5º da Constituição Federal brasileira assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevendo inclusive o direito à indenização por danos materiais e morais decorrentes de sua violação. Quando uma plataforma global opta por reduzir a moderação de conteúdo, abre-se espaço para a propagação de discursos que ferem diretamente esses direitos. A permissão para ofensas com base em gênero, orientação sexual ou condições mentais é um ataque não apenas à dignidade individual, mas também à estrutura social.

No Brasil, a responsabilidade civil sobre conteúdo difamatório é clara. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) exige que provedores de aplicações de internet removam conteúdo prejudicial mediante ordem judicial, o que busca equilibrar a liberdade de expressão com a proteção à honra e à imagem. Ao descumprir esses preceitos, a Meta pode vir a ser responsabilizada como infratora do ordenamento jurídico nacional, colocando em risco sua atuação no país.

O discurso de liberdade de expressão, tão frequentemente invocado, vem sendo instrumentalizado como escudo para a permissão de conteúdos ofensivos. Contudo, é fundamental recordar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. O mesmo artigo 5º da Constituição assegura que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, e que a manifestação do pensamento deve respeitar os direitos alheios.

A decisão da Meta também esbarra em dispositivos internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que delimita a liberdade de expressão ao condenar propaganda de guerra e incitação à discriminação. No caso específico de discursos que promovam o ódio, a postura passiva da plataforma pode ser considerada cúmplice de violações contra direitos fundamentais.

Além disso, as recentes movimentações de líderes das big techs evidenciam um padrão perigoso. O caso de Elon Musk, que utiliza a plataforma X para influenciar diretamente cenários políticos globais, é emblemático. No Reino Unido, Musk foi acusado de incitar desconfiança contra o governo trabalhista de Keir Starmer, aproveitando-se de desinformações sobre gangues e tensões sociais. Na Alemanha, o apoio ao partido de extrema direita AfD revela como o discurso de ódio e as mentiras podem ser utilizados estrategicamente para desestabilizar democracias. A decisão da Meta, de desmantelar ferramentas de checagem de fatos, coloca Zuckerberg ao lado de Musk em uma aliança implícita com movimentos reacionários que buscam minar pilares democráticos.

Outro exemplo polêmico ocorreu em 2020, quando Musk, em uma troca de mensagens no Twitter, respondeu a acusações de que a Tesla estaria interessada no lítio da Bolívia, insinuando uma conexão entre o golpe contra Evo Morales e interesses corporativos. Ele declarou: "We will coup whoever we want! Deal with it." ("Faremos golpes em quem quisermos! Lide com isso."), frase que depois disse ser uma tentativa de humor. Ainda assim, o comentário gerou intensas críticas, alimentando debates sobre o papel de corporações na política, especialmente em países ricos em recursos como a Bolívia, dona de uma das maiores reservas de lítio do mundo.

A Advocacia-Geral da União (AGU), ao notificar a Meta para esclarecimentos, sinaliza a preocupação com os impactos de tal decisão na jurisdição brasileira. Encerrando nesta segunda-feira, 13, o prazo estipulado para resposta, a AGU busca elucidar como a empresa pretende lidar com questões importantes como racismo, homofobia, violência de gênero e proteção de crianças e adolescentes. Cabe destacar que o alinhamento da Meta com interesses políticos e econômicos de governos extremistas compromete a soberania digital e a capacidade do Brasil de regular suas plataformas.

Em uma época marcada pela ascensão de discursos extremistas e pela polarização, é imperativo que o Estado brasileiro reforce a regulação sobre grandes plataformas digitais. Afinal, a ausência de limites claros pode levar à propagação de desinformação e à ampliação de ambientes hostis na esfera digital. O impacto econômico dessas políticas não pode ser negligenciado: ao fomentar o radicalismo, as plataformas digitais monetizam o ódio, gerando lucro às custas da estabilidade social.

Torna-se imprescindível que o Brasil, em alinhamento com outros países, desenvolva mecanismos mais robustos para responsabilizar as plataformas digitais. Para além disso, é essencial fortalecer a educação digital e a conscientização pública sobre os limites entre liberdade de expressão e discurso de ódio.

A decisão da Meta não é apenas um problema de governança corporativa. Trata-se de uma afronta às conquistas democráticas e aos direitos fundamentais que não podem ser negligenciados em nome de um suposto liberalismo digital. Como sociedade, cabe-nos exigir responsabilidade e compromisso com a dignidade humana, pois sem isso, a liberdade de expressão deixa de ser um direito para se tornar uma arma contra a própria democracia.

 

¨      AGU pode notificar Twitter/X assim como fez com a Meta

A Advocacia-Geral da União (AGU) está avaliando a possibilidade de notificar o Twitter/X por conta do uso do modelo de "notas da comunidade" na verificação de informações. Segundo um membro do órgão próximo ao ministro Jorge Messias, a decisão dependerá dos resultados da audiência pública agendada para discutir os impactos das mudanças de políticas de moderação de conteúdo por grandes plataformas digitais, incluindo a Meta.

A notificação enviada à Meta foi motivada por declarações de Mark Zuckerberg, CEO da empresa, sobre a modificação na política de checagem de fatos, que substituiu verificadores profissionais por um modelo baseado em "notas da comunidade". Essa alteração gerou preocupação na AGU, que questiona a eficácia e a imparcialidade do sistema no combate à desinformação e na proteção de direitos fundamentais.

<><> Audiência pública e possíveis desdobramentos

A audiência pública para discutir os efeitos da nova política implementada pela Meta, conforme divulgado em nota oficial nesta terça-feira (14), ocorrerá na próxima semana, em dia e horário a serem divulgados oportunamente. Inicialmente, a audiência estava prevista para a próxima quinta-feira (16), mas a organização decidiu postergar a data para assegurar maior tempo para confirmação dos participantes.

Participarão do evento órgãos governamentais, especialistas, acadêmicos e entidades da sociedade civil que lidam com o tema das redes sociais. Representantes das agências de checagem de fatos também serão convidados, ampliando a diversidade de perspectivas sobre o impacto das mudanças no combate à desinformação e na proteção de direitos fundamentais.

De acordo com a fonte, a audiência buscará ouvir diversos setores da sociedade para compreender como a adoção de modelos como as "notas da comunidade" afeta o controle da desinformação e os direitos fundamentais no Brasil. Também será uma oportunidade para avaliar a atuação de outras plataformas digitais. O Twitter/X, atualmente sob a gestão de Elon Musk, não foi alvo de notificação até o momento. No entanto, segundo o membro da AGU, há possibilidade de que a plataforma seja notificada no futuro, dependendo dos resultados das discussões e das evidências levantadas na audiência. "A audiência pública deve tratar do assunto mais amplamente envolvendo o segmento [das redes sociais] num sentido mais amplo", informou um membro da AGU à coluna.

<><> Modelo de notas da comunidade em pauta

O modelo de "notas da comunidade" tem sido criticado por diversos especialistas, que apontam limitações em sua capacidade de combater a desinformação de maneira eficiente. Estudos acadêmicos, como os realizados pelo NetLab e outras instituições brasileiras, destacam que esse sistema pode ser vulnerável a manipulações e não substitui a checagem profissional de fatos.

Apesar de ainda não ter implementado amplamente esse modelo no Brasil, o Twitter/X também está sob escrutínio, especialmente devido às mudanças em sua política de moderação e às declarações do próprio Elon Musk sobre liberdade de expressão e controle de conteúdo.

<>< Posicionamento da AGU

A AGU tem reiterado que seu foco principal é proteger os direitos fundamentais e garantir que as plataformas operem em conformidade com os marcos regulatórios brasileiros. Segundo a fonte, há preocupação de que as políticas adotadas por essas empresas sejam importadas de contextos internacionais e não considerem as especificidades do sistema constitucional brasileiro, que equilibra a liberdade de expressão com outros direitos.

A fonte também afirmou que, caso a audiência pública aponte para a necessidade de novas medidas, a AGU não descarta a possibilidade de enviar novas notificações ou até mesmo recorrer ao judiciário para assegurar que os direitos dos cidadãos sejam preservados.

<><> O que esperar

Com a audiência pública se aproximando, as expectativas são de que o debate traga mais clareza sobre as consequências das mudanças nas políticas de moderação de conteúdo das plataformas digitais. Dependendo dos resultados, o Twitter/X pode se tornar o próximo alvo de notificação por parte da AGU, ampliando o escopo da discussão e pressionando as empresas de tecnologia a se alinharem à legislação brasileira.

 

Fonte: Por Álvaro Quintão, na Fórum

 

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