O dicionário
'esquecido' da ditadura militar que associava maconha a conspirações comunistas
O que significam
estas frases abaixo?
# "Acabei de
castigar a coisa e fiquei de zonzeira."
# "O
tesoureiro apareceu com a coisa agora."
# "Nega de dar
um finório ao pivete".
# "Olha estas
pintas, tudo acertado".
Acertou quem as
relacionou, de alguma forma, à maconha.
As frases estariam
relacionadas ao consumo da droga e ao seu comércio ilegal e seriam usadas
por traficantes e usuários na
década de 70 no Brasil.
Assim anotou um
inspetor da Polícia Federal no Glossário de Entorpecentes e Drogas Afins, livro
atribuído ao Serviço de Repressão a Tóxicos e Entorpecentes, organização parte
da estrutura da Polícia Federal responsável pela doutrina do tema na época,
criado em 1964.
Dizer frases como
essas já seria suficiente para que alguém pudesse ficar sob suspeita das
autoridades.
O documento
esquecido, encontrado pela BBC News Brasil, é um registro histórico do
pensamento que guiou a atividade policial no início dos anos 70, em plena
ditadura militar, durante a ascensão do fenômeno internacional da guerra às
drogas.
O livro tentava
organizar termos e conceitos que poderiam ser usados para identificar supostos
criminosos e reflete um momento em que pouco se sabia na instituição sobre as
drogas, seja sob o ponto de vista científico, seja no sentido de repressão ao
tráfico. Um jornal chegou a chamar a obra de "a mais recente inovação no
combate à onda de alucinógenos", em 1971.
Jornais da época
mostravam um cenário de ascensão do uso e comércio dessas substâncias, que
preocupava autoridades na polícia e no governo. A interpretação de parte delas
— inclusive do chefe do órgão de repressão às drogas que escreveu o glossário,
segundo estes jornais — é que este fenômeno estava ligado a uma estratégia
internacional do comunismo de "estímulo ao vício".
Trechos do
documento seriam reproduzidos por outras autoridades policiais por pelo menos
uma década depois da publicação — a reportagem encontrou, por exemplo, uma
versão semelhante do glossário em um relatório sobre drogas produzido pela
Polícia Militar de São Paulo nos anos 80.
·
Como
chegamos ao glossário
A reportagem teve
acesso ao livro a partir do acervo pessoal de uma funcionária aposentada da
Universidade de Cambridge (na Inglaterra), que pediu para não ser identificada.
A origem da cópia é desconhecida.
O glossário não
aparece no arquivo oficial da Polícia Federal, que não respondeu perguntas
sobre o documento, como quantos exemplares foram produzidos, por não tê-lo
encontrado no acervo.
"Foi feita uma
busca no acervo da biblioteca da Diretoria de Ensino da Academia Nacional de
Polícia, bem como em seu arquivo depositário e não foi identificada a referida
obra", disse a PF, em nota. A instituição não quis comentar o teor da
obra.
O glossário também
não foi encontrado no acervo documental do Ministério da Justiça e Segurança
Pública.
Uma menção ao
documento aparece no catálogo da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), mas o
Ministério da Saúde diz que parte de seu acervo foi danificado e que este
material se perdeu.
"Infelizmente,
essa publicação estava nesse acervo. Apesar de ter sido catalogada, não há registros
de como chegou ou quem doou", disse o órgão, em nota.
A reportagem
buscou, então, confirmar a autenticidade do documento de duas formas: primeiro,
por meio de notícias publicadas no início da década de 70, que citavam a
criação do glossário e seu autor, o inspetor José Guimarães Alves.
Depois, procurou
cópias em outros acervos até encontrar outra edição do mesmo glossário, com um
título diferente, mas com teor idêntico, na Biblioteca Embaixador Antonio
Francisco Azeredo da Silveira, do Ministério das Relações Exteriores. Por fim,
foi possível encontrar também uma outra edição na biblioteca da Câmara dos
Deputados.
O historiador
Jonatas Carvalho, doutor em Sociologia e Direito na Universidade Federal
Fluminense (UFF) e pesquisador na mesma instituição, diz que o glossário tem
valor histórico importante.
Ele lembra que os
documentos produzidos pelo Serviço de Repressão aos Tóxicos e Entorpecentes
estão, na maior parte, desaparecidos, mas que o glossário provavelmente foi
fruto de uma campanha nacional de combate às drogas, iniciativa do governo do
presidente Emilio Garrastazu Médici (1969-1974).
"O glossário,
sem dúvida, é um achado", diz Carvalho.
·
'Assembleia',
'new left', 'cultura pop' e combate ao comunismo
Diversos termos do
glossário fazem menção a um vocabulário político, sem relação direta com
drogas.
É o caso de
"Assembleia", catalogado como "grupo de fumadores de maconha,
meeting de viciados em maconha ou diamba", ou "contestação", que
significaria, segundo o documento "protesto jovem, de conotação
tóxica".
Há ainda outros
exemplos: "ele é da política" significaria "da onda do fumo,
linguagem de meliantes, tóxicos". Ou ainda "new left", traduzido
como "nova esquerda, da pregação tóxica".
Outros termos são
expressões usadas por jovens, também sem uma relação específica com uso ou
comércio de drogas.
Alguns exemplos são
a expressão estar de bobeira ("estar sob os efeitos de tóxicos",
segundo o documento), transa ou transar ("troca de objetos por
tóxicos"), cultura pop ("subcultura lisérgica" ou "contra-cultura
canábica") e até mesmo curtição ("pormenores do efeito, as loucuras,
fumar, tragar")
"Em meados de
1970 se afunila a relação entre drogas e subversão", diz Carvalho, da UFF.
O pesquisador
estudou o proibicionismo no Brasil a partir da criação da Comissão Nacional de
Fiscalização de Entorpecentes, surgida no Itamaraty em 1936, e lembra que desde
aquela época já eram produzidos documentos semelhantes sobre o tema, mas que
não tinham um foco específico em guiar a repressão.
"Este
glossário parece ter um foco maior na orientação das forças de segurança",
interpretou.
Notícias da época
mostram que policiais eram orientados a se camuflar para encontrar os
traficantes. "Os policiais usarão roupas de garis, vassouras, perucas ou
então macacões de empresas distribuidoras de cerveja, gás e cigarro. Isso tudo
visa a pegar os traficantes de surpresa", dizia uma nota do Jornal do
Brasil em março de 1971.
O professor e
pesquisador Pedro Camargos, mestre e doutorando em sociologia pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP),
ressalta como o glossário ajuda a ilustrar a confusão existente à época entre o
que é segurança contra crimes comuns e perseguição aos grupos políticos de
oposição.
"Cria-se a
possibilidade de combater, ao mesmo tempo, a criminalidade, mas também de ir
atrás de jovens que pudessem estar envolvidos com movimentos de dissidência
política, sob argumento de que eles estariam com drogas".
Esta relação entre
consumo de drogas e comunismo era estabelecida de forma explícita pelo próprio
governo. O organizador do glossário, José Guimarães Alves, chegou a divulgar
durante o seu mandato um folheto chamado "Os Tóxicos no Contexto da Guerra
Revolucionária", que defendia que o comunismo internacional estimularia a
juventude a se viciar em drogas, segundo jornais da época.
Segundo noticiou o
Estadão em agosto de 1970, o Itamaraty elogiou a atuação de Guimarães e da PF e
considerou "interessante" a tese do inspetor de que "o comunismo
esgotou todos os tipos de guerras convencionais e parte agora para a guerra
neurotoxicológica."
·
Cigarros
de maconha: fininho, normal e bomba
Júlio Delmanto,
doutor em história social pela USP e autor de Camaradas caretas: drogas e
esquerda no Brasil, afirma que o material lembra uma peça de humor, com teor
pseudocientífico. "Ele procura informar, com um conteúdo altamente
duvidoso, tanto sobre as propriedades das substâncias quanto sobre a sua
cultura".
Ele cita, como
exemplos, os termos "caquético canábico" (traduzido como "o
fácies do vício canábico; apodrecimento dos pêlos, senilidade precoce e perda
de simetria") e "bomba de alegria" (que é traduzido para
"gás lisérgico").
Delmanto destaca a
tentativa do autor do glossário de passar a imagem de precisão, como se
tentasse produzir uma obra técnica. Um exemplo é quando se diferencia o tamanho
dos cigarros de maconha: fininho (uma grama), normal (1,7 grama) ou bomba (2,5
gramas).
"Sendo um
policial, obviamente ele o faz (a descrição técnica e cultural das drogas) de
forma absolutamente incompetente. Isso não deixa de ser muito representativo
dos diversos fenômenos históricos e culturais que se entrecruzavam naquele
momento (e até hoje) no consumo e na proibição de certas drogas."
Delmanto lembra
ainda que, quando Guimarães ocupava o cargo e possivelmente publicou o
glossário pela primeira vez (entre 1970 e 1971), a guerra às drogas ainda não
estava plenamente configurada no Brasil.
"Esse material
me parece simbólico desse momento, de uma repressão ainda meio raiz, meio
Sargento Pincel (famoso personagem da série de TV Os Trapalhões). O que
não exclui sua crueldade."
Mestre em história
pela Universidade de Brasília (UnB), Luiz Brandão pesquisou a relação entre
drogas e política em sua dissertação de mestrado, cujo título é
"Tóxico-subversão: anticomunismo e proibicionismo na construção do inimigo
interno durante a Ditadura Militar no Brasil".
Ele vê uma
tentativa, no glossário, de passar uma imagem de objetividade.
"É um material
que vai circular apresentando-se como algo neutro, que vai apontar a política
de drogas, não um material político. É uma autoridade da polícia que estudou o
tema. Essa tentativa de sistematizar um léxico, além de apresentar um discurso
que se pretende imparcial, acaba também estruturando a linguagem, oferecendo uma
gramática para o debate."
Ele cita, como
exemplo, o termo "Assembleia", classificado como um encontro para
fumar maconha pelo glossário. "Circunscreve o debate dentro do léxico que
os autores tentam apresentar. Se o seu filho ou filha está num curso na universidade
e o chamam para uma assembleia, isso quer dizer (segundo a obra) que lá vai ter
jovens fumando maconha, se entorpecendo, usando tóxicos."
·
Falta
de conhecimento entre os policiais
Guimarães Alves,
organizador do glossário e chefe do setor responsável por drogas na PF naquela
época, se queixava publicamente da falta de informação e de preparo dos
policiais sobre o tema. "É lamentável a insipiência de nossos homens no
tocante ao mínimo de conhecimento dos toxicômanos", disse ele, segundo
notícia veiculada no Jornal do Brasil em maio de 1970.
Ele também afirmou
que a orientação da PF naquele momento era de fazer um trabalho "mais
profilático" do que "repressivo".
O inspetor
acreditava que uma campanha nacional "alertaria a juventude e faria ela
engajar-se na luta que a Polícia Federal vem travando contra as drogas."
A primeira menção
ao Glossário de Entorpecentes de Drogas Afins, organizado por ele, aparece em
uma notícia dentro de uma edição do Jornal do Brasil de janeiro de 1971.
O contexto era a
divulgação oficial da saída de Guimarães do cargo.
Um inspetor de
polícia chamado Carl Grobman assumiria o cargo nos próximos dias. "Até a
sua posse continuará respondendo pelo cargo o sr. Guimarães Alves, que preparou
para seu sucessor um glossário toxicológico que contará, inclusive, com o
linguajar usado pelos viciados", diz a nota.
Segundo esta
notícia, Guimarães também deixou preparado um plano de ações para o sucessor,
"com o objetivo principal de alertar o brasileiro para os males causados
pelo uso da droga."
A estratégia
envolvia a estruturação da Polícia Federal para o combate às drogas e
divulgação do trabalho para a população, com a publicação de artigos da
"escalada nacional de repressão aos entorpecentes" para estudantes,
um plano de destruição do "polígono nordestino da maconha", a
realização de um congresso nacional de entorpecentes e sistematização de
arquivos sobre o tema.
Outra notícia,
publicada na mesma semana, dizia que o glossário sobre drogas também foi
encaminhado à censura e diz que os termos deveriam ter a divulgação proibida em
músicas, filmes, programas de televisão e charges de jornais pois, "são
palavras que inspiram e disseminam a toxicomania".
A reportagem dizia
que o glossário "vasculhou o Brasil e também o estrangeiro para se organizar
em index de demonologia". O texto, que não é assinado, termina com uma
crítica, afirmando que o glossário "vai tumultuar ainda mais as atividades
da censura", pois "vai dar ocupação aos que acham que as palavras e
não coisas é que constituem crime."
Organizador da obra
acendeu cigarro de maconha em palestra e precisou se explicar
José Guimarães
Alves deixaria também para seu sucessor, segundo a notícia, um "museu de
tóxicos" com folhas de coca (matéria-prima da cocaína), cocaína em pó e em
comprimidos, pés de maconha, maconha em folhas secas e em forma de cigarro,
vidros com comprimidos de LSD, dentre outros itens.
O inspetor tinha o
costume, segundo notícias da época, de levar maletas "estilo 007" em
suas palestras e apresentar drogas para o auditório. Chegou ao ponto de acender
cigarros de maconha "para que o público sentisse o seu cheiro".
Em suas falas,
Alves citava diversos números, sem esclarecer a fonte, bem como dava dicas de
como identificar usuários de drogas.
Em uma palestra
realizada na Universidade de Brasília, em 1970, ele afirmou que metade dos
jovens de todo o mundo estavam usando drogas, especialmente os europeus, e que
o problema "está estreitamente relacionado com as feiras de sexo que se
realizam na Europa, onde existem até livros de culinária ensinando a fazer
comida impregnada de drogas", segundo notícia veiculada no Jornal do
Brasil.
Teria dito ainda
que "95% das jovens que usam drogas não são virgens" e que "70%
dos fumantes de maconha não mais trabalham", segundo divulgado na imprensa
da época.
Uma dessas
palestras causou controvérsia, quando ele "queimou um pouco de maconha e
distribuiu-a aos 200 alunos e professores presentes", na UnB, e
"pediu depois permissão ao reitor para que um voluntário fumasse um pouco
da erva." No mesmo dia, ele teria dito que era favorável à liberação da
maconha, mas não no Brasil, por não ser um país desenvolvido.
Alves teve de
prestar esclarecimentos depois do evento, negando ter oferecido cigarros aos
alunos. "O que o conferencista fez foi queimar maconha no auditório Dois
Candangos (na UnB) para que os presentes sentissem o odor da erva e em qualquer
ocasião pudessem eventualmente detectar o uso de maconha em ambientes fechados,
como clubes e semelhantes", afirmou.
Guimarães Alves
também deu dicas sobre como identificar um usuário de drogas. O jornal O Estado
de São Paulo registrou, em dezembro de 1970, uma notícia com uma lista de
sinais, segundo o inspetor da PF, que incluíam, segundo o jornal publicou: não
prestar atenção à aula, fazer deveres mal-feitos, ter aparência doentia, faces
amarelas e órbitas abertas, fazer uso de óculos escuros em horas inadequadas e
camisas de mangas compridas, pedir dinheiro emprestado aos colegas e roubar
pequenos objetos, permanecer em lugares estranhos durante o dia, ficar
irritado, com o nariz escorrendo e dormir na sala.
A mesma reportagem
divulga um "levantamento feito em Brasília" apresentado por Guimarães
Alves, que indicaria a porcentagem de uso de drogas por profissão, incluindo
funcionários públicos, estudantes universitários, domésticas, prostitutas e
outros.
A BBC News
Brasil pediu à Polícia Federal, por meio da Lei de Acesso à Informação, o
histórico funcional de Guimarães Alves, mas a instituição negou os dados sob
alegação de que eles seriam "de cunho pessoal" , mesmo após mais de
meio século depois de ele ter ocupado o cargo.
Embora a Lei Geral
de Proteção de Dados (LGPD) não resguarde informações profissionais de
servidores públicos relacionadas aos cargos por eles ocupados na vida pública,
a PF tem conseguido driblar a regra a partir de brechas legais diversas.
No portal da
transparência há o registro de um único
delegado da PF aposentado de nome José Guimarães Alves, com a informação de que
ele faleceu em 2005 e deixou uma pensão de R$ 29,6 mil para a esposa. A família
confirmou à reportagem que se trata da mesma pessoa (mais informações abaixo).
·
'Meu
pai foi um pioneiro no país', diz filho de autor do glossário
O empresário e
consultor Disraelli Galvão, filho do delegado José Guimarães Alves, se
surpreendeu ao saber, pela reportagem, sobre a repercussão que o glossário teve
à época. Ele disse ter cópias do documento em casa, mas que não tinha
conhecimento de sua influência.
"Nunca imaginei
que esse livro tivesse sido sequer utilizado ou repercutido."
Galvão foi
sócio-fundador da Seta Public Affairs Solutions, agência de relações públicas
da FSB Holding, um dos maiores grupos do ramo no país, e hoje possui uma outra
agência no mesmo setor.
Ele defendeu a
atuação do pai em entrevista à BBC News Brasil e acredita que o livro
não tinha como objetivo fazer perseguição política. "Ele era uma pessoa
muito integra e que nunca se dobrou aos comandos questionáveis dos generais da
época da ditadura", disse.
Galvão diz que o
pai tinha uma "missão única" de combater as drogas, como crença
pessoal, que seria baseada em sua formação como teólogo, filósofo e advogado.
"Foi um cara que se dedicou muito à igreja, um pastor adventista."
Para ele, o pai foi
um pioneiro no combate às drogas no país. "Ele que idealizou e iniciou o
combate organizado às drogas. A gente não via esse fenômeno de hoje, de crime
organizado, com as facções presentes em todos os estados. Todo o início
organizado de combate ao tráfico e drogas no Brasil se iniciou nesse
movimento."
Ele acredita que o
objetivo do pai com a produção do livro fosse técnica. "Nunca foi essa
intenção (de uso contra um lado político), mas de identificar quais eram os
termos, o vocabulário utilizado neste ambiente de consumo de drogas. Ele nunca
se prestou a um papel de cumpridor cego de ordens para combate de quem quer que
fosse."
"Ele jamais se
propôs a idealizar uma obra que fosse instrumentalizada para combater
ideologias de um lado ou de outro. Esse não era o papel dele. Ele tinha uma
formação intelectual muito sólida."
O filho diz que o
pai teria, inclusive, se recusado a participar de invasões à UnB, por
considerar o ato um "exagero". "Meu pai se indispôs, descumpriu
algumas ordens, e a partir desse momento se iniciou o fim da carreira dele, por
não se sujeitar de maneira cega às ordens que ele recebia."
Ele relata que,
depois de aposentado, o pai trabalhou com a pecuária e o plantio de café em
Goiás até falecer, em 2005, aos 75 anos.
·
Influência
dos EUA
A professora de
relações internacionais da PUC-SP, Priscila Villela, lembra que a década de 70
foi o momento de desenvolvimento de uma política nacional de drogas. Em 1976
foi aprovada a lei dos tóxicos. "Foi a primeira lei autônoma a tratar do
tema das drogas em todas as esferas, do cultivo ao consumo."
Não é coincidência,
argumenta ela, que nesta mesma época estivesse acontecendo a chamada
"guerra às drogas" nos Estados Unidos, liderada pelo governo do
presidente Richard Nixon. "O proibicionismo não era uma novidade no
Brasil, mas ele se moderniza incorporando as terminologias, práticas, normas e
instituições internacionais."
Ela cita, como
exemplo dessa internacionalização, as três convenções das Nações Unidas sobre o
controle de drogas, criadas entre 1961 e 1988, que depois seriam incorporadas
na legislação brasileira.
Villela, que tem se
dedicado a estudar a influência dos EUA no treinamento de autoridades policiais
em diversos países, inclusive no Brasil, lembra que a criação de manuais sobre
drogas era comum entre os americanos e sugere a possibilidade de que o
glossário da Polícia Federal seja um reflexo dessa influência.
Há, de fato,
menções em jornais a visitas e treinamentos feitos por autoridades dos EUA na
mesma época, bem como uma preocupação com a ascensão do tráfico no Brasil.
Uma notícia em 1970
dizia que técnicos do departamento de narcóticos do governo americano iriam ao
Brasil para instruir a Polícia Federal "na identificação dos
tóxicos". Outra notícia diz que a Interpol acreditava que o Brasil se
tornaria "um dos maiores centros de distribuição de entorpecentes do
mundo, principalmente devido às dificuldades de policiamento de amplas áreas do
território nacional."
Os dispositivos
legais criados nos anos 70 na guerra às drogas, e com forte inspiração nos EUA,
ofereceram as estruturas para o que é aplicado ainda nos dias de hoje, segundo
a especialista.
"Embora a
Constituição de 1988 tenha trazido várias garantias de proteção aos direitos
humanos, é interessante notar que, de forma contraditória, a pauta penal e
criminal se endureceu muito desde então", diz. "Houve um agravamento
das penalidades, com o tráfico sendo equiparado aos crimes hediondos."
Para ela, houve um
redirecionamento do aparato repressivo do Estado da pauta de combate ao
comunismo para o combate às drogas. "O que a gente faz com essa polícia
toda, que tortura, que faz operação extrajudicial? A guerra às drogas caiu como
uma luva para a polícia, que passa a ressignificar o seu trabalho. Tem um
legado importante que vem desse período até hoje."
Fonte: BBC News
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário