A
psicopolítica e o neoliberalismo no controle de corações e mentes
Em
tempos de mídias, redes sociais e smartphones, o homem contemporâneo vive como
um refém das Novas Tecnologias da Informação, sendo induzido e aculturado em um
padrão de vida individualista e empreendedor, sendo condicionado ao
neoliberalismo na sua plenitude, a partir do ambiente digital. Vigiado e
controlado, esse homem contemporâneo do Século XXI se vê diante de um grande
fluxo de informações, que não consegue absorver e compreender, vivendo em plena
desconstrução e descentralização dos processos produtivos e de mediação
comunicação.
Os
modelos de comunicação que surgiram e se consolidaram no Século XX, como da
televisão e rádio, hoje já são considerados ultrapassados. A publicidade e
propaganda migram para as mídias sociais, como Tik Tok, Youtube, Facebook,
Instagram, entre outros. Novos modelos de negócio e produção audiovisual ganham
espaço e se consolidam. Podcasts, lives e webjornais que chegam nas telas de
qualquer usuário, formatando um novo homem e uma nova sociedade.
Para
tentar entender como está ocorrendo esse processo, com suas contradições e
efeitos, conversamos com o Lúcio Massaferri Salles, Filósofo, Psicólogo e
Jornalista. Graduado em Filosofia (UFRJ) e Psicologia (CEUCEL), possui
Doutorado e Mestrado em Filosofia (UFRJ) e especialização em Psicanálise (USU).
Massaferri desenvolve pesquisas em Cibercultura; Psicopoder e Psicopolítica,
entre outros temas, sendo autor dos livros “A arquitetura do caos: guerra
híbrida, operações psicológicas e manipulação digital”, “Democracia e Palavra”,
além de ser autor de artigos publicados nos sites Pragmatismo Político, GGN,
entre outros, abordando o universo da Comunicação Digital, redes e democracia
digital.
O
pesquisador possui um canal no YouTube, o “Portal Fio do Tempo”, que propõe
reflexões sobre a filosofia política, psicopolítica, cibercultura, saúde mental
e educação.
LEIA
A ENTREVISTA:
·
Nesse novo universo comunicacional cada
pessoa vira um produtor de informações, isso seria um reflexo de um modelo
individualista neoliberal?
Sim,
nos tempos atuais cada um está se tornando produtor de informações neste
universo digital, comunicacional, o que pode ser visto como um reflexo do
modelo individualista neoliberal. Há uma passagem do livro “Psicopolítica” do
filósofo sul-coreano, Byung-Chul Han, em que ele aponta com muita pertinência
que há nesse neoliberalismo da era digital uma técnica que constroi essa
Sociedade de Controle informatizada, e ela se chama Psicopolítica. Trata-se da
arte que usa instrumentos de propaganda e publicidade muitas vezes abaixo de um
limiar de consciência, para atingir e influenciar as mentes das pessoas.
Esse
momento é marcado justamente por uma separação, entre as pessoas, ainda maior
do que se via anteriormente, mas é uma separação que provoca uma impressão
errônea, uma ilusão, que é uma dissolução das fronteiras entre as proximidades.
Essa é uma característica dessa dita sociedade da transparência, alicerçada na
grande rede onde se tem a liberdade de dizer tudo, onde se fala e se ouve sem
mediação.
A
grande Rede é um ambiente mega desmediatizado, mas que é diferente do rádio e
da televisão em que, por exemplo, o mediador tem uma voz que fala para todos,
uma mediação encarnada pela clássica figura do jornalista que, nesse contexto,
é produtor da notícia e da informação. Mas nesse universo das mídias multi
mescladas, e das plataformas de redes sociais, ele, o jornalista, não tem mais
esse domínio da produção midiática da informação.
·
Com isso, a cultura neoliberal se torna
predominante na atual sociedade da era da informação e controle?
Nesse
contexto, eu sou o senhor de mim mesmo e daí vem a ideia de pressão e
auto-cobrança que é típica do empreendedorismo neoliberal. É um ambiente fértil
para se produzir afetivamente as depressões.
É
a partir dessa ideia que cada um é capaz de criar, produzir o seu conteúdo,
compartilhando e disseminando a sua perspectiva, mostrando uma característica
individual, sua forma de expressão na grande rede, criando assim a sua
identidade online na grande rede. É por isso que a Psicopolítica neoliberal, de
acordo com a análise do Byung-Chul Han, pode ser considerada como técnica de
dominação e controle. Estamos olhando para a raiz do significado da palavra
cibernética tal como definiu Nobert Wiener, considerado o “pai” da cibernética,
um matemático estadunidense. A palavra cibernética deriva da palavra kybernétes
(timoneiro, governador, piloto da nau). Como diziam Platão e Aristóteles, em
diversos de seus textos, significa também o político hábil, o que vai guiar uma
comunidade, o que tem a técnica e a habilidade. Daí se pensa a questão da
comunicação e do controle, de certo modo bem alinhado com Norbert Wiener nas
linhas do seu livro “Cibernética ou controle e comunicação no animal e na
máquina”.
Então,
a Psicopolítica neoliberal como técnica de dominação é capaz tanto de
desestabilizar, como de manter o sistema dominante, o status quo dos poderosos.
Nela se usa o instrumental de programação e de influenciação e controle
psicológico.
·
E como a psicologia atua nesse contexto?
Há
um desconhecimento da profundidade e do alcance da ciência da psicologia. E
isso é grave. Ainda há certo preconceito com o que ela oferece. A psicologia
não é apenas um instrumental e não só atua como bálsamo ou remédio para o
sofrimento e a tristeza, considerando que ao longo do tempo se tornou comum
procurar psicólogos para conseguir tornar suportáveis as angústias geradas
nessa sociedade capitalista que funciona justamente deprimindo e oprimindo,
explorando até a última gota humana. A psicologia não se limita a isso, imagina
se fosse verdade uma redução absurda dessas! Essa ciência cria e fornece
instrumentos para que possamos compreender e agir, modificando muitas vezes
aspectos fundamentais e estruturais de uma cultura, de uma sociedade.
Diante
disso, deveria se pensar o viver como uma prática de liberdade, caso se
conseguisse construir uma “despsicologização” desse maquinário no sentido do
controle. Ou seja, conseguir retirar essa massa de pessoas da condição de
capturados pela grande rede. Quem duvida dessa radiografia, que mostra
isolamento, certa “narcisificação” dos olhares nas telas e o aumento da
depressão, em suas inúmeras formas de manifestação, basta fazer um passeio
silencioso, observando os metrôs, os bares e suas mesas, nos espaços de
convívio social em que boa parte das pessoas se isolam em seus smartphones, em
suas individualidades e universos próprios; mesmo estando acompanhadas.
·
A mercantilização da informação e dos dados
das pessoas, o homem é a mercadoria?
Aos
poucos, de uma maneira, que eu não considero a ideal, o Judiciário, por
exemplo, vai aplicando, emergencialmente, medidas para coibir o uso de
dispositivos tecnológicos de informática e de comunicação, em determinados
espaços como salas de audiência, salas de aulas, sem que tenha ocorrido uma
análise e uma pesquisa profunda, um debate interdisciplinar para entender esse
universo. Ainda não há uma comunicação entre os campos de estudos e pesquisa,
ao ponto de preparar uma política de profilaxia, de pedagogia, de construção de
conhecimento com informação sobre essa grande revolução tecnológica do campo da
comunicação, depois da escrita, que é a internet, com tudo que dela decorre.
Eu
acredito que o isolamento entre as pessoas tende a aumentar, com sutis
modificações. Uma evolução relacional do fenômeno do “embolhamento”, em que se
vê as câmaras de eco, as próprias bolhas.
À
medida que se mercantiliza a informação, ela passa a ter valor, passando a ser
conteúdo mercadoria, isso porque você tem na outra ponta a possibilidade dessa
valoração, a audiência e o engajamento, e daí também surgem os grandes canais e
a disputa entre eles, algumas vezes velada.
Talvez
fosse possível modificar alguns aspectos negativos do que apontamos aqui se
houvesse uma cooperação maior, mas essa mercantilização de informação, de
conteúdo, torna-se no processo a mercadoria de cada um. E cada um sendo capaz
de fazer a sua o que se tem são justamente os espaços como se fossem lojas nas
quais as pessoas podem passear livremente, nesse contexto de liberdade
regulada, e consumir os diversos tipos de entretenimento que queiram, inclusive
o entretenimento intelectual político. Ou seja, cada um acaba sendo uma nova
mercadoria, e olha que loucura (!), adquirindo o valor que é atribuído por
audiência e engajamento, que sob certos aspectos são influenciados pela IA,
pelos algoritmos inteligentes. O sociômetro da internet é também um poderoso
agente de propaganda. O exemplo mais simples e que não é novidade (e que pode
mudar a todo momento), é quando se vê que o YouTube paga por 1.000
visualizações cerca de 1,00 US$, tabelado. Isso funciona com condições
estipuladas para o cumprimento de metas estabelecidas, como diversificar o
conteúdo, observar idade, gênero e localização do público consumidor.
Isso
vai inserir a ideia de que, nessa ordem de valor entram a economia e o trabalho
psíquico, que são categorias do pensamento freudiano que podem dialogar com
aspectos das ideias marxistas atualizadas com a realidade de hoje. É preciso
desbravar e buscar entender o que há de novo e desconhecido. Tratar a coisa
também como fenômeno. Vamos pegar, por exemplo, o psicanalista Jacques Lacan,
em seu Seminário 2, produzido entre os anos de 1954/55. Falo do texto
“Psicanálise e Cibernética”, em que Lacan vai conversar, também, com o Nobert
Wiener, talvez buscando uma interlocução, na época, com Noam Chomsky. Entre
outras coisas, como observar a questão da repetição, na analogia entre máquina
com instruções de linguagem e mente humana, pode-se entrever Lacan intuindo e
buscando entender, na aurora da cibernética, o que veio décadas depois a se
tornar Inteligência Artificial (IA), trabalhando com algoritmos.
Na
atualidade temos uma sociedade em que não somos só a matrícula, somos agora
números e cifras. Somos senhas ambulantes. Duvida? Experimente perder algumas
das suas, se você tiver a percepção de que não deve ter a mesma para várias
coisas. Atravessamos a catraca do metrô com um cartão, vivemos a era da
conectividade, e ao mesmo tempo somos passíveis de ser agrupados em um número
só, como acontece com o Cadastro Geral de Pessoas Físicas (CPF). Os bancos de
dados não são exatamente algo manejado só por governos, pelo Estado, de modo
bastante análogo com que a guerra não pertence mais ao âmbito militar (as ações
de guerra híbrida deveriam ter evidenciado isso).
·
Essa lógica empreendedora, neoliberal,
transformou a internet numa selva digital?
Outro
aspecto, que entra mais no ânimo da pessoa, é essa competição bruta, violenta e
selvagem, os iguais, inclusive, competem. Não há amizade entre empreendedores
“que podem”, no neoliberalismo da era digital. Isso, também, em alguns planos,
porque se tem remuneração em torno de audiência e engajamento. Não? Atores,
atrizes, artistas, quantos não denunciam há tempos que escolhas têm sido feitas
com base no “quem tem o perfil com mais seguidores” (público consumidor e
eleitor em potencial). E não estou me referindo somente a canais, a questão é
que são pessoas. Eu recebo muitos feedbacks de estudantes. É uma competição
acirrada, também, porque esses produtos valorados têm o valor que gera um
capital derivado do trabalho psíquico, dentro de uma economia psíquica, algo
que não se via há décadas. Não tentemos remexer na Metafísica dos Costumes
(Kant), para achar essa coisa, por ser um erro. Dar o salto é preciso. E para
dar o salto tem que se avançar também com algumas imprecisões, tal como olhar
de dentro do olho do furacão. Eles, elas, as pessoas, vão competir por atenção
e clique, vão disputar no sonho, também, por uma certa validação que valora e precifica
e que é parte de um constructo que tem a argamassa do condicionamento
psicológico. O prêmio, a frustração, os reforços e recompensas intermitentes. O
tempo é totalmente diferente, porque captado nesse tipo de movimento.
Então
é o movimento, na Sociedade em Rede, se quiser usar a terminologia do Manuel
Castells, ou na Sociedade da Transparência, usando a terminologia do Byung-Chul
Han, que se vai competir por atenção e clique. As grandes plataformas querem
capturar a atenção e o clique para identificar a tendência, a inclinação dos
usuários para poder lê-los, para saber o que lhes é mais íntimo, detalhando às
vezes o que a própria família da pessoa não sabe. Isso para poder influenciar,
manipular, e por que não (!?), controlar. Muita atenção, digo controle no
sentido que, por exemplo, Deleuze e Guattari constroem, Deleuze,
principalmente, no texto Post-Scriptum Sociedade de Controle, em que se cita o
movimento circular do controle, que é esse próprio do panóptico digital, dos
smartphones dos olhares na tela, desse “Narciso” futurista que é o círculo.
Pode-se controlar as pessoas de modo que elas nunca parem. Mega rodovias, em
forma de círculo, permitem circulação ininterrupta, com total controle desse
fluxo. As pessoas podem ficar ali ad aeternum, rodando, rodando, experimentando
a sensação de liberdade, em um sistema aparentemente de liberdade.
·
Você acredita que esse momento, das novas
tecnologias da Comunicação e da interação do homem com elas ainda não está
sendo compreendido na plenitude que merecia?
Eu
entendo que há uma carência de aprofundamento nesse alinhamento que já houve há
tempos entre a ciência da computação e a ciência da psicologia. Por exemplo, há
colegas, teóricos da sociopolítica, que ainda resistem um pouco. Porém há
outros que já estão começando a conversar mais entre si, estão duvidando mais.
Porque o risco que vejo é de não se compreender a dinâmica nova de controle e
influenciação, de manipulação que as novas técnicas de propaganda e
publicidade, a partir, por exemplo, de peças como as desenvolvidas pelo Edward
Bernays, publicitário estadunidense, sobrinho do Freud, no século passado, em
que ele vai direcionar para o inconsciente métodos de coleta, por pesquisa, de
medos e desejos das pessoas. Essa virada dada por Bernays, que está na raiz do
que hoje se conhece como targeting, microtargeting, adquiriu uma até então
desconhecida dimensão de poder com as novas tecnologias digitais de informação
e com o surgimento dos sistemas operacionais, das plataformas de redes sociais.
Se não se contemplar essa necessidade de tempo para fazer comunicar entre si
alguns campos de conhecimento, escutando o outro, os que experienciam dia a dia
essa dinâmica de captura, vai se cair inevitavelmente, penso eu, em encaixar os
fenômenos naquilo que se presume já conhecer.
Se
eu sou cientista político, eu vou encaixar nas teorias políticas, em muitas
abstrações, relacionando com Hobbes, por exemplo, ou vendo os pensadores mais
contemporâneos e tal. Acredito que se tem que ir muito além disso. Há um vazio
sob o qual se pode construir conhecimento de algo que é realmente novo sem a
sofreguidão de querer tapar o vazio. O saber só existe com o vazio.
O
ideal é o conhecimento, o entendimento construído com o vazio e sem eliminá-lo.
Uma sociedade que ainda tem desconhecimento ou ignorância sobre esses problemas
que estamos falando, ainda não sabe que algumas das grandes big techs já estão
sendo processadas por terem desenvolvido técnicas de captura de atenção e
tempo, usando estratégias de psicologia comportamental para jogar com os fluxos
de dopamina. Mostrando o que a pessoa gosta, fazendo com que essa pessoa não
consiga largar o smartphone, fazendo um jogo, gerando uma expectativa como
acontece com as máquinas de caça-níquel. O smartphone se parece muito com uma máquina
dessas, com as suas luzes, criando a expectativa da nova mensagem, de uma
recompensa. Eis aqui, o porquê das bets, cassinos online, serem o tipo de jogo
mais perigoso e rápido caminho para a ruína, que eu já vi funcionando.
·
A extrema-direita e seus militantes
conservadores dominam esse ambiente das redes?
Nós
temos hoje plataformas criadas que saíram do nada, há anos atrás. Observe o
início do Facebook, ele veio do nada, ou melhor, ele veio de ideias.
Inevitavelmente e na realidade, de um tipo de mente, que são as dos CEOs,
nerds, predominantemente homens brancos, bem-nascidos, entre aspas, com grana,
e muitos estudaram no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O que
eles sempre quiseram era ser como um desdobramento de contracultura, da tecnologia
de micro transistores e computadores. Vislumbraram derrubar o status quo e
dessa maneira criar uma nova ordem, não necessariamente curtindo o que seria
uma vida em sociedade como já se conheceu, e como existe ainda, mas uma nova
sociedade literalmente em rede.
Eu
acho que dá para observar o que daí se seguiu como uma carência, que claramente
há hoje em dia, e que é uma democratização da grande rede. Não é que todos têm
direito ao acesso, é que todos têm direito a aprender em algum momento a
programar, a mexer com a linguagem. Todos têm direito, a partir do desejo
próprio, a poder se tornar bem equipados para transitar nesse território, para
ser o que quiserem e de igual para igual. Que saia do poder e do controle
desses poucos, que isso se democratize como conhecimento. É o que defende, por
exemplo, para quem não conhece, a Renata Ávila Pinto, que é uma especialista
nesse campo de instrumentos digitais; ela é/foi advogada do Julian Assange. Ela
bate muito nessa tecla, tive a oportunidade de ouvi-la e levantar questões para
ela a respeito disso.
Portanto,
quando falamos da privatização da comunicação, é exatamente o que estamos
conversando sobre a valoração da mercadoria, da transposição do campo virtual,
que é de domínio dessa elite virtual.
Muito se fala disso quando há a
iminência de um problema político sério. Há o exemplo atual: se diz que a
extrema direita sabe usar muito melhor os instrumentos em rede, inclusive, para
sabotagem, para criar um ambiente de desinformação. Mas é claro! Não é que ela sabe,
é que o poder disso tudo está em determinadas mãos, essa que é uma das senhas
para compreender a coisa. Mãos que não querem uma revolução, de baixo para
cima, mas a manutenção ou no máximo troca do domínio e poder do status quo.
Puxe esse fio que a pessoa vai compreender a dinâmica de funcionamento disso
tudo. Do que se chama de “conservadorismo”, ou seja, o nome que se queira dar.
Fonte: Por André Lobão, para Fórum
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