Pietro Bassi: É preciso
levar Trump a sério
Estamos batendo na
mesma tecla, infelizmente. Mas isso parece indispensável porque nem mesmo a
última coletiva de imprensa de Trump, apesar de bastante explícita, tem sido
levada verdadeiramente a sério. O histrionismo extremo desse grande-homem-lixo
pode ser enganoso. Mas é o caso de ter em mente outro ilimitado histrionismo, o
raciocinante “delirar” de um Hitler (ou de um Mussolini – consideradas as
devidas proporções), para perceber que em tempos de aproximação de uma nova
guerra global, pois tais são os nossos tempos, o recurso à propaganda
da necessidade do confronto, da guerra sem limites e sem regras aos
próprios inimigos, é – para a classe dominante dos países imperialistas –
essencial.
Em tempos como
estes trata-se, afinal, de lançar grandes massas de explorados e oprimidos em
confrontos nos quais poderão perder tudo o que lhes é caro, no interesse dos
seus exploradores e opressores. Trata-se de motivá-los (não só os
forçar) a aceitarem cada tipo de sacrifício, a semearem morte e
destruição contra si mesmos, a se tornarem corresponsáveis por um terrível
homicídio-suicídio em massa. Por isso é indispensável, para melhor mascarar o
real conteúdo dos confrontos em preparação, recorrer à demagogia, à mentira, à
despudorada manipulação da realidade, à exaltação dos mitos identitários, a uma
Tradição – verdadeira ou falsa – feita de glórias, à promessa de
grandeza/glória futura ( o obsessivo again trumpiano), ao racismo
exibido e reivindicado, à “máscula” necessidade da força, da violência, da
brutalidade, aí incluída a brutalidade mais gratuita, com a solicitação de
devoção aos líderes carismáticos, e a fidelidade à disciplina, hierarquia,
pátria e família como eternas forças naturais e vitais. Em meio a cenas desse
gênero, nas quais o ridículo e o trágico se misturam até se confundirem, alguém
como Trump se sai muito bem.
Mas, afinal, o que
disse de tão irracional Trump?
Para recuperar o
terreno perdido ao longo dos decênios na produção direta do valor, os Estados
Unidos teriam necessidade de incorporar, como um estado seu, o Canadá, e tratar
o México como uma colônia, também para impedir a ambos de serem – como em parte
são – plataformas hóspedes da produção de valor de capital chinês. Para
enfrentar o semimonopólio das terras raras hoje pertencente à China e impor o
próprio controle sobre novas rotas de navegação que a iminente catástrofe
ecológica está criando, a anexação da Groelândia seria um verdadeiro golpe de
mestre. Para relançar a indústria bélica estadunidense, tanto a tradicional
quanto a nova (das redes informáticas e espacial), seria necessário que os
aliados multiplicassem as compras às empresas estadunidenses – imediatamente,
sem exceções. Ele não disse, mas sabe perfeitamente (junto com todo o seu
séquito de conselheiros e colaboradores): tudo isso é indispensável para evitar
que explodam de modo incontrolável sobre o território estadunidense as
contradições de classe, de raça, de gênero, territoriais, de valores que nos
últimos anos deram corpo à retomada das greves operárias, à chama do movimento
de mulheres Feminismo para os 99%, ao movimento (não apenas
negro) Black Lives Matter, a múltiplos impulsos autonomistas e guerras
culturais. Na ocasião, a promessa de levar adiante a “maior deportação” de
imigrantes undocumented (indocumentados) da história americana ficou
à sombra, mas foi a tal ponto o cavalo de batalha da sua campanha eleitoral que
não foi necessário reiterá-la novamente, especialmente na ocasião em que se
dirigia ao mundo externo.
Esse é um programa
perfeitamente racional para “tornar a América grande novamente”, revertendo seu
longo declínio de potência hegemônica. Falamos, bem entendido, da “racionalidade”
própria de um sistema capitalista cada vez mais intrinsicamente irracional, que
apenas pode sobreviver ao exaurimento da sua função histórica produzindo
violência e devastação em escala planetária, com o único fim de preservar a
busca do lucro como lei reguladora da reprodução social e da relação com a
natureza não humana. Não importa se Trump tem ou não conhecimento pessoal
disso; com certeza absorveu a lição do historiador Paul Kennedy exposta
em Ascensão e declínio das Grandes Potências: na história, a
vitalidade produtiva é via de regra fator fundamental na ascensão das grandes
potências, nas quais a consolidação de interesses econômicos e territoriais
excessivamente difusos, com o relativo compromisso diplomático-militar para
protegê-los, acaba com o tempo por erodir, minar a vitalidade produtiva que
esteve na origem do poder:
“O bem-estar
econômico não se traduz sempre e imediatamente em eficiência militar, pois esta
depende de muitos outros fatores, da geografia à moral nacional, à competência
tática e de comando. No entanto, permanece o fato de que todas as principais
mudanças dos equilíbrios militares e de poder no mundo tinham por trás
alterações nos equilíbrios produtivos; e que, além disso, a ascensão e a queda
dos vários impérios e Estados no sistema internacional foi confirmada pelos
êxitos nas principais guerras entre as grandes potências, nas quais a vitória
sempre coube a quem tinha maiores recursos materiais.”
O crônico – e
gigantesco – déficit comercial dos Estados Unidos, a sua persistência após a
adoção das políticas protecionistas do último decênio e o paralelo déficit da
balança de pagamentos, frente a uma situação especulativa do inimigo
estratégico que é a China, e que já dura vinte anos, configuram o “risco
existencial” de não ser mais “great”, superpotência; risco que a classe
dominante estadunidense quer afastar de si. Tanto através dos democratas quanto
através dos republicanos.
Igualmente racional
é a forma “provocativa” com a qual Trump expôs o seu programa, que imitou a
apresentação do “novo mapa do Oriente Médio” sem a Palestina, feita por
Netanyahu em outubro de 2023 na Assembleia da ONU. Em ambos os casos, a
mensagem é: nós vamos fazer, custe o que custar, vocês devem lidar com isso,
nós temos a força para fazê-lo. A capacidade intimidadora de um tal discurso
reside no simples fato dele ser proferido. Ai de quem subestimar que,
especialmente em tempos de guerra, a propaganda é uma parte integrante, e
de primeira relevância, da política. Influencia fortemente as massas e também o
mais duro dos inimigos-irmãos capitalistas.
Expusemos em outros
textos1 a nossa
posição: o retorno à hegemonia estadunidense sobre o mundo é impossível; também
jogamos luz sobre como as receitas do tipo protecionista lançadas por Trump-1
não foram coroadas de sucesso. Mas o imperialismo estadunidense não pretende de
modo algum renunciar ao seu domínio sobre o mundo, escapando à regularidade
histórica antes reclamada. Pelo contrário. Trump-2 está determinado
a radicalizar as guerras comerciais em curso com adversários e
aliados, e a recorrer a intervenção militar onde for necessário (ameaçou
fazê-lo também em relação à Rússia, caso essa não aceite as suas propostas de
“paz”). E, em torno a tal perspectiva, conseguiu aglutinar uma parte muito
maior da classe dominante do que em 2016. Trump dispõe agora de maioria no
Senado, na Câmara, na Suprema Corte. Ele se fortalece também com o duríssimo
golpe imposto à União Europeia por seu antecessor Biden, com a ruptura quase
completa das relações econômico-diplomáticas entre União Europeia e Rússia. No
que se refere aos aliados, os Estados Unidos certamente, por meio de métodos
brutais (a guerra provocada na Ucrânia, a destruição do North Stream),
recuperou pontos. Agora Trump está pronto para enfrentá-los e colocar a União
Europeia em dificuldades ainda maiores, e atacar a China e seus aliados com uma
União Europeia o mais alinhada possível – o que não é simples, visto que um tal
alinhamento traz para a Alemanha e a França o risco de uma profunda
desestabilização social e política, ademais já iniciada. A “soberanista” Meloni
já se disse pronta, esperando lucrar com os interesses que a Grã-Bretanha
do Brexit, seis anos após a aposta, não viu nem com o telescópio dos
desejos.
A América de Trump
não dará presentes, presumindo que o Tio Sam os tenha dado em outras épocas,
com outras presidências. Semeará caos e guerra em todo mundo. Caos
econômico e social também nos países aliados, se for verdade que as novas taxas
atingirão, além da China como primeiro alvo, empresas e países europeus. Caos
econômico e feroz reação política antioperária e antipopular nos países da
América do Sul, para os quais foi indicado o modelo Milei. E, quanto à
semeadura de guerra, basta por ora a intimidação de gangsters dirigida ao Hamas
e aos palestinos, caso não sejam liberados os reféns israelitas, assim como
aquelas dirigidas a países amigos desobedientes (Dinamarca, Panamá, México).
Naturalmente, por trás de tudo, está a intensificação da preparação para o
confronto bélico com a China. Enquanto a China, por sua vez, busca por todos os
meios ganhar tempo, para se colocar em grau de contrapor os EUA no seu próprio
terreno. Sobre isso, teremos a oportunidade de retornar. Por ora, basta
reafirmar que é preciso levar Trump a sério.
¨
Derrubar
Musk se tornou algo pessoal, diz Bannon, ex-estrategista de Trump
Steve
Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, prometeu derrubar Elon Musk —hoje
provavelmente o mais influente conselheiro do presidente eleito dos Estados
Unidos—, em uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Serra que
repercutiu neste fim de semana.
“Farei
Elon Musk ser expulso até o dia da posse. Ele não terá passe livre à Casa
Branca”, afirmou Bannon à reportagem, publicada inicialmente na última
quarta-feira (8).
“Ele
é uma pessoa de fato malvada. Barrá-lo se tornou algo pessoal para mim. Antes,
como ele colocou tanto dinheiro, estava disposto a tolerá-lo, mas não mais”,
acrescentou, fazendo referência aos US$ 270 milhões (R$ 1,65 bilhão na cotação
atual) que o bilionário dono da Tesla e do SpaceX injetou na campanha
presidencial republicana.
MUSK NEM LIGA
Na
verdade, Musk só ganhou mais poder desde então. Logo depois do anúncio da
vitória trumpista, ele foi indicado para chefiar um inédito órgão de eficiência
governamental.
Recentemente,
vem tentando interferir na política europeia —nas últimas semanas, por exemplo,
ele criticou Nigel Farage, aspirante a conservador a primeiro-ministro do Reino
Unido, e fez uma transmissão entrevistando a líder do partido de extrema
direita alemão AfD (Alternativa para a Alemanha), Alice Weidel.
Já
Bannon foi diretor da campanha que elegeu pela primeira vez Trump, em 2016, e
atuou como seu principal estrategista na Casa Branca em 2017 antes de os dois
se desentenderem —a briga foi resolvida mais tarde. O ex-conselheiro acabou por
tornar-se uma das principais figuras da ultradireita do mundo, com laços
inclusive com a família Bolsonaro.
FOI PRESO
Bannon
passou quatro meses preso no ano passado após se recusar a entregar documentos
e testemunhar perante um comitê da Câmara que investigava a invasão do
Capitólio. Foi libertado uma semana antes do pleito presidencial americano.
Ao
Corriere, Bannon disse que a principal crítica dele a Musk se refere à defesa
que este faz da continuidade dos vistos H-1B em meio aos planos anti-imigração.
O documento permite que empresas contratem profissionais qualificados de fora
dos EUA. Musk, nascido na África do Sul, recebeu o visto antes de obter
cidadania americana.
“Essa
questão dos vistos H-1B é sobre todo o sistema de migração sendo manipulado
pelos ‘senhores da tecnologia’”, afirmou o estrategista ao Corriere, utilizando
um termo associado ao conceito de tecnofeudalismo, que defende que as big techs
são os “senhores feudais” contemporâneos, e as pessoas comuns, seus servos, que
pagam “aluguéis da nuvem” pelo direito de acessar o que essas empresas possuem.
VALE DO SILÍCIO
Bannon
ainda reclamou que a maior parte dos engenheiros do Vale do Silício não é
americana. “Isso é uma parte central para recuperarmos nossa economia. São os
melhores empregos.”
“Peter
Thiel, David Sachs [megainvestidores no Vale do Silício], Elon Musk são todos
sul-africanos brancos… Eles deveriam voltar para a África do Sul. Por que temos
sul-africanos brancos, as pessoas mais racistas do mundo, comentando sobre tudo
o que acontece nos EUA?”, completou.
Bannon
tinha atacado Musk dias antes da entrevista ao Corriere. Em um comentário a uma
reportagem do The New York Times que discute como parte da ultradireita
americana vem se voltando contra o bilionário, ele disse que Musk ficou viciado
no apoio público desde que apareceu em comícios trumpistas na véspera da
eleição.
MUSK INFANTIL?
O
ex-estrategista foi ainda mais ácido ao falar ao Corriere. “Ele tem a
maturidade de uma criança. Francamente, as pessoas ao redor de Trump estão
cansadas dele. Vimos sua natureza intrusiva, sua falta de compreensão dos temas
importantes e seu apoio apenas a si mesmo. O único objetivo dele é se tornar
trilionário. Ele fará qualquer coisa para garantir que uma de suas empresas
seja protegida ou tenha um acordo melhor ou ganhe mais dinheiro. A aquisição de
riqueza e, por meio da riqueza, de poder: este é o objetivo dele. Os
trabalhadores americanos não vão tolerá-lo.”
O
caso que fez Bannon passar parte do ano passado na cadeia não foi o único que
ele enfrentou na Justiça. O estrategista também já foi acusado de fraude,
lavagem de dinheiro e conspiração devido a irregularidades em uma campanha de
arrecadação de recursos para construir o muro que separa EUA e México.
Preso
em 2020, ele pagou fiança. Em 20 de janeiro de 2021, horas antes de passar o
cargo de presidente para Joe Biden, Trump concedeu, durante a madrugada, perdão
presidencial a Bannon e a outros 142 aliados.
Fonte: Blog da
Boitempo/FolhaPress
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