quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O que é ansiedade digital e como ela se manifesta

Quando o assunto é saúde mental, a ansiedade é uma das doenças de maior abrangência no mundo, ao lado da depressão. Sozinhas, essas duas enfermidades são responsáveis por 60% dos casos mapeados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2022, sendo as mais comuns em pessoas de todas as idades. O Brasil, inclusive, é o país com a maior população ansiosa do mundo, como mostra uma pesquisa da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde). São cerca de 18,6 milhões de pessoas com essa condição, que ganha uma nova camada: a da ansiedade digital. 

“As manifestações de ansiedade são muito parecidas em seus diferentes quadros e ainda que não se tenha uma caracterização precisa da ansiedade digital que nos permita classificá-la como um transtorno próprio, diferente dos outros já conhecidos, é possível descrever características típicas dessa forma de ansiedade”, explica Guilherme Spadini, médico psiquiatra e Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), psicoterapeuta de adultos e adolescentes e professor da The School of Life, em São Paulo. 

Para entender melhor como a digitalização da vida cotidiana, maciçamente presente nas tarefas e até no lazer das pessoas atualmente, impacta na saúde mental gerando um tipo de transtorno, National Geographic conversou com o especialista e elencou três pontos importantes para compreender melhor a ansiedade digital. 

·        O que é a ansiedade digital? 

Spadini explica que algumas características próprias levam ao fenômeno da ansiedade digital e ajudam a conceituá-la. 

“Entre elas são o FOMO (Fear of Missing Out), que é o medo de perder informações ou eventos importantes, de ‘ficar por fora’; a pressão para disponibilidade constante; a comparação social, levando a sentimentos de inadequação e baixa autoestima; o risco de exposição social e perda de status social; e a sobrecarga de informações na forma de um excesso de estímulos que dificulta a concentração e aumenta o estresse”, detalha o psiquiatra.

·        Como as redes sociais deixam as pessoas mais ansiosas?

“Todos nós percebemos claramente esses efeitos e estudos científicos sobre o tema corroboram essa impressão”, destaca o médico, referindo-se a diversos documentos que vêm sendo publicados sobre o tema nos últimos anos. 

“O imediatismo e a constante disponibilidade dessas formas de comunicação geram muita ansiedade, frustrações (devido a expectativas irreais), comparações, etc. Há evidências de que o uso frequente está diretamente ligado à maior ansiedade”, explica. 

Mas o especialista alerta que as redes sociais estão entre um dos fatores que desencadeiam a ansiedade: “Essa correlação é multifatorial e há uma enorme variabilidade individual”, afirma.

·        Detox das redes sociais ajuda a evitar a ansiedade digital?

Ainda que não seja “necessariamente nocivo”, Spadini alerta que o exagero no consumo dos conteúdos de redes sociais tem toda a chance de causar danos ao indivíduo. 

“Quem nota que está exagerando e começa a sentir efeitos de estresse e ansiedade, sem dúvida, precisa pensar em medidas para restabelecer um equilíbrio, uma relação mais saudável com o mundo digital”, afirma o médico. 

“Algumas das dicas mais simples são estabelecer horários para algumas atividades (por exemplo, responder mensagens ou e-mails apenas em um horário delimitado); desativar as notificações-padrão; fazer pausas programadas no trabalho; e cuidar para ter uma rotina mais saudável – com tempo dedicado a exercícios físicosmeditação, passeios ao ar livre, por exemplo”, diz. Ele acrescenta ainda a importância da higiene do sono, evitando o uso de celular antes de dormir. 

¨      Como o uso das redes sociais pode afetar o cérebro

As redes sociais estão longe de ser uma moda passageira e é importante conhecer quais impactos que o seu uso diário pode ter na saúde. Algumas investigações científicas, por exemplo, já identificam o que o excesso de redes sociais pode causar ao cérebro.

Em um estudo de longo prazo sobre o desenvolvimento neural de adolescentes e o uso de tecnologia, pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, relatam que a checagem habitual das mídias sociais está ligada a mudanças no cérebro dos jovens e como eles respondem ao mundo ao seu redor. 

A publicação de janeiro de 2023 – disponível na revista científica especializada em saúde JAMA Pediatrics – sugere que crianças e adolescentes que crescem checando as mídias sociais a todo momento estão ficando com cérebros hipersensíveis a repostas sociais. 

·      Como as redes sociais podem afetar o cérebro

Segundo o estudo, as plataformas de redes sociais fornecem um fluxo constante e imprevisível de feedback social na forma de curtidas, comentários, notificações e mensagens, e isso influencia em como os jovens reagem às situações sociais na vida real. 

Os resultados da pesquisa, que acompanhou 169 jovens de 13 a 17 anos ao longo de três anos, indicou que os cérebros dos adolescentes que verificavam as redes sociais com frequência (mais de 15 vezes por dia) tornaram-se mais sensíveis neurologicamente à recompensas e punições sociais. 

·      Uso excessivo de redes sociais pode alterar a anatomia do cérebro

Já um estudo de pesquisadores ligados à Universidade da Califórnia do Sul, também nos Estados Unidos, identificou mudanças anatômicas no cérebro relacionadas ao vício em redes sociais. 

A pesquisa, que examinou vinte usuários de redes sociais com diferentes níveis de dependência, identificou alterações nos volumes de massa cinzenta, ou seja, na morfologia cerebral, de regiões específicas do cérebro que estão associadas ao vício

Em conclusão, o estudo mostrou que o uso abusivo de redes sociais causa alterações anatômicas no cérebro similares às relacionadas a outros vícios, como em substâncias e jogos de azar.

 

¨      O que acontece com seu cérebro quando você faz uma pausa nas redes sociais

Você acha que passa muito tempo navegando no seu celular? Você não está sozinho. O adulto norte-americano médio registra mais de duas horas por dia nas redes sociais, enquanto os adolescentes dobram esse tempo em plataformas como TikTok e Instagram.

Como os especialistas alertam sobre os recursos viciantes das redes sociais, mais pessoas estão procurando maneiras de se libertar – o que é comprovado por um aumento de 60% nas pesquisas do Google por “desintoxicação de mídia social” nos últimos meses.

Mas será que se afastar do seu feed realmente faz diferença? Os pesquisadores dizem que sim, e os benefícios para seu cérebro e bem-estar podem surpreendê-lo.

<><> Efeitos das redes sociais no cérebro

Muitos de nós suspeitamos que passamos muito tempo rolando a tela dos nossos celulares – uma preocupação ressaltada pela Oxford University Press, que escolheu “brain rot” (“apodrecimento do cérebro”, em tradução livre) como a palavra do ano de 2024

No entanto, encontrar a força de vontade para reduzir o tempo na Internet não é uma tarefa fácil, graças à forma como as redes sociais se ligam ao sistema de recompensa do nosso cérebro.

Anna Lembke, especialista em medicina do vício e autora do livro “Dopamine Nation: Finding Balance in the Age of Indulgence”, explica que as pessoas podem ficar viciadas em mídia digital da mesma forma que podem ficar viciadas em drogas

Com base no que sabemos sobre como as drogas e o álcool afetam o cérebro, podemos inferir que um processo semelhante ocorre quando verificamos as redes sociais, sendo que cada curtida, comentário ou vídeo de gato fofo desencadeia uma onda de dopamina, a substância química do cérebro que faz o cérebro se sentir bem.

Entretanto, nosso cérebro foi projetado para manter um equilíbrio geral de dopamina – o que Lembke descreve como um mecanismo de gangorra. A rolagem interminável nas redes acaba perturbando esse equilíbrio, levando o cérebro a compensar produzindo menos dopamina ou diminuindo sua transmissão. Com o tempo, isso pode nos levar a um estado de “déficit de dopamina”, em que precisamos de mais tempo online para voltar a nos sentir “normais”.

Fazer uma “pausa” nesse ciclo de dopamina induzido pela mídia social pode permitir que o cérebro redefina as vias de recompensa, explica Lembke, permitindo que paremos o tipo de consumo excessivo compulsivo que leva ao “brain rot” (“podridão cerebral”, em português).

Não existe uma solução única quando se trata de desintoxicação das redes sociais, afirma Paige Coyne, coautora de um estudo sobre os impactos na saúde de uma desintoxicação da mídia social de duas semanas em 31 jovens adultos. 

“O uso excessivo de redes sociais pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes”, diz ela, acrescentando que o essencial é estabelecer metas realistas para reduzir nosso consumo habitual das redes. “Algumas pessoas podem querer desistir totalmente, enquanto outras podem querer reduzir pela metade o tempo gasto nas redes sociais.”

Para ajudar a reconectar as vias de recompensa do cérebro, Lembke recomenda que você se abstenha pelo maior tempo possível – de preferência, pelo menos quatro semanas. Mas até mesmo pequenas pausas se mostraram eficazes para melhorar a saúde mental. Um estudo com 65 meninas de 10 a 19 anos descobriu que fazer uma pausa de três dias nas redes sociais melhorou a autoestima e a autocompaixão, resultando em menos vergonha do corpo.

<><> Como lidar com a abstinência das redes sociais

Se você decidir parar de usar as redes sociais por algumas semanas ou limitar seu uso diário por algum tempo, provavelmente descobrirá que os primeiros dias são os mais difíceis de superar, comenta Sarah Woodruff, coautora do estudo de desintoxicação da mídia social com Coyne.

É normal sentir “sintomas de abstinência, como desejos ou ansiedade, diz Lembke, pois o cérebro se ajusta aos níveis mais baixos de dopamina. Mas suportar essas sensações desconfortáveis permite que as vias de recompensa do nosso cérebro sejam reiniciadas e interrompam o ciclo de desejo e consumo. 

Eventualmente, os desejos cessarão e será mais fácil passar o dia sem os constantes acessos de dopamina. “Com o passar dos dias, as pessoas descobriram que a desintoxicação foi mais fácil do que esperavam”, diz Woodruff. “Assim que entraram em um ritmo, a maioria das pessoas gostou.”

Ao final da desintoxicação de duas semanas, em que o consumo de mídia social foi limitado a 30 minutos por dia, a maioria dos participantes relatou benefícios para a saúde mental, como maior satisfação com a vida, redução dos níveis de estresse e melhora do sono em comparação com o período anterior ao estudo.

Superar o obstáculo pode ser mais fácil se você unir forças com um ou mais amigos de desintoxicação. No estudo com meninas adolescentes, Tomi-Ann Roberts, professora de psicologia do Colorado College, nos Estados Unidos, pediu aos participantes que se comunicassem por meio de um grupo do WhatsApp durante cada dia do experimento para obter apoio. “Descobrimos que as meninas tinham sentimentos de desconexão e medo de ficar de fora”, diz Roberts, ”mas elas podiam compartilhar suas experiências com outras pessoas e se sentiam menos sozinhas.”

Além de reconectar as vias de recompensa do cérebro, fazer uma pausa temporária nas redes sociais pode nos tornar mais conscientes de nosso relacionamento com as plataformas de mídia social. “Podemos usar esse tempo para dar um passo atrás e ficar mais conscientes do que fazemos [nas redes sociais] e se isso nos beneficia”, explica Woodruff. “Coisas como: será que eu consigo fazer tudo o que preciso em um dia ou estou perdendo a interação cara a cara por causa das redes sociais?”

<><> Como manter o equilíbrio com as redes sociais

Após um período de desintoxicação, é importante criar barreiras de proteção para evitar voltar ao consumo excessivo compulsivo, diz Lembke. “Recomendo a criação de barreiras físicas ou mentais entre nós e as redes sociais”, afirma ela. “Coisas como não deixar o telefone celular no quarto ou desativar as notificações.”

Substituir as batidas rápidas de dopamina por tipos de gratificação menos instantâneos também pode ajudar a manter as vias de recompensa do cérebro em equilíbrio. “Fontes saudáveis de dopamina geralmente vêm com trabalho inicial”, diz Lembke, citando coisas como tocar um instrumento ou cozinhar. ”Quando nos envolvemos em ações que exigem nossa atenção, nosso cérebro libera dopamina com algum atraso, mantendo o equilíbrio geral sob controle.”

Por fim, os especialistas recomendam programar períodos de desintoxicação das redes sociais ao longo do ano para manter um uso equilibrado dessas mídias. “Não podemos nos livrar completamente delas atualmente”, afirma Woodruff, ”mas fazer uma pausa de vez em quando pode nos ajudar a reiniciar e fazer um balanço de como estamos usando essas plataformas e como elas nos fazem sentir.”

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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