O que é ansiedade
digital e como ela se manifesta
Quando o assunto
é saúde mental, a ansiedade é uma das
doenças de maior abrangência no mundo, ao lado da depressão. Sozinhas, essas
duas enfermidades são responsáveis por 60% dos casos mapeados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2022, sendo as mais comuns em pessoas de
todas as idades. O Brasil, inclusive, é o país com a maior população
ansiosa do mundo, como mostra uma pesquisa da OPAS (Organização Pan-Americana
de Saúde). São cerca de 18,6 milhões de pessoas com essa condição,
que ganha uma nova camada: a da ansiedade digital.
“As manifestações
de ansiedade são muito parecidas em seus diferentes quadros
e ainda que não se tenha uma caracterização precisa da ansiedade
digital que nos permita classificá-la como um transtorno próprio,
diferente dos outros já conhecidos, é possível descrever características
típicas dessa forma de ansiedade”, explica Guilherme Spadini, médico
psiquiatra e Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP),
psicoterapeuta de adultos e adolescentes e professor da The School of Life, em
São Paulo.
Para entender
melhor como a digitalização da vida cotidiana, maciçamente presente nas tarefas
e até no lazer das pessoas atualmente, impacta na saúde mental gerando um
tipo de transtorno, National Geographic conversou com o especialista
e elencou três pontos importantes para compreender melhor
a ansiedade digital.
·
O
que é a ansiedade digital?
Spadini explica
que algumas características próprias levam ao fenômeno da ansiedade
digital e ajudam a conceituá-la.
“Entre elas são
o FOMO (Fear of Missing Out), que é o medo de perder informações ou
eventos importantes, de ‘ficar por fora’; a pressão para disponibilidade
constante; a comparação social, levando a sentimentos de inadequação
e baixa autoestima; o risco de exposição social e perda de status social;
e a sobrecarga de informações na forma de um excesso de
estímulos que dificulta a concentração e aumenta o
estresse”, detalha o psiquiatra.
·
Como
as redes sociais deixam as pessoas mais ansiosas?
“Todos nós
percebemos claramente esses efeitos e estudos científicos sobre o tema
corroboram essa impressão”, destaca o médico, referindo-se a diversos
documentos que vêm sendo publicados sobre o tema nos últimos anos.
“O
imediatismo e a constante disponibilidade dessas formas de
comunicação geram muita ansiedade, frustrações (devido a expectativas irreais),
comparações, etc. Há evidências de que o uso frequente está
diretamente ligado à maior ansiedade”, explica.
Mas o especialista
alerta que as redes sociais estão entre um dos fatores que desencadeiam a
ansiedade: “Essa correlação é multifatorial e há uma enorme variabilidade
individual”, afirma.
·
Detox
das redes sociais ajuda a evitar a ansiedade digital?
Ainda que não seja
“necessariamente nocivo”, Spadini alerta que o exagero no consumo dos
conteúdos de redes sociais tem toda a
chance de causar danos ao indivíduo.
“Quem nota que está
exagerando e começa a sentir efeitos de estresse e ansiedade, sem dúvida,
precisa pensar em medidas para restabelecer um equilíbrio, uma relação
mais saudável com o mundo digital”, afirma o médico.
“Algumas
das dicas mais simples são estabelecer horários para algumas
atividades (por exemplo, responder mensagens ou e-mails apenas em um
horário delimitado); desativar as notificações-padrão; fazer pausas
programadas no trabalho; e cuidar para ter uma rotina mais saudável –
com tempo dedicado a exercícios físicos, meditação, passeios ao
ar livre, por exemplo”, diz. Ele acrescenta ainda a importância da higiene do sono, evitando o uso de
celular antes de dormir.
¨
Como o uso das redes sociais pode
afetar o cérebro
As redes sociais estão longe de ser uma moda passageira e é importante conhecer
quais impactos que o seu uso diário pode ter na saúde. Algumas investigações
científicas, por exemplo, já identificam o que o excesso de redes sociais pode
causar ao cérebro.
Em um estudo de longo prazo sobre o desenvolvimento neural
de adolescentes e o uso de tecnologia, pesquisadores da Universidade da
Carolina do Norte, nos Estados Unidos, relatam que a checagem habitual das
mídias sociais está ligada a mudanças no cérebro dos jovens e como eles
respondem ao mundo ao seu redor.
A publicação de janeiro de 2023 – disponível na
revista científica especializada em saúde JAMA
Pediatrics – sugere que crianças e adolescentes que crescem
checando as mídias sociais a todo momento estão ficando com cérebros
hipersensíveis a repostas sociais.
· Como as redes sociais podem
afetar o cérebro
Segundo o estudo, as plataformas de redes sociais
fornecem um fluxo constante e imprevisível de feedback social na forma de curtidas,
comentários, notificações e mensagens, e isso influencia em como os jovens reagem
às situações sociais na vida real.
Os resultados da pesquisa, que acompanhou 169
jovens de 13 a 17 anos ao longo de três anos, indicou que os cérebros dos
adolescentes que verificavam as redes sociais com frequência (mais de 15 vezes por dia) tornaram-se mais sensíveis
neurologicamente à recompensas e punições sociais.
· Uso excessivo de redes sociais
pode alterar a anatomia do cérebro
Já um estudo de pesquisadores ligados à Universidade da Califórnia do Sul,
também nos Estados Unidos, identificou mudanças anatômicas no cérebro
relacionadas ao vício em redes sociais.
A pesquisa, que examinou vinte usuários de redes
sociais com diferentes níveis de dependência, identificou alterações nos
volumes de massa cinzenta, ou seja, na morfologia cerebral, de regiões
específicas do cérebro que estão associadas ao vício.
Em conclusão, o estudo mostrou que o uso abusivo de
redes sociais causa alterações anatômicas no cérebro similares às relacionadas
a outros vícios, como em substâncias e jogos de azar.
¨ O que acontece com seu cérebro quando você faz uma pausa
nas redes sociais
Você acha que passa muito tempo navegando no seu celular? Você não está sozinho. O adulto norte-americano médio registra mais de duas horas por dia
nas redes sociais, enquanto os adolescentes dobram esse
tempo em plataformas como TikTok e Instagram.
Como os especialistas alertam sobre os recursos viciantes das
redes sociais, mais pessoas estão procurando maneiras de se libertar – o que é comprovado por um aumento de 60% nas pesquisas do Google
por “desintoxicação de mídia social” nos últimos meses.
Mas será que se afastar do seu feed realmente
faz diferença? Os pesquisadores dizem que sim, e os benefícios para seu cérebro e bem-estar podem surpreendê-lo.
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Efeitos das redes sociais no cérebro
Muitos de nós suspeitamos que passamos muito tempo rolando a
tela dos nossos celulares – uma preocupação ressaltada
pela Oxford University Press,
que escolheu “brain
rot” (“apodrecimento do cérebro”, em tradução livre) como a palavra do ano de 2024.
No entanto, encontrar a força de vontade para reduzir o tempo na
Internet não é uma tarefa fácil, graças à forma
como as
redes sociais se ligam ao sistema de recompensa do
nosso cérebro.
Anna Lembke, especialista em medicina do vício e autora do livro “Dopamine
Nation: Finding Balance in the Age of Indulgence”, explica que
as pessoas
podem ficar viciadas em mídia digital da mesma forma que podem ficar viciadas em drogas.
Com base no que sabemos sobre como as drogas e o álcool afetam
o cérebro, podemos inferir que um processo semelhante
ocorre quando verificamos as redes sociais, sendo que cada curtida, comentário ou vídeo de gato fofo desencadeia uma onda
de dopamina, a substância química do cérebro que faz o cérebro se sentir bem.
Entretanto, nosso cérebro foi projetado para manter um equilíbrio geral
de dopamina – o
que Lembke descreve como um mecanismo de gangorra. A rolagem interminável nas
redes acaba perturbando esse equilíbrio, levando o cérebro a compensar produzindo menos dopamina ou diminuindo
sua transmissão. Com o tempo, isso pode nos levar a um estado de “déficit de dopamina”, em que precisamos de mais tempo online para voltar a nos sentir
“normais”.
Fazer
uma “pausa” nesse ciclo de dopamina induzido pela mídia social pode permitir que o cérebro redefina as vias de recompensa, explica
Lembke, permitindo que paremos o tipo de consumo excessivo
compulsivo que leva ao “brain rot” (“podridão cerebral”, em português).
Não
existe uma solução única quando se
trata de desintoxicação das redes sociais, afirma Paige Coyne, coautora de um estudo sobre os impactos na saúde
de uma desintoxicação da mídia social de duas semanas em 31 jovens
adultos.
“O uso excessivo de redes sociais pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes”, diz
ela, acrescentando que o essencial é estabelecer metas realistas para reduzir nosso consumo habitual das redes. “Algumas pessoas
podem querer desistir totalmente, enquanto
outras podem querer reduzir pela metade o tempo gasto nas redes sociais.”
Para ajudar a reconectar as vias de
recompensa do cérebro, Lembke recomenda que você se abstenha pelo
maior tempo possível – de preferência, pelo
menos quatro semanas. Mas até mesmo pequenas pausas se mostraram
eficazes para melhorar a saúde mental. Um estudo com
65 meninas de 10 a 19 anos descobriu que fazer uma pausa de três dias nas
redes sociais melhorou a autoestima e a
autocompaixão, resultando em menos vergonha do corpo.
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Como lidar com a abstinência das redes sociais
Se você decidir parar de usar as redes sociais por algumas semanas
ou limitar seu uso diário por algum tempo, provavelmente descobrirá que os primeiros dias são os mais
difíceis de superar, comenta Sarah Woodruff, coautora do
estudo de desintoxicação da mídia social com Coyne.
É normal sentir “sintomas de abstinência”, como desejos ou ansiedade, diz Lembke, pois o cérebro se ajusta aos
níveis mais baixos de dopamina. Mas suportar essas sensações desconfortáveis permite que as vias de recompensa do nosso cérebro sejam
reiniciadas e interrompam o ciclo de desejo e consumo.
Eventualmente, os desejos cessarão e será
mais fácil passar o dia sem os
constantes acessos de dopamina. “Com o passar dos dias, as pessoas descobriram
que a desintoxicação
foi mais fácil do que esperavam”, diz Woodruff.
“Assim que entraram em um ritmo, a maioria das pessoas gostou.”
Ao final da desintoxicação de duas semanas, em que
o consumo de mídia social foi limitado a 30 minutos por dia, a maioria dos participantes relatou benefícios para a saúde
mental, como maior satisfação com a vida, redução dos níveis
de estresse e melhora do sono em comparação com o período anterior ao estudo.
Superar o obstáculo pode ser mais fácil se
você unir
forças com um ou mais amigos de desintoxicação. No estudo com meninas adolescentes, Tomi-Ann Roberts, professora de
psicologia do Colorado College,
nos Estados Unidos, pediu aos participantes que se comunicassem por meio de
um grupo do WhatsApp durante
cada dia do experimento para obter apoio. “Descobrimos que as meninas
tinham sentimentos
de desconexão e medo de ficar de fora”, diz
Roberts, ”mas elas podiam compartilhar suas experiências com outras pessoas e
se sentiam menos sozinhas.”
Além de reconectar as vias de recompensa do cérebro, fazer uma pausa temporária nas redes sociais pode nos tornar mais conscientes de nosso relacionamento com as plataformas de mídia social. “Podemos usar esse tempo para dar um passo atrás
e ficar mais conscientes do que fazemos [nas redes sociais] e se isso nos
beneficia”, explica Woodruff. “Coisas como: será que eu consigo fazer tudo o
que preciso em um dia ou estou perdendo a interação cara a cara por
causa das redes sociais?”
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Como manter o equilíbrio com as redes sociais
Após um período de desintoxicação, é
importante criar
barreiras de proteção para evitar voltar ao consumo excessivo
compulsivo, diz Lembke. “Recomendo a criação de barreiras
físicas ou mentais entre nós e as redes sociais”, afirma ela. “Coisas como não
deixar o telefone celular no quarto ou desativar as notificações.”
Substituir as batidas rápidas de dopamina por tipos
de gratificação menos instantâneos também pode ajudar a manter as vias de recompensa do
cérebro em equilíbrio. “Fontes saudáveis de dopamina geralmente vêm com trabalho inicial”, diz Lembke, citando coisas
como tocar
um instrumento ou cozinhar. ”Quando nos
envolvemos em ações que exigem nossa atenção, nosso
cérebro libera dopamina com algum atraso, mantendo o equilíbrio geral sob controle.”
Por fim, os especialistas recomendam programar períodos de
desintoxicação das redes sociais ao longo do ano para manter um uso equilibrado dessas mídias. “Não podemos nos livrar completamente delas
atualmente”, afirma Woodruff, ”mas fazer uma pausa de vez em quando pode nos ajudar a reiniciar e fazer um balanço de como estamos
usando essas plataformas e como elas nos fazem sentir.”
Fonte: National
Geographic Brasil
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