Com Trump
de volta, empresas nos EUA desistem de diversidade
Nos Estados Unidos, o jargão do
mundo corporativo "diversidade, equidade e inclusão" (DEI) virou algo
tão polarizador que grandes corporações como Meta, McDonald's, Walmart, Boeing e Ford começaram a rever suas políticas nessa seara.
Para especialistas, isso não
necessariamente quer dizer que as empresas já não se importem mais com o tema,
mas é um sinal de que elas estão repensando estratégias para se manter livre de
encrencas. O recuo vem após o aumento de processos judiciais e de campanhas
online de conservadores que alegam sofrer discriminação reversa – e parece ter
ganhado força após a vitória eleitoral de Donald
Trump.
"Cada líder corporativo
agora lida com o fato de que DEI em 2025 vai ser algo muito mais controverso,
vai ser um risco, e isso é algo que eles terão que gerenciar", diz à DW a
estrategista em DEI Lily Zheng.
·
O que é DEI e quem se beneficia disso?
O conceito de DEI floresceu
por todo o país nas últimas décadas – principalmente desde os protestos Black Lives Matter ("Vidas
Negras Importam"), surgidos na esteira do assassinato de George Floyd por
policiais em 2020.
Muitas companhias
implementaram treinamentos para identificar vieses discriminatórios
e programas de mentoria para incentivar grupos sub-representados. Também
passaram a considerar critérios de diversidade na hora de contratar ou promover
funcionários.
Políticas como essas visam
não só criar ambientes de trabalho como também ambientes institucionais e de
aprendizado mais justos.
Ao encorajar a representação
e a participação de pessoas de diferentes gêneros, raças, habilidades,
orientações sexuais, dentre outros marcadores de identidade, espera-se
identificar e remediar desigualdades e discriminação sistêmica.
É sobre "criar um campo
de jogo nivelado para todo mundo", resume David Glasgow, diretor-executivo
do Meltzer Center para Diversidade, Inclusão e Pertencimento da Universidade de
New York (NYU).
Ele explica que as políticas
de DEI não são só uma questão moral, mas também de mercado: estudos mostram que
priorizar a diversidade de talentos leva a mais inovação e criatividade, além
de ajudar empresas a se conectar com uma base de consumidores mais plural.
·
Ofensiva anti-DEI nos tribunais
Mas o DEI está longe de ser
um consenso nas instituições e no ambiente corporativo.
Glasgow afirma que o número
de processos contra ações afirmativas cresceu significativamente desde que uma
decisão da Suprema Corte em junho de 2023 classificou como ilegais as seleções
no ensino superior baseadas em critérios raciais. A decisão acabou impactando
também outros setores.
Ativistas contrários às
políticas de DEI não se cansam de atacá-las. Em novembro de 2024, um desses
ativistas, Robby Starbuck, chegou até mesmo a atribuir o encerramento do
programa de DEI do Walmart à sua militância.
Outro desses ativistas é
Stephen Miller, ex-conselheiro em política externa que volta à Casa Branca como
nomeado por Trump. Miller já processou a Meta e a Amazon, alegando que as
políticas de diversidade dessas empresas discriminam brancos.
Algumas dessas ações
judiciais surtiram efeito. Em setembro, o Fearless Fund, iniciativa de apoio a
empreendimentos tocados por grupos marginalizados, anunciou que fecharia
permanentemente seu programa de bolsas para mulheres negras como parte de um
acordo com um grupo de conservadores liderados pelo ativista Edward Blum. Eles
alegavam que o programa violava a Lei de Direitos Civis de 1866 por
supostamente discriminar pessoas com base em critérios raciais.
Quando Trump assumir a
Presidência dos EUA em 20 de janeiro, processos do tipo podem ganhar ainda mais
tração, afirma Glasgow: "Ele vai indicar mais juízes com interpretações
conservadoras da lei antidiscriminação. Então, alguns dos processos que estamos
monitorando, eu espero que tenham um desfecho anti-DEI."
·
Empresas na berlinda
Glasgow diz entender algumas
críticas às políticas de DEI, como as feitas contra as abordagens de teor mais
acusatório, ou que não são consistentes nem efetivas. "Mas acho que há uma
ofensiva mais ampla contra o progresso em questões de justiça social",
pondera.
O maior empregador do livre
mercado americano, a rede varejista Walmart, não respondeu à DW por que decidiu
encerrar um programa de talentos que visava aumentar a diversidade racial e
promover a equidade dentro da empresa.
Outra grande companhia que
desistiu dessas práticas disse que não comentaria o assunto por causa da má
repercussão.
Ao anunciar o fim de seus
programas de diversidade, a Meta – empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – justificou a decisão alegando mudanças no "cenário legal e
político em torno dos esforços de diversidade, inclusão e equidade nos Estados
Unidos".
Zheng, que é estrategista em
DEI, acha que alguns empresários ficaram assustados com um ambiente corporativo
mais cheio de riscos. Para ela, eles temem que estejam "tomando decisões
que infelizmente terão um impacto provavelmente grande sobre sua imagem, sua
reputação, sua capacidade de reter funcionários, sua moral".
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Questão de rebranding?
Por ora, a grande maioria do
mundo corporativo americano ainda mantém políticas de DEI, segundo um estudo do
centro de pesquisas de mercado The Conference Board, uma entidade sem fins
lucrativos. Oito em cada 10 empresas ouvidas disseram ainda planejar manter ou
expandir essas políticas pelos próximos três anos.
Zheng se mantém otimista.
Ela acha que mesmo as empresas que estão revendo essas políticas e alardeando
menos seus compromissos ainda podem manter seus valores. "Talvez eles
agora chamem isso [DEI] de 'pertencimento'. Talvez estejam focando em justiça.
De qualquer forma, boa parte desses compromissos já existentes não parece estar
mudando", afirma.
E de fato, semanas depois de
Trump ganhar as eleições, o Walmart atualizou seu site e rebatizou de
"pertencimento" uma seção antes intitulada "pertencimento,
diversidade, equidade e inclusão".
Indagado sobre as mudanças
de estratégia do Walmart e de outras grandes empresas, Glasgow diz não achar
que a mensagem passada seja de que eles "não se importam mais em ter um
ambiente de trabalho diverso", e sim que não adotarão mais
"certos tipos de programas de DEI".
Mas Zheng aponta que a falta
de metas claras de DEI "pode levar a menos investimentos" na área e
maior desprestígio dessas políticas perante a opinião pública.
¨ Retirada
dos EUA da OMS seria "gol contra" de Trump
O presidente eleito Donald
Trump estaria pronto para retirar os Estados Unidos
da Organização Mundial da Saúde (OMS) no primeiro dia de seu novo mandato na Presidência dos EUA. Especialistas, porém, alertam que essa mudança seria prejudicial tanto
para a entidade quanto para o país.
Trump, que será empossado
para um segundo e último mandato como presidente dos EUA em 20 de janeiro, já
tentou retirar o país da OMS em julho de 2020, no final da sua primeira
administração.
No entanto, cortar
totalmente os laços com a OMS não é algo que possa ocorrer da noite para o dia
devido a uma resolução de longa data do Congresso americano que exige que o
presidente envie um aviso prévio de um ano e pague quaisquer obrigações
pendentes.
Esse cronograma permitiu que
a decisão de Trump pudesse ser revertida com a vitória de Joe Biden nas eleições de 2020, poucos meses após o decreto de Trump.
Dessa vez, no entanto, Trump
não enfrentaria as mesmas barreiras. Em seu primeiro dia no cargo, ele
poderia notificar a saída dos EUA da OMS já a partir de janeiro de 2026.
<><> EUA são
maior contribuinte
Uma provável saída dos EUA
da OMS seria um golpe duro para o orçamento da organização e sua capacidade de
coordenar programas e políticas internacionais de saúde.
A OMS é uma agência da ONU
composta por 196 Estados-membros que a financiam por meio de contribuições
fixas baseadas nos tamanhos do Produto Interno Bruto (PIB) e da população num
ciclo de financiamento de dois anos.
Os EUA respondem por quase
um quarto desses fundos, à frente da China, do Japão e da Alemanha.
Os países também podem fazer
contribuições voluntárias, o que os EUA também fazem. No ciclo atual, os
americanos já contribuíram com quase 1 bilhão de dólares (R$ 6,1 bilhões) para
o orçamento da OMS.
Porém, em torno de metade do
financiamento da OMS vem de organizações não governamentais. Por exemplo, centenas
de milhões de dólares foram doados pela Fundação Bill & Melinda Gates, o
que, em termos gerais, a torna a segunda maior doadora.
Contribuições direcionadas
por doadores ou "específicas" – nas quais o doador determina como e
onde o dinheiro deve ser utilizado – respondem por mais de 70% do orçamento
total.
Isso representa um grave
problema estrutural para as operações da OMS, de acordo com Gian Luca Burci, um
ex-advogado da entidade que trabalha atualmente como especialista em direito da
saúde global no Graduate Institute de Genebra.
"Os doadores impõem
muitas condições, o que faz com que a OMS se torne demasiadamente orientada por
eles", diz Burci. "Os EUA recebem muito em termos de retorno por
relativamente pouco dinheiro."
"Há muitas questões às
quais os EUA dão muita importância, independentemente de quem esteja na Casa
Branca", acrescenta o especialista. "Em particular no que diz
respeito a emergências de saúde, pandemias, surtos de doenças, mas também em
termos de obter dados sobre o que ocorre dentro dos países."
A perda de seu principal
contribuinte financeiro deixaria a OMS com poucas opções para compensar o
déficit: os demais Estados-membros teriam de aumentar suas contribuições, ou
seu orçamento para atuar precisaria ser reduzido.
<><> Prejuízo
também para os EUA
A relação entre a OMS e
Trump começou a se deteriorar em 2020, quando ele acusou a entidade de ser uma
"marionete da China" devido a suas ações durante a pandemia de
covid-19.
"Ele continua a
criticar a China e a afirmar que a OMS está no bolso dos chineses, e que a
China a influencia", disse Lawrence Gostin, professor de direito da saúde
global na Universidade de Georgetown e diretor do Centro Colaborador da
OMS para Direito da Saúde Pública e Direitos Humanos.
Gostin avalia que sair da
OMS seria um "gol contra" dos EUA e custaria a "enorme
influência" que o país exerce sobre a instituição.
"Acho que seria
profundamente adverso aos interesses de segurança nacional dos EUA. Abriria a
porta para a Federação Russa, China e outros. Ou ainda África do Sul, Índia e
México", diz Gostin.
¨ Maior risco de surtos de doenças
A saída americana também
tornaria o mundo um lugar menos saudável e seguro. Ao se isolar da comunidade
global de saúde, os EUA iriam se colocar em desvantagem no que diz respeito à
proteção durante surtos de doenças.
"Há muitas
coisas que os Estados Unidos podem fazer sozinhos, mas impedir que novos
patógenos cruzem suas fronteiras não é uma delas", diz Gostin.
Como exemplo, ele destaca as
preocupações atuais com a gripe aviária H5N1 nos EUA. "Não teremos acesso
às informações científicas de que precisamos para poder combater a doença, uma
vez que a gripe aviária é um patógeno que circula globalmente."
"A OMS tem um centro para
gripes que monitora todas as cepas ao redor do mundo. [Os Centros de Controle e
Prevenção de Doenças dos EUA] são um parceiro muito próximo, e usamos esses
dados para desenvolver vacinas e tratamentos. Estaríamos voando às cegas",
diz Gostin.
¨ Ameaça poderia levar a reformas
A saída dos EUA da OMS
certamente mudaria o relacionamento entre o país e a entidade, mas não
necessariamente iria encerrá-lo. Burci mantém um certo otimismo em relação ao
futuro dessas relação. Ele sugere que os EUA poderiam agir como as
organizações não governamentais e instituições de caridade, fazendo
contribuições voluntárias para programas que apoiam.
"[Eles] podem continuar
a financiar alguns projetos e atividades, então é possível que a OMS não perca
a totalidade da contribuição americana", afirmou.
Trump também se apresenta
como um líder negociador, o que significa que ele poderia usar a saída
americana como um instrumento para forçar reformas endossadas pelos EUA em
Genebra.
O desempenho da OMS vem
sendo criticado há muito tempo, e não apenas pelos EUA. Gostin observa que
algumas reformas começaram na esteira da forma como a entidade lidou com a
pandemia de covid-19.
A "agenda de
transformação" da OMS está em vigor há quase oito anos, e Trump
poderia ser capaz de forçar outras mudanças.
Gostin preferiria ver Trump
assumindo um papel de negociador em vez de adotar atitudes isolacionistas em
suas negociações com a OMS. "Ele poderia fazer um acordo com a OMS para
torná-la uma organização melhor, mais resiliente, mais transparente, o que
seria uma vitória para os Estados Unidos, para a OMS e para o mundo",
afirma o especialista.
Fonte: DW Brasil
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