quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Marinha segue tendência global de banir celulares em quartéis para proteger dados, diz analista

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o trabalho militar lida com informações estratégicas que não podem sair do âmbito da força, o que explica a decisão do comando da Marinha de reforçar a proibição ao uso de celulares por militares em serviço nos quartéis.

A proibição do uso de celulares dentro de quartéis da Marinha do Brasil vem causando polêmica entre militares da força. A determinação foi dada pelo Almirantado e divulgada por meio de comunicado enviado pela Diretoria de Comunicações e Tecnologia da Informação da Marinha.

A ordem bane a entrada de dispositivos como celulares, tablets e câmeras nos quartéis. Entre militares da força, a ordem ganhou repercussão também pelo fato de que grande parte da comunicação e das informações de trabalho circulam por meio do WhatsApp, aplicativo da empresa estadunidense Meta (atividades proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas).

Ademais, para alguns há o argumento de que, sem uma corregedoria e temendo punições ao fazer denúncias internamente, muitos militares recorrem ao registro de imagens para denunciar problemas e buscar melhorias nas condições de trabalho.

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a postura do Almirantado está de acordo com uma tendência global de proteção da força.

Robinson Farinazzo, especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil, explica que o comando da Marinha tem consciência de quais são as necessidades e fragilidades da força em relação à segurança.

"A Marinha sempre está preocupada com a segurança e operacionalidade. Então sempre existe uma razão em toda a decisão do comando. O comando tomou essa decisão porque ele tem os seus motivos justificados", afirma.

Ele frisa que a questão não envolve apenas o Brasil, mas também as Forças Armadas de outros países, e cita um episódio ocorrido em 2018, nos EUA, quando informações sensíveis sobre a localização, a equipe de bases militares e os postos de espionagem secretos do país foram divulgados inadvertidamente por militares em serviço que faziam uso do Strava — aplicativo de exercícios físicos que permite que usuários registrem e compartilhem seus treinos e que usa o GPS para criar um mapa das atividades.

Recentemente, o uso do mesmo aplicativo por militares da Marinha francesa resultou na divulgação de informações sigilosas sobre localização e programação da base de Brest, na região da Bretanha, onde fica o mais crítico componente naval de dissuasão nuclear da França: os quatro "barcos pretos", como são chamados os submarinos de mísseis balísticos de propulsão nuclear da França.

"Temor com relação à vigilância externa todas as Forças Armadas têm. Eu lembro que hoje estourou um escândalo na França de que um aplicativo que os marinheiros usavam revelou operações da base de um submarino. Esse mesmo aplicativo já tinha dado problema no Exército dos EUA com relação a vazar informações, então hoje é muito complicado."

O especialista acrescenta que é preciso lembrar que "o trabalho militar é um trabalho bastante sensível", com circulação de informações estratégicas que não podem sair do âmbito da força.

"Então é legítimo haver muita preocupação exatamente nesse sentido. A gente precisa lembrar que não são só os militares brasileiros que estão preocupados com isso."

Farinazzo destaca que as Forças Armadas do Brasil precisam ter "um serviço de mensagem instantânea, encriptado, com tecnologia de ponta, que seja o máximo possível refratário à decodificação".

"Agora isso demanda investimento, isso demanda uma estrutura. Eu acho que isso precisa ser pensado, e as autoridades precisam olhar isso com bastante carinho, principalmente no sentido de carregar recursos para a consecução de uma tarefa, uma necessidade urgente de um serviço de mensagens seguro para a operação das Forças Armadas."

Pedro Paulo Rezende, especialista em assuntos militares, destaca que a Marinha está apenas seguindo uma tendência mundial, uma vez que o uso de celulares dentro de unidades militares é restrito na maioria dos países.

Ele explica que a questão teve início quando um caça dos EUA fez um pouso de emergência por problemas de combustível na base de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro. A imagem do pouso foi registrada e chegou até o celular de um capitão de fragata da Marinha do Brasil.

"A imagem não deveria ser divulgada dessa forma, então surgiu esse problema que a Marinha resolveu enfrentar de maneira radical", explica.

Segundo Rezende, o argumento sobre celulares ajudarem no registro de possíveis irregularidades é bem questionável, uma vez que, dentro de uma organização militar, não é permitido mostrar dados que estão sob sigilo.

Ele acrescenta que o Brasil não tem uma tradição guerreira. A questão de segurança nas Forças Armadas é sempre deixada para segundo plano, mas considera que, no futuro, outras unidades militares, outras forças vão adotar medidas similares, que poderiam impedir casos de vazamento que causem controvérsia, como o ocorrido no ano passado.

"O Exército teve imagens de uma formatura divulgada e, na formatura, comemoraram com funk", afirma.

 

¨      Selfie faz Marinha prender advogado por atentado à segurança. Por Marcelo Auler

Em mais um sinal do autoritarismo impregnado nas Forças Armadas, o advogado Adriano Carvalho da Rocha (OAB 2344.219), 49 anos, especializado em Direito Militar, foi preso em flagrante acusado do crime previsto no Código Penal Militar (CPM) como sendo contra a Segurança Externa do País simplesmente por fazer uma selfie, de si próprio, lendo um documento de sua autoria, em uma unidade do 1º Distrito Naval, na Praça Mauá, centro do Rio de Janeiro. Rocha foi à unidade militar protocolar um pedido em nome de um seu cliente. Diante da recusa do comandante da unidade em recebê-lo, decidiu registrar a entrega do documento. Para isso, optou pela selfie na qual leria a íntegra do documento. Foi impedido por militares. Recorreu a outra sala e fez alguma gravação quando então recebeu voz de prisão às 15h00 da segunda-feira (13/01).

Ele permaneceu incomunicável por mais de duas horas, sem direito sequer de ir ao banheiro, mesmo depois que urinou na calçada na sala onde foi isolado. Somente às 17h00 lhe foi permitido um telefonema – através de um aparelho diferente do seu – quando conseguiu pedir auxílio da Comissão de Prerrogativa da OAB do Rio. O presidente desta, James Walker, foi para lá junto com outros dez advogados.

Crime Contra a Segurança Externa do País

Todos passaram a madrugada ali, uma vez que os militares encarregados de lavrarem o flagrante, “além de não terem nenhuma habilidade ou capacidade de realizar um auto de prisão, ainda ironizavam, faziam chacotas e inutilizavam, de forma propositada, os documentos alegando erros”, como denunciou Walker. Demoraram até às 05h00 para concluir o procedimento.

Assinado pela tenente Monalisa Pimentel Souza de Farias, presidente do Auto de Prisão em Flagrante, Rocha, além do “crime de desobediência” (Art.301 do CPM), cuja pena é, no máximo, de detenção de até seis meses, foi indiciado também no artigo 147 que se encontra no Capítulo I do CPM – “Dos Crimes Contra a Segurança Externa do País.

Ele prevê pena de reclusão de até quatro anos (se o fato não constituir pena mais grave) por “fazer desenho ou levantar plano ou planta de fortificação, quartel, fábrica, arsenal, hangar ou aeródromo, ou de navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado, utilizados ou em construção sob administração ou fiscalização militar, ou fotografá-los ou filmá-los”. Ou seja, o acusaram de filmar a unidade militar. O recurso ao artigo 147, no entendimento do presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB foi uma artimanha para manterem o advogado preso:

“Vendo que a única conduta que poderia ser atribuível a ele seria um suposto crime de desobediência – por insistir em gravar – e esse crime tem pena muito pequena de seis meses, ou seja, eles assinariam um termo circunstanciado e ele iria embora, imputaram-lhe falsamente, pasmem, ‘atentado à segurança externa do país’. Ou seja, um advogado, fez um vídeo dentro de uma salinha de protocolo dentro de uma unidade militar, um vídeo selfie, foi enquadrado no artigo 147 do CPM como alguém que praticou um atentado à segurança externa. Isso foi utilizado apenas para justificarem a manutenção do acusado preso”.

Em um aparente despreparo do flagrante, a primeiro-tenente encarregada de presidi-lo acabou oficiando ao Diretor da Unidade Integrada de Saúde Mental da corporação, pedindo um “exame pericial de sanidade mental” do preso. Escreveu ser necessário “um exame sumário de saúde, para encaminhamento ao Presídio da Marinha”.

O preso recusou-se a se submeter a esse exame por não saberem “emitir guia para exame de corpo delito. Além disso, essa exigência configura violação de Direitos Humanos e configura insinuação de incidente de insanidade mental”.

Provavelmente a tenente desconhecia que o Exame de Corpo Delito de um civil, ainda que preso por organização militar, precisa ser feito junto ao Instituto Médico Legal (IML), sendo que deve ser solicitado por uma autoridade policial civil. Ou seja, um delegado de polícia.

Por isso é que na manhã desta terça-feira (14/01), o advogado foi levado à 5ª Delegacia de Polícia, no centro da cidade, onde o capitão-tenente Wagner Monteiro Moura solicitou a expedição do encaminhamento para um exame de corpo delito do preso no IML, o que acabou acontecendo apenas no início da tarde.

Na 5º Delegacia, o capitão-tenente, ainda que de forma gentil, chegou ameaçar usar a força quando os advogados, tendo à frente Walker, deixaram claro que não permitiriam que a escolta da Marinha levasse o colega antes da chegada de uma delegada. O presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados conduziu o colega para o lado de dentro da delegacia policial e provocou o oficial militar:

“Daqui ele não sai mais. Chame o seu comandante. Está acautelado por uma autoridade policial. Aqui o senhor não tem jurisdição. Ele tem prerrogativa de advogado. Foi torturado dentro de uma unidade militar. Daqui ele só sai por determinação de uma autoridade policial. Se o senhor quiser usar a força… o senhor acabou de nos ameaçar dizendo que ia usar a força contra nós. O senhor pega a sua arma. Pega a sua arma. A OAB já resistiu a isso em outros tempos. O senhor não vai fazer isso com um advogado e muito menos comigo. Peço ao senhor o mesmo respeito que estou lhe dando. Estou lhe tratando com o máximo respeito”.

Com receio de que o advogado fosse conduzido para o presídio militar, como constava do documento assinado pela tenente, ou mesmo para outra unidade onde os advogados não teriam acesso, a Comissão de Prerrogativa entrou em contato com o juiz federal da Justiça Militar Claudio Amin Miguel, que convocou todos imediatamente para a audiência de custódia.

Na audiência, a procuradora da Justiça Militar Hevelize Jourdan Covas Pereira considerou que não eram cabíveis os requisitos da prisão preventiva e solicitou a desconstituição da mesma, com a soltura do réu. Por si só já seria suficiente para que o juiz-auditor concedesse a liberdade ao preso, mas ele fez questão de registrar que também entendia que a prisão era incabível.

O presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas da OAB-RJ registrou queixa por abuso de autoridade dos militares que na segunda-feira deram a voz de prisão no advogado, tanto na 5ª Delegacia Policial, como na Delegacia de Polícia Federal. Com isso, o caso ainda deve render.

Procurada, a assessoria de imprensa do 1º Distrito Naval prometeu uma Nota Oficial que não foi emitida até o início da noite de terça-feira.

 

Fonte: Sputnik Brasil/Brasil 247

 

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