terça-feira, 6 de maio de 2025

Há mais pessoas autistas hoje em dia?

Você talvez já tenha visto vídeos nas redes sociais: "cinco sinais de que você pode ser autista". Talvez tenha ouvido falar das longas filas de espera para diagnóstico. Talvez saiba — ou sinta — que o número de pessoas consideradas autistas está crescendo, e rápido.

Há muito em jogo. Esses números têm significados muito diferentes para pessoas diferentes. Para alguns, o autismo é um medo (e se isso acontecer com meu filho?); para outros, é uma identidade — talvez até um superpoder.

Mas, afinal, qual é a verdade sobre o número de pessoas autistas — e o que isso realmente significa?

Para contar algo, primeiro é preciso definir o que exatamente está sendo contado.

Para que alguém receba o diagnóstico de autismo, é necessário apresentar "dificuldades persistentes na vida social e na comunicação social", afirma Ginny Russell, professora associada de psiquiatria na University College London (UCL) e autora do livro The Rise of Autism. Ela utiliza os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, conhecido como DSM.

Segundo ela, os comportamentos podem variar desde dificuldade em manter uma conversa até ausência total de fala.

Um segundo grupo de critérios envolve interesses restritos e comportamentos repetitivos. Isso inclui "abanar as mãos, balançar o corpo ou cutucar a pele, mas também seguir rotinas rígidas, como comer sempre o mesmo alimento", explica.

<><> Os dados

Mas qual é a evidência de que mais pessoas se encaixam nesses critérios hoje?

Russell liderou um estudo que analisou a evolução das taxas de diagnóstico de autismo no Reino Unido ao longo de 20 anos, com base em dados de cerca de 9 milhões de pacientes registrados em clínicas de medicina geral.

A pesquisa encontrou oito vezes mais novos diagnósticos de autismo em 2018 do que em 1998. "Foi um aumento enorme", diz ela, "melhor descrito como exponencial".

E esse fenômeno não é exclusivo do Reino Unido. Embora faltem dados em muitas partes do mundo, Russell afirma que "em países de língua inglesa e da Europa onde temos informações, há fortes indícios de que ocorreu um aumento semelhante nas taxas de diagnóstico".

Mas — e esse é um ponto crucial — um aumento no número de diagnósticos não significa necessariamente um aumento no número de pessoas autistas.

O estudo de Russell e outros semelhantes mostram que houve, de fato, uma grande elevação nos diagnósticos. Ou seja, há mais autismo hoje — pelo menos do ponto de vista estatístico. Mas será que esse crescimento se deve a uma ampliação dos critérios de diagnóstico, e não a um aumento real no número de pessoas autistas?

<><> Por que os diagnósticos estão aumentando?

A definição de autismo não permaneceu estática. Os primeiros estudos que descreveram o transtorno surgiram nas décadas de 1930 e 1940, segundo Francesca Happé, professora de neurociência cognitiva no King's College London, que pesquisa o tema desde 1988.

"As descrições originais falavam de crianças com grande necessidade de apoio, geralmente com fala muito tardia", afirma. "Algumas não falavam nada. E o foco era, claro, em crianças — principalmente meninos."

Essa definição foi ampliada nos anos 1990, quando a síndrome de Asperger foi incorporada aos manuais de diagnóstico. Pessoas com Asperger passaram a ser consideradas no espectro autista por apresentarem dificuldades sociais e comportamentos repetitivos, embora tivessem linguagem fluente e inteligência preservada.

O aumento de oito vezes nos novos diagnósticos apontado por Russell inclui os casos de Asperger, considerados um tipo específico de autismo.

Outra categoria acrescentada aos manuais foi o "transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação" (PDD-NOS, na sigla em inglês), uma espécie de "diagnóstico guarda-chuva" que também contribuiu para a alta nas estatísticas.

Hoje, os manuais usam o termo transtorno do espectro autista (TEA), que abrange casos anteriormente classificados como Asperger ou PDD-NOS.

Ou seja: a rede diagnóstica do autismo foi lançada mais ampla.

<><> Mulheres e meninas no espectro

Um grupo que vem sendo incluído com mais frequência nesse espectro ampliado é o de mulheres e meninas.

Estudos mostram que o aumento no número de diagnósticos tem sido muito mais rápido entre pessoas do sexo feminino do que do masculino.

É algo que Sarah Hendrickx, que participa de equipes de diagnóstico de autismo há mais de 15 anos, observa em seu trabalho.

"No começo, praticamente todos os pacientes eram homens. Hoje, quase todas as pessoas que atendo são mulheres", diz.

Ela mesma recebeu o diagnóstico de autismo já adulta e é autora do livro Women and Girls on the Autism Spectrum (Mulheres e Meninas no Espectro Autista).

Hendrickx acredita que o crescimento no número de diagnósticos reflete uma espécie de "acerto de contas" após décadas de invisibilidade de pessoas como ela.

Como o autismo era visto principalmente como um transtorno masculino, muitas meninas autistas eram diagnosticadas com problemas de saúde mental, como ansiedade social, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou transtorno de personalidade borderline.

Graças a um aumento nas pesquisas e a publicações como o próprio livro de Hendrickx, publicado pela primeira vez em 2014, hoje há mais compreensão sobre como o autismo se manifesta em meninas e mulheres.

Uma diferença importante entre os gêneros, segundo ela, é que meninas tendem a ser melhores em "mascarar" seus traços autistas — ou seja, imitam comportamentos de outras pessoas para se integrar socialmente.

<><> Diagnósticos em adultos

O crescimento nos diagnósticos também foi muito mais acelerado entre adultos do que entre crianças.

Para Hendrickx, isso mostra mais um aspecto da ampliação do espectro: ele passou a incluir pessoas com menor necessidade de apoio.

"Estamos falando de indivíduos sem deficiência intelectual", diz. "Pessoas com atrasos no desenvolvimento ou na fala costumavam ser diagnosticadas muito mais cedo, pois os sinais eram evidentes desde a infância."

Há dados que confirmam isso. Um estudo aponta que, entre 2000 e 2018, os novos diagnósticos de autismo em pessoas com deficiência intelectual aumentaram cerca de 20%, enquanto os diagnósticos em pessoas sem deficiência intelectual subiram 700%.

O "centro de gravidade" do autismo mudou.

Para Ellie Middleton, criadora de conteúdo e autora autista com TDAH, isso é positivo.

Aos 27 anos, ela diz que os céticos sobre o aumento dos diagnósticos deveriam, na verdade, se perguntar: "como todas essas pessoas passaram tanto tempo sem diagnóstico, sem apoio e sendo negligenciadas?"

Middleton conta que chegou a um estado grave de sofrimento mental antes do diagnóstico. "Aos 17 anos, eu tomava a dose máxima de antidepressivos permitida para um adulto", relata. "Não podia ficar sozinha, não conseguia sair de casa."

O diagnóstico de autismo, três anos atrás, a ajudou a mudar sua forma de viver e cuidar melhor da saúde mental.

Mas outras pessoas se preocupam com a forma como o autismo é retratado na mídia e nas redes sociais.

A exposição de celebridades pode "glamourizar" o autismo, diz Venessa Swaby, também autista e responsável por grupos de apoio a crianças autistas e suas famílias, por meio da organização A2ndvoice.

Enquanto isso, famílias com filhos autistas não verbais sentem que são "esquecidas".

Conforme o número de diagnósticos cresce, aumenta também a diversidade dentro da comunidade autista — o que, por sua vez, gera tensões sobre quem "tem direito" ao termo e o que ele significa.

<><> Causas ambientais

O aumento nas estatísticas também alimenta a conscientização — e isso gera um ciclo de retroalimentação: quanto mais diagnósticos, mais pessoas se informam, o que leva a ainda mais diagnósticos.

A internet e as redes sociais têm papel central nesse processo — assim como as especulações sobre as causas do crescimento.

Teorias já desmentidas, como a que ligava a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo, ainda circulam. Há também quem acredite que há algo na alimentação, na água ou no ar que estaria provocando mais casos.

Mas, como vimos, os dados indicam que o aumento nos diagnósticos se deve, sobretudo, a uma ampliação da definição de autismo — e há pesquisas sólidas que mostram que o autismo tem base majoritariamente genética.

Existem evidências de que causas ambientais poderiam ter algum papel, ainda que pequeno?

Russell investigou pesquisas sobre possíveis fatores ambientais e encontrou poucos que possam explicar parte do aumento.

"Há uma relação bem estabelecida entre idade dos pais e autismo", diz. "Quanto mais velhos os pais, maior a probabilidade de terem um filho autista — embora o efeito seja pequeno."

Ela também cita indícios relacionados a nascimento prematuro, infecções durante a gestação e complicações no parto.

Mas, segundo ela, é importante colocar esses fatores em perspectiva.

"Sinceramente, acredito que a imensa maioria do aumento se deve ao que chamo de cultura diagnóstica", afirma. "Nossa concepção do transtorno mudou — e isso é o que provocou o crescimento."

•        Relato: 'Ter dois filhos autistas levou aos melhores e mais difíceis momentos da minha vida'

James Hunt costumava passar os dias viajando a Londres, onde era coordenador de uma grande empresa de marketing.

Mas seus filhos, Jude e Tommy, foram diagnosticados com autismo quando eram pequenos e, desde então, ele cuida deles e dos pais em tempo integral.

James começou a escrever um blog sobre a vida da família há nove anos e agora tem mais de um milhão de seguidores nas redes sociais.

Nesta reportagem, ele conta sobre essa experiência e diz o que espera para o futuro dos filhos, que são adolescentes.

<><> 'Tinha muito mais perguntas do que respostas'

Quando meu filho mais velho, Jude, era bebê, ele engatinhava lentamente e não respondia quando lhe chamávamos pelo nome. Ele costumava olhar pela janela e parecia bastante distante. Era como se estivesse em outro mundo.

A mãe dele, Charlotte, minha ex-mulher, me falou das suas preocupações pela primeira vez quando ele tinha oito meses, mas eu pensei que ele estava um pouco atrasado por ter nascido prematuro.

Fomos ao médico várias vezes, até que em 2009 ele foi diagnosticado com autismo, quando tinha 18 meses.

Naquela época, a informação disponível era muito clínica; a maioria das coisas que líamos era do site do serviço de saúde britânico (NHS, sigla em inglês) e de revistas médicas. A gente não entendia direito o que estava escrito e tinha muito mais perguntas do que respostas.

Três anos depois, Tommy também foi diagnosticado com autismo, praticamente na mesma idade que o irmão.

A gente já sabia muito mais sobre autismo do que quando o Jude nasceu, mas eles eram crianças muito diferentes.

Não aproveitei tanto o primeiro ano de vida do Tommy porque passava grande parte do tempo o observando e buscando sinais.

Ele atingiu certos marcos muito mais rápido que o Jude, mas não fazia contato visual, se frustrava facilmente e gostava de brincar sozinho.

Na mesma época, Jude tinha quatro anos e começou a ter muitas crises e a se machucar fisicamente.

Jude não fala, o que tornava ainda mais difícil para ele explicar o que estava sentindo. Esse foi o período mais difícil da minha vida.

Ele costumava acordar à noite gritando e se batendo. Felizmente, à medida que Jude ficou mais velho, e aprendemos a atender às necessidades dele, a situação melhorou muito.

<><> 'Decidimos separar as crianças'

Infelizmente Tommy era um grande gatilho para Jude, por ser uma criança barulhenta e imprevisível. Ele se assustava com a automutilação e, em muitas situações, tínhamos que mantê-los longe um do outro.

Em 2016, minha esposa e eu tomamos uma decisão difícil: separar Jude e Tommy.

Nos sentimos culpados, como se estivéssemos fracassando. Mas, imediatamente após a separação, Jude se tornou uma criança diferente. Podíamos sentir que ele estava menos ansioso e soubemos, então, que aquela era a decisão certa.

Atualmente, moro em um anexo à casa dos meus pais e ajudo a cuidar do meu pai, que tem Párkinson, e da minha mãe, que tem demência, mas que hoje vive em uma casa de repouso.

Na frente da casa mora minha ex-mulher, o que torna mais fácil para a gente cuidar das crianças. Eu fico com um dos meninos algumas noites da semana e depois a gente troca, e eu fico com o outro. Os dois precisam de cuidados individuais e é impossível para eles morarem juntos.

Nunca imaginei viver assim. Não sei se algum dia eles vão conseguir viver juntos, mas sei que eles sempre farão parte da vida um do outro.

Gostaria de estar com os dois ao mesmo tempo, mas não tenho muito tempo livre. Neste momento, essa é a melhor opção para eles.

A escola deles tem nos ajudado a fazer com que eles se divirtam mais juntos.

<><> 'Tive um dos melhores dias com meus filhos'

Jude tem 16 anos e gosta de música e de fazer viagens longas de carro escutando a rádio. É um dos poucos lugares que se sente seguro e consegue relaxar.

Teve situações que ele ficou muito ansioso para viajar e a gente acabou ficando em casa, mas hoje ele está bem.

Tommy tem três anos e é travesso, divertido e tem curiosidade por tudo que o cerca. Gosta de folhear livros e de quebra-cabeças. Não é de falar muito, mas usa um dispositivo de comunicação.

Faz pouco tempo que tive um dos melhores dias da minha vida com Jude e Tommy.

Nas últimas vezes que tentamos fazer algo para celebrar o Natal, nada deu certo e foi muito trabalhoso para eles. Mas ano passado foi diferente. Fomos ver o Papai Noel e pudemos criar muitas memórias especiais.

<><> 'Tenho me conectado com gente do mundo inteiro'

Faz nove anos desde que comecei a compartilhar histórias das nossas vidas na internet, em um blog semanal. Depois abri uma conta no Facebook, Instagram e TikTok.

No início, era uma forma de mostrar aos meus amigos e à família como nossa vida realmente era. Jude e Tommy tinham dificuldade de ir a eventos sociais, então paramos de ir.

Nunca consegui encontrar palavras para explicar e queria mostrar o orgulho que sentia deles, por isso, comecei a escrever.

Nunca imaginei o quanto essas palavras ressoariam em outras histórias e o quanto isso me ajudaria.

Aprendi muito mais sobre autismo e me conectei com pessoas do mundo. Descobri uma paixão em ajudar outras famílias.

Tenho tido sorte de poder ganhar a vida através das redes sociais. Tive que deixar meu trabalho anterior para cuidar dos meus meninos.

No ano passado, comecei uma linha de roupas com mensagens positivas sobre autismo, deficiências e neurodivergência. Adoro receber mensagens de pessoas que contam ter visto alguém usando um dos moletons e que isso deu início a uma conversa.

Abri uma loja em Burnham-on-Crouch, no leste da Inglaterra, onde fazemos as roupas, empacotamos e enviamos os pedidos.

É um lugar que as pessoas podem visitar, temos uma sala sensorial na loja, e muitos pais vêm aqui para conversar um pouco.

Todas as pessoas que trabalham na loja são pais, cuidadores ou pessoas autistas, para que possam compartilhar suas experiências com os clientes.

<><> 'Aprendi a valorizar as coisas simples da vida'

Tenho buscado me concentrar nas coisas positivas e não pensar tanto no futuro, mas às vezes é muito difícil.

Vai ser um grande desafio quando eles deixarem a escola aos 19 anos.

Isso me dá muito medo, porque vou ter que confiar em um grupo de pessoas totalmente novo.

Espero que eles possam frequentar uma universidade de meio-período, mas isso é uma grande incógnita e decisões importantes precisarão ser tomadas.

Sinto que preciso viver para sempre para cuidar deles, e esse é o maior medo da maioria dos pais. Jude e Tommy vão precisar de apoio à vida toda, mas comecei a perceber que nem sempre vou ser capaz de fornecer isso a eles.

Não sei como será o futuro, mas tenho que pensar em como ajudá-los a viver de forma mais independente possível e prepará-los para quando eu não estiver mais aqui.

O autismo fez com que passássemos por altos e baixos que jamais imaginei.

Isso tem me ensinado a apreciar e aproveitar as coisas simples da vida, e eu só quero que as crianças sejam felizes.

Quando me lembro como se senti quando eles foram diagnosticados, gostaria de ter dito a mim mesmo que tudo ficaria bem.

Os primeiros anos podem ser assustadores. Você sente que não sabe o que está fazendo. Não guarde tudo para você, encontre pessoas com quem possa se abrir. Seus amigos e familiares querem te ajudar, mas ainda não sabem como.

Você passará pelos dias mais desafiadores e difíceis da sua vida, mas vai aprender muito com seus filhos, e seu amor por eles o ajudará a superá-los.

 

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Fonte: BBC News

 

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