Há
mais pessoas autistas hoje em dia?
Você
talvez já tenha visto vídeos nas redes sociais: "cinco sinais de que você
pode ser autista". Talvez tenha ouvido falar das longas filas de espera
para diagnóstico. Talvez saiba — ou sinta — que o número de pessoas
consideradas autistas está crescendo, e rápido.
Há
muito em jogo. Esses números têm significados muito diferentes para pessoas
diferentes. Para alguns, o autismo é um medo (e se isso acontecer com meu
filho?); para outros, é uma identidade — talvez até um superpoder.
Mas,
afinal, qual é a verdade sobre o número de pessoas autistas — e o que isso
realmente significa?
Para
contar algo, primeiro é preciso definir o que exatamente está sendo contado.
Para
que alguém receba o diagnóstico de autismo, é necessário apresentar
"dificuldades persistentes na vida social e na comunicação social",
afirma Ginny Russell, professora associada de psiquiatria na University College
London (UCL) e autora do livro The Rise of Autism. Ela utiliza os critérios do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, conhecido como DSM.
Segundo
ela, os comportamentos podem variar desde dificuldade em manter uma conversa
até ausência total de fala.
Um
segundo grupo de critérios envolve interesses restritos e comportamentos
repetitivos. Isso inclui "abanar as mãos, balançar o corpo ou cutucar a
pele, mas também seguir rotinas rígidas, como comer sempre o mesmo
alimento", explica.
<><>
Os dados
Mas
qual é a evidência de que mais pessoas se encaixam nesses critérios hoje?
Russell
liderou um estudo que analisou a evolução das taxas de diagnóstico de autismo
no Reino Unido ao longo de 20 anos, com base em dados de cerca de 9 milhões de
pacientes registrados em clínicas de medicina geral.
A
pesquisa encontrou oito vezes mais novos diagnósticos de autismo em 2018 do que
em 1998. "Foi um aumento enorme", diz ela, "melhor descrito como
exponencial".
E esse
fenômeno não é exclusivo do Reino Unido. Embora faltem dados em muitas partes
do mundo, Russell afirma que "em países de língua inglesa e da Europa onde
temos informações, há fortes indícios de que ocorreu um aumento semelhante nas
taxas de diagnóstico".
Mas — e
esse é um ponto crucial — um aumento no número de diagnósticos não significa
necessariamente um aumento no número de pessoas autistas.
O
estudo de Russell e outros semelhantes mostram que houve, de fato, uma grande
elevação nos diagnósticos. Ou seja, há mais autismo hoje — pelo menos do ponto
de vista estatístico. Mas será que esse crescimento se deve a uma ampliação dos
critérios de diagnóstico, e não a um aumento real no número de pessoas
autistas?
<><>
Por que os diagnósticos estão aumentando?
A
definição de autismo não permaneceu estática. Os primeiros estudos que
descreveram o transtorno surgiram nas décadas de 1930 e 1940, segundo Francesca
Happé, professora de neurociência cognitiva no King's College London, que
pesquisa o tema desde 1988.
"As
descrições originais falavam de crianças com grande necessidade de apoio,
geralmente com fala muito tardia", afirma. "Algumas não falavam nada.
E o foco era, claro, em crianças — principalmente meninos."
Essa
definição foi ampliada nos anos 1990, quando a síndrome de Asperger foi
incorporada aos manuais de diagnóstico. Pessoas com Asperger passaram a ser
consideradas no espectro autista por apresentarem dificuldades sociais e
comportamentos repetitivos, embora tivessem linguagem fluente e inteligência
preservada.
O
aumento de oito vezes nos novos diagnósticos apontado por Russell inclui os
casos de Asperger, considerados um tipo específico de autismo.
Outra
categoria acrescentada aos manuais foi o "transtorno invasivo do
desenvolvimento sem outra especificação" (PDD-NOS, na sigla em inglês),
uma espécie de "diagnóstico guarda-chuva" que também contribuiu para
a alta nas estatísticas.
Hoje,
os manuais usam o termo transtorno do espectro autista (TEA), que abrange casos
anteriormente classificados como Asperger ou PDD-NOS.
Ou
seja: a rede diagnóstica do autismo foi lançada mais ampla.
<><>
Mulheres e meninas no espectro
Um
grupo que vem sendo incluído com mais frequência nesse espectro ampliado é o de
mulheres e meninas.
Estudos
mostram que o aumento no número de diagnósticos tem sido muito mais rápido
entre pessoas do sexo feminino do que do masculino.
É algo
que Sarah Hendrickx, que participa de equipes de diagnóstico de autismo há mais
de 15 anos, observa em seu trabalho.
"No
começo, praticamente todos os pacientes eram homens. Hoje, quase todas as
pessoas que atendo são mulheres", diz.
Ela
mesma recebeu o diagnóstico de autismo já adulta e é autora do livro Women and
Girls on the Autism Spectrum (Mulheres e Meninas no Espectro Autista).
Hendrickx
acredita que o crescimento no número de diagnósticos reflete uma espécie de
"acerto de contas" após décadas de invisibilidade de pessoas como
ela.
Como o
autismo era visto principalmente como um transtorno masculino, muitas meninas
autistas eram diagnosticadas com problemas de saúde mental, como ansiedade
social, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou transtorno de personalidade
borderline.
Graças
a um aumento nas pesquisas e a publicações como o próprio livro de Hendrickx,
publicado pela primeira vez em 2014, hoje há mais compreensão sobre como o
autismo se manifesta em meninas e mulheres.
Uma
diferença importante entre os gêneros, segundo ela, é que meninas tendem a ser
melhores em "mascarar" seus traços autistas — ou seja, imitam
comportamentos de outras pessoas para se integrar socialmente.
<><>
Diagnósticos em adultos
O
crescimento nos diagnósticos também foi muito mais acelerado entre adultos do
que entre crianças.
Para
Hendrickx, isso mostra mais um aspecto da ampliação do espectro: ele passou a
incluir pessoas com menor necessidade de apoio.
"Estamos
falando de indivíduos sem deficiência intelectual", diz. "Pessoas com
atrasos no desenvolvimento ou na fala costumavam ser diagnosticadas muito mais
cedo, pois os sinais eram evidentes desde a infância."
Há
dados que confirmam isso. Um estudo aponta que, entre 2000 e 2018, os novos
diagnósticos de autismo em pessoas com deficiência intelectual aumentaram cerca
de 20%, enquanto os diagnósticos em pessoas sem deficiência intelectual subiram
700%.
O
"centro de gravidade" do autismo mudou.
Para
Ellie Middleton, criadora de conteúdo e autora autista com TDAH, isso é
positivo.
Aos 27
anos, ela diz que os céticos sobre o aumento dos diagnósticos deveriam, na
verdade, se perguntar: "como todas essas pessoas passaram tanto tempo sem
diagnóstico, sem apoio e sendo negligenciadas?"
Middleton
conta que chegou a um estado grave de sofrimento mental antes do diagnóstico.
"Aos 17 anos, eu tomava a dose máxima de antidepressivos permitida para um
adulto", relata. "Não podia ficar sozinha, não conseguia sair de
casa."
O
diagnóstico de autismo, três anos atrás, a ajudou a mudar sua forma de viver e
cuidar melhor da saúde mental.
Mas
outras pessoas se preocupam com a forma como o autismo é retratado na mídia e
nas redes sociais.
A
exposição de celebridades pode "glamourizar" o autismo, diz Venessa
Swaby, também autista e responsável por grupos de apoio a crianças autistas e
suas famílias, por meio da organização A2ndvoice.
Enquanto
isso, famílias com filhos autistas não verbais sentem que são
"esquecidas".
Conforme
o número de diagnósticos cresce, aumenta também a diversidade dentro da
comunidade autista — o que, por sua vez, gera tensões sobre quem "tem
direito" ao termo e o que ele significa.
<><>
Causas ambientais
O
aumento nas estatísticas também alimenta a conscientização — e isso gera um
ciclo de retroalimentação: quanto mais diagnósticos, mais pessoas se informam,
o que leva a ainda mais diagnósticos.
A
internet e as redes sociais têm papel central nesse processo — assim como as
especulações sobre as causas do crescimento.
Teorias
já desmentidas, como a que ligava a vacina tríplice viral (contra sarampo,
caxumba e rubéola) ao autismo, ainda circulam. Há também quem acredite que há
algo na alimentação, na água ou no ar que estaria provocando mais casos.
Mas,
como vimos, os dados indicam que o aumento nos diagnósticos se deve, sobretudo,
a uma ampliação da definição de autismo — e há pesquisas sólidas que mostram
que o autismo tem base majoritariamente genética.
Existem
evidências de que causas ambientais poderiam ter algum papel, ainda que
pequeno?
Russell
investigou pesquisas sobre possíveis fatores ambientais e encontrou poucos que
possam explicar parte do aumento.
"Há
uma relação bem estabelecida entre idade dos pais e autismo", diz.
"Quanto mais velhos os pais, maior a probabilidade de terem um filho
autista — embora o efeito seja pequeno."
Ela
também cita indícios relacionados a nascimento prematuro, infecções durante a
gestação e complicações no parto.
Mas,
segundo ela, é importante colocar esses fatores em perspectiva.
"Sinceramente,
acredito que a imensa maioria do aumento se deve ao que chamo de cultura
diagnóstica", afirma. "Nossa concepção do transtorno mudou — e isso é
o que provocou o crescimento."
• Relato: 'Ter dois filhos autistas levou
aos melhores e mais difíceis momentos da minha vida'
James
Hunt costumava passar os dias viajando a Londres, onde era coordenador de uma
grande empresa de marketing.
Mas
seus filhos, Jude e Tommy, foram diagnosticados com autismo quando eram
pequenos e, desde então, ele cuida deles e dos pais em tempo integral.
James
começou a escrever um blog sobre a vida da família há nove anos e agora tem
mais de um milhão de seguidores nas redes sociais.
Nesta
reportagem, ele conta sobre essa experiência e diz o que espera para o futuro
dos filhos, que são adolescentes.
<><>
'Tinha muito mais perguntas do que respostas'
Quando
meu filho mais velho, Jude, era bebê, ele engatinhava lentamente e não
respondia quando lhe chamávamos pelo nome. Ele costumava olhar pela janela e
parecia bastante distante. Era como se estivesse em outro mundo.
A mãe
dele, Charlotte, minha ex-mulher, me falou das suas preocupações pela primeira
vez quando ele tinha oito meses, mas eu pensei que ele estava um pouco atrasado
por ter nascido prematuro.
Fomos
ao médico várias vezes, até que em 2009 ele foi diagnosticado com autismo,
quando tinha 18 meses.
Naquela
época, a informação disponível era muito clínica; a maioria das coisas que
líamos era do site do serviço de saúde britânico (NHS, sigla em inglês) e de
revistas médicas. A gente não entendia direito o que estava escrito e tinha
muito mais perguntas do que respostas.
Três
anos depois, Tommy também foi diagnosticado com autismo, praticamente na mesma
idade que o irmão.
A gente
já sabia muito mais sobre autismo do que quando o Jude nasceu, mas eles eram
crianças muito diferentes.
Não
aproveitei tanto o primeiro ano de vida do Tommy porque passava grande parte do
tempo o observando e buscando sinais.
Ele
atingiu certos marcos muito mais rápido que o Jude, mas não fazia contato
visual, se frustrava facilmente e gostava de brincar sozinho.
Na
mesma época, Jude tinha quatro anos e começou a ter muitas crises e a se
machucar fisicamente.
Jude
não fala, o que tornava ainda mais difícil para ele explicar o que estava
sentindo. Esse foi o período mais difícil da minha vida.
Ele
costumava acordar à noite gritando e se batendo. Felizmente, à medida que Jude
ficou mais velho, e aprendemos a atender às necessidades dele, a situação
melhorou muito.
<><>
'Decidimos separar as crianças'
Infelizmente
Tommy era um grande gatilho para Jude, por ser uma criança barulhenta e
imprevisível. Ele se assustava com a automutilação e, em muitas situações,
tínhamos que mantê-los longe um do outro.
Em
2016, minha esposa e eu tomamos uma decisão difícil: separar Jude e Tommy.
Nos
sentimos culpados, como se estivéssemos fracassando. Mas, imediatamente após a
separação, Jude se tornou uma criança diferente. Podíamos sentir que ele estava
menos ansioso e soubemos, então, que aquela era a decisão certa.
Atualmente,
moro em um anexo à casa dos meus pais e ajudo a cuidar do meu pai, que tem
Párkinson, e da minha mãe, que tem demência, mas que hoje vive em uma casa de
repouso.
Na
frente da casa mora minha ex-mulher, o que torna mais fácil para a gente cuidar
das crianças. Eu fico com um dos meninos algumas noites da semana e depois a
gente troca, e eu fico com o outro. Os dois precisam de cuidados individuais e
é impossível para eles morarem juntos.
Nunca
imaginei viver assim. Não sei se algum dia eles vão conseguir viver juntos, mas
sei que eles sempre farão parte da vida um do outro.
Gostaria
de estar com os dois ao mesmo tempo, mas não tenho muito tempo livre. Neste
momento, essa é a melhor opção para eles.
A
escola deles tem nos ajudado a fazer com que eles se divirtam mais juntos.
<><>
'Tive um dos melhores dias com meus filhos'
Jude
tem 16 anos e gosta de música e de fazer viagens longas de carro escutando a
rádio. É um dos poucos lugares que se sente seguro e consegue relaxar.
Teve
situações que ele ficou muito ansioso para viajar e a gente acabou ficando em
casa, mas hoje ele está bem.
Tommy
tem três anos e é travesso, divertido e tem curiosidade por tudo que o cerca.
Gosta de folhear livros e de quebra-cabeças. Não é de falar muito, mas usa um
dispositivo de comunicação.
Faz pouco
tempo que tive um dos melhores dias da minha vida com Jude e Tommy.
Nas
últimas vezes que tentamos fazer algo para celebrar o Natal, nada deu certo e
foi muito trabalhoso para eles. Mas ano passado foi diferente. Fomos ver o
Papai Noel e pudemos criar muitas memórias especiais.
<><>
'Tenho me conectado com gente do mundo inteiro'
Faz
nove anos desde que comecei a compartilhar histórias das nossas vidas na
internet, em um blog semanal. Depois abri uma conta no Facebook, Instagram e
TikTok.
No
início, era uma forma de mostrar aos meus amigos e à família como nossa vida
realmente era. Jude e Tommy tinham dificuldade de ir a eventos sociais, então
paramos de ir.
Nunca
consegui encontrar palavras para explicar e queria mostrar o orgulho que sentia
deles, por isso, comecei a escrever.
Nunca
imaginei o quanto essas palavras ressoariam em outras histórias e o quanto isso
me ajudaria.
Aprendi
muito mais sobre autismo e me conectei com pessoas do mundo. Descobri uma
paixão em ajudar outras famílias.
Tenho
tido sorte de poder ganhar a vida através das redes sociais. Tive que deixar
meu trabalho anterior para cuidar dos meus meninos.
No ano
passado, comecei uma linha de roupas com mensagens positivas sobre autismo,
deficiências e neurodivergência. Adoro receber mensagens de pessoas que contam
ter visto alguém usando um dos moletons e que isso deu início a uma conversa.
Abri
uma loja em Burnham-on-Crouch, no leste da Inglaterra, onde fazemos as roupas,
empacotamos e enviamos os pedidos.
É um
lugar que as pessoas podem visitar, temos uma sala sensorial na loja, e muitos
pais vêm aqui para conversar um pouco.
Todas
as pessoas que trabalham na loja são pais, cuidadores ou pessoas autistas, para
que possam compartilhar suas experiências com os clientes.
<><>
'Aprendi a valorizar as coisas simples da vida'
Tenho
buscado me concentrar nas coisas positivas e não pensar tanto no futuro, mas às
vezes é muito difícil.
Vai ser
um grande desafio quando eles deixarem a escola aos 19 anos.
Isso me
dá muito medo, porque vou ter que confiar em um grupo de pessoas totalmente
novo.
Espero
que eles possam frequentar uma universidade de meio-período, mas isso é uma
grande incógnita e decisões importantes precisarão ser tomadas.
Sinto
que preciso viver para sempre para cuidar deles, e esse é o maior medo da
maioria dos pais. Jude e Tommy vão precisar de apoio à vida toda, mas comecei a
perceber que nem sempre vou ser capaz de fornecer isso a eles.
Não sei
como será o futuro, mas tenho que pensar em como ajudá-los a viver de forma
mais independente possível e prepará-los para quando eu não estiver mais aqui.
O
autismo fez com que passássemos por altos e baixos que jamais imaginei.
Isso
tem me ensinado a apreciar e aproveitar as coisas simples da vida, e eu só
quero que as crianças sejam felizes.
Quando
me lembro como se senti quando eles foram diagnosticados, gostaria de ter dito
a mim mesmo que tudo ficaria bem.
Os
primeiros anos podem ser assustadores. Você sente que não sabe o que está
fazendo. Não guarde tudo para você, encontre pessoas com quem possa se abrir.
Seus amigos e familiares querem te ajudar, mas ainda não sabem como.
Você
passará pelos dias mais desafiadores e difíceis da sua vida, mas vai aprender
muito com seus filhos, e seu amor por eles o ajudará a superá-los.
AJUDE-NOS
A CONTINUAR
PRECISAMOS
DE SUA COLABORAÇÃO
PIX
75981805156 (Francklin R. de Sá)
SUA
CONTRIBUIÇÃO É IMPORTANTE PARA QUE POSSAMOS CONTINUAR.
DESDE
JÁ AGRADECEMOS
Fonte:
BBC News

Nenhum comentário:
Postar um comentário