Tirar férias para
nadar? A mais nova tendência entre os amantes de 'slow travel'
As cúpulas
azul-claras da igreja de Nossa Senhora das Rochas podiam ser avistadas enquanto
nadávamos pela Baía de Kotor, em Montenegro, a partir da pitoresca vila de
pescadores de Dražin Vrt. Também havia cardumes de peixes do Mar Adriático, como
sardinhas e cavalinhas, além de anêmonas-do-mar e ouriços. A água era
cristalina, puxando para o azul caribenho. E, quando minha cabeça não estava
dentro d'água, a paisagem era de montanhas panorâmicas.
Essa experiência
maravilhosa foi o primeiro dia das férias para nadar nos fiordes de Montenegro
e arredores. Não foram férias em que ficamos pegando Sol na praia e demos
mergulhos esporádicos no mar — mas, sim, férias em que viajamos nadando em
grupo enquanto um barco transportava nosso equipamento de um lugar para outro.
Viajar de férias para nadar é a mais nova tendência em slow travel, se
deslocar pela água de ilha em ilha e de enseada em enseada, parando para
almoçar em uma cidade histórica ou em um pequeno vilarejo de pescadores, antes
de voltar ao mar para percorrer ainda mais a costa.
Por um tempo,
parecia que não importava o quanto nadássemos, a igreja situada no meio da baía
em um promontório rochoso, não estava ficando mais perto. O nado em si foi
gratificante, em águas claras e mornas cercadas por montanhas escarpadas, mas o
objetivo era a ilhota onde, reza a lenda, os marinheiros locais encontraram um
ícone da Virgem Maria e do Menino Jesus em uma rocha. Eles juraram que, após
cada viagem segura,
acrescentariam outra rocha até que a massa de terra gradualmente emergisse do
mar, coroada por uma igreja dedicada à Virgem Maria.
De repente, ela
ficou mais perto e, em poucos minutos, estávamos saindo da água, atraindo
olhares estranhos de uma festa de casamento que acontecia do lado de fora. A
tripulação do nosso barco de segurança nos passou toalhas e roupas, permitindo
que nos cobríssemos para que pudéssemos entrar e admirar o interior ornamentado
da igreja. A maioria das pessoas chega de barco a esse popular destino
turístico, mas nadar até lá me deu uma sensação de alívio que aqueles
pescadores deviam sentir quando voltavam para casa em segurança.
"Nadar oferece
a você uma visão única do mundo, porque você o vê a partir do nível do solo ou
do mar", diz Ella Foote, editora da revista Outdoor Swimmer e autora do
livro How to Wild Swim ("Como nadar na natureza", em
tradução livre).
"Mas também
porque grande parte do mundo se desenvolveu em torno de um corpo de água. A
maioria das grandes cidades cresceu em torno de rios ou ao longo da costa,
especialmente quando a água era o principal meio de transporte. No mundo
moderno, perdemos o que era uma conexão importantíssima com a água, e é
fascinante redescobri-la e chegar a um novo lugar a partir da água que o cerca
ou corre por ele."
Nosso grupo era
formado por 15 nadadores do mundo todo, com idades entre 20 e 60 e poucos anos.
Em comum, havia o amor pela natação, embora nossas habilidades fossem
diferentes. Havia desde nadadores de piscina razoavelmente competentes até
veteranos de águas abertas e triatletas experientes.
Fomos divididos em
três grupos de velocidades semelhantes (que podiam ser identificados por toucas
de natação de cores diferentes). Cada grupo era acompanhado por um pequeno barco
inflável, enquanto um barco maior transportava a gente e o nosso equipamento,
de um ponto de nado para o outro, além de servir de base para o almoço, troca
de roupa e para quem quisesse fazer uma pausa. Em média, nadávamos cerca de 5
quilômetros por dia; uma distância desafiadora que exige resistência e força,
mas saber que eu poderia optar por parar e sentar no barco a qualquer momento,
de alguma forma, tornava esse desafio mais fácil.
A natação como
lazer é popular há muito tempo no Reino Unido, desde o príncipe Henry Frederick
Stuart, irmão mais velho de Charles 1°, que morreu depois de contrair tifo
nadando no Rio Tâmisa, até os vitorianos que fizeram os resorts de banho de mar
virar moda. Mas talvez o grande "pioneiro" da natação tenha sido o
poeta romântico Lord Byron.
Em 1820, Byron, com
22 anos, atravessou a nado o Helesponto, um tumultuado estreito de 6,5
quilômetros na Turquia, hoje chamado de Dardanelos. A travessia a nado de
Troia, na Grécia, até Galípoli, na Turquia, liga a Europa à Ásia — e era famosa
na mitologia grega pelos nados noturnos de Leandro para encontrar sua amada.
"Eu havia lido
os relatos de Byron sobre suas viagens e sobre a travessia do Helesponto, e
decidi que era isso que eu queria fazer no meu aniversário de 30 anos",
conta Simon Murie, fundador da primeira empresa dedicada a viagens de férias
para nadar do mundo, a SwimTrek.
"Descobri que
a parte mais difícil não era a natação em si, mas obter as autorizações
necessárias, traçar a rota e encontrar um barco para me acompanhar. Percebi que
eu não poderia ser o único nadador a querer nadar de um lugar para outro, mas
suspeitei que muitos ficavam desanimados com a organização e, por isso, decidi
criar uma empresa que fizesse tudo isso, deixando os nadadores treinarem e só
comparecerem."
E assim, há 21
anos, a SwimTrek, baseada em Brighton, na costa sul do Reino Unido, foi
lançada, despertando diferentes reações.
"Nossa
primeira viagem foi nadar de ilha em ilha das Cíclades gregas. Eu havia feito
todos os preparativos e reservado as acomodações, mas na nossa primeira noite,
a proprietária do hotel havia dado todos os nossos quartos. Ela não conseguia
entender o conceito de que estaríamos realmente nadando lá!"
O erro foi
corrigido e, desde então, a SwimTrek expandiu suas operações. A empresa, que
levou 100 nadadores para quatro locais naquele primeiro ano, levou mais de 3
mil para 40 destinos diferentes ao redor do mundo em 2024. Posteriormente,
outras empresas entraram no mercado. Algumas oferecem uma variedade semelhante
de viagens e destinos, enquanto outras, como a The Big Blue Swim, são
especializadas em um punhado de ilhas gregas.
Minha viagem a
Montenegro foi com a Strel Swimming, que opera principalmente no Mediterrâneo e
em seus arredores. Fundada em 2010 por Martin e Borut Strel, pai e filho, a
empresa foi criada com base na experiência adquirida com as épicas maratonas
aquáticas de Martin.
"Martin foi a
primeira pessoa a nadar toda a extensão do Rio Amazonas, e eu trabalhei com ele
como guia e líder de expedição nesta e em suas travessias pelos rios Yangtze,
Mississippi, Danúbio e Paraná", conta Borut.
"Com todo o
nosso conhecimento e experiência, fazia sentido abrir nosso próprio negócio.
Começamos na Croácia e na Eslovênia em 2010, acrescentando novas viagens e
destinos ano após ano. A natação é uma atividade de baixo impacto no meio
ambiente e, como usamos hotéis, restaurantes, barcos e guias locais, nossos
grupos contribuem para a economia local."
No terceiro dia da
nossa viagem, nadamos ao redor da Ilha Mamula, que abriga uma impressionante
fortaleza austro-húngara construída para proteger a entrada da Baía de Kotor.
Na Segunda Guerra
Mundial,
ela foi usada como um campo de concentração.
"Provavelmente
sempre me lembrarei da ilha, das ondas e das correntes que mudavam à medida que
nadávamos ao redor dela, e duvido que isso aconteceria se eu a tivesse visto
apenas do barco", disse Nancy Meade, uma advogada de Anchorage, no Alasca.
Esta foi a segunda
vez que ela decidiu explorar a Europa a partir da água.
"O que há de
especial em tirar férias para nadar é que a viagem combina estar ativo e ao ar
livre o dia todo com uma ótima oportunidade de explorar de uma forma única. A
maioria dos turistas pode caminhar à beira-mar e talvez até fazer um passeio de
barco ou cruzeiro, mas passar o dia na água e ver as várias cidades pequenas a
partir da água é muito especial. Estar ao nível dos olhos da costa e das rochas
faz com que você se sinta parte do lugar, muito mais do que se passasse uma
semana em um barco olhando ao redor."
A ascensão das
viagens de férias para nadar anda de mãos dadas com o aumento da natação ao ar
livre e em águas abertas em geral. No Reino Unido, isso aconteceu após os Jogos
Olímpicos de Londres de 2012, que apresentaram o primeiro evento de natação em
águas abertas. No mundo todo, o hábito de nadar na natureza ganhou força
durante a pandemia de covid-19, quando a maioria
dos esportes em ambientes
fechados foi proibida.
Naturalmente, como
em qualquer viagem com atividade esportiva, há riscos — e proteções contra
eles. Guias treinados verificam os locais antes dos nados, e as rotas são
alteradas se o clima ou as condições da água não estiverem adequados.
Instruções de segurança são dadas no início de cada nado, e os guias ajudam e
incentivam os nadadores menos confiantes a aproveitarem ao máximo a viagem.
"Cada viagem
tem algo especial", diz Marlys Cappaert, que trabalha como guia da
SwimTrek há 10 anos.
"Gosto muito
dos momentos em que alguém supera um medo ou tenta nadar de uma forma que
achava que não conseguiria. A alegria quando eles conseguem é vertiginosa. E
também pode se tornar bastante emocionante. No meu primeiro ano, ao fim de uma
semana, uma senhora me procurou chorando. Ela me contou que, seis meses antes,
havia recebido um diagnóstico médico desafiador, e não tinha certeza se estaria
bem o suficiente para fazer a viagem, muito menos para completar os nados. Mas
ela conseguiu. Naquele momento, o grupo inteiro estava chorando."
Em nosso último
dia, seguimos pela costa da península de Luštica, e nadamos em um antigo túnel
submarino onde a Marinha da antiga Iugoslávia escondia suas embarcações
submarinas, prontas para emergir em caso de ataque.
Estava
assustadoramente frio e escuro lá dentro, e ficamos felizes ao emergir à luz do
dia e seguir para a costa, para as águas cristalinas da Caverna Azul. Dentro da
gruta, a luz do Sol refletia no fundo do mar de areia branca e deixava a água
com um tom azul-turquesa cintilante.
Alguns barcos a
motor com turistas tirando fotos pairavam perto da entrada da caverna, enquanto
nadávamos em seu interior, saboreando a experiência única que nosso modo de
viagem nos proporcionava.
Fonte: BBC Travel
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