Guerra
da Ucrânia na reta final? O que cada lado quer para acordo de paz
O futuro da Ucrânia foi o foco da Conferência de Segurança de Munique (MSC, na sigla
em inglês), poucos dias depois de um surpreendente telefonema entre o
presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no qual eles concordaram em iniciar negociações para acabar com a
guerra na Ucrânia.
Descrevendo o telefonema na semana passada como
"ótimo", Trump disse que havia uma "boa chance de encerrar
aquela guerra horrível e muito sangrenta". O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, advertiu que seu país não deve ser deixado de fora de nenhuma
negociação de paz.
Os aliados europeus pareceram, por sua vez,
surpresos com a natureza do telefonema, com o presidente francês, Emmanuel Macron, alertando que qualquer acordo de paz que envolvesse capitular diante
da Rússia terminaria "mal para todo mundo".
Ainda não está claro quando as negociações de paz
podem começar, mas, quando isso acontecer, as questões relacionadas ao
território, às negociações de segurança e ao futuro da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) vão estar
entre os principais pontos de discussão.
A
seguir, mostramos como cada um dos lados se posiciona.
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Que territórios a Ucrânia perdeu, e será que vão ser devolvidos?
Atualmente, Moscou controla cerca de um quinto do
território da Ucrânia, principalmente no sul e no leste.
Após a derrubada do presidente pró-Rússia da Ucrânia em 2014, a Rússia anexou a península da Crimeia, no Mar Negro, e apoiou os separatistas pró-Rússia em combates sangrentos nas regiões de Donetsk e Luhansk.
O conflito se transformou em uma guerra total há
quase três anos, após a invasão em larga escala da Rússia. As tentativas de Moscou de tomar a capital Kiev foram frustradas, mas
desde então as forças russas expandiram lentamente seu controle territorial,
principalmente no leste.
As forças ucranianas, apoiadas por armas e
equipamentos dos EUA e de aliados europeus, dificultaram ao máximo esses
avanços e, às vezes, conseguiram retomar territórios, além de realizar uma
contraofensiva no oeste da Rússia.
A Ucrânia sempre insistiu que qualquer acordo de paz deve incluir a retirada
total das tropas russas da Ucrânia de volta às fronteiras anteriores a 2014, incluindo da Crimeia, de Donetsk e Luhansk.
"Nós nunca vamos reconhecer territórios
ocupados como russos", disse Zelensky em uma entrevista coletiva durante a
MSC.
Em contrapartida, a Rússia anexou formalmente
mais quatro regiões do leste e sul da Ucrânia desde 2022, e quer que elas sejam reconhecidas como parte da Rússia — apesar de não estar no controle de todo o território nessas
regiões.
Em entrevista ao jornal britânico "The Guardian", Zelensky
sugeriu que o território controlado pela Rússia na Ucrânia poderia ser trocado pelo
território tomado pela Ucrânia na região de Kursk, no oeste
da Rússia, como parte de um acordo de paz.
Mas o Kremlin rapidamente descartou essa
possibilidade.
Até recentemente, os aliados ocidentais da Ucrânia defendiam a posição de Zelensky de que toda a Ucrânia, inclusive a Crimeia, deveria ser devolvida.
Mas o novo secretário de Defesa dos EUA, Pete
Hegseth, jogou um balde de água fria nessas esperanças, dizendo em uma
conferência, em fevereiro, que alcançar as fronteiras anteriores a 2014
era um "objetivo irrealista".
"Perseguir esse objetivo ilusório só vai
prolongar a guerra e causar mais sofrimento", ele afirmou.
·
A Ucrânia pode se tornar membro da Otan?
A Ucrânia quer entrar para a Otan, argumentando que a aliança militar
ocidental — na qual os membros se comprometem a defender uns aos outros em caso
de ataque — é a melhor maneira de garantir sua segurança.
Para Kiev, a invasão russa é a prova de que somente
a adesão à Otan pode garantir sua segurança.
No entanto, a Rússia sempre se opôs à ideia de a Ucrânia se tornar membro da aliança, temendo que isso levaria as forças da
Otan para muito perto de suas fronteiras.
Ao chegar para a MSC, Zelensky disse que a Ucrânia confiava nas garantias de segurança da Otan, antes de acrescentar
que acreditava que a adesão seria "a opção mais barata para todos".
A Europa precisa se unir em torno da Ucrânia para se proteger, ele afirmou.
Os membros da Otan têm argumentado consistentemente
que a Ucrânia deve se tornar um membro da aliança militar no futuro, com o
primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, dizendo a Zelensky que o país está
em "um caminho irreversível" para a adesão.
Mas essas garantias agora parecem menos sólidas,
depois que o secretário de Defesa americano minimizou as chances de a Ucrânia se tornar membro da Otan em qualquer acordo de paz.
"Os EUA não acreditam que a adesão da Ucrânia à Otan seja um desfecho realista de um acordo negociado",
afirmou Hegseth.
·
O que poderia garantir a segurança da Ucrânia?
Em outubro de 2024, Zelensky apresentou seu 'plano
para a vitória' ao Parlamento da Ucrânia, dando sua visão de como acabar com a guerra e garantir a segurança
da Ucrânia.
Além de reiterar a necessidade de adesão à Otan, o
plano incluía a proteção conjunta dos EUA e da União Europeia de recursos
naturais essenciais e a contenção da Rússia por meio de recursos de dissuasão não nuclear implantados em solo
ucraniano.
Donald Trump foi informado sobre o plano.
Mas se a Otan não estiver no futuro imediato
da Ucrânia, o país vai precisar encontrar outras maneiras — por exemplo, uma força
internacional de manutenção da paz — para tentar garantir sua segurança.
Zelensky diz que essas garantias devem ser
respaldadas pelos EUA, mas ao falar em Bruxelas antes da MSC, Hegseth disse que
não haveria tropas dos EUA enviadas para a Ucrânia como parte de qualquer plano de segurança.
No entanto, dois dias depois, o vice-presidente dos
EUA, J.D. Vance, afirmou que enviar tropas à Ucrânia "ainda está na mesa" de negociação, caso a Rússia não negocie um acordo de paz de boa fé.
"O presidente não está entrando nisso com a
visão limitada", disse ele ao Wall Street Journal.
Enquanto isso, fontes da área de defesa do Reino
Unido citadas pelo jornal The Times afirmam que os EUA poderiam fornecer alguma
forma de defesa aérea — possivelmente mísseis Patriot — a uma força de paz
na Ucrânia, em troca de acesso a minerais.
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EUA e Rússia formarão equipes para negociar fim da
guerra na Ucrânia
Os Estados Unidos e a Rússia formarão equipes para negociar o fim da guerra na Ucrânia, afirmou
o Departamento de Estado dos EUA nesta terça-feira (18).
O anúncio de Washington ocorreu após a reunião entre
autoridades dos dois países na Arábia Saudita, que
teve a Ucrânia entre os temas. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o
ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, concordaram em nomear
equipes de alto nível para começar o mais rápido possível a trabalhar por um
acordo que encerre o conflito.
Em resposta, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, criticou negociações feitas "pelas costas" de Ucrânia
e Europa e disse que os países europeus deveriam ser
incluídos nas tratativas pelo fim da guerra.
Zelensky também afirmou que não cederá a ultimatos
da investida americana e russa —ele já havia dito na segunda-feira que não participaria do
diálogo entre EUA e Rússia para discutir propostas para o fim da guerra e que não aceitará nenhuma proposta de paz vinda dessa negociação.
O encontro em Riade nesta
terça-feira marcou a primeira discussão oficial entre os dois países sobre um
acordo para o fim do conflito e ocorre
menos de uma semana após os presidentes dos EUA e da Rússia, Donald Trump e Vladimir Putin, falarem pelo telefone e concordarem
em iniciar "imediatamente" as negociações pelo fim do conflito.
O assessor de política externa da presidência
russa, Yuri Ushakov, afirmou que a reunião correu bem e que "foi uma
conversa séria sobre todas as questões", segundo a agência
de notícias russa Ifax.
Além de Rubio, o enviado especial de Trump para
assuntos no Oriente Médio, Steve Witkoff, e o assessor de segurança nacional
Mike Waltz, formaram a delegação americana. Do lado russo, o assessor de
política externa da presidência russa, Yuri Ushakov, acompanhou Lavrov.
A reunião também teve como
objetivo tratar sobre a restauração das relações bilaterais entre EUA e Rússia
e a preparação de um encontro entre o Trump e Putin, segundo o Kremlin. Ushakov disse também que detalhes sobre o encontro
entre os presidentes foram discutidos.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores
da Rússia, Maria Zakharova, pediu nesta terça-feira que a Otan volte atrás na
promessa de que a Ucrânia integraria a aliança militar, reforçando a posição do governo russo contra a adesão. Ainda não está
claro se a requisição foi apresentada aos EUA durante o encontro.
Durante a reunião entre as autoridades dos EUA e da
Rússia, o Kremlin afirmou em coletiva de imprensa em Moscou que os países
discordam em questões como a segurança da Ucrânia e alianças militares do país.
A presidência russa também disse que não vai ditar questões relativas à
soberania ucraniana.
O presidente ucraniano visitará a Arábia Saudita na
quarta-feira (19), em agenda que já estava prevista antes do encontro bilateral
EUA-Rússia ser anunciado.
A ligação entre Trump e
Putin reverteu anos de política dos EUA, encerrando o
isolamento de Moscou após a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, e
foi um choque à Europa, que agora se movimenta para não ficar de fora das
negociações para um acordo de paz no conflito.
Em paralelo, as autoridades americanas e russas
discutiram durante o encontro uma futura cooperação econômica entre EUA e
Rússia, incluindo preços globais no mercado de energia, afirmou o chefe do fundo
monetário independente russo, Kirill Dmitriev, à agência de notícias Reuters.
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Trump excluiu e isolou europeus do debate sobre o fim
da guerra na Ucrânia
A Europa finalmente parece ter despertado para a mudança de rota traçada pelo novo governo dos EUA, ainda que
esteja a reboque das investidas hostis à política de segurança que predomina há
80 anos no continente.
Diante das condições vulneráveis com que Trump
posiciona a aliança transatlântica, o presidente Emmanuel Macron convocou
às pressas uma reunião com os líderes dos principais países europeus nesta segunda-feira, ao mesmo tempo em que o secretário de Estado dos
EUA, Marco Rubio, desembarcou na Arábia Saudita para discutir as bases do fim
da guerra na Ucrânia com o ministro russo das Relações Exteriores,
Sergey Lavrov.
Em outras palavras, Trump excluiu e isolou os
europeus do debate sobre o confronto bélico que se desenrola há três anos em
seu continente, acenando diretamente para o ditador Vladimir Putin, com quem conversou na semana passada por 90 minutos.
O
presidente americano expôs a fragilidade europeia para a missão de ter de
defender a sua própria segurança e também a
da Ucrânia, que ficou de fora da mesa de negociações com a Rússia.
A
reação rápida e desarvorada do bloco, habituado a
tomar decisões na velocidade de um cágado, denotou o desassossego de parte de seus
governantes, que agora correm em busca de um papel expressivo na
busca por um cessar-fogo.
Num artigo publicado no “Daily Telegraph”, o primeiro-ministro do
Reino Unido, Keir Starmer, anunciou que está disposto a enviar tropas
britânicas para a Ucrânia como parte de
qualquer acordo de paz. Prestes a encontrar-se com Trump, o premiê trabalhista
defendeu o aumento de gastos com a defesa e um papel maior na Otan, como
insiste o presidente americano.
Na reunião de emergência, juntaram-se a Macron e
Starmer os chefes de governo de Alemanha, Polônia, Itália, Espanha, Holanda e
Dinamarca. Eles vão
tentar estabelecer a possível implantação de tropas europeias na Ucrânia para
dar suporte a uma futura linha de cessar-fogo.
A formação deste clube informal de líderes, como
afirmou Macron, indica também como a Europa está dividida e suscetível às
ofensivas da extrema direita e do presidente russo, num momento que contrasta
frontalmente com o da unidade do bloco demonstrada em fevereiro de 2022, quando
a Ucrânia foi invadida.
Nesse contexto, o discurso do
vice-presidente americano, JD Vance, em Munique, disse tudo a quem ainda tinha dúvidas sobre a ofensiva do atual
governo americano à aliança transatlântica e à mudança de rota ao modelo
europeu estabelecido no pós-guerra.
Vance
repreendeu os líderes europeus por afastar a extrema direita do processo
democrático. Ponderou que a maior ameaça ao continente vem de
dentro e não da Rússia ou da China, em alusão ao inimigo interno dos EUA,
delineado por Trump durante sua campanha eleitoral.
Numa afronta ao chanceler alemão, Olaf Scholz, e ao
candidato conservador Friedrich Merz, favorito nas eleições do próximo
domingo, Vance preferiu abraçar a
candidata do Alternativa para a Alemanha (AfD), Alice Weidel.
Por tabela, o vice-presidente americano legitimou os
símbolos e slogans do Terceiro Reich, que o partido de extrema
direita alemão tem registrados em seu DNA. É isso que também desnorteia os
aliados europeus dos EUA.
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Rússia diz que 'adesão da Ucrânia à Otan é inaceitável'
em reunião com os EUA para discutir guerra
Autoridades dos Estados Unidos e da Rússia estão reunidas nesta terça-feira (18) na Arábia Saudita para falar
sobre a guerra na Ucrânia.
O encontro marca primeira
discussão oficial entre os dois países sobre um acordo para o fim do conflito e ocorre menos de uma semana após os presidentes dos EUA e da
Rússia, Donald Trump e Vladimir Putin, falarem pelo telefone e
concordarem em iniciar "imediatamente" as negociações pelo fim do
conflito.
Como as tratativas ocorrem sem a presença de um
representante ucraniano, no entanto, são invalidadas pelo presidente Volodymyr Zelensky e também por líderes da Europa.
Durante o encontro, segundo a agência de notícias
Reuters, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria
Zakharova, reafirmou a posição do governo russo contra a promessa de adesão da
Ucrânia à Otan.
A adesão da Ucrânia à aliança é
inaceitável para a Rússia, mas uma simples recusa em aceitar o país também não
é suficiente, afirmou ela.
"Uma recusa em aceitar Kiev na OTAN não é
suficiente. A aliança deve repudiar as promessas de Bucareste de 2008. Caso
contrário, esse problema continuará a envenenar a atmosfera no continente
europeu", disse ela, referindo-se a uma cúpula em Bucareste, em abril de
2008.
Além da Ucrânia, na ocasião, a Otan também prometeu
à Geórgia que o país se juntaria à aliança de defesa liderada pelos EUA, mas
nenhum plano de como e quando isso ocorreria foi divulgado.
Zakharova ainda disse que a Ucrânia precisa retornar
à posição adotada em sua declaração de soberania de 1990 em relação à União
Soviética, na qual Kiev disse que se tornaria um estado permanentemente neutro,
não participaria de blocos militares e permaneceria livre de armas nucleares.
"O que a Ucrânia precisa fazer é retornar às
origens de seu próprio Estado e seguir a letra e o espírito dos documentos.
Esta seria a melhor garantia de sua segurança", disse ela, acrescentando
que nem a adesão à Otan nem a intervenção ocidental "sob o disfarce de um
contingente de manutenção da paz" poderiam dar à Ucrânia tal segurança.
De acordo com a agência de notícias TASS, a reunião
entre a Rússia e os Estados Unidos durou entre quatro e cinco horas. O assessor de política externa do presidente russo,Yuri Ushakov,
disse que "as negociações correram bem" e que é improvável que o
encontro entre Trump e Putin aconteça já na semana que vem, mas que ele irá
ocorrer.
À Reuters, o chefe do fundo soberano da Rússia,
Kirill Dmitriev, disse que as delegações russa e norte-americana começaram a
ouvir uma à outra, mas é muito cedo para falar sobre compromissos:
"Podemos dizer que as partes começaram a se
comunicar, começaram o diálogo".
Fonte: g1
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