Wilson Ferreira: A
extrema-direita tem um “Gabinete de Inteligência Semiótica”. E o Governo?
A humilhante
derrota do Governo no episódio da normativa do Pix da Receita Federal (voltando
atrás, passando recibo e pulverizando a credibilidade não só de um órgão
público, mas também dos próprios jornalistas do campo progressista que lutavam
contra a desinformação) revelou a extrema vulnerabilidade diante das operações
de um “gabinete de inteligência semiótica” na extrema-direita: a sinergia entre
o jornalismo corporativo e extrema-direita, fornecendo insights e munição para
a desinformação. Desde o episódio dos imóveis perdidos do Palácio da Alvorada e
reencontrados pela Comissão de Inventário (e depois bombado nas manchetes de
primeira página) no início de 2024, encontramos um trabalho de prospecção
rotineira de crises em potencial, para servir como munição às redes
extremistas. O caso da normativa do Pix foi outro exemplo. Grande mídia desvia
o foco para o “Gabinete do Ódio”, deixando oculta a verdadeira cena: o
“Gabinete de Inteligência Semiótica” da comunicação alt-right. Quando cairá a
ficha do Governo que propaganda NÃO é comunicação? Comunicação É o campo dos
acontecimentos, gerido e operado por um Gabinete de Inteligência Semiótica
(GIS).
Muito se falou do
“Gabinete do Ódio” – expressão criada para designar a milícia digital criada
pelo clã Bolsonaro formado na campanha presidencial de 2018 e que continuou
atuante no governo Bolsonaro. Criando domínio de perfis falsos em redes sociais
e divulgação de fake news direcionadas a atacar adversários.
Tornou-se o grande
vilão para a esquerda e o campo progressista. Mais do que isso: virou um
verdadeiro desafio: entender qual era a mágica, o abracadabra tecnológico que
esteve por trás da vitória do Brexit, da eleição de Trump em 2016 e que agora
estava a serviço de Bolsonaro.
Com o Gabinete do
Ódio parecia que a política estava virando de cabeça para baixo e que a nova
arena política pós-moderna era o ciberespaço – fabricar memes, viralizar fake
news, criar pós-verdades etc.
Aquele meme
risível, artificial e, por assim dizer, a tosquice malfeita do Banco Central
para fazer frente à fake news do Pix (“Nós vai descer pro BC com cobrança do
Pix?”) é um desses exemplos das tentativas desesperadas para tentar emular o
suposto expertise da extrema-direita nas redes.
O problema de
entender as estratégias de comunicação alt-right é que nada é o que
parece ser. Sempre temos que partir do princípio é que há um ardil e que sempre
a verdade está em outra cena.
Toda a atenção da
grande mídia e da esquerda foi concentrada no Gabinete do Ódio – parecia que a
única militância política teria passado a ser a virtual na conquista de
corações e mentes.
Mas há na extrema
direita um outro tipo de “gabinete”, oculto. Porque todos os holofotes foram
apontados para o Gabinete do Ódio dos “meu malvados favoritos” Carluxo e
companhia. A outra cena: uma espécie de inteligência semiótica que prospecta
crises potenciais o tempo inteiro, para criar acontecimentos comunicacionais.
Para, só depois, o “Gabinete do Ódio” fazer o serviço braçal.
Esse gabinete está
tanto na extrema-direita, quanto na grande mídia – mais precisamente, em
“colonistas” que funcionam como correias de transmissão.
Por exemplo, a
explosão da bomba semiótica dos móveis perdidos no Palácio da Alvorada no ano
passado. Tidos como perdidos e pivô de acusações nas redes sociais
de Janja com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, o Jornal Folha de São Paulo
deu em manchete de primeira página o encontro dos móveis pela Comissão de
Inventário do Palácio.
Uma bomba semiótica
cavada: utilizando-se da Lei de Acesso à Informação, uma dupla de repórteres
encontrou o informe da Comissão dando conta do encontro, no final de 2023, dos
261 bens patrimoniais desaparecidos. Dando farta munição para as redes
bolsonaristas e a promessa de “medidas judiciais” feita pela ex-primeira-dama
Michelle.
·
Como
prospectar crises
Na época, esse
humilde blogueiro observou que conseguia até imaginar
as brainstorming diárias nas redações dos jornais prospectando crises
potenciais. Para oferecer como munição para as redes de extrema-direita.
O caso atual da
fake news do Pix que tomou dimensões gigantescas com uma onda de informações
falsas, dúvidas e medo (fazendo até cair o número de operações pix em janeiro),
forçando a Receita Federal a revogar a normativa que aumentava a fiscalização sobre
o Pix, é outro exemplo.
Publicado em 18 de
setembro do ano passado e em vigor a partir de primeiro de janeiro desse ano, a
“instrução normativa rfb nº 2219, de 17 de setembro de
2024”, foi então divulgada em sites e publicações especializadas em legislação
tributária e contabilidade.
Nada demais. Tudo
rotineiro: apenas o cotidiano repasse das informações sobre movimentações das
instituições financeiras à Receita Federal. O que ocorre desde 2003. O que a
nova norma atualizava era estender essa obrigação também a instituições
financeiras tais como as fintechs e outras soluções de pagamento e
transferência, como as carteiras digitais e moedas eletrônicas.
Com a medida, o
órgão pretendia evitar inconsistências que poderiam fazer contribuintes caírem
na malha fina injustamente e melhorar a identificação de movimentações que
poderiam estar ligadas a crimes financeiros.
Até então nada
demais: apenas informações técnicas de uma rotina de monitoramentos das
operações financeiras encontrada em qualquer país civilizado – ou, pelo menos,
para queles que pretendem ser.
Mas tudo começa a
ganhar outro significado quando o “Estadão Investidor” publicou, na semana
passada, um vídeo no Instagram, para lá de ambíguo e sugestivo. Começava
dizendo que “a regras do Pix mudaram e como isso AFETARÁ a sua vida”. Com
imagens como, por exemplo, um olhar ameaçadoramente escrutinador atrás de uma
lupa – clique
aqui.
E a coisa começa a
ficar cada vez mais duvidosa, feita para colocar uma pulga atrás da orelha de
qualquer um: “o objetivo dessa mudança é EVITAR SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS”… para só
no final “tranquilizar”: na prática isso NÃO DEVE afetar sua vida”. O advérbio
de negação ao lado do verbo cria uma ambiguidade nada tranquilizadora.
E nos comentários
da postagem, o início de tudo: “vem taxa por aí”… “faz o L seus otários”.
E o resto da
história conhecemos. Até a Receita Federal ser obrigada a voltar atrás e
revogar a normativa, numa derrota humilhante do governo na guerra semiótica.
Ironicamente no momento em que o marqueteiro Sidônio Palmeira assumia a Secom.
Estadão entoou um
“apito de cachorro”? Ou a extrema-direita tem um outro tipo de gabinete, para
além do midiaticamente conhecido como “Gabinete do Ódio”? Acredito que os dois:
mais uma vez a grande mídia ofereceu insights e matéria-prima para a
inteligência semiótica da extrema-direita.
·
Uma
bomba semiótica exemplar
A perfeita bomba
semiótica, porque cada veículo do jornalismo corporativo rapidamente puxou a
brasa para sua sardinha: para “O Globo”, a fake news do Pix é mais uma notícia
que corrobora com sua agenda de eliminar o artigo 19 do Marco Civil da Internet
e com a garantia da existência do jornalismo alternativo e liberdade de expressão
no ambiente digital; enquanto O Estadão, exorta que “mesmo com uma mentira” foi
comprovada “uma verdade”: o “excesso de impostos no Brasil”; e para a Folha, a
crise seria “sintoma da baixa credibilidade das autoridades”.
Grande mídia até
concorda que o Governo foi vítima das fake news. Mas…
Esse é um caso
exemplar por três motivos:
(a) Revela o jogo
perde-perde no qual o Governo Lula está metido: de um lado, cede ao terrorismo
fiscal e ao garrote do arcabouço fiscal. Levando à busca desesperada por
receitas para garantir os programas e instrumentos sociais (SUS, PBC etc.) e
manter o contato que resta com a base social; e do outro, nessa busca por novas
fontes de receitas, deve apertar o cerco contra a sonegação e operações de
lavagem criminosa de dinheiro – o que faz a grande mídia bater o bumbo contra
um governo “que só pensa em arrecadar porque é gastador”.
(b) Revela também
uma operação que vai além do “Gabinete do Ódio”: uma inteligência semiótica
colaborativa entre setores do jornalismo corporativo e o ativismo digital da
extrema-direita.
E, como sempre, o
Governo é reativo e anda a reboque de uma agenda criada e controlada pelos seus
opositores. Sob pressão de todos os lados, acaba tomando a pior decisão
possível: PASSA RECIBO e suspende a normativa da Receita Federal, arrasando com
a credibilidade do órgão e dos próprios jornalistas do campo progressista que
tentavam combater a desinformação.
(c) A inacreditável vulnerabilidade do Governo
a qualquer tipo de operação desestabilizadora (e ainda temiam que, caso
mantivessem a resolução, poderia surgir nas ruas uma nova edição das Jornadas
de Junho de 2013…) comprova a urgência da criação de um GIS – Gabinete de
Inteligência Semiótica.
Um GIS operaria
para além de uma Secom – que insiste em confundir propaganda com
comunicação.
UM GIS operaria não
no campo da propaganda institucional, mas no campo da comunicação com duas
estratégias:
(a) Pré-ciência:
não precisa ser um pré-cog, como aqueles do sci-fi Minority Report,
para prever a guerra semiótica que viria quando mídia e extrema-direita
tivessem suas atenções concentradas em uma resolutiva rotineira do dia a dia da
Receita Federal. Cada decisão, resolução, promulgação de qualquer medida, lei,
programa, legislação, regulamentação etc. deve passar pelo crivo do GIS para
avaliar e, principalmente, antecipar as possíveis prospecções da inteligência
semiótica adversária.
Espionagem, nos
moldes da espionagem industrial, não estaria fora do horizonte dessas
operações: conseguir fontes ou infiltrar agentes nos “gabinetes” adversários
para antecipar bombas semióticas potenciais.
(b) Gestão de
Acontecimentos Comunicacionais: o GIS também deve se preocupar em reverter,
criar medidas anticíclicas da agenda dominante na opinião pública. Seguindo o
modelo da alopragem política da
comunicação alt-right (sobre esse conceito, clique aqui, o GIS deve criar
acontecimentos – fazer verdadeiros exercícios de brainstorming para
sugerir, inventar, criar acontecimentos desde frívolos até de conteúdo político
e econômico.
Usando uma
expressão da moda, impor suas próprias narrativas. Criar acontecimentos tão
explosivos e inusitados que acabem atraindo a atenção da grande mídia, que se
vê obrigada a publicar – afinal, são empresas de notícias 24h, ávidas por
conteúdo para se manterem atrativas aos anunciantes.
A extrema-direita
faz isso o tempo todo. Achamos tudo muito bizarro (do caso do cão de Javier
Milei que teria sido a reencarnação de um gladiador do antigo Coliseu, ao
inacreditável e-mail que comprovaria o convite a Bolsonaro para a posse de
Trump – o que garante a sua presença constante nas manchetes, mesmo não tendo
cargo e ser inelegível), mas é o modus operandi que garante a
manutenção de uma agenda hegemônica que sempre mantém nas cordas Governo e
campo progressista.
¨ O caso Pix e a batalha contra a desinformação. Por
Sylvia Debossan Moretzsohn
O clima de
barata-avoa que se instalou com a repercussão negativa da decisão de se
estender às fintechs e outras plataformas digitais de pagamento a obrigação de
comunicar as transações via Pix a partir de determinado valor (R$ 5 mil para
pessoas físicas) demonstra que nem do lado de cá as informações circulam com
consistência. E, com isso, provocam avaliações equivocadas.
A leitura do texto
que a Secom publicou no
início da tarde de ontem, 15/1, antes de o governo recuar e cancelar a medida,
é muito esclarecedora. Mas o governo, mais uma vez, foi surpreendido com uma
avalanche de fakes, em especial a produzida pelo deputado Nikolas Ferreira, que
distorce o sentido da medida e levanta dúvidas sobre uma futura taxação dessas
transações, que afetaria os mais pobres.
(O vídeo do deputado teria alcançado em poucas
horas cerca de 200 milhões de visualizações. Nesse ritmo, nem os recém-nascidos
ficariam de fora. É de fato um fenômeno, que nos leva a indagar sobre os
famosos impulsionamentos de certos conteúdos. Certamente algo a esclarecer).
A jornalista Graça
Lago, em seu mural no Facebook, puxa o fio dessa meada: quando a medida foi
publicada, o que significava e o que cabe investigar nesse despejo de fakes.
Em 2016, a Rand
Corporation publicou estudo sobre o que chamou de “firehose of
falsehood”, mirando a estratégia
de desinformação russa (mas a carapuça caberia perfeitamente em Trump, então em
plena campanha eleitoral, que venceria pela primeira vez do jeito que todo
mundo sabe). Nesse estudo, uma das recomendações é de que se tome a dianteira
para se prevenir contra a avalanche de falsidades. Outra é a indicação da
inutilidade, ou pelo menos da baixa eficácia dos desmentidos (o que envolve a
checagem dos fatos), uma vez que a mentira já criou asas. “Não espere combater
os jatos de falsidades despejados com mangueira de incêndio com a pistola de
água da verdade”.
Então, imagine que
o governo, sabendo disso, se antecipasse e anunciasse amplamente uma vigorosa
campanha de combate à sonegação, a partir dessa singela medida.
Não seria difícil
fazer isso. E teria impacto. Desmontava, ou pelo menos dificultava, a
estratégia de propagação de fakes.
Mas o governo
precisava saber disso. Será que sabe? Não parece.
O que aconteceu foi
grave porque o ano começa com uma derrota fragorosa e evitável, com esse recuo
que dá de bandeja à extrema-direita a deixa para avançar na campanha de
desestabilização e descrédito do governo: como disse o Nikolas, “se era fake,
por que revogou?”.
Foi grave também
porque coincide com a troca de comando na Secom.
Pode ser
coincidência, mas essa campanha surge na esteira daquele
vídeo fake do Haddad falando sobre a cobrança do “imposto do
cachorrinho” e outros disparates, que o Osmar Terra divulgou, candidamente
espantado, “torcendo” para que não fosse verdade…
Hoje, O Globo
publica matéria informando
que o vídeo do Nikolas foi parte de “ação coordenada por marqueteiro de
Bolsonaro sobre Pix”.
Isto é uma guerra.
E não é de hoje. Se não nos prepararmos para ela, nem precisamos ter o trabalho
de imaginar o resultado
Fonte: Jornal GGN
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