sábado, 18 de janeiro de 2025

O caminho que vai levar o Brasil a ter o maior imposto do mundo

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionou nesta quinta-feira (16) o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária.

O texto define as regras de aplicação para os novos impostos criados pela reforma, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal.

Ao longo de sua tramitação, o projeto incorporou uma série de isenções e regimes especiais para a aplicação dos tributos. O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, afirmou que a alíquota geral do Imposto sobre Valor Agregado – a combinação das duas cobranças citadas – vai ficar em torno de 28%.

Segundo ele, a inclusão de excessões na Câmara dos Deputados elevou o valor que antes era de 26,5%.Se a estimativa de fato for concretizada, isso significaria que o Brasil teria o maior IVA do mundo, ultrapassando a carga de 27% da Hungria.

·        Alíquota geral do IVA vai ficar em torno de 28%, diz Appy

O secretário da reforma tributária, Bernard Appy, afirmou nesta quinta-feira (16), que a alíquota geral do IVA vai ficar em torno de 28%. Segundo ele, a inclusão de exceções na Câmara dos Deputados elevou o valor que antes era de 26,5%.

“A gente deve divulgar nos próximos dias, ainda não o efeito total de todo o projeto, mas, em relação ao projeto que saiu da Câmara dos Deputados. Deve ser um pouquinho maior só do que o que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, porque haviam sido feitas as mudanças do Senado Federal”, afirmou em coletiva de imprensa após a sanção do Projeto de Lei complementar que regulamenta a reforma tributária.

“Mas aquelas que mais impactavam a alíquota foram rejeitadas pela Câmara dos Deputados e, portanto, a gente deve divulgar logo, provavelmente semana que vem.”

Entre os itens inseridos pelos parlamentares estão: as bets e carros elétricos no imposto seletivo, ampliação dos medicamentos na alíquota reduzida, carnes e queijos na cesta básica.

Mesmo assim, Appy lembra que foi aprovada uma trava no IVA e o Executivo é obrigado a enviar um projeto de lei complementar para fazer com que a alíquota convirja para o percentual máximo.

A proposta deverá ser aprovada junto ao comitê gestor do IBS, um dos novos impostos da reforma tributária, para diminuir a carga.

·        Sanção da regulamentação

O presidente Lula sancionou, com 15 vetos, o projeto de lei complementar que regulamenta a reforma tributária.

A proposta determina regras sobre os novos impostos criados pela reforma, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que tem competência estadual e municipal.

De forma gradual, a CBS substituirá PIS, Cofins e IPI, enquanto o IBS será cobrado no lugar do ICMS e ISS.

O projeto também define detalhes sobre o Imposto Seletivo (IS), conhecido como “imposto do pecado”, que incide sobre itens considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

O tema era uma das prioridades do governo. A aprovação também era um dos compromissos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que deixarão os cargos em 1° de fevereiro.

·        Como o Brasil chegou a esse ponto?

O principal motivo: regimes especiais que reduzem o peso dos impostos sobre alguns setores. Desse modo, a média precisa subir, pois um dos princípios é a manutenção da carga tributária.

Tathiane Piscitelli, coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), reafirma que a reforma tributária aprovada no Senado evoluiu e conseguiu manter seus princípios de simplificação, neutralidade e não cumulatividade.

Porém, ao olhar para as isenções aprovadas, a especialista diz ter dúvidas se o projeto seguiu princípios de privilegiar setores e serviços essenciais.

“Essa lista [de isenções] não pode ser indiscriminada. Concordo integralmente com as críticas porque a ideia é a neutralidade, a simplificação. As alterações devem ser convergentes com os valores constitucionais de justiça tributária e social”, avaliou Piscitelli em entrevista ao CNN Money.

“As exceções devem seguir isso, e não os interesses das bancadas de interesse, a fim de construir um sistema tributário mais eficiente.”

Estudos apontam que a reforma tributária tem potencial para impulsionar a economia do país. Ao descomplicar a estrutura tributária do país, o projeto tende a reduzir custos e tornar o ambiente brasileiro mais atrativo para negócios.

Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), o contencioso tributário do Brasil chega, hoje em dia, a cerca de 70% do Produto Interno Bruto nacional — a soma de todas as riquezas do país.

Nos Estados Unidos, o valor é de 1% do PIB.

O Banco Mundial aponta que o atual sistema tributário brasileiro é um dos cinco piores do mundo, num ranking com mais de 170 países. Segundo a instituição financeira internacional, as empresas gastam cerca de 1.700 horas por ano com compliance tributário no Brasil.

Porém, Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI, relembra que, durante as audiências que teve com os senadores, o grupo buscou bater na tecla de que quanto mais exceções, maior seria a alíquota geral e a complexidade operacional do sistema; e menores os efeitos na produtividade.

Ademais, Pestana aponta que as exceções não são as únicas culpadas pelo IVA elevado.

“O Imposto sobre Valor Agregado vai ser o maior do mundo por conta do nosso perfil tributário e de renda. Nossa matriz tributária é muito concentrada no consumo, diferente dos países ricos onde está no patrimônio e na renda”, disse à CNN.

“Para encontrar a alíquota, vamos ter que aprender a nadar nadando. A própria realidade vai ditar, mas, ao mudar a regra do jogo, não tem como antever esse hiato”, conclui.

O diretor-executivo da IFI se refere ao chamado “hiato de conformidade”. Apesar de a busca por um novo sistema buscar a melhoria, a mudança de regras também pode abrir novas brechas.

Sonegação, judicialização e elisão fiscal são alguns dos desafios apontados por Pestana, cuja magnitude só poderá ser compreendida com a reforma operante.

Para Piscitelli ainda há outro destaque negativo que, segundo análise do Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero da FGV Direito SP, transfere o impacto para o bolso dos brasileiros: a decisão do Senado de retirar as armas e munições do Imposto Seletivo (IS), o chamado “imposto do pecado”.

Os armamentos foram e voltaram da cobrança, mas no fim acabaram removidos por pressão da bancada da bala.

“Essa decisão resultará em uma redução de 70% na tributação de revólveres, o que aumentará o peso da alíquota geral sobre toda a sociedade. A exclusão das armas do seletivo transfere para a sociedade o custo da violência armada. É hora de pressionar os senadores para evitar esse retrocesso”, afirma nota enviada por Piscitelli.

·        Êxitos da reforma tributária

Piscitelli e Pestana reforçam que a alíquota poderia ser menor caso houvessem menos exceções. Mas reconhecem que, além de esta ter sido a reforma possível, ela carrega seu valor.

“[A reforma tributária] é uma notícia boa para um país que está precisando de notícias boas. Ela melhora o ambiente de negócios”, enfatiza o diretor-executivo da IFI.

“E mesmo não tendo sido a reforma ideal, dadas as pressões naturais do sistema democrático, saímos de um sistema que é regressivo, injusto – onde pobres pagam mais que os mais ricos -, complexo, burocrático, caro e inseguro.”

Para a professora da FGV Direito SP, alguns destaques são a redução de alíquota para fraldas, o cashback para serviços de telecomunicação e a isenção para carnes.

A especialista em direito tributário reconhece que seria mais eficiente incluir também as proteínas animais no sistema de devolução de valores, mas aponta que o problema é que o país não tem o espaço orçamentário para dar o cashback a todos que precisam.

“A população de baixa renda não deve sofrer, seguindo a lógica da essencialidade, da justiça tributária e de que o debate democrático depende do acesso à informação e à telecomunicação. Quem vai ser atingido é quem demanda por medidas, e nesse caso não é a maior parte do grupo”, conclui Piscitelli.

Em entrevista ao WW, o economista e advogado tributarista Eduardo Fleury ressalta que o projeto tratá um “ganho substancial” em eficiência e simplificação para o ambiente de negócios.

“Antes, com menos exceções, tinhamos equilíbrio de preços relativos, escolher o produto baseado no preço real e preferência. A despeito dos preços ficarem desnivelados, agora vamos saber quais são, hoje nao se sabe qual é. Com essa transparência e simplificação, todo mundo vai sentir a mudança”, afirmou Fleury.

“Apesar de todas as exceções, a visualização vai ser infinitamente melhor. Vai haver um menor custo de administração do tributo e uma melhora substancial no ambiente de negócios”, conclui.

·        Posição dos setores

Setores da economia – como o imobiliário, de serviços e algumas áreas da indústria – celebraram os benefícios assegurados pela reforma tributária.

Entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) e a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam).

O texto propõe uma redução na alíquota da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) para comerciantes da Zona Franca de Manaus (ZFM), além de contemplar a indústria de refino de petróleo da Amazônia Ocidental com regime favorecido.

A Fieam defende que “a regulamentação aprovada no Senado não concede novos privilégios à ZFM, apenas transpõe os mecanismos existentes na legislação do ICMS. Nada além disso”.

A entidade afirma que a decisão do Senado reafirma o valor estratégico da região.

Além disso, reforça que a compensação de tributos visa garantir a competitividade num local com altos custos e “uma importância ambiental única”.

“Este modelo, respaldado pela Constituição, é vital para assegurar que a produção industrial na Amazônia participe de forma justa do mercado nacional e internacional, evitando a migração de empresas para outros países e protegendo mais de 96% da floresta amazônica”, conclui a Fieam em nota.

·        Outro lado da moeda

Na ponta oposta, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) avaliam como problemáticos os benefícios cedidos à produção da Zona Franca de Manaus, e veem com preocupação como ficaria a competitividade entre diferentes regiões.

Em entrevista à CNN, Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp, afirma que a medida fere o princípio de isonomia proposto pelo projeto reforma tributária.

“Sem dúvida fere. [O texto] amplia ainda mais os benefícios tributários de uma única região em detrimento de todas as outras do país”, indaga Rocha.

Já a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) avalia que muitos dos pontos alterados são prejudiciais, sobretudo às pequenas empresas, que poderão sofrer com desvantagens competitivas diante das grandes empresas.

“Das 24 milhões de empresas do país, aproximadamente 9 milhões estão incorporadas no Simples Nacional e 14 milhões são MEIs. Se a proposta da Reforma Tributária for aprovada no Congresso Nacional, muitas empresas desse porte sofrerão danos irreversíveis e, consequentemente, os reflexos serão vistos na economia”, diz em nota.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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