sábado, 18 de janeiro de 2025

Luís Nassif: Israel e Gaza - é o petróleo, estúpido!

Em 28 de agosto de 2019, a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) agência da Organização das Nações Unidas que tem por objetivo promover o comércio internacional, publicou um trabalho sobre “o potencial não realizado das reservas de petróleo e gás palestino“, que pode explicar bem o apoio dos Estados Unidos ao genocídio praticado por Israel contra a população palestina de Gaza.

O intertítulo do artigo dizia: “Os recursos de petróleo e gás natural no território palestino ocupado podem gerar centenas de bilhões de dólares para desenvolvimento”.

Geólogos confirmaram a existência de reservatórios consideráveis de petróleo e gás em território palestino, na Área C da Cisjordânia e na costa mediterrânea da Faixa de Gaza.

As estimativas iniciais calculavam em 122 trilhões de metros cúbicos de gás e 1,7 bilhão de barris de petróleo recuperável.  O artigo menciona outro trabalho da UNCTAD, sob o título “Os custos económicos da ocupação israelita para o povo palestino: o potencial não realizado do petróleo e do gás natural”. Nele, constata que a ocupação contínua do território por Israel impede os palestinos de desenvolverem seus campos de energia para financiar o desenvolvimento socioeconômico e atender às suas necessidades de energia.

O trabalho trazia uma predição trágica: “Elas também podem ser potencialmente uma fonte de conflito e violência adicionais se as partes individuais explorarem esses recursos sem a devida consideração pela parcela justa dos outros. O que poderia ser uma fonte de riqueza e oportunidades pode ser desastroso se esse recurso comum for explorado individual e exclusivamente, sem a devida consideração pelas leis e normas internacionais”.

Constata o trabalho que a exploração dos recursos naturais palestinos pela potência ocupante impõe ao povo palestino enormes custos, “que continuam a aumentar à medida em que a ocupação permanece em vigor”. A UNCTAD afirma que essa situação não é apenas contrária ao direito internacional, mas também viola a justiça natural e a lei moral.

Israel lançou uma contra-ofensiva no segundo semestre do ano passado, quando as críticas contra o genocídio se espalharam pelo mundo. O artigo “O mito do petróleo de Gaza”, de Elai Retting e Lee Wilcox, questionando as conclusões dos estudos da UNCTAD e acusando-o de ter inflado os números das reservas de petróleo e gás. Diz ele: Gaza não tem reservas de petróleo conhecidas e apenas um pequeno campo de gás offshore não desenvolvido, que Israel nunca reivindicou”. O estudo é desmentido por uma infinidade de informações sobre o gás de Gaza.

Em novembro de 2023, segundo o The New York Times, a Chevron reiniciou a produção de gás em plataforma perto da faixa de Gaza. Segundo a reportagem, “a Chevron é agora a principal participante na indústria energética de Israel, operando não apenas a plataforma Tamar, mas uma segunda grande fonte de gás chamada campo Leviathan”.

A importância estratégica da região fica nítido na informação de que a Chevron espera usar sua posição em Israel, Egito e Chipre como um trampolim regional para se tornar uma grande exportadora para a Europa .

Diz a reportagem: “A Chevron se encontra com um estoque de gás na porta da Europa que a guerra brutal da Rússia na Ucrânia tornou mais valioso. Os fluxos de gás da Rússia, há muito o principal fornecedor do continente, despencaram enquanto Moscou buscava usar o combustível como uma arma econômica, elevando os preços no ano passado e criando uma corrida para encontrar fontes de energia em outros lugares”.

En 6 de março, o Al Jazeera trazia denúncias adicionais, de autoria do Sultão Barakat, Professor de políticas públicas na Universidade Hamad Bin Khalifa, professor honorário na Universidade de York e membro do Grupo de Referência de Especialistas do Instituto Raoul Wallenberg do ICMD, reiterou as denúncias. Em outubro de 2023, o Ministério de Energia e Infraestrutura de Israel promulgou os resultados da 4a Rodada de Licitações Offshore, concedendo 12 licenças a seis empresas.

Dizia a nota: “As empresas vencedoras se comprometeram com um investimento sem precedentes na exploração de gás natural nos próximos três anos, o que, esperançosamente, resultaria na descoberta de novos reservatórios de gás natural. Isso, por sua vez, solidificará a segurança energética de Israel, aumentará as relações internacionais do país, contribuirá para a redução do custo de vida e formará uma fonte de energia de reserva segura para acelerar a transição para energias renováveis”.

Como lembrou Barakat, “Nem é preciso dizer que Israel, como ocupante, não tem o direito de conceder licenças em áreas sobre as quais não detém soberania, sob nenhuma circunstância”.

Em 6 de fevereiro de 2024, o escritório de advocacia Foley Hoag LLP, representando a Al-Haq, o Al Mezan Center for Human Rights e o Palestinian Centre for Human Rights (PCHR) enviou notificações às empresas  Eni SpA ,  Dana Petroleum Limited e  Ratio Petroleum  para que desistissem de realizar quaisquer atividades em áreas da Zona G que se enquadram nas áreas marítimas do Estado da Palestina, enfatizando que tais atividades constituiriam uma violação flagrante do direito internacional. 

 

¨      Trump e as disputas pela liberdade. Por Victor Missiato

Em 1968, quando Donald J. Trump graduava-se em economia, na Universidade da Pensilvânia, o mundo assistia a uma revolução cultural, que, décadas mais tarde, ressoaria nos discursos de combate aos legados desse movimento nas campanhas do “novo” presidente republicano. Maio de 1968, na França e no mundo, ressignificou o papel do indivíduo em sociedade ao se contrapor aos domínios das instituições e ideologias hegemônicas no mundo. Escola, universidade, família, capitalismo, socialismo soviético, Estado. Tudo passou a ser visto como instrumentos de controle social.

Mais do que liberdade, a palavra de ordem tornou-se libertação. Libertar-se das amarras do machismo, homofobia, degradação ambiental, patriarcalismo, entre outros, passou a compor a gramática dos novos movimentos sociais, que ganhariam força ao longo das décadas vindouras. No entanto, de forma estrutural e, ao mesmo tempo, paradoxal, as novas ideias libertadoras foram absorvidas por uma nova concepção neoliberal de mundo. Quem identifica parte desse processo é o professor Mark Lilla, autor do livro “O progressista de ontem e do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias” (Ed. Cia das Letras).

De acordo com o autor, a partir da chamada “Dispensação Reagan”, que defendia muito os valores individuais em detrimento de valores sociais, os movimentos progressistas abraçaram esses espaços da antipolítica e promoveram diversas lutas identitárias e verticais em um mundo cada vez mais atomizado. Ao chegarem ao poder nas eleições de Clinton, Obama e Biden, esses movimentos começaram a irradiar suas ideias de libertação em espaços acadêmicos e culturais.

Tais bandeiras, que se colocaram como ativistas, libertadoras e redentoras chegaram às políticas de diversas grandes empresas, estabelecendo-se como uma grande “cultura woke”. Suas conquistas, todavia, alcançaram um determinado limite, quando as contradições entre as diversas lutas identitárias se encontraram com o retorno de um mundo mais conservador a partir da Crise de 2008, que colocou em xeque muitas das premissas estabelecidas a partir da década de 1970.

A partir desse contexto que o movimento Tea Party nos EUA, juntamente com a ascensão de Trump em 2015-2016, trouxe à tona uma sociedade americana em busca de um novo protagonismo e um novo olhar social, distante da perspectiva de um novo Estado de Bem-Estar Social, mas social no sentido comunitário, em que família, religião, educação, formação cívica e nacionalismo voltam a compor uma nova gramática político-cultural.

A reação a esse novo conservadorismo veio em forma de protestos virtuais, cancelamentos, demissões, perseguições, que chegaram a um ponto em que até pessoas do lado progressista da força passaram a ser excluídas por determinadas falas ou textos. Diante do esgotamento dessas lutas, que não criaram um novo projeto de sociedade e relegaram as lutas sociais a visões verticais e, em alguns pontos, autoritárias, a volta de Trump se fez presente de forma avassaladora.

Ao conquistar a maioria no Congresso e Senado, Donald J. Trump atraiu para si um poder que já extrapolou suas vias institucionais. Nesses últimos dias, após diversas empresas cancelarem seus programas identitários, a Meta, uma das maiores empresas de tecnologia e mídia social do mundo, aderiu a uma série de propostas em favor da liberdade de expressão, excluindo a possibilidade de inúmeras perseguições via política de checagem.

Subjaz desse novo “espírito do tempo”, uma nova conjuntura em favor das liberdades em detrimento das libertações. Traduzida muito mais como um valor, e não como uma causa, a liberdade volta a se encontrar com seus valores tradicionais, no que diz respeito às liberdades religiosas, liberdade de expressão e cidadania digital. Contudo, esses movimentos não devem destituir as conquistas em favor das diversas comunidades que passaram a ter representações fundamentais para o fortalecimento da cultura republicana e dos espaços democráticos. A política respira.

 

¨      Com Trump, mais guerra contra os nossos povos. Por Raul Zibechi

O governo Barack Obama (2009-2017) promoveu uma importante guinada na política externa dos Estados Unidos. O pivô foi a guinada para a Ásia, com a pretensão de vetar a influência da China e sua expansão como potência global. Até aquele momento, o foco da política externa estava no Oriente Médio.

Agora, Trump parece buscar uma nova guinada que traria consequências profundas para a América Latina. O diplomata indiano M. K. Bhadrakumar, profundo conhecedor da Ásia Ocidental e observador atento das mudanças em curso, detalha as novas tendências em um artigo em Indian Punchline (10 de janeiro de 2025) com o título “Trump revela o projeto Grande América”.

Sua principal conclusão é que “o projeto da Grande América é uma Doutrina Monroe do século XXI” que enterra a doutrina do Deep State de uma ordem internacional “baseada em regras”. Toma como referência a conferência que Trump deu na terça-feira, dia 7, em sua mansão na Flórida, quando atacou Biden e seu entorno dizendo que são “grupos de pessoas doentes”.

Ressalta que a transição atual de Biden para Trump visa vetar seu futuro mandato, assim como Obama fez. “O governo Biden está apenas seguindo os passos de Barack Obama, que no período de transição após a sensacional vitória eleitoral de Trump, em novembro de 2015, criou uma crise nas relações diplomáticas com a Rússia e alimentou a absurda hipótese do “conluio com a Rússia” fabricada pelo agências de inteligência do Reino Unido e dos Estados Unidos.

Para os povos e movimentos latino-americanos, o que mais interessa é refletir sobre as quatro propostas que lançou: a anexação da Groenlândia e do Canadá, tomar o controle do Canal do Panamá e renomear o Golfo do México como Golfo da América.

Apesar de serem parceiros estratégicos, ameaçou a Dinamarca com ações militares e tarifas altas, caso não concorde em entregar a Groenlândia, e ao Canadá em fazer uso da “força econômica” para que consinta com os seus desejos. Disse algo semelhante sobre tomar o controle militar do Canal do Panamá. Paralelamente, evitou qualquer comentário crítico sobre a Rússia, a China e o Irã, que sob os democratas eram os alvos políticos, diplomáticos e militares da Casa Branca.

A guinada está clara. Trump parou de falar sobre o Indo-Pacífico, mas, no entanto, enfatizou “a prioridade que deu ao controle estadunidense do Hemisfério Ocidental (e do estratégico Mar de Barents) para perpetuar sua influência hegemônica como uma potência global”, ressalta Bhadrakumar. Por tudo isso, conclui que “o projeto da Grande América é uma Doutrina Monroe do século XXI”, ao passo que rejeita o multilateralismo e propõe retornar à velha agenda imperialista e expansionista que foi a principal característica do império, entre o final do século XIX e o primeiro terço do século XX.

<><> O que a nova agenda imperial significa para os povos?

1. Que as intervenções militares retornarão (na verdade, nunca pararam) e que se intensificará a política de apropriação de territórios, golpes de Estado e de dura repressão aos povos e movimentos que não se subordinarem.

2. O retorno ao período do início do século XX, quando ocorreram dezenas de intervenções armadas dos Estados Unidos, marca um ponto de inflexão que deve nos levar a observar o nosso futuro no espelho de Gaza, Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia, pelo menos.

3. Esta política brutal substitui as de proteção do meio ambiente, transição energética e apoio à diversidade sexual. Embora essas políticas fossem apenas um tampão para a dominação imperialista, conseguiam adesões entre ONGs e governos progressistas.

4. Projetos autoritários como os de Nayib Bukele, em El Salvador, Daniel Noboa, no Equador, Javier Milei, na Argentina, e Jair Bolsonaro, no Brasil, serão amplamente beneficiados e serão as referências na região para o Pentágono e o Comando Sul. Os progressismos precisarão adaptar-se, direitizar-se e polir suas já frágeis arestas transformadoras. Venezuela, Bolívia e Cuba, sem dúvida, serão fortemente pressionadas para que se voltem cada vez mais para os interesses do império ou arquem com as consequências.

5. Este duro panorama faz parte da reorganização do capitalismo que os zapatistas chamam de “tormenta”. Não estamos em condições de deter a tormenta, nem temos força suficiente para apresentar alternativas que vão além do local, como destacou o Capitão Marcos, no ano passado. Por isso, propõem trabalhar desde já para que em 120 anos os povos estejam em condições de enfrentar o “dia depois” da tormenta.

No meu modo de ver, os povos e movimentos não zapatistas precisam dar muitos passos para conseguir enfrentar essa situação. Primeiro, analisar e estudar a “tormenta”, compreender o que é e a gravidade da situação em que estamos. Minha impressão é que não há consciência suficiente de que a humanidade de baixo e a vida dos povos estão em perigo.

Segundo, começar a nos preparar para navegar a tormenta e sobreviver às catástrofes. Para isso, é indispensável fortalecer as autonomias, porque a dependência dos governos nos fragiliza extremamente. Sem autonomia, não sobreviveremos.

Terceiro, prepararmo-nos para defender nossos territórios e espaços, nossas famílias e comunidades. Sem autodefesa, vão nos massacrar. Isto não quer dizer entrar na guerra de cima, mas, sim, criar e fortalecer nosso próprio mundo, nossa saúde, educação, alimentos e modos de vida que nos tornam diferentes, e defendê-lo.

Não temos muito tempo, e a esquerda e os progressismos fazem tudo o que é possível para nos distrair e anestesiar as resistências com “programas sociais” que não servem para nada a não ser nos fragilizar.

 

Fonte: Jornal GGN/Ascom Mackenzie/Desinformémonos, tradução  do Cepat, em IHU

 

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