Luís Nassif: Israel
e Gaza - é o petróleo, estúpido!
Em 28 de agosto de
2019, a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)
agência da Organização das Nações Unidas que tem por objetivo promover o
comércio internacional, publicou um trabalho sobre “o
potencial não realizado das reservas de petróleo e gás palestino“, que pode
explicar bem o apoio dos Estados Unidos ao genocídio praticado por Israel
contra a população palestina de Gaza.
O intertítulo do
artigo dizia: “Os recursos de petróleo e gás natural no território palestino
ocupado podem gerar centenas de bilhões de dólares para desenvolvimento”.
Geólogos
confirmaram a existência de reservatórios consideráveis de petróleo e gás em
território palestino, na Área C da Cisjordânia e na costa mediterrânea da Faixa
de Gaza.
As estimativas iniciais
calculavam em 122 trilhões de metros cúbicos de gás e 1,7 bilhão de barris de
petróleo recuperável. O artigo menciona outro trabalho da UNCTAD, sob o
título “Os custos económicos da ocupação
israelita para o povo palestino: o potencial não realizado do petróleo e do gás
natural”.
Nele, constata que a ocupação contínua do território por Israel impede os
palestinos de desenvolverem seus campos de energia para financiar o
desenvolvimento socioeconômico e atender às suas necessidades de energia.
O trabalho trazia
uma predição trágica: “Elas também podem ser potencialmente uma fonte de
conflito e violência adicionais se as partes individuais explorarem esses
recursos sem a devida consideração pela parcela justa dos outros. O que poderia
ser uma fonte de riqueza e oportunidades pode ser desastroso se esse recurso
comum for explorado individual e exclusivamente, sem a devida consideração
pelas leis e normas internacionais”.
Constata o trabalho
que a exploração dos recursos naturais palestinos pela potência ocupante impõe
ao povo palestino enormes custos, “que continuam a aumentar à medida em que a
ocupação permanece em vigor”. A UNCTAD afirma que essa situação não é apenas
contrária ao direito internacional, mas também viola a justiça natural e a lei
moral.
Israel lançou uma
contra-ofensiva no segundo semestre do ano passado, quando as críticas contra o
genocídio se espalharam pelo mundo. O artigo “O mito do petróleo de Gaza”, de Elai Retting
e Lee Wilcox, questionando as conclusões dos estudos da UNCTAD e acusando-o de
ter inflado os números das reservas de petróleo e gás. Diz ele: Gaza não tem
reservas de petróleo conhecidas e apenas um pequeno campo de gás offshore não
desenvolvido, que Israel nunca reivindicou”. O estudo é desmentido por uma
infinidade de informações sobre o gás de Gaza.
Em novembro de
2023, segundo o The New York Times, a Chevron
reiniciou a produção de gás em plataforma perto da faixa de Gaza. Segundo a
reportagem, “a Chevron é agora a principal participante na indústria energética
de Israel, operando não apenas a plataforma Tamar, mas uma segunda grande fonte
de gás chamada campo Leviathan”.
A importância
estratégica da região fica nítido na informação de que a Chevron espera usar
sua posição em Israel, Egito e Chipre como um trampolim regional para se
tornar uma grande exportadora para a Europa .
Diz a reportagem:
“A Chevron se encontra com um estoque de gás na porta da Europa que a guerra
brutal da Rússia na Ucrânia tornou mais valioso. Os fluxos de gás da Rússia, há
muito o principal fornecedor do continente, despencaram enquanto Moscou buscava
usar o combustível como uma arma econômica, elevando os preços no ano passado e
criando uma corrida para encontrar fontes de energia em outros lugares”.
En 6 de março,
o Al Jazeera trazia denúncias
adicionais, de autoria do Sultão Barakat, Professor de políticas
públicas na Universidade Hamad Bin Khalifa, professor honorário na Universidade
de York e membro do Grupo de Referência de Especialistas do Instituto Raoul
Wallenberg do ICMD, reiterou as denúncias. Em outubro de 2023, o Ministério de
Energia e Infraestrutura de Israel promulgou os resultados da 4a Rodada de
Licitações Offshore, concedendo 12 licenças a seis empresas.
Dizia a nota: “As
empresas vencedoras se comprometeram com um investimento sem precedentes na
exploração de gás natural nos próximos três anos, o que, esperançosamente,
resultaria na descoberta de novos reservatórios de gás natural. Isso, por sua
vez, solidificará a segurança energética de Israel, aumentará as relações
internacionais do país, contribuirá para a redução do custo de vida e formará
uma fonte de energia de reserva segura para acelerar a transição para energias
renováveis”.
Como lembrou
Barakat, “Nem é preciso dizer que Israel, como ocupante, não tem o direito de
conceder licenças em áreas sobre as quais não detém soberania, sob nenhuma
circunstância”.
Em 6 de fevereiro
de 2024, o escritório de advocacia Foley Hoag LLP, representando a Al-Haq, o Al
Mezan Center for Human Rights e o Palestinian Centre for Human Rights (PCHR)
enviou notificações às empresas Eni SpA , Dana Petroleum Limited e Ratio Petroleum para que
desistissem de realizar quaisquer atividades em áreas da Zona G que se
enquadram nas áreas marítimas do Estado da Palestina, enfatizando que tais
atividades constituiriam uma violação flagrante do direito internacional.
¨ Trump e as disputas pela liberdade. Por Victor Missiato
Em 1968, quando Donald J.
Trump graduava-se em economia, na Universidade da Pensilvânia, o mundo assistia
a uma revolução cultural, que, décadas mais tarde, ressoaria nos discursos de
combate aos legados desse movimento nas campanhas do “novo” presidente
republicano. Maio de 1968, na França e no mundo, ressignificou o papel do indivíduo
em sociedade ao se contrapor aos domínios das instituições e ideologias
hegemônicas no mundo. Escola, universidade, família, capitalismo, socialismo
soviético, Estado. Tudo passou a ser visto como instrumentos de controle
social.
Mais do que liberdade, a
palavra de ordem tornou-se libertação. Libertar-se das amarras do machismo,
homofobia, degradação ambiental, patriarcalismo, entre outros, passou a compor
a gramática dos novos movimentos sociais, que ganhariam força ao longo das
décadas vindouras. No entanto, de forma estrutural e, ao mesmo tempo,
paradoxal, as novas ideias libertadoras foram absorvidas por uma nova concepção
neoliberal de mundo. Quem identifica parte desse processo é o professor Mark
Lilla, autor do livro “O progressista de ontem e do amanhã: desafios da
democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias” (Ed. Cia das Letras).
De acordo com o autor, a
partir da chamada “Dispensação Reagan”, que defendia muito os valores
individuais em detrimento de valores sociais, os movimentos progressistas
abraçaram esses espaços da antipolítica e promoveram diversas lutas
identitárias e verticais em um mundo cada vez mais atomizado. Ao chegarem ao
poder nas eleições de Clinton, Obama e Biden, esses movimentos começaram a
irradiar suas ideias de libertação em espaços acadêmicos e culturais.
Tais bandeiras, que se
colocaram como ativistas, libertadoras e redentoras chegaram às políticas de
diversas grandes empresas, estabelecendo-se como uma grande “cultura woke”.
Suas conquistas, todavia, alcançaram um determinado limite, quando as
contradições entre as diversas lutas identitárias se encontraram com o retorno
de um mundo mais conservador a partir da Crise de 2008, que colocou em xeque
muitas das premissas estabelecidas a partir da década de 1970.
A partir desse contexto que
o movimento Tea Party nos EUA, juntamente com a ascensão de Trump em 2015-2016,
trouxe à tona uma sociedade americana em busca de um novo protagonismo e um
novo olhar social, distante da perspectiva de um novo Estado de Bem-Estar
Social, mas social no sentido comunitário, em que família, religião, educação,
formação cívica e nacionalismo voltam a compor uma nova gramática
político-cultural.
A reação a esse novo
conservadorismo veio em forma de protestos virtuais, cancelamentos, demissões,
perseguições, que chegaram a um ponto em que até pessoas do lado progressista
da força passaram a ser excluídas por determinadas falas ou textos. Diante do
esgotamento dessas lutas, que não criaram um novo projeto de sociedade e
relegaram as lutas sociais a visões verticais e, em alguns pontos,
autoritárias, a volta de Trump se fez presente de forma avassaladora.
Ao conquistar a maioria no
Congresso e Senado, Donald J. Trump atraiu para si um poder que já extrapolou
suas vias institucionais. Nesses últimos dias, após diversas empresas
cancelarem seus programas identitários, a Meta, uma das maiores empresas de
tecnologia e mídia social do mundo, aderiu a uma série de propostas em favor da
liberdade de expressão, excluindo a possibilidade de inúmeras perseguições via
política de checagem.
Subjaz desse novo “espírito
do tempo”, uma nova conjuntura em favor das liberdades em detrimento das
libertações. Traduzida muito mais como um valor, e não como uma causa, a
liberdade volta a se encontrar com seus valores tradicionais, no que diz
respeito às liberdades religiosas, liberdade de expressão e cidadania digital.
Contudo, esses movimentos não devem destituir as conquistas em favor das
diversas comunidades que passaram a ter representações fundamentais para o
fortalecimento da cultura republicana e dos espaços democráticos. A política
respira.
¨ Com Trump, mais guerra contra os nossos povos. Por Raul
Zibechi
O
governo Barack Obama (2009-2017) promoveu uma importante guinada na
política externa dos Estados Unidos. O pivô foi a guinada para
a Ásia, com a pretensão de vetar a influência da China e sua
expansão como potência global. Até aquele momento, o foco da política externa
estava no Oriente Médio.
Agora, Trump parece buscar
uma nova guinada que traria consequências profundas para a América Latina.
O diplomata indiano M. K. Bhadrakumar, profundo
conhecedor da Ásia Ocidental e observador atento das mudanças em
curso, detalha as novas tendências em um artigo em Indian
Punchline (10 de janeiro de 2025) com o título “Trump revela o projeto
Grande América”.
Sua principal
conclusão é que “o projeto da Grande América é uma Doutrina
Monroe do século XXI” que enterra a doutrina do Deep State de
uma ordem internacional “baseada em regras”. Toma como referência a conferência
que Trump deu na terça-feira, dia 7, em sua mansão na Flórida, quando
atacou Biden e seu entorno
dizendo que são “grupos de pessoas doentes”.
Ressalta que a
transição atual de Biden para Trump visa vetar seu futuro
mandato, assim como Obama fez. “O governo Biden está apenas
seguindo os passos de Barack Obama, que no período de transição após a
sensacional vitória eleitoral de Trump, em novembro de 2015, criou uma
crise nas relações diplomáticas com a Rússia e alimentou a
absurda hipótese do “conluio com a Rússia” fabricada pelo agências de
inteligência do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Para os povos e
movimentos latino-americanos, o que mais interessa é refletir sobre as quatro
propostas que lançou: a anexação da
Groenlândia e
do Canadá, tomar o controle do Canal do Panamá e renomear o
Golfo do México como Golfo da América.
Apesar de serem
parceiros estratégicos, ameaçou a Dinamarca com ações militares e
tarifas altas, caso não concorde em entregar a Groenlândia, e
ao Canadá em fazer uso da “força econômica” para que consinta com os
seus desejos. Disse algo semelhante sobre tomar o controle militar
do Canal do Panamá. Paralelamente, evitou qualquer comentário crítico
sobre a Rússia, a China e o Irã, que sob os
democratas eram os alvos políticos, diplomáticos e militares da Casa
Branca.
A guinada está
clara. Trump parou de falar sobre o Indo-Pacífico, mas, no
entanto, enfatizou “a prioridade que deu ao controle estadunidense
do Hemisfério Ocidental (e do estratégico Mar de Barents) para
perpetuar sua influência hegemônica como uma potência global”,
ressalta Bhadrakumar. Por tudo isso, conclui que “o projeto da Grande
América é uma Doutrina Monroe do século XXI”, ao passo que
rejeita o multilateralismo e propõe retornar à velha agenda imperialista e
expansionista que foi a principal característica do império, entre o final
do século XIX e o primeiro terço do século XX.
<><> O
que a nova agenda imperial significa para os povos?
1. Que as
intervenções militares retornarão (na verdade, nunca pararam) e que se
intensificará a política de apropriação de territórios, golpes de Estado e de
dura repressão aos povos e movimentos que não se subordinarem.
2. O retorno
ao período do início do século XX, quando ocorreram dezenas de intervenções
armadas dos Estados Unidos, marca um ponto de inflexão que deve nos levar
a observar o nosso futuro no espelho de Gaza, Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia,
pelo menos.
3. Esta
política brutal substitui as de proteção do meio ambiente, transição energética
e apoio à diversidade sexual. Embora essas políticas fossem apenas um tampão
para a dominação imperialista, conseguiam adesões entre ONGs e governos
progressistas.
4. Projetos
autoritários como os de Nayib Bukele, em El
Salvador, Daniel Noboa, no Equador, Javier Milei,
na Argentina, e Jair Bolsonaro, no Brasil,
serão amplamente beneficiados e serão as referências na região para
o Pentágono e o Comando Sul. Os progressismos precisarão
adaptar-se, direitizar-se e polir suas já frágeis arestas
transformadoras. Venezuela, Bolívia e Cuba,
sem dúvida, serão fortemente pressionadas para que se voltem cada vez mais para
os interesses do império ou arquem com as consequências.
5. Este duro
panorama faz parte da reorganização do capitalismo que
os zapatistas chamam de “tormenta”. Não estamos em condições de deter
a tormenta, nem temos força suficiente para apresentar alternativas que vão
além do local, como destacou o Capitão Marcos, no ano passado. Por isso,
propõem trabalhar desde já para que em 120 anos os povos estejam em condições
de enfrentar o “dia depois” da tormenta.
No meu modo de ver,
os povos e movimentos não zapatistas precisam dar muitos passos para conseguir
enfrentar essa situação. Primeiro, analisar e estudar a “tormenta”, compreender
o que é e a gravidade da situação em que estamos. Minha impressão é que não há
consciência suficiente de que a humanidade de baixo e a vida dos povos estão em
perigo.
Segundo, começar a
nos preparar para navegar a tormenta e sobreviver às catástrofes. Para isso, é
indispensável fortalecer as autonomias, porque a dependência dos governos nos
fragiliza extremamente. Sem autonomia, não sobreviveremos.
Terceiro,
prepararmo-nos para defender nossos territórios e espaços, nossas famílias e
comunidades. Sem autodefesa, vão nos massacrar. Isto não quer dizer entrar
na guerra de cima, mas, sim, criar e fortalecer nosso próprio mundo, nossa
saúde, educação, alimentos e modos de vida que nos tornam diferentes, e
defendê-lo.
Não temos muito
tempo, e a esquerda e os progressismos fazem tudo o que é possível para nos
distrair e anestesiar as resistências com “programas sociais” que não servem
para nada a não ser nos fragilizar.
Fonte: Jornal
GGN/Ascom Mackenzie/Desinformémonos, tradução do Cepat, em IHU
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