Valorização do peso
é um golpe à competitividade da Argentina frente economia brasileira
Colocando a redução
da inflação como prioridade, o governo argentino reduziu a taxa de
desvalorização da moeda para 1% ao mês, reforçando o "atraso cambial"
e complicando ainda mais a competitividade da indústria argentina.
Economistas consultados
pela Sputnik alertaram sobre a gravidade do saldo comercial negativo em um
cenário de faltas de reservas.
"Empresários
no Brasil me dizem que estão vendo mais argentinos do que durante a Copa do
Mundo de 2014", disse o economista argentino Miguel Ponce à Sputnik.
A anedota, diz ele, serve para ilustrar o número recorde de argentinos que
passam férias no Brasil, aproveitando o fato de ser "o
verão mais barato dos últimos 50 anos".
Ponce, especialista
em comércio exterior, destacou que o fenômeno é motivado não apenas pela
desvalorização do real brasileiro no final de 2024, mas também pelo fato de a
Argentina estar trilhando "o caminho inverso", com forte valorização
do peso argentino frente ao dólar americano.
"Enquanto
todos os países emergentes, Brasil, Chile e até a China, pensam em uma
desvalorização para enfrentar o 'super dólar' de Donald Trump, a Argentina
vai na direção oposta. Viemos a ter um super peso que nos torna caros, em
dólares, complica nossas exportações e aumenta a tentação de importar",
diagnosticou o analista.
Nesse contexto, o
Banco Central da República Argentina (BCRA) anunciou uma redução de 2% para 1%
a partir de fevereiro da taxa de câmbio fixa, instrumento que regula o ritmo de
desvalorização da moeda. Assim, o peso argentino começará a ajustar seu valor
em relação ao dólar em 1% ao mês a partir do segundo mês de 2025.
Para Ponce,
desacelerar o ritmo de desvalorização fará com que os produtos argentinos
percam competitividade frente os concorrentes, não apenas na hora de
exportá-los, mas também no mercado interno.
"Estamos
perdendo para o Brasil não só no setor de turismo, mas também estamos perdendo
mercados onde os produtos argentinos competem com os brasileiros", disse.
O efeito mais grave
é, para o especialista, que a queda nas exportações afeta especialmente as
chamadas Manufaturas de Origem Industrial (MOI), setor que envia 80% do que
exporta para o Brasil e é "basicamente liderado por empresas de médio
porte e que representam o maior valor agregado da Argentina."
·
Inflação
e eleições
Se a valorização da
moeda prejudica a indústria e o setor exportador, por que o governo de Javier
Milei insiste nisso?
Para Ponce, a
primeira explicação é que 2025 é ano eleitoral e o Executivo
precisa "manter a crença de que a inflação está sob
controle" tendo em vista as eleições legislativas marcadas para
outubro de 2025.
"Até que as
eleições acabem, o governo continuará tentando evitar ondas e manter a sensação
de que a inflação está sob controle", resumiu o analista.
Também em diálogo
com a Sputnik, a economista e diretora da consultoria Eco Go, Marina dal
Poggeto, explicou que desacelerar o ritmo de desvalorização o governo ganhar
com a execução de carry trades, mecanismo que permite investidores lucrarem a
partir das diferenças das taxas de juros em diferentes países.
"A escassez de
dólares estava sendo financiada por dólares originários da ocultação de
valores. O setor privado vende esses dólares ao Banco Central, que por sua
vez os vende para o Tesouro, que os usa para pagar dívidas. Com isso você
teve uma queda no risco país e aumentou a expectativa de que, em algum momento,
o Tesouro possa acessar algum crédito."
A economista
reconheceu que, embora o esquema aplicado pelo governo argentino permita manter
a inflação baixa e sustentar uma "recuperação do nível de atividade
através do aumento da base monetária e do crédito", também trouxe
como desvantagem a "a defasagem cambial e um Banco Central sem
reservas".
Em decorrência da
defasagem cambial, a Argentina está vivenciando um aumento nas importações que
gerará "um déficit em conta corrente". "A questão é como
financiá-lo em um país que não tem reservas", afirmou Dal Poggeto.
Para Ponce, a
possibilidade de a Argentina cair em déficit comercial é "absolutamente
grave", dada a falta de dólares no Banco Central e o fato de que "os
únicos dólares genuínos são aqueles que vêm do saldo positivo da balança de
pagamentos comercial".
Como exemplo do
problema que o país enfrenta, ele destacou que a Argentina "está
prestes a somar o superávit de US$ 8 bilhões da balança energética
com o déficit da balança turística, que pode chegar a US$ 8 bilhões".
·
Crise
ou oportunidade para a indústria argentina?
Diante desse
cenário, e dado que o governo não dá sinais de que irá aumentar o ritmo de
desvalorização, a perda de competitividade das empresas argentinas se torna um
problema cada vez mais sério.
Dal Poggetto
alertou sobre o desafio que isso poderia representar para a indústria
argentina, que se acostumou a uma forma muito diferente de operar.
"A Argentina
passou de um extremo a outro: a indústria deixou de brincar na Disneylândia e
passou a brincar na selva."
Até o início do
governo Milei, a indústria argentina estava acostumada a operar sob um
sistema de "repressão financeira" e desníveis na taxa de juros e
no câmbio que levavam a "não se importar com a estrutura nem custos, nem
demanda".
Agora, a indústria
não encontra mais aliados na defasagem cambial e deve se preocupar com a
estrutura de custos e uma demanda "que começa a ser suprida por oferta
importada".
Dal Poggetto
destacou que, como resultado, "um grande número de industriais está se
tornando importador ou empresários de logística", o que está levando a um
aumento de demissões no setor privado.
Se essa tendência
ainda não é grave para a economia argentina, é porque, segundo o
especialista, os
empregos informais ou autônomos conseguem "compensar" a perda de
empregos.
Questionado pela
Sputnik, o economista Gerardo Alonso Schwarz, membro da Fundação
Mediterrânea e especializado em comércio internacional e fronteiriço,
considerou que o impacto na competitividade é claro em relação ao Brasil, mas
"não tanto em comparação com outros países do mundo".
Nesse sentido, ele
se mostrou otimista de que o efeito da defasagem cambial na produção argentina
"não deve ser visto como uma condenação, mas como uma necessidade de
pensar em como voltar a ser competitivo".
"Por muito
tempo na Argentina, nos acostumamos com a ideia de que a competitividade
dependia somente da taxa de câmbio e nos esquecemos de outras fontes de
competitividade, como melhorias de produtos, inovação, etc.", explicou o
analista.
Para
Schwarz, desvalorizar a moeda como única ferramenta para não perder
competitividade "era algo muito comum na América Latina nos anos
1980", mas reapareceu no debate econômico argentino nos últimos anos.
Após descartar uma
desvalorização por parte do governo de Milei, o especialista destacou que cabe
"ao setor público pensar em como facilitar os negócios e ao setor privado
como ajustar seus custos ou ser mais eficiente".
De fato, o
economista acredita que muitas agências estaduais, sejam elas nacionais,
provinciais ou municipais, podem
"ajustar seu pensamento" para eliminar ou simplificar impostos
ou taxas que aumentam o custo de produção.
Por outro lado,
ressaltou, o contexto deve ser uma oportunidade para a indústria
argentina "fazer melhorias tanto internamente quanto no
relacionamento com seus fornecedores, distribuidores e clientes".
¨ Economia do Brasil deve desacelerar em 2025 e registrar
alta de 2,2%, diz Banco Mundial
Dados foram
divulgados nesta quinta-feira (16) no relatório Perspectivas Econômicas Globais
do Banco Mundial e apontam para uma desaceleração da economia brasileira por
causa das políticas monetárias restritivas.
Conforme a estimativa
do Banco Mundial, o Brasil deve crescer 2,2% neste ano, enquanto que em 2026 a
expectativa é de 2,3%. Já em 2024, a entidade prevê que a alta deve fechar
em 3,2%.
A média de
crescimento da economia global deve ficar em 2,7%, mesmo nível previsto para 2025
e 2026.
O relatório do
Banco Mundial aponta ainda que os países
em desenvolvimento devem
manter a taxa média de crescimento de 4% nos próximos dois anos, índice
bem acima do Brasil. Apesar do percentual, a entidade avalia que ainda é
"insuficiente para assegurar o progresso necessário para reduzir a pobreza
e atingir os objetivos de desenvolvimento mais amplos".
Além disso, o
documento destaca a queda
nas taxas de juros na
maior parte dos países do grupo, enquanto México e Brasil mantiveram os índices
em patamares altos. "A desaceleração da demanda da China pesou sobre as
exportações, e o superávit comercial da Argentina cresceu devido à redução
das importações", pontua o texto.
<><> Expectativas
para a América Latina
Apesar dos
diferentes cenários entre os países da América
Latina e Caribe,
o órgão mundial traz um panorama positivo para a região nos próximos anos.
"À medida que
a Argentina se recuperar, as taxas de juros se normalizarem e a inflação
diminuir, o ritmo de crescimento da América Latina tenderá a se
intensificar, chegando a 2,5% em 2025 e 2,6% em 2026. A expectativa é que
os preços das commodities fortaleçam as exportações da ALC, embora o
crescimento mais moderado da China possa limitar a demanda por commodities
essenciais", destaca.
Enquanto Brasil e
Chile devem crescer 2,2% neste ano, na Argentina a alta esperada é de 5% e o
destaque da região permanecerá na Guiana, com crescimento de 12,3% (o
índice é impulsionado pelo aumento da exploração de petróleo no país).
Por fim, o
relatório revela que 60% do crescimento global foram impulsionados pelos países
em desenvolvimento.
¨ 5 grandes desafios que China tem pela frente neste ano.
Por Tom Harper
2024 foi um ano
complicado para a China.
Enquanto seu
governo enfrentava problemas econômicos internamente, internacionalmente teve
que lidar com as complexidades de sua aliança com a Rússia.
E, embora a China
tenha continuado a desempenhar um papel importante na economia global, cinco
áreas podem inviabilizar seus planos até 2025.
·
1.
Uma rivalidade renovada com os Estados Unidos
A preocupação mais
óbvia para Pequim será o ressurgimento de uma política ultra-agressiva
dos EUA em relação à
China depois que Donald Trump assumir o
cargo em janeiro.
Trump já ameaçou a
China e outras nações com tarifas de 60%, sugerindo uma continuação da guerra
comercial em andamento que ele lançou durante sua presidência anterior.
Um relacionamento
mais conflituoso com os EUA representará um grande desafio para a China, mas
Pequim não está despreparada, pois aprendeu com a guerra comercial anterior dos
EUA.
Isso pode ser
observado no fato de empresas chinesas, como a Huawei, terem procurado reduzir
sua dependência dos mercados e das tecnologias dos EUA, ao mesmo tempo em que
se expandiram para outros campos.
Da mesma forma, a
China tem se mostrado mais disposta a usar medidas punitivas contra os EUA,
como demonstrado recentemente por sua restrição à exportação de elementos de
terras raras (usadas em baterias e conversores catalíticos).
Como resultado,
Pequim está mais bem posicionada para travar uma guerra comercial do que em
2017.
·
2.
Guerras tecnológicas globais
Embora as tarifas,
sem dúvida, atraiam a maior parte da atenção, outra batalha pode ser travada em
relação ao desenvolvimento tecnológico da China, que representa um desafio
notável à supremacia comercial dos EUA.
A tecnologia tem se
tornado um elemento cada vez mais crucial nos planos da China, já que Pequim
busca aumentar o emprego e a produção nesse setor, em parte por meio do aumento
de suas exportações.
Da mesma forma,
restringir esse setor se tornou uma prioridade para os EUA, conforme
demonstrado por seus esforços para restringir o acesso chinês à tecnologia de
semicondutores, uma das principais frentes de batalha.
Além de ser uma
competição para obter o domínio das principais tecnologias, é também uma
competição para definir os padrões tecnológicos.
Isso é demonstrado
pelo que foi chamado de "efeito Pequim", em que a China pretende
estabelecer padrões para a infraestrutura digital, da mesma forma que a União
Europeia (UE) fez para o gerenciamento de dados e a privacidade por meio da
legislação GDPR (General Data Protection Regulation).
Essa medida poderia
dar à China uma liderança estratégica no mundo da tecnologia.
·
3.
Tarifas da UE
A China tem um
conflito comercial igualmente complicado com a Europa, que assumiu a forma de
uma série de tarifas retaliatórias: Pequim aplicou tarifas de importação sobre
o conhaque francês, por exemplo, em resposta às restrições da UE sobre as
importações de veículos elétricos chineses para os estados-membros do bloco.
Essas tarifas surgem em um momento em que a China começou a fazer incursões em
tecnologias que antes eram de domínio exclusivo de outras nações.
Uma guerra
comercial com a UE, juntamente com as recentes discussões sobre a expansão do
papel da OTAN na Ásia, pode representar uma dor de cabeça para Pequim,
especialmente se levar a um maior alinhamento entre Bruxelas e Washington. Mas
o antagonismo estabelecido por Trump em relação à UE pode funcionar a favor da
China, se isso significar que o bloco europeu está procurando outros parceiros.
·
4.
A aliança com a Rússia
Aparentemente, a
Rússia tem se tornado cada vez mais vital para a China como fonte de recursos
naturais e mercados, enquanto a China é uma importante fonte de apoio econômico
para Moscou.
Entretanto, esse
apoio afetou negativamente as relações da China com os países europeus, alguns
dos quais viram Pequim como um facilitador da guerra da Rússia na Ucrânia.
Da mesma forma, a
invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra em andamento podem continuar sendo
uma distração útil para Pequim, desviando a atenção dos EUA da China.
O plano de paz
proposto por Trump para a guerra da Ucrânia, se for bem-sucedido, poderá
permitir que os EUA voltem a se concentrar na China. A resolução desse conflito
poderia até mesmo proporcionar um caminho para a reaproximação entre Washington
e Moscou, o que funcionaria contra Pequim.
·
5.
Conflitos no Oriente Médio
Uma fonte emergente
de preocupação para a China é a grave instabilidade no Oriente Médio.
Assim como no caso
da Rússia, a região se tornou uma fonte importante de recursos e mercados para
Pequim, conforme demonstrado pelo evento aéreo de Zhuhai, em que as nações da
região foram os principais clientes das armas chinesas.
Outra preocupação
de Pequim tem sido a possibilidade de um conflito regional entre Irã e Israel,
sendo o primeiro uma importante fonte de petróleo para a China.
Em caso de conflito
armado, esses suprimentos podem ser interrompidos, se não forem completamente
cortados, criando mais problemas econômicos para Pequim.
A retomada da
guerra civil na Síria também destacou uma área de preocupação para o presidente
Xi Jinping.
Os uigures chineses
(um grupo étnico majoritariamente muçulmano) estiveram envolvidos nas forças
que derrubaram o presidente Bashar al-Assad, especialmente como parte do
Partido Islâmico do Turquestão (TIP).
Alguns membros do
TIP ameaçaram usar armas adquiridas na Síria na prolongada batalha por um
estado independente na região chinesa de Xinjiang, onde os uigures estão
baseados.
Nos últimos anos,
as forças de Xi detiveram cerca de um milhão de uigures, colocaram-nos em
campos de detenção e adotaram uma política de reeducação e vigilância intensiva
que atraiu críticas internacionais por suas táticas e autoritarismo.
Embora todos esses
fatores sugiram que a China enfrenta um difícil 2025, também há sinais de que
Pequim está se preparando para mitigá-los. Em particular, a China estudará o
regime de sanções implementado pelo Ocidente contra a Rússia, que provavelmente
seria usado contra a China no caso de um conflito sobre Taiwan.
Em última análise,
o que acontecer em 2025 será crucial para Pequim decidir se precisa fazer novos
aliados, desenvolver novos mercados e criar novos pontos fortes econômicos em
tecnologia.
Fonte: The
Conversation/Sputnik Brasil
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