sábado, 18 de janeiro de 2025

Valorização do peso é um golpe à competitividade da Argentina frente economia brasileira

Colocando a redução da inflação como prioridade, o governo argentino reduziu a taxa de desvalorização da moeda para 1% ao mês, reforçando o "atraso cambial" e complicando ainda mais a competitividade da indústria argentina.

Economistas consultados pela Sputnik alertaram sobre a gravidade do saldo comercial negativo em um cenário de faltas de reservas.

"Empresários no Brasil me dizem que estão vendo mais argentinos do que durante a Copa do Mundo de 2014", disse o economista argentino Miguel Ponce à Sputnik. A anedota, diz ele, serve para ilustrar o número recorde de argentinos que passam férias no Brasil, aproveitando o fato de ser "o verão mais barato dos últimos 50 anos".

Ponce, especialista em comércio exterior, destacou que o fenômeno é motivado não apenas pela desvalorização do real brasileiro no final de 2024, mas também pelo fato de a Argentina estar trilhando "o caminho inverso", com forte valorização do peso argentino frente ao dólar americano.

"Enquanto todos os países emergentes, Brasil, Chile e até a China, pensam em uma desvalorização para enfrentar o 'super dólar' de Donald Trump, a Argentina vai na direção oposta. Viemos a ter um super peso que nos torna caros, em dólares, complica nossas exportações e aumenta a tentação de importar", diagnosticou o analista.

Nesse contexto, o Banco Central da República Argentina (BCRA) anunciou uma redução de 2% para 1% a partir de fevereiro da taxa de câmbio fixa, instrumento que regula o ritmo de desvalorização da moeda. Assim, o peso argentino começará a ajustar seu valor em relação ao dólar em 1% ao mês a partir do segundo mês de 2025.

Para Ponce, desacelerar o ritmo de desvalorização fará com que os produtos argentinos percam competitividade frente os concorrentes, não apenas na hora de exportá-los, mas também no mercado interno.

"Estamos perdendo para o Brasil não só no setor de turismo, mas também estamos perdendo mercados onde os produtos argentinos competem com os brasileiros", disse.

O efeito mais grave é, para o especialista, que a queda nas exportações afeta especialmente as chamadas Manufaturas de Origem Industrial (MOI), setor que envia 80% do que exporta para o Brasil e é "basicamente liderado por empresas de médio porte e que representam o maior valor agregado da Argentina."

·        Inflação e eleições

Se a valorização da moeda prejudica a indústria e o setor exportador, por que o governo de Javier Milei insiste nisso?

Para Ponce, a primeira explicação é que 2025 é ano eleitoral e o Executivo precisa "manter a crença de que a inflação está sob controle" tendo em vista as eleições legislativas marcadas para outubro de 2025.

"Até que as eleições acabem, o governo continuará tentando evitar ondas e manter a sensação de que a inflação está sob controle", resumiu o analista.

Também em diálogo com a Sputnik, a economista e diretora da consultoria Eco Go, Marina dal Poggeto, explicou que desacelerar o ritmo de desvalorização o governo ganhar com a execução de carry trades, mecanismo que permite investidores lucrarem a partir das diferenças das taxas de juros em diferentes países.

"A escassez de dólares estava sendo financiada por dólares originários da ocultação de valores. O setor privado vende esses dólares ao Banco Central, que por sua vez os vende para o Tesouro, que os usa para pagar dívidas. Com isso você teve uma queda no risco país e aumentou a expectativa de que, em algum momento, o Tesouro possa acessar algum crédito."

A economista reconheceu que, embora o esquema aplicado pelo governo argentino permita manter a inflação baixa e sustentar uma "recuperação do nível de atividade através do aumento da base monetária e do crédito", também trouxe como desvantagem a "a defasagem cambial e um Banco Central sem reservas".

Em decorrência da defasagem cambial, a Argentina está vivenciando um aumento nas importações que gerará "um déficit em conta corrente". "A questão é como financiá-lo em um país que não tem reservas", afirmou Dal Poggeto.

Para Ponce, a possibilidade de a Argentina cair em déficit comercial é "absolutamente grave", dada a falta de dólares no Banco Central e o fato de que "os únicos dólares genuínos são aqueles que vêm do saldo positivo da balança de pagamentos comercial".

Como exemplo do problema que o país enfrenta, ele destacou que a Argentina "está prestes a somar o superávit de US$ 8 bilhões da balança energética com o déficit da balança turística, que pode chegar a US$ 8 bilhões".

·        Crise ou oportunidade para a indústria argentina?

Diante desse cenário, e dado que o governo não dá sinais de que irá aumentar o ritmo de desvalorização, a perda de competitividade das empresas argentinas se torna um problema cada vez mais sério.

Dal Poggetto alertou sobre o desafio que isso poderia representar para a indústria argentina, que se acostumou a uma forma muito diferente de operar.

"A Argentina passou de um extremo a outro: a indústria deixou de brincar na Disneylândia e passou a brincar na selva."

Até o início do governo Milei, a indústria argentina estava acostumada a operar sob um sistema de "repressão financeira" e desníveis na taxa de juros e no câmbio que levavam a "não se importar com a estrutura nem custos, nem demanda".

Agora, a indústria não encontra mais aliados na defasagem cambial e deve se preocupar com a estrutura de custos e uma demanda "que começa a ser suprida por oferta importada".

Dal Poggetto destacou que, como resultado, "um grande número de industriais está se tornando importador ou empresários de logística", o que está levando a um aumento de demissões no setor privado.

Se essa tendência ainda não é grave para a economia argentina, é porque, segundo o especialista, os empregos informais ou autônomos conseguem "compensar" a perda de empregos.

Questionado pela Sputnik, o economista Gerardo Alonso Schwarz, membro da Fundação Mediterrânea e especializado em comércio internacional e fronteiriço, considerou que o impacto na competitividade é claro em relação ao Brasil, mas "não tanto em comparação com outros países do mundo".

Nesse sentido, ele se mostrou otimista de que o efeito da defasagem cambial na produção argentina "não deve ser visto como uma condenação, mas como uma necessidade de pensar em como voltar a ser competitivo".

"Por muito tempo na Argentina, nos acostumamos com a ideia de que a competitividade dependia somente da taxa de câmbio e nos esquecemos de outras fontes de competitividade, como melhorias de produtos, inovação, etc.", explicou o analista.

Para Schwarz, desvalorizar a moeda como única ferramenta para não perder competitividade "era algo muito comum na América Latina nos anos 1980", mas reapareceu no debate econômico argentino nos últimos anos.

Após descartar uma desvalorização por parte do governo de Milei, o especialista destacou que cabe "ao setor público pensar em como facilitar os negócios e ao setor privado como ajustar seus custos ou ser mais eficiente".

De fato, o economista acredita que muitas agências estaduais, sejam elas nacionais, provinciais ou municipais, podem "ajustar seu pensamento" para eliminar ou simplificar impostos ou taxas que aumentam o custo de produção.

Por outro lado, ressaltou, o contexto deve ser uma oportunidade para a indústria argentina "fazer melhorias tanto internamente quanto no relacionamento com seus fornecedores, distribuidores e clientes".

¨      Economia do Brasil deve desacelerar em 2025 e registrar alta de 2,2%, diz Banco Mundial

Dados foram divulgados nesta quinta-feira (16) no relatório Perspectivas Econômicas Globais do Banco Mundial e apontam para uma desaceleração da economia brasileira por causa das políticas monetárias restritivas.

Conforme a estimativa do Banco Mundial, o Brasil deve crescer 2,2% neste ano, enquanto que em 2026 a expectativa é de 2,3%. Já em 2024, a entidade prevê que a alta deve fechar em 3,2%.

A média de crescimento da economia global deve ficar em 2,7%, mesmo nível previsto para 2025 e 2026.

O relatório do Banco Mundial aponta ainda que os países em desenvolvimento devem manter a taxa média de crescimento de 4% nos próximos dois anos, índice bem acima do Brasil. Apesar do percentual, a entidade avalia que ainda é "insuficiente para assegurar o progresso necessário para reduzir a pobreza e atingir os objetivos de desenvolvimento mais amplos".

Além disso, o documento destaca a queda nas taxas de juros na maior parte dos países do grupo, enquanto México e Brasil mantiveram os índices em patamares altos. "A desaceleração da demanda da China pesou sobre as exportações, e o superávit comercial da Argentina cresceu devido à redução das importações", pontua o texto.

<><> Expectativas para a América Latina

Apesar dos diferentes cenários entre os países da América Latina e Caribe, o órgão mundial traz um panorama positivo para a região nos próximos anos.

"À medida que a Argentina se recuperar, as taxas de juros se normalizarem e a inflação diminuir, o ritmo de crescimento da América Latina tenderá a se intensificar, chegando a 2,5% em 2025 e 2,6% em 2026. A expectativa é que os preços das commodities fortaleçam as exportações da ALC, embora o crescimento mais moderado da China possa limitar a demanda por commodities essenciais", destaca.

Enquanto Brasil e Chile devem crescer 2,2% neste ano, na Argentina a alta esperada é de 5% e o destaque da região permanecerá na Guiana, com crescimento de 12,3% (o índice é impulsionado pelo aumento da exploração de petróleo no país).

Por fim, o relatório revela que 60% do crescimento global foram impulsionados pelos países em desenvolvimento.

 

¨      5 grandes desafios que China tem pela frente neste ano. Por Tom Harper

2024 foi um ano complicado para a China.

Enquanto seu governo enfrentava problemas econômicos internamente, internacionalmente teve que lidar com as complexidades de sua aliança com a Rússia.

E, embora a China tenha continuado a desempenhar um papel importante na economia global, cinco áreas podem inviabilizar seus planos até 2025.

·        1. Uma rivalidade renovada com os Estados Unidos

A preocupação mais óbvia para Pequim será o ressurgimento de uma política ultra-agressiva dos EUA em relação à China depois que Donald Trump assumir o cargo em janeiro.

Trump já ameaçou a China e outras nações com tarifas de 60%, sugerindo uma continuação da guerra comercial em andamento que ele lançou durante sua presidência anterior.

Um relacionamento mais conflituoso com os EUA representará um grande desafio para a China, mas Pequim não está despreparada, pois aprendeu com a guerra comercial anterior dos EUA.

Isso pode ser observado no fato de empresas chinesas, como a Huawei, terem procurado reduzir sua dependência dos mercados e das tecnologias dos EUA, ao mesmo tempo em que se expandiram para outros campos.

Da mesma forma, a China tem se mostrado mais disposta a usar medidas punitivas contra os EUA, como demonstrado recentemente por sua restrição à exportação de elementos de terras raras (usadas em baterias e conversores catalíticos).

Como resultado, Pequim está mais bem posicionada para travar uma guerra comercial do que em 2017.

·        2. Guerras tecnológicas globais

Embora as tarifas, sem dúvida, atraiam a maior parte da atenção, outra batalha pode ser travada em relação ao desenvolvimento tecnológico da China, que representa um desafio notável à supremacia comercial dos EUA.

A tecnologia tem se tornado um elemento cada vez mais crucial nos planos da China, já que Pequim busca aumentar o emprego e a produção nesse setor, em parte por meio do aumento de suas exportações.

Da mesma forma, restringir esse setor se tornou uma prioridade para os EUA, conforme demonstrado por seus esforços para restringir o acesso chinês à tecnologia de semicondutores, uma das principais frentes de batalha.

Além de ser uma competição para obter o domínio das principais tecnologias, é também uma competição para definir os padrões tecnológicos.

Isso é demonstrado pelo que foi chamado de "efeito Pequim", em que a China pretende estabelecer padrões para a infraestrutura digital, da mesma forma que a União Europeia (UE) fez para o gerenciamento de dados e a privacidade por meio da legislação GDPR (General Data Protection Regulation).

Essa medida poderia dar à China uma liderança estratégica no mundo da tecnologia.

·        3. Tarifas da UE

A China tem um conflito comercial igualmente complicado com a Europa, que assumiu a forma de uma série de tarifas retaliatórias: Pequim aplicou tarifas de importação sobre o conhaque francês, por exemplo, em resposta às restrições da UE sobre as importações de veículos elétricos chineses para os estados-membros do bloco. Essas tarifas surgem em um momento em que a China começou a fazer incursões em tecnologias que antes eram de domínio exclusivo de outras nações.

Uma guerra comercial com a UE, juntamente com as recentes discussões sobre a expansão do papel da OTAN na Ásia, pode representar uma dor de cabeça para Pequim, especialmente se levar a um maior alinhamento entre Bruxelas e Washington. Mas o antagonismo estabelecido por Trump em relação à UE pode funcionar a favor da China, se isso significar que o bloco europeu está procurando outros parceiros.

·        4. A aliança com a Rússia

Aparentemente, a Rússia tem se tornado cada vez mais vital para a China como fonte de recursos naturais e mercados, enquanto a China é uma importante fonte de apoio econômico para Moscou.

Entretanto, esse apoio afetou negativamente as relações da China com os países europeus, alguns dos quais viram Pequim como um facilitador da guerra da Rússia na Ucrânia.

Da mesma forma, a invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra em andamento podem continuar sendo uma distração útil para Pequim, desviando a atenção dos EUA da China.

O plano de paz proposto por Trump para a guerra da Ucrânia, se for bem-sucedido, poderá permitir que os EUA voltem a se concentrar na China. A resolução desse conflito poderia até mesmo proporcionar um caminho para a reaproximação entre Washington e Moscou, o que funcionaria contra Pequim.

·        5. Conflitos no Oriente Médio

Uma fonte emergente de preocupação para a China é a grave instabilidade no Oriente Médio.

Assim como no caso da Rússia, a região se tornou uma fonte importante de recursos e mercados para Pequim, conforme demonstrado pelo evento aéreo de Zhuhai, em que as nações da região foram os principais clientes das armas chinesas.

Outra preocupação de Pequim tem sido a possibilidade de um conflito regional entre Irã e Israel, sendo o primeiro uma importante fonte de petróleo para a China.

Em caso de conflito armado, esses suprimentos podem ser interrompidos, se não forem completamente cortados, criando mais problemas econômicos para Pequim.

A retomada da guerra civil na Síria também destacou uma área de preocupação para o presidente Xi Jinping.

Os uigures chineses (um grupo étnico majoritariamente muçulmano) estiveram envolvidos nas forças que derrubaram o presidente Bashar al-Assad, especialmente como parte do Partido Islâmico do Turquestão (TIP).

Alguns membros do TIP ameaçaram usar armas adquiridas na Síria na prolongada batalha por um estado independente na região chinesa de Xinjiang, onde os uigures estão baseados.

Nos últimos anos, as forças de Xi detiveram cerca de um milhão de uigures, colocaram-nos em campos de detenção e adotaram uma política de reeducação e vigilância intensiva que atraiu críticas internacionais por suas táticas e autoritarismo.

Embora todos esses fatores sugiram que a China enfrenta um difícil 2025, também há sinais de que Pequim está se preparando para mitigá-los. Em particular, a China estudará o regime de sanções implementado pelo Ocidente contra a Rússia, que provavelmente seria usado contra a China no caso de um conflito sobre Taiwan.

Em última análise, o que acontecer em 2025 será crucial para Pequim decidir se precisa fazer novos aliados, desenvolver novos mercados e criar novos pontos fortes econômicos em tecnologia.

 

Fonte: The Conversation/Sputnik Brasil

 

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