O direito à
saúde mental no Brasil: desafios e avanços
A saúde mental é um direito fundamental que deve ser garantido a todos
os cidadãos, conforme preconiza a Constituição Federal do Brasil e a Lei
10.216/2001, que regula os direitos das pessoas com transtornos mentais.
Contudo, no Brasil, esse direito ainda enfrenta barreiras significativas, como
a ausência de atendimento na rede pública e o estigma social em torno das
doenças mentais.
Os dados sobre saúde mental no Brasil apontam que, embora haja esforços
para ampliar a assistência, o acesso ao cuidado ainda é desigual e insuficiente
para atender toda a demanda. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de
2019, 11,5% da população brasileira — o equivalente a aproximadamente 24,6
milhões de pessoas — relata já ter sido diagnosticada com algum transtorno
mental, sendo os transtornos de ansiedade e depressão os mais prevalentes.
Existe uma demanda cada vez maior no Brasil em desenvolver e fortalecer
políticas públicas de cuidado à saúde mental com base em evidências científicas
principalmente quando analisamos as recomendações de organizações
internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS). Políticas de
prevenção, como programas que promovam saúde mental em escolas e no ambiente de
trabalho, são vias eficazes na redução de diagnósticos de transtornos de
ansiedade e depressão. Estudos publicados na Lancet Global Health (2020) pela
Universidade de Chicago nos Estados Unidos indicam que a cada dólar investido
em intervenções de saúde mental, esse investimento pode resultar em um retorno
de até quatro dólares em melhora na produtividade das pessoas e na redução de
custos com cuidados de saúde.
Estudos globais indicam que os transtornos mentais representam uma carga
significativa à saúde pública, com 4,4% da população mundial sofrendo de
transtornos depressivos e 3,6% de transtornos de ansiedade. No Brasil, os
transtornos mentais respondem por um terço de todas as doenças crônicas não
transmissíveis, e o país ocupa o segundo lugar na região das Américas em número
absoluto de suicídios. Essa realidade ressalta a importância de implementar
políticas públicas efetivas para a prevenção e o tratamento dessas condições.
Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para o impacto
das condições de vida e das crises econômicas no aumento dos transtornos
mentais, especialmente entre jovens e adultos. Uma pesquisa realizada pelo IBGE
em 2021 revelou que, durante a pandemia de COVID-19, os transtornos de
ansiedade e depressão cresceram consideravelmente no Brasil, com 25,1% da
população relatando sintomas de ansiedade e 17,5% manifestando sintomas
depressivos.
No Brasil, iniciativas comunitárias têm surgido como soluções inovadoras
e acessíveis para lidar com a crise de saúde mental. Os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), criados para oferecer um modelo de tratamento menos
hospitalar e mais integrado à comunidade, destacam-se nesse contexto. No
entanto, estudos apontam que a quantidade de CAPS ainda é insuficiente em
relação à demanda existente, com disparidades entre regiões urbanas e rurais.
Outro ponto crítico é o retrocesso nas políticas de saúde mental nos
últimos anos, com a reintrodução de hospitais psiquiátricos no sistema de
atenção psicossocial e o aumento de recursos destinados às comunidades
terapêuticas, muitas vezes criticadas por condições inadequadas e localizações
isoladas. Em contrapartida, houve uma redução no financiamento de serviços de
saúde mental abertos e programas de suporte, como o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e o Programa de Volta para Casa (PVC), fundamentais para a
reabilitação e inclusão social de pessoas com transtornos mentais.
Diante desse cenário, é fundamental que o direito à saúde mental seja
promovido não apenas por políticas públicas, mas também por uma mudança
cultural que elimine o preconceito e a discriminação em relação à saúde mental.
A ampliação do acesso aos serviços de saúde mental, o fortalecimento de uma
abordagem comunitária e a formação de profissionais especializados são ações
urgentes para garantir que o direito à saúde mental se torne uma realidade para
todos os brasileiros.
Por fim, é essencial fomentar a inclusão de terapias baseadas em
evidência, como a terapia cognitivo-comportamental e programas de mindfulness,
nos serviços de saúde mental pública. Essas abordagens, além de eficazes no
tratamento de vários transtornos mentais, têm o potencial de reduzir custos e
melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A integração dessas práticas em
políticas públicas pode representar um passo significativo na superação das
barreiras atuais.
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Saúde mental no
Brasil: dados e panorama
Nunca se falou
tanto em saúde mental no Brasil como nos últimos anos. O assunto, que
um dia foi tabu (e que
permanece, apesar dos avanços), foi tendo mais notoriedade gradualmente
na última década. E ganhou os holofotes em 2020, quando a pandemia afetou a
estabilidade psicológica de muita gente.
Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o conceito de saúde mental abrange o
bem-estar mental, físico e social, indo muito além da simples ausência de
doença. Ela afeta todo o meio em que o indivíduo está inserido.
Assim, ações para
promover a saúde mental são de extrema importância, segundo especialistas. Eles
avaliam que essas iniciativas ajudam não apenas individualmente as pessoas que
estão em sofrimento mental, mas também a sociedade como um todo. E podem salvar
vidas.
Mas como será que é
tratada a saúde mental no Brasil? E o que dizem os dados de pesquisas sobre
isso? Vamos mostrar aqui o panorama completo.
<><> Como
é tratada a Saúde Mental no Brasil
Há dois modelos de
assistência de saúde mental no Brasil: o público e o privado.
>>> Modelo
público
O modelo público de
assistência de saúde mental no Brasil é feito através da Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS), que estabelece pontos de atenção para o atendimento de
pacientes com distúrbios psiquiátricos ou problemas com drogas. Trata-se de
um modelo de base comunitária, bastante presente nos municípios.
Fazendo parte do
Sistema Único de Saúde, a RAPS é composta por Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e
Cultura, Unidade de Acolhimento (UAs), e leitos de atenção integral, que podem
ser em Hospitais Gerais ou nos chamados CAPS III.
Desse modo, a Rede
tenta oferecer serviços de saúde mental em diferentes níveis de complexidade. E
o modelo conta até mesmo com um programa que dá bolsas a pacientes que ficaram
internados em hospitais psiquiátricos durante um longo período.
Apesar de ser
considerada uma boa opção para quem não tem condições de pagar por tratamento
psicológico e psiquiátrico, a RAPS tem alguns problemas. Como a maior parte dos
serviços ofertados pelo SUS, precisa de melhorias e maiores investimentos,
dizem especialistas. Pacientes reclamam de não se sentirem assistidos ou até
mesmo de serem atendidos com desconfiança pelos profissionais.
>>> Modelo
privado
Já o modelo privado
de saúde mental no Brasil atenderia melhor às expectativas dos pacientes. Mesmo
assim, faltariam leitos e médicos psiquiatras que atendam planos de saúde. E
como as consultas psiquiátricas levam um pouco mais de tempo, muitas vezes o
convênio não aceita pagar mais.
Em alguns casos, o
paciente se vê obrigado a trocar de profissional, precisando recomeçar o
tratamento. Em outros, o tratamento acaba sendo descontinuado, o que pode
acarretar no agravamento da doença. Isso faz com que muitos que tenham plano de
saúde recorram a profissionais que atendam apenas de forma particular.
Apesar dos
problemas, há um aumento na busca por tratamentos em saúde mental. Segundo
o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), consultas com psiquiatras
tiveram crescimento de 44,5% em cinco anos. O número de consultas subiu de 3,4
milhões para 4,9 milhões.
Os dados mostram
que, aos poucos, as pessoas estão compreendendo, principalmente as mais jovens,
que a saúde mental precisa de atenção e é necessário pedir ajuda. E essa ajuda
vai fazer toda a diferença.
Porém, nem sempre
foi assim.
<><> História
da saúde mental no Brasil
Durante muito
tempo, a assistência de saúde mental no Brasil esteve ligada ao tratamento em
grandes manicômios. Normalmente, os pacientes eram levados a esses locais contra
a sua vontade, sendo retirados do seu espaço social e familiar. E há muitos
relatos de que lá eram desrespeitados, tratados com violência e mantidos
presos, sem autorização para sair.
Além disso,
o foco era totalmente na doença, e não nos pacientes. Ou seja, o objetivo
principal era acabar com os sintomas, não importando o custo disso para a
pessoa. Para isso, a administração de medicamentos era feita de forma
exagerada. E outros recursos também eram usados, como estímulos elétricos e
técnicas de hidroterapia.
<><> Reforma
psiquiátrica
A partir da década
de 1940, começaram a surgir movimentos nos EUA e Europa para mudar esse tipo de
política. No Brasil, a mudança começou a ocorrer apenas nos anos de 1970, com o
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. A partir daí, teve início
uma reforma psiquiátrica.
Foram anos de
encontros e discussões por uma sociedade sem manicômios e pelos direitos das
pessoas com transtornos mentais. Nos anos de 1980, surgiram os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS). Esses locais passaram a prestar serviços
comunitários, promovendo o atendimento personalizado. A realidade e os
contextos em que o paciente está inserido também começaram a ser
consideradas.
Depois de 11 anos
tramitando no Congresso Nacional, finalmente a Lei da Reforma Psiquiátrica foi
promulgada em 2001. A partir dela, foram garantidos os direitos dos cidadãos
com transtornos mentais, com tratamento digno. Em 2011, a criação da Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS) consolidou esse modelo.
Observando toda a
história do tratamento da saúde mental no Brasil, nota-se um grande avanço.
Porém, há muito o que melhorar, segundo os profissionais da área.
<><> Dados
sobre saúde mental no Brasil
Mesmo antes da
pandemia, o Brasil era o país com maior prevalência de ansiedade. Segundo um estudo
de 2017 da OMS, 18 milhões de brasileiros sofriam com algum tipo de distúrbio
relacionado ao problema. Isso equivalia a 9,3% da população. Já a depressão
afetava 12 milhões de pessoas no país, sendo a maior incidência da América
Latina.
E tudo indica que
esses distúrbios psicológicos só se agravaram depois de 2020. A pandemia
trouxe distanciamento social, medo, mortes, luto, fechamento de espaços
coletivos e forte crise financeira. Tudo isso mexeu com a rotina e com os
sentimentos dos brasileiros, afetando a saúde mental de muita gente,
incluindo crianças e
adolescentes.
De acordo com
informações de uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
houve aumento de 90% nos casos de depressão entre março e abril do
ano passado. Já os episódios de crises de ansiedade e sintomas de
estresse agudo quase dobraram no mesmo período.
Outro estudo, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostrou que cerca de 80% da
população brasileira se tornou mais ansiosa entre maio, junho e julho de 2020.
Do mesmo modo, um levantamento feito pela Associação Brasileira de Psiquiatria
no primeiro semestre do ano passado afirmou que os médicos associados apontaram
82,9% no agravamento dos sintomas dos pacientes depois do início da pandemia.
Já os atendimentos psiquiátricos tiveram aumento de 25%.
Em uma pesquisa do
Instituto Ipsos encomendada pelo Fórum Social Mundial, mais da metade (53%) dos
brasileiros afirmaram que seu bem-estar mental teve piora em 2020. A
porcentagem foi maior apenas em outros quatro países.
Por fim, em sua
participação no podcast do Futuro da Saúde, o psiquiatra Guilherme
Polanczyk explicou o impacto do coronavírus no surgimento de transtornos
mentais, como depressão e ansiedade. E também falou sobre a saúde mental na
infância e adolescência.
<><> “Novo
normal” virou rotina
Apesar desses
dados, parece que os brasileiros se acostumaram com o “novo normal” depois dos
primeiros meses de pandemia. De modo geral, os números de ocorrência de
transtornos mentais e de sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão, não
tiveram aumento significativo em 2020, apresentando estabilidade.
Foi o que mostrou
uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP). A instituição avaliou 2.117 participantes do Estudo Longitudinal de
Saúde do Adulto. Eles são acompanhados desde 2008 e tiveram avaliações
periódicas durante o ano de 2020.
O uso de tecnologia
para amenizar o distanciamento social pode estar entre as razões para essa
estabilidade, dizem os pesquisadores. Entretanto, mesmo assim, o estudo mostra
que a ocorrência de transtornos mentais segue alta no
país, afetando mais de 20% dos brasileiros.
<><> Importância
de prevenção e tratamento de transtornos
De acordo com
pesquisas, transtornos mentais são causados por fatores psicológicos,
genéticos, sociais e ambientais. Problemas financeiros também influenciam, em
especial nas camadas mais
vulneráveis da população.
Dados apontam que
pessoas com problemas de saúde mental têm uma menor qualidade de vida, já que
seu bem-estar é prejudicado. Além disso, esses indivíduos tenderiam a ter
dificuldade nos relacionamentos e no mercado de trabalho. Eles ficariam mais
suscetíveis até mesmo a serem vítimas de violência, por terem mais dificuldade
de se defenderem.
Por isso,
profissionais alertam que é importante que familiares e amigos procurem ajuda,
caso a pessoa não o faça sozinha.
A Associação
Brasileira de Psiquiatria estima que os transtornos mentais estão relacionados
a 96,8% dos casos de suicídio no Brasil. Assim, na grande maioria dos casos, o
ato extremo poderia ser evitado se a pessoa receber os cuidados necessários.
Entre os distúrbios
psicológicos mais são comuns por trás do suicídio, o principal é a depressão,
mostram estudos. Pacientes com transtorno Afetivo Bipolar, transtornos
relacionados ao uso de substâncias químicas e álcool, esquizofrenia, ou
transtornos de personalidade (principalmente antissocial e borderline) correm
risco de em algum momento tentar tirar a própria vida. Desse modo, é preciso
ficar muito atento.
Assim, a prevenção
e o tratamento de transtornos psiquiátricos não apenas geram bem-estar e
qualidade de vida aos pacientes. Também evitam que, em uma atitude extrema,
eles tirem a própria vida.
Fonte: Por Vitor
Friary, em Brasil 247/Futuro da Saúde
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