Propostas da ANS para política de
preços e reajustes geram reação nos planos e consumidores, que pedem mais
diálogo
As propostas da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a revisão da Política de Preços e
Reajustes dos Planos de Saúde geraram reações no setor. Abertas para
participação social até 3 de fevereiro, por meio de consultas públicas, as
minutas apresentadas trazem mudanças estruturais para planos coletivos
empresariais e foram avaliadas como negativas pelas operadoras.
Dentre as normas, a
ampliação do chamado “pool de risco” de 29 para 1 mil vidas e as mudanças no
reajuste para contratos empresariais são as têm atraído mais atenção – neste
segundo caso, a ideia é estabelecer uma meta de sinistralidade mínima de 75%,
não podendo acumular outros índices para a composição do reajuste.
Os instrumentos com as novas
regras foram construídos após audiência pública e tomada de subsídios ainda no ano passado, processo que também
foi criticado à época por planos de saúde e entidades de defesa do consumidor
por ser considerado apressado e sem a devida reflexão sobre os temas.
Em nota, a Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) reitera que “é preciso haver tempo hábil para as devidas e adequadas
análises técnicas e de impacto de decisões importantes que eventualmente podem
ser tomadas”. A entidade chegou a solicitar à ANS a suspensão imediata da Consulta Pública 145, propondo processo de
abertura individual para cada um dos temas, com prazo de 45 dias para
contribuições.
Procurada, a ANS afirma que
não irá se pronunciar no momento. A agência irá realizar audiências públicas
para discutir os temas propostos para a revisão da Política de Preços e
Reajustes dos Planos de Saúde nos próximos dias 28 e 29 de janeiro. No entanto,
as operadoras também as consideram insuficientes. “As propostas apresentadas
podem produzir efeitos abrangentes e profundos no setor. Por isso, elas
demandam, sem dúvida, um debate mais detido, principalmente em relação a pontos
que não foram discutidos com a ANS nas consultas anteriores”, afirma em nota a
Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
Rogério Scarabel, sócio do
M3BS advogados e ex-diretor-presidente da ANS, explica que a agência quer
trazer mais transparência e diluir os riscos de contratos empresariais. No
entanto, há uma cautela do setor sobre os efeitos: “O problema é o impacto que
isso causa. Como é uma medida muito estruturante, acaba tendo modificações na
dinâmica até então existente, impactando o cálculo em desenvolvimento. Mas
acredito que o mercado se adapte. Há uma consciência de que a proposta é
favorável ao consumidor, então as empresas de saúde tendem a ser
impactadas.”
·
Reajustes dos planos
coletivos
Às vésperas da saída do
diretor-presidente Paulo Rebello da ANS, diversos temas foram pautados no final
de 2024 para revisão de normas ou criação de regulação no setor da saúde
suplementar. Isso gerou grande expectativa do mercado e preocupação dos
consumidores, por alguns temas serem considerados negativos para os beneficiários.
Com a apresentação da
proposta e a forma que o processo se deu, operadoras e entidades de defesa dos
consumidores se mostraram insatisfeitas. Por se tratarem de temas densos e que
irão provocar grandes mudanças, as partes cobram mais diálogo, através de
audiências públicas individualizadas. “Essas discussões foram sendo travadas em
um momento de transição da Diretoria Colegiada. Seria importante, para garantir uma
participação qualificada, que as discussões tivessem acontecido em outro
momento, ou de uma forma com prazos mais alongados e com maior participação
social”, observa Marina Paullelli, advogada do programa de Saúde do Idec.
Um dos principais temas em
debate é a mudança do reajuste dos planos coletivos. Na proposta da ANS, o tema é separado em
três pontos: rescisão contratual, tamanho do agrupamento e definição de parâmetros
para cláusula de reajuste. Os dois últimos são os que mais preocupam o setor.
De acordo com Silvio Guidi,
sócio da SPLAW, a proposta de estabelecer que o cancelamento será feito apenas
no aniversário do contrato é mais uma formalização, porque, na prática, isso já
é feito pelas operadoras. Por isso, os outros dois pontos são mais observados.
“A ANS diagnosticou problemas em cláusulas de reajustes com soma de fatores não
transparentes, com parâmetros genéricos ou sem relação com os contratos, como
fator de confiança e margem de segurança. Esse tema com frequência vai para
o Judiciário, que acaba decidindo em favor do beneficiário ou da empresa”, explica
Guidi.
·
Meta de sinistralidade
Na questão dos parâmetros
para cláusula de reajustes, a ANS propõe que se estabeleça a meta de sinistralidade
de 75% nos contratos empresariais. Atualmente, os contratos são reajustados com
base no excedente da meta, isto é, se a meta era 65% e a sinistralidade foi de
78%, o cálculo utilizará 13% somado a custos administrativos e o índice
financeiro estabelecido. Nos estudos que balizaram a proposta, a agência afirma
que a decisão evitaria excessos por parte das operadoras, propondo índices
“inalcançáveis”. Ainda, não será possível acumular reajuste por meta de
sinistralidade a um índice financeiro, como IPCA ou IGP-M.
“Quando tem uma
sinistralidade alta, o beneficiário ou empresa contratante é quem paga. Quando
tiver uma sinistralidade baixa, o beneficiário também precisa ser contemplado.
Nos Estados Unidos se usa essa metodologia. Se tiver 50%, por exemplo, como
alguns contratos podem ter, precisa dar um desconto para o beneficiário, não
reajustar o contrato”, observa Scarabel, do M3BS.
Ele explica que ter uma sinistralidade abaixo da média em alguns casos pode ter
a ver com a restrição de acesso, e estabelecer uma meta de 75% pode ser uma
tentativa da ANS em não beneficiar operadoras nesse sentido.
Em comunicado ao mercado, a
Hapvida, que sofreu queda de ações logo após o anúncio da ANS, afirmou que
“estabelecer uma meta de sinistralidade única para todo o mercado de saúde
suplementar pode não ser a medida mais adequada, já que há diferenças de
operações em função de regiões geográficas no Brasil, diferenças em função de
nichos ou segmentos de mercado atendidos, diferenças em função de atividade
ocupacional dos beneficiários, e diferenças em remuneração de intermediários e
de custos indiretos, dentre outras. Por conta disso, pode não ser positivo para
a democratização do setor de saúde suplementar”. Procurada, a Hapvida não quis
se pronunciar sobre o tema.
Para o advogado Silvio
Guidi, adotar uma faixa pode ser uma solução para o tema. “A agência poderia
aceitar sinistralidade meta entre 60% e 80%, mas o referencial seria 75%. Quer
trabalhar com 60%? Vamos entender por que está fazendo isso. Está abrindo os programas
de prevenção e promoção da saúde? Possui índices adequados de gestão financeira
e operacional? Então qualificam como 60%. Mas se está muito mal, o ano é
complicado e a operadora vem demonstrando problemas, poderiam qualificar como
80%. Cravar uma meta única talvez seja ruim”, afirma.
Agrupamento (pool de risco)
Outro tema que ganhou os
holofotes foi o agrupamento, também chamado de pool de risco, até então por
contratos de até 29 vidas. Diferente dos contratos com números de beneficiários
maiores, ele possui reajuste único dentro das operadoras, diluindo o impacto da
sinistralidade entre eles. Contudo, as operadoras não têm poder para definir
qual será o reajuste de cada um dos contratos.
Na nova proposta da ANS, o
agrupamento será ampliado para até 1 mil vidas, o que provocou preocupação das
operadoras por ter menos possibilidade de definir o reajuste contrato a
contrato. Na visão dos especialistas, a agência tenta aproximar as regras dos
planos coletivos às regras individuais.
De acordo com Rogério
Scarabel, do M3BS, a ANS passaria a controlar praticamente todos os reajustes.
Em termos de números de beneficiários, passaria de 27% para 60%, que estão em
contratos de até 1 mil vidas. Mas em termos de número de contratos, passaria de
85% de todos os contratos para 99%, afirma o ex-diretor da agência.
Scarabel também questiona a
capacidade de uma microempresa hoje, com cerca de 50 funcionários, de absorver
ou barganhar o índice de reajuste proposto pela operadora. Segundo ele, o
princípio do mutualismo, que rege a saúde suplementar, baliza a lógica do
reajuste médio dentro do agrupamento.
Já Silvio Guidi, da SPLAW,
observa que o grande ponto é como o mercado irá se adaptar frente às propostas.
Ele aponta, por exemplo, o caso dos planos individuais, produto em escassez no
mercado de planos de saúde e que são vendidos por operadoras verticalizadas.
“As operadoras estão defendendo o lado delas e isso é legítimo. No entanto,
precisamos observar que se um sistema é só bom para o consumidor ou só bom para
as operadoras, ele tende a minguar, não vai sobreviver. As operadoras não estão
satisfeitas com essa proposta e é o momento delas, na consulta pública, não só
criticarem, mas também apresentarem soluções voltadas à sustentabilidade do
sistema”, argumenta Guidi.
·
Outros temas e defesa do
consumidor
Além dessas propostas, a ANS
também apresentou minutas para definir parâmetros para a coparticipação e
franquia, estabelecendo limite de 30% em procedimentos. Em 2018, o Supremo
Tribunal Federal (STF) derrubou norma da ANS que estabelecia critérios. À
época, o limite da coparticipação era 40%.
Apesar de não se posicionar
ponto a ponto sobre as propostas apresentadas pela ANS, o Idec afirma que
mantém a avaliação de preocupação quanto a essas discussões, porque, de acordo com
Marina Paullelli, muitos assuntos difíceis, que merecem por si só uma atenção
mais individualizada e direcionada, foram incluídos no mesmo bojo de discussão.
“Em relação à coparticipação e franquia, a natureza desses mecanismos deve ser
respeitada. Isso porque, na essência, são fatores moderadores de uso. São
ferramentas para impedir o uso abusivo do plano, evitar exames, consultas,
procedimentos desnecessários. Eles não são mecanismos cujo principal objetivo é
garantir a sustentabilidade financeira do plano”, afirma Paullelli.
A expectativa é que, caso as
propostas apresentadas pela ANS sejam aprovadas, passem a valer a partir do
aniversário dos contratos ou apenas para contratos novos. Por isso, é preciso
entender como se darão as resoluções. De acordo com Scarabel, no caso de
coparticipação e franquia, cerca de 66,5% de todos os planos de saúde podem ser
impactados.
A ANS também propõe a
obrigatoriedade da venda online de planos individuais/familiares, coletivos por
adesão e empresariais, “a fim de facilitar o acesso dos consumidores a
diferentes opções de produtos, de forma rápida, e reduzir a seleção de risco”.
O tema também é visto com preocupação pelo setor, principalmente por pequenas
operadoras.
Já a revisão técnica de
planos individuais e familiares, aguardada pelas operadoras por possibilitar um
novo reajuste além daquele estabelecido anualmente pela agência, não teve uma
minuta apresentada. A ANS afirma que uma proposta será produzida após ouvir a
sociedade nas audiências públicas de 28 e 29 de janeiro.
Para o Idec, a possibilidade
de reajuste excepcional afronta o Código de Defesa do Consumidor e representa a
alteração unilateral do preço de um plano de saúde. Questionado se pretende
entrar com ação judicial contra as propostas da ANS ou solicitando mais tempo,
a advogada Marina Paullelli diz que o Instituto “vai continuar acompanhando as
discussões e sempre insistindo para a agência permitir uma participação social
qualificada, ou seja, que dê tempo de analisar os documentos”.
A análise de Silvio Guidi é
que as propostas podem ser interessantes e miram problemas atuais, mas que sem
uma atualização geral da regulação, devem voltar à pauta em breve. “Não
consegue-se apresentar uma solução só sobre o tema do reajuste. Antes disso,
precisamos de um marco regulatório mais atualizado. Temos uma lei de 1998. O
maior problema daquela época eram gestantes que contratavam planos já grávidas
e medicamentos domiciliares. Olha os problemas que temos hoje. Todas essas
alterações podem ajudar a estancar alguns problemas, mas em um espaço curto de
tempo vão voltar”, observa o advogado.
Fonte: Futuro da
Saúde
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