sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Propostas da ANS para política de preços e reajustes geram reação nos planos e consumidores, que pedem mais diálogo

As propostas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a revisão da Política de Preços e Reajustes dos Planos de Saúde geraram reações no setor. Abertas para participação social até 3 de fevereiro, por meio de consultas públicas, as minutas apresentadas trazem mudanças estruturais para planos coletivos empresariais e foram avaliadas como negativas pelas operadoras.

Dentre as normas, a ampliação do chamado “pool de risco” de 29 para 1 mil vidas e as mudanças no reajuste para contratos empresariais são as têm atraído mais atenção – neste segundo caso, a ideia é estabelecer uma meta de sinistralidade mínima de 75%, não podendo acumular outros índices para a composição do reajuste.

Os instrumentos com as novas regras foram construídos após audiência pública e tomada de subsídios ainda no ano passado, processo que também foi criticado à época por planos de saúde e entidades de defesa do consumidor por ser considerado apressado e sem a devida reflexão sobre os temas.

Em nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) reitera que “é preciso haver tempo hábil para as devidas e adequadas análises técnicas e de impacto de decisões importantes que eventualmente podem ser tomadas”. A entidade chegou a solicitar à ANS a suspensão imediata da Consulta Pública 145, propondo processo de abertura individual para cada um dos temas, com prazo de 45 dias para contribuições.

Procurada, a ANS afirma que não irá se pronunciar no momento. A agência irá realizar audiências públicas para discutir os temas propostos para a revisão da Política de Preços e Reajustes dos Planos de Saúde nos próximos dias 28 e 29 de janeiro. No entanto, as operadoras também as consideram insuficientes. “As propostas apresentadas podem produzir efeitos abrangentes e profundos no setor. Por isso, elas demandam, sem dúvida, um debate mais detido, principalmente em relação a pontos que não foram discutidos com a ANS nas consultas anteriores”, afirma em nota a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).

Rogério Scarabel, sócio do M3BS advogados e ex-diretor-presidente da ANS, explica que a agência quer trazer mais transparência e diluir os riscos de contratos empresariais. No entanto, há uma cautela do setor sobre os efeitos: “O problema é o impacto que isso causa. Como é uma medida muito estruturante, acaba tendo modificações na dinâmica até então existente, impactando o cálculo em desenvolvimento. Mas acredito que o mercado se adapte. Há uma consciência de que a proposta é favorável ao consumidor, então as empresas de saúde tendem a ser impactadas.” 

·        Reajustes dos planos coletivos

Às vésperas da saída do diretor-presidente Paulo Rebello da ANS, diversos temas foram pautados no final de 2024 para revisão de normas ou criação de regulação no setor da saúde suplementar. Isso gerou grande expectativa do mercado e preocupação dos consumidores, por alguns temas serem considerados negativos para os beneficiários.

Com a apresentação da proposta e a forma que o processo se deu, operadoras e entidades de defesa dos consumidores se mostraram insatisfeitas. Por se tratarem de temas densos e que irão provocar grandes mudanças, as partes cobram mais diálogo, através de audiências públicas individualizadas. “Essas discussões foram sendo travadas em um momento de transição da Diretoria Colegiada. Seria importante, para garantir uma participação qualificada, que as discussões tivessem acontecido em outro momento, ou de uma forma com prazos mais alongados e com maior participação social”, observa Marina Paullelli, advogada do programa de Saúde do Idec.

Um dos principais temas em debate é a mudança do reajuste dos planos coletivos. Na proposta da ANS, o tema é separado em três pontos: rescisão contratual, tamanho do agrupamento e definição de parâmetros para cláusula de reajuste. Os dois últimos são os que mais preocupam o setor.

De acordo com Silvio Guidi, sócio da SPLAW, a proposta de estabelecer que o cancelamento será feito apenas no aniversário do contrato é mais uma formalização, porque, na prática, isso já é feito pelas operadoras. Por isso, os outros dois pontos são mais observados. “A ANS diagnosticou problemas em cláusulas de reajustes com soma de fatores não transparentes, com parâmetros genéricos ou sem relação com os contratos, como fator de confiança e margem de segurança. Esse tema com frequência vai para o Judiciário, que acaba decidindo em favor do beneficiário ou da empresa”, explica Guidi.

·        Meta de sinistralidade

Na questão dos parâmetros para cláusula de reajustes, a ANS propõe que se estabeleça a meta de sinistralidade de 75% nos contratos empresariais. Atualmente, os contratos são reajustados com base no excedente da meta, isto é, se a meta era 65% e a sinistralidade foi de 78%, o cálculo utilizará 13% somado a custos administrativos e o índice financeiro estabelecido. Nos estudos que balizaram a proposta, a agência afirma que a decisão evitaria excessos por parte das operadoras, propondo índices “inalcançáveis”. Ainda, não será possível acumular reajuste por meta de sinistralidade a um índice financeiro, como IPCA ou IGP-M.

“Quando tem uma sinistralidade alta, o beneficiário ou empresa contratante é quem paga. Quando tiver uma sinistralidade baixa, o beneficiário também precisa ser contemplado. Nos Estados Unidos se usa essa metodologia. Se tiver 50%, por exemplo, como alguns contratos podem ter, precisa dar um desconto para o beneficiário, não reajustar o contrato”, observa Scarabel, do M3BS.
Ele explica que ter uma sinistralidade abaixo da média em alguns casos pode ter a ver com a restrição de acesso, e estabelecer uma meta de 75% pode ser uma tentativa da ANS em não beneficiar operadoras nesse sentido.

Em comunicado ao mercado, a Hapvida, que sofreu queda de ações logo após o anúncio da ANS, afirmou que “estabelecer uma meta de sinistralidade única para todo o mercado de saúde suplementar pode não ser a medida mais adequada, já que há diferenças de operações em função de regiões geográficas no Brasil, diferenças em função de nichos ou segmentos de mercado atendidos, diferenças em função de atividade ocupacional dos beneficiários, e diferenças em remuneração de intermediários e de custos indiretos, dentre outras. Por conta disso, pode não ser positivo para a democratização do setor de saúde suplementar”. Procurada, a Hapvida não quis se pronunciar sobre o tema.

Para o advogado Silvio Guidi, adotar uma faixa pode ser uma solução para o tema. “A agência poderia aceitar sinistralidade meta entre 60% e 80%, mas o referencial seria 75%. Quer trabalhar com 60%? Vamos entender por que está fazendo isso. Está abrindo os programas de prevenção e promoção da saúde? Possui índices adequados de gestão financeira e operacional? Então qualificam como 60%. Mas se está muito mal, o ano é complicado e a operadora vem demonstrando problemas, poderiam qualificar como 80%. Cravar uma meta única talvez seja ruim”, afirma.

Agrupamento (pool de risco)

Outro tema que ganhou os holofotes foi o agrupamento, também chamado de pool de risco, até então por contratos de até 29 vidas. Diferente dos contratos com números de beneficiários maiores, ele possui reajuste único dentro das operadoras, diluindo o impacto da sinistralidade entre eles. Contudo, as operadoras não têm poder para definir qual será o reajuste de cada um dos contratos.

Na nova proposta da ANS, o agrupamento será ampliado para até 1 mil vidas, o que provocou preocupação das operadoras por ter menos possibilidade de definir o reajuste contrato a contrato. Na visão dos especialistas, a agência tenta aproximar as regras dos planos coletivos às regras individuais.

De acordo com Rogério Scarabel, do M3BS, a ANS passaria a controlar praticamente todos os reajustes. Em termos de números de beneficiários, passaria de 27% para 60%, que estão em contratos de até 1 mil vidas. Mas em termos de número de contratos, passaria de 85% de todos os contratos para 99%, afirma o ex-diretor da agência.

Scarabel também questiona a capacidade de uma microempresa hoje, com cerca de 50 funcionários, de absorver ou barganhar o índice de reajuste proposto pela operadora. Segundo ele, o princípio do mutualismo, que rege a saúde suplementar, baliza a lógica do reajuste médio dentro do agrupamento.

Já Silvio Guidi, da SPLAW, observa que o grande ponto é como o mercado irá se adaptar frente às propostas. Ele aponta, por exemplo, o caso dos planos individuais, produto em escassez no mercado de planos de saúde e que são vendidos por operadoras verticalizadas. “As operadoras estão defendendo o lado delas e isso é legítimo. No entanto, precisamos observar que se um sistema é só bom para o consumidor ou só bom para as operadoras, ele tende a minguar, não vai sobreviver. As operadoras não estão satisfeitas com essa proposta e é o momento delas, na consulta pública, não só criticarem, mas também apresentarem soluções voltadas à sustentabilidade do sistema”, argumenta Guidi.

·        Outros temas e defesa do consumidor

Além dessas propostas, a ANS também apresentou minutas para definir parâmetros para a coparticipação e franquia, estabelecendo limite de 30% em procedimentos. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou norma da ANS que estabelecia critérios. À época, o limite da coparticipação era 40%.

Apesar de não se posicionar ponto a ponto sobre as propostas apresentadas pela ANS, o Idec afirma que mantém a avaliação de preocupação quanto a essas discussões, porque, de acordo com Marina Paullelli, muitos assuntos difíceis, que merecem por si só uma atenção mais individualizada e direcionada, foram incluídos no mesmo bojo de discussão. “Em relação à coparticipação e franquia, a natureza desses mecanismos deve ser respeitada. Isso porque, na essência, são fatores moderadores de uso. São ferramentas para impedir o uso abusivo do plano, evitar exames, consultas, procedimentos desnecessários. Eles não são mecanismos cujo principal objetivo é garantir a sustentabilidade financeira do plano”, afirma Paullelli.

A expectativa é que, caso as propostas apresentadas pela ANS sejam aprovadas, passem a valer a partir do aniversário dos contratos ou apenas para contratos novos. Por isso, é preciso entender como se darão as resoluções. De acordo com Scarabel, no caso de coparticipação e franquia, cerca de 66,5% de todos os planos de saúde podem ser impactados. 

A ANS também propõe a obrigatoriedade da venda online de planos individuais/familiares, coletivos por adesão e empresariais, “a fim de facilitar o acesso dos consumidores a diferentes opções de produtos, de forma rápida, e reduzir a seleção de risco”. O tema também é visto com preocupação pelo setor, principalmente por pequenas operadoras.

Já a revisão técnica de planos individuais e familiares, aguardada pelas operadoras por possibilitar um novo reajuste além daquele estabelecido anualmente pela agência, não teve uma minuta apresentada. A ANS afirma que uma proposta será produzida após ouvir a sociedade nas audiências públicas de 28 e 29 de janeiro.

Para o Idec, a possibilidade de reajuste excepcional afronta o Código de Defesa do Consumidor e representa a alteração unilateral do preço de um plano de saúde. Questionado se pretende entrar com ação judicial contra as propostas da ANS ou solicitando mais tempo, a advogada Marina Paullelli diz que o Instituto “vai continuar acompanhando as discussões e sempre insistindo para a agência permitir uma participação social qualificada, ou seja, que dê tempo de analisar os documentos”.

A análise de Silvio Guidi é que as propostas podem ser interessantes e miram problemas atuais, mas que sem uma atualização geral da regulação, devem voltar à pauta em breve. “Não consegue-se apresentar uma solução só sobre o tema do reajuste. Antes disso, precisamos de um marco regulatório mais atualizado. Temos uma lei de 1998. O maior problema daquela época eram gestantes que contratavam planos já grávidas e medicamentos domiciliares. Olha os problemas que temos hoje. Todas essas alterações podem ajudar a estancar alguns problemas, mas em um espaço curto de tempo vão voltar”, observa o advogado.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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