sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Governo colhe dupla derrota com a barbeiragem do PIX

O governo Lula 3 conseguiu a proeza de colher uma dupla derrota num episódio para o qual nem se apresentou para disputa política com a oposição. A avaliação é corrente nos bastidores entre aliados e adversários que assistem o dia seguinte de uma vitória retumbante de ala estridente da oposição sobre mudanças que nem chegaram a ser implementadas na fiscalização da Receita Federal sobre movimentações do sistema de pagamentos mais usado do país hoje: o PIX.

 O entendimento é o de que o Planalto demonstrou fragilidade, inaptidão e ainda ampliou o poder de fogo e dependência de um centrão que já prega uma reforma ministerial mais ampla do que a que Lula sinaliza intenção em fazer.

"O recuo, da forma como foi feito, demonstrou uma fragilidade do governo como há muito tempo eu não via", resume o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PP-PI). "O problema, para mim, não é só de comunicação. É o Lula. Ele parece estar de saco cheio, sem apetite para governar. Está blindado. Os problemas chegam na sala dele quando já é muito tarde para decidir", conclui.

Aliados do governo poupam o presidente, mas reconhecem que o episódio causou um bate cabeça como há muito não se via, expondo os principais agentes da Esplanada a uma derrota acachapante diante da ala mais estridente da oposição.

A imensa propagação de fake news é apontada como fator determinante para o saldo final do episódio, mas não só. "Existe um ambiente irreal criado pelas redes, mas o governo mexeu com a base da pirâmide. O pedreiro, a faxineira, os personagens que são de fundamental importância e que agora estão em pânico. Essas pessoas receberam uma 'fake news' da extrema direita sobre o PIX e ficaram desconfiadas. Mas, agora, elas acham que era verdade. Tanto era verdade, que o governo recuou", analisa um especialista em comunicação próximo a ministros de Lula.

"Recuar de um erro pode ser meritório, mas nesse caso faltou mesmo foi coordenação política. No fim, o Lula mandou um recado para o eleitor dele, que hoje está sendo humilhado por ter 'feito o L'. É um erro grosseiro", resume.

A burocracia da Fazenda decidiu ampliar a fiscalização sobre transições acima de R$ 5 mil feitas em PIX, mirando sonegadores fiscais. À medida, somaram-se uma série de desinformações, que tratavam a decisão somo uma "taxação do PIX", o que era falso. "No fim, se era meritório, cercar lavagem de dinheiro e sonegação, era preciso contar uma história pras pessoas. Uma conversa com o eleitor. Faltou conversar com a sociedade", explica o marqueteiro.

O governo ontem derrubou a medida, atribuindo o recuo a fake news, sem nem sequer defender a norma editada por ele mesmo no campo da comunicação ou no da política.

A saída de cena envergonhada da determinação editada pela Receita ficou na conta do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), autor de um vídeo com mais de 200 milhões de visualizações sobre o assunto. "Ele não aparece hoje como pré-candidato à Presidência em 2026 porque não tem idade. Simples assim", diz um prócer da direita. Nikolas tem 28 anos. A idade mínima para concorrer à Presidência é 35.

Além da oposição, ganha com o episódio o centrão, que prega uma mudança profunda no ministério de Lula, para ampliar seus espaços. "Ou faz uma virada em 60 dias ou não sei", projeta o presidente do PP.

¨      Governo errou no começo e no fim da polêmica do PIX

O governo errou no começo e no fim da polêmica do PIX. Errou ao lançar a medida sem explicá-la e calcular o impacto que ela teria sobre a população.

Também falhou ao tentar encerrar a polêmica por demorar a reagir de forma definitiva e insistir incialmente num caso que já havia se transformado numa batalha perdida para a administração do petista.

Essa avaliação é feita por interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o episódio que deu munição a golpistas e à oposição para desgastar a imagem do governo.

A instrução normativa da Receita não tributava o PIX e até trazia melhoras no sistema, ao elevar de R$ 2 mil para R$ 5 mil as transações financeiras, incluindo o PIX, que passariam a ser monitoradas de perto pelo órgão federal. E seu objetivo era pegar sonegadores, não pequenos empreendedores.

O recuo do governo acabou se transformando na única saída possível para acabar com as fake news sobre a medida.

Assessores de Lula defendiam o ato da Receita como forma de combater sonegadores, mas reconheceram que ela deu munição para oposição e golpistas desgastarem a imagem do governo. Criticam, porém, a demora em tomar uma medida definitiva.

Segundo interlocutores do presidente, “ficou ruim no anúncio e pior na demora do recuo”. Segundo a equipe de Lula, o governo precisa ter cuidado redobrado em suas decisões para evitar explorações políticas.

<><> Testar e discutir

Um assessor defende que tudo seja testado e discutido internamente, principalmente em áreas sensíveis como a de tributos.

Além do recuo, outra decisão acertada, que demorou, foi acionar a Polícia Federal para investigar os autores das fake news e dos golpes financeiros.

Uma medida provisória será editada para garantir que o Pix se equivale a dinheiro vivo e não pode sofrer nenhuma tributação como meio de pagamento, e os contribuintes terão seu sigilo preservado.

O presidente Lula avaliou nesta quarta-feira (15) que não dava apenas para ficar remediando a crise do Pix. Ele decidiu chamar sua equipe econômica para colocar um ponto final na polêmica.

<><> Vídeo incômodo

A irritação atingiu o ponto máximo com um vídeo do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), que ultrapassou as mais de cem milhões de visualizações. E um vídeo que insinuava que o governo poderia estar tramando algo contra os trabalhadores.

“O governo Lula vai monitorar seus gastos. E o Pix não será taxado, mas é sempre bom lembrar. A comprinha da China não seria taxada, mas foi. Não ia ter sigilo, mas teve. Você ia ser isento do Imposto de Renda, não vai", afirmou o deputado do PL de Minas.

"O Pix não será taxado, mas não duvido que possa sim. Quem mais será afetado por esta medida serão os trabalhadores, que serão monitorados como se fossem grandes sonegadores”, prosseguiu Nikolas Ferreira.

Esse tipo de informação estava viralizando principalmente em grupos de trabalhadores informais, um segmento que votou em Bolsonaro e o governo Lula tenta atrair.

 

¨      Por que o governo desistiu das novas regras de fiscalização

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez nesta quarta-feira (15) um dos maiores recuos destes dois anos de mandato até agora: decidiu revogar o ato que ampliava a fiscalização sobre transações financeiras, incluindo o PIX.

O governo tomou essa decisão após a enxurrada de fake news que invadiu as redes dizendo que o PIX seria taxado, o que não é verdade.

Integrantes da equipe de Lula, e até o próprio presidente, chegaram a gravar vídeos e a dar declarações para esclarecer as medidas, mas não obtiveram sucesso.

Diante do volume de desinformação e da popularidade do PIX, o governo voltou atrás.

Veja abaixo o passo a passo do recuo:

<><> 1- As medidas anunciadas

No início deste mês, a Receita Federal atualizou regras para monitoramento de transações financeiras dos cidadãos, com o objetivo de impedir fraudes e sonegação fiscal (veja detalhes mais abaixo).

Essa atualização estabelecia um monitoramento de movimentações acima de R$ 5 mil por mês, no caso de pessoas físicas, e R$ 15 mil mensais, no caso de pessoas jurídicas.

Segundo a Receita, outras modalidades de pagamento — como cartão de crédito e depósitos — já eram monitoradas quando os valores excediam em R$ 2 mil para pessoa física e R$ 6 mil no caso de pessoa jurídica.

Na atualização, o PIX seria incluído nessas regras, assim como os cartões. E os valores para disparar o monitoramento por parte da Receita seriam alterados. Desde o início, a Receita informou que intenção nunca foi pegar o pequeno comerciante como alvo.

<><> 2 - A avalanche de fake news

A onda de desinformação começou logo após começarem a valer as novas regras.

Uma das mensagens falsas que circularam nas redes foi postada por um perfil falso, cuja foto mostrava um símbolo que imitava o logo da Receita. O texto dizia que uma pessoa foi taxada por usar mais de R$ 5 mil no PIX no mês, e que ela precisaria pagar R$ 845 para evitar o bloqueio do CPF. Era um golpe.

Houve também uma série de vídeos nas redes sociais falando sobre uma suposta cobrança de um imposto do PIX, que iria prejudicar o pequeno comerciante, o pipoqueiro, o vendedor da praia.

<><> 3- Lula entra em cena

No fim da semana passada, Lula publicou um vídeo nas redes sociais explicando que as mudanças anunciadas pela Receita Federal não representavam um aumento no imposto das transferências via PIX.

Lula fez o alerta à população após afirmar que fez uma doação para o Corinthians quitar a dívida da construção de seu estádio. A campanha com a "vaquinha" foi lançada em novembro do ano passado.

Nem isso foi suficiente para conter a desinformação.

<><> 4- Pedido de investigações

Esta semana começou com autoridades do governo buscando o contra-ataque e anunciando pedidos de investigação contra quem estava espalhando as fake news.

"A AGU [Advocacia-Geral da União] foi envolvida para tomar providências judiciais contra os golpistas. Quem está divulgando fake news está patrocinando organizações criminosas no país, que estão atuando, mandando boleto para a casa das pessoas, cobrando a mais indevidamente, dizendo que estão sendo taxados", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

<><> 5- O recuo

O governo finalmente decidiu voltar atrás na tarde desta quarta. Haddad e o secretário da Receita, Robson Barreirinhas, fizeram o anúncio no Palácio do Planalto.

Haddad disse que quem espalhou as fake news, na opinião dele, cometeu um crime:

"O ato que o Barreirinhas acaba de anunciar é justamente para dar força à tramitação de uma medida provisória que o presidente está para assinar, o texto dela foi fechado agora. [...] Uma medida provisória que reforça os princípios tanto da não oneração, da gratuidade do uso do PIX, quanto de todas as cláusulas de sigilo bancário em torno do PIX, que foram dois objetos de exploração por parte dessas pessoas que estão, na nossa opinião, cometendo um crime, porque quando você desacredita um instrumento público, você está cometendo um crime", afirmou o ministro.

¨      Após provocar polêmica, governo publica MP que proíbe taxar ou cobrar valor adicional nos pagamentos por PIX

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou nesta quinta-feira (16) a medida provisória que define que transferências financeiras via PIX não podem ser tributadas ou sobretaxadas.

Atualmente, o PIX já é livre de tributos. A MP reafirma esse entendimento, segundo o governo, para evitar cobranças indevidas no futuro.

A medida provisória também proíbe que comerciantes cobrem taxa adicional para consumidores que escolham pagar com o PIX.

Ou seja: define que o preço no PIX tem que ser menor ou igual ao preço cobrado em dinheiro.

"Constitui prática abusiva, para os efeitos do art. 39 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a exigência, pelo fornecedor de produtos ou serviços, em estabelecimentos físicos ou virtuais, de preço superior, valor ou encargo adicional em razão da realização de pagamentos por meio de Pix à vista", diz a MP.

"A prática dos procedimentos previstos no caput sujeita o infrator às penalidades previstas na legislação do direito do consumidor", complementa.

A MP traz ainda uma novidade: um canal digital de orientação e recebimento de denúncias de ilícitos e crimes contra a relação de consumo.

Medidas provisórias entram em vigor assim que são publicadas, mas precisam ser votadas e confirmadas pelo Congresso em até 120 dias. Caso isso não aconteça, o texto perde validade.

O texto é assinado por Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad – que, na véspera, já tinha anunciado a medida.

"Essa MP reforça tanto os princípios de não oneração do Pix quanto as cláusulas de sigilo bancário do sistema, que foram objeto de exploração por criminosos", afirmou.

<><> Recuo na fiscalização ampliada

O governo também revogou a norma da Receita Federal, editada em setembro de 2024 e válida desde o início do ano, que ampliava a fiscalização sobre transações com cartões de crédito e PIX.

A medida deixava claro que cabia à Receita monitorar eventuais movimentações suspeitas mediadas por fintechs e instituições de pagamento – bancos digitais e as operadoras de "maquininhas", por exemplo.

A revogação foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no fim da noite de quarta.

<><> Governo desiste de monitorar o PIX

A decisão foi anunciada após o governo ser bombardeado por ataques e notícias falsas de que essa fiscalização adicional geraria uma nova taxação sobre as transferências.

Além disso, criminosos aproveitaram a polêmica para aplicar uma série de golpes financeiros país afora – incluindo a emissão de "boletos" falsos da tal tributação, que nunca existiu.

Na avaliação do governo, anular a medida e recuar foi a única solução possível para cessar os ataques e colocar fim à polêmica sobre o PIX.

<><> O recuo do governo

A instrução normativa da Receita Federal ampliava a fiscalização sobre operações financeiras. A medida previa que instituições de pagamento, como operadoras de cartão e carteiras digitais, enviassem dados à Receita quando valores ultrapassassem:

·        R$ 5 mil, para pessoas físicas;

·        R$ 15 mil, para empresas.

Esses dados já eram coletados de bancos tradicionais para operações como Pix, aplicações financeiras e investimentos. No entanto, a fiscalização acontece apenas para operações em cartões e depósitos quando os valores excedem R$ 2 mil para pessoa física e R$ 6 mil no caso de pessoa jurídica.

 

Fonte: g1

 

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