Dengue deverá ser ainda mais
desafiadora em 2025, alertam especialistas
Um dos grandes problemas da
saúde pública em 2024 foi o aumento expressivo dos números de casos de dengue.
Foram 6,6 milhões de casos prováveis e 6 mil óbitos, de acordo com dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do
Ministério da Saúde – um aumento de mais de 300% na incidência da doença em
relação a 2023. Apesar de estratégias múltiplas e antecipadas em relação ao ano
passado, a dengue em 2025 deve continuar desafiando a gestão pública e o
Sistema Único de Saúde (SUS) e alguns números já corroboram com esse cenário: o
ano começa com mais de 50 mil casos prováveis, 56 óbitos em investigação e
quatro mortes confirmadas.
Em coletiva de imprensa
realizada na quinta-feira, 9, o Ministério da Saúde informou que seis Estados
já possuem previsão de aumento na incidência de casos para 2025: Paraná, São
Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins e Mato Grosso do Sul. “É um
momento de alerta, de reforço do cuidado e vamos ter uma ação contínua e
intensificada neste ano. Seria temerário dizer que vamos ter muito menos casos
de dengue do que em 2024, isso depende da nossa preparação. Por isso, estamos
centrados na organização da rede assistencial e nas medidas de prevenção”,
afirmou a ministra da saúde, Nísia Trindade, na ocasião.
A pasta também anunciou a
instalação do Centro de Operações de Emergência (COE) para dengue e outras
arboviroses e fez uma revisão do Plano de Contingência Nacional para Dengue, Chikungunya e Zika. O COE havia sido instalado pela última vez em fevereiro de 2024 e
encerrado em julho. Para a professora e pesquisadora de doenças
infecciosas e parasitárias e coordenadora do setor de prevenção de endemias da
Universidade Federal de Lavras (UFLA), Joziana Muniz de Paiva Barçante, a
retomada do COE é uma decisão acertada, visto que um dos fatores que
contribuíram para o cenário de 2024 foi a atuação tardia da gestão. “As ações
em termos de vigilância e prevenção dos casos de dengue demoraram a acontecer
tanto em 2023 quanto em 2024. O alerta deve ocorrer logo no início do aumento
do número de casos e as medidas de prevenção, monitoramento e controle devem
começar o mais precocemente possível antes de o problema estar instalado de
forma irreversível”, diz Barçante.
Outro fator que contribuiu
para a alta incidência em 2024 e que deve influenciar a doença em 2025 são as
condições climáticas. É costumeiro que a dengue aumente nos primeiros meses do
ano, especialmente com as mudanças climáticas, devido ao calor e à temporada de
chuvas que aceleram a proliferação do Aedes
aegypti, mosquito transmissor do vírus. A coordenadora da comissão
de epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Alexandra
Boing, explica que além da combinação de elementos ambientais, sociais e
culturais que levaram à propagação da doença, o país ainda possui também
problemas estruturais. “Temos problemas de infraestrutura, saneamento básico e
grande produção de lixo que acabam favorecendo a disseminação do vetor.
Continuamos com todas essas características, o que aponta para esse aumento
também em 2025. Vai ser preciso um trabalho intersetorial para conseguirmos
responder essa situação sanitária”, afirma.
·
Dengue
em 2025: retorno do sorotipo 3 preocupa e pode ampliar casos
A dengue possui quatro tipos
diferentes de sorotipos ou variantes e a infecção por uma delas garante
imunidade pelo resto da vida, no entanto, não oferece proteção contra as
outras. De acordo com as especialistas, no ano passado a variante
predominante foi o sorotipo 1, mas o sorotipo 2, que não circulava desde 2019,
voltou em 2024 e impactou no número de casos. E 2025 já começa com uma nova
ameaça: o sorotipo 3. O vírus não circula de forma predominante no país
desde 2008 e por isso é motivo de alerta, visto que muitas pessoas não foram
expostas a ele e podem ser infectadas.
Para Boing a variante pode
deixar grande parte da população suscetível ao vírus, levando a epidemia para
outro patamar. “É uma questão bem preocupante, ainda mais porque quando uma
pessoa que já teve dengue é infectada por outro sorotipo aumenta a chance dela
desenvolver a forma grave da doença. Isso produz uma maior sobrecarga do
sistema de saúde e mais óbitos”, destaca a epidemiologista.
Durante a coletiva do
Ministério, as autoridades sanitárias demonstraram preocupação com o retorno da
variante, visto que as projeções que já indicam um aumento do número de casos
não levaram em consideração o sorotipo 3 na análise. “Estamos vendo
uma mudança significativa para o sorotipo 3, principalmente nas últimas
semanas de dezembro. Há 17 anos ele não circulava no Brasil, então essa é uma
variável que estamos colocando no COE para monitoramento. Não sabemos como ele
vai se espalhar, mas a tendência já é de uma incidência elevada em alguns
estados”, alertou a secretária de Vigilância e Saúde, Ethel Maciel.
A professora Barçante avalia
que o monitoramento é de extrema importância e o poder público deve investir
principalmente em mais vigilância genômica para desenvolver estratégias de
controle. A estratégia consiste no monitoramento e na análise do material
genético de agentes infecciosos, como vírus, para compreender sua evolução,
disseminação e impacto na saúde pública. Essa prática permite detectar
alterações genéticas, como mutações, que podem influenciar a gravidade e a
transmissibilidade. “Isso ainda é feito com um número muito aquém do que
deveria. Vários municípios não têm bem determinado qual o perfil circulante
ali, pois não fazem o exame molecular nos diagnósticos. 2025 é um ano
desafiador, então é importante para a prevenção que métodos como esse sejam
fortalecidos”, enfatiza.
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Políticas
públicas atuais ainda não são o suficiente
Na revisão do plano de
contingenciamento, o Ministério da Saúde apostou em aumentar as tecnologias
para enfrentamento da dengue, o reforço ao diagnóstico e a ampliação do método
Wolbachia que deve ser expandido de três para 40 cidades em 2025. A técnica se
baseia na introdução da bactéria Wolbachia nos mosquitos vetores o que altera o
seu comportamento e reduz a capacidade de transmissão da doença. Com um
investimento de R$1,5 bilhão, a pasta prevê também a garantia do abastecimento
de insumos, ações de prevenção, vigilância, controle vetorial, organização e preparação
da rede assistencial, comunicação e participação comunitária.
No entanto, especialistas
avaliam que a pasta, assim como em outros anos, foca a sua atuação nas
consequências da epidemia, na colaboração da população e não na prevenção do
problema. “Vemos o governo atuando muito no curto prazo e isso não é
suficiente. Precisamos colocar nos planos de ação de enfrentamento iniciativas
de acesso ao serviço básico, qualificação dos espaços públicos e privados,
ampliação dos prontos socorros, atuar na desigualdade, entre outras. Precisamos
de políticas públicas mais robustas e não só essa corrida contra o tempo.
Enquanto não conseguirmos avançar, vamos ter essas rotinas anuais de respostas
a emergências e novos problemas sanitários”, afirma a coordenadora da Abrasco.
Para Raquel Stucchi, médica
infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia
(SBI), as políticas públicas ainda estão muito abaixo do esperado e as gestões
municipais e estaduais enfrentam diversos problemas para o combate da doença.
“Temos uma projeção pessimista para a dengue principalmente porque não vemos
uma adoção de medidas sanitárias adequadas pelo poder público e também falta
comunicação com os municípios e com a população para controle dos focos. Os prefeitos
e governadores não conseguem implementar medidas para controle do saneamento e
incentivar a participação popular”, analisa a médica.
Para Barçante, a gestão
prioriza as ações individuais e de conscientização que, apesar de importantes,
não resolvem o problema. A pesquisadora ressalta que o país precisa começar a
investir na transparência dos dados, monitoramento efetivo, pesquisas e na
implementação de medidas de melhoria do diagnóstico, tratamento e assistência
de pessoas acometidas pela dengue. “Temos sempre batido na mesma tecla de
ações focadas no controle do vetor, na eliminação do criadouro e nas campanhas
educativas. Só que temos observado ao longo dos anos, e isso foi demonstrado
claramente pelo número de casos de 2024, que essas medidas não são suficientes
“, pontua a professora.
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Vacinação
é importante, mas tem impacto limitado
Outra estratégia importante
para o enfrentamento da dengue é a vacinação. Atualmente o SUS oferece a vacina
Qdenga, desenvolvida pela farmacêutica Takeda, para crianças entre 10 e 14
anos. Para 2025, o Ministério da Saúde informou que adquiriu todo o lote
disponibilizado pela farmacêutica, um total de 9,5 milhões de doses. Apesar
disso, não há previsão para a ampliação da faixa etária, uma vez que a
capacidade mundial de produção da vacina é limitada e é necessário assegurar a
aplicação da segunda dose. O imunizante também está disponível no setor
privado, mas com estoque reduzido.
Stucchi explica que, para a
vacinação poder ser considerada uma medida prioritária, é preciso maior
disponibilidade para alcançar pelo menos 80% do público-alvo. No entanto,
nenhum fabricante consegue produzir ainda a quantidade necessária. “Neste
momento a vacinação tem um objetivo mais de uma proteção individual do que
coletiva e não tem capacidade de controlar o surto”, diz. A médica complementa
que também não é possível pensar em uma ampliação do público-alvo ainda, visto
que a escolha da faixa etária foi com base no maior número de internações. A
Qdenga somente foi estudada e aprovada para aplicação até os 60 anos de idade,
ou seja, pessoas mais velhas que queiram se imunizar necessitam de
encaminhamento médico, visto que seria uma indicação fora de bula.
Apesar da vacinação ainda
não ser considerada a melhor medida de controle da dengue, a expectativa de uma
vacina nacional é grande. Em dezembro, o Instituto Butantan enviou à Agência
Nacional de Vigilância (Anvisa) um pedido para o registro da vacina
Butantan-DV. Se aprovada, será a primeira vacina do mundo em dose única contra
a dengue e poderão ser disponibilizadas cerca de 100 milhões de doses ao
Ministério da Saúde nos próximos três anos. Segundo nota enviada pelo
Instituto, um milhão de doses poderiam ser entregues ainda neste ano.
Caso a Butantan-DV receba
aprovação, o Instituto deverá enviar uma solicitação de autorização de preço à
Câmara de Regulação de Mercado de Medicamentos (CMED). Após essa avaliação, a
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec) irá estudar a possível incorporação da vacina ao SUS. “A expectativa
é muito grande porque a vacina do Butantan tem limite de idade até 60 anos e
tem a vantagem de ser feita em uma dose única, o que garante não só uma adesão
maior da população mas também um número maior de pessoas protegidas em um
intervalo mais curto”, destaca Stucchi.
Fonte: Futuro da
Saúde
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