Meta-Trumpismo &
Meta-política: A geopolítica por trás das ações das Big Techs
Em 7 de janeiro de 2025, Mark Zuckerberg divulgou as
novas diretrizes políticas da Meta, prometendo “mais
espaço para o debate”.
Contudo, mais alarmante do que o anúncio do fim das checagens de fatos e da
adoção de um sistema de moderação baseado em notas da comunidade (Community
Notes), foram as sinalizações explícitas de alinhamento com as políticas promovidas
por Elon Musk, CEO do X (antigo Twitter). Essa convergência não apenas reflete
a adesão de duas das maiores Big Techs a uma agenda que desmonta mecanismos de
controle interno, mas também escancara um movimento de fortalecimento de
interesses corporativos que transcendem as fronteiras digitais.
Com a eleição de Donald Trump em 2024, observamos um
rearranjo na forma como as Big Techs operam na geopolítica global. De um lado,
Trump se alia às Big Techs para expandir o domínio dos Estados Unidos em um
mundo cada vez mais multipolar e marcado por disputas de soft power, pois não
há nada mais potente do que contar com uma máquina de propaganda enraizada em
quase cada lar do globo — um movimento que aqui chamamos de “Meta-Trumpismo”.
De outro lado, essas empresas aproveitam o respaldo do governo estadunidense
para impulsionar seus próprios interesses, valendo-se da influência e da
legitimação estatal para consolidar seu domínio e enfraquecer esforços
regulatórios que possam ameaçar seus objetivos — um movimento que aqui chamamos
de “Meta-política”.
Nesse movimento, a Meta avançou ainda mais ao unir-se
ao X em uma narrativa de “guerras culturais”, adotando uma postura de
“vale-tudo” que normaliza ataques e violências relacionados a gênero e
identidade como se fossem “liberdade de expressão”. Ao mesmo tempo, as Big
Techs conduzem uma ofensiva articulada contra países da Europa e da América
Latina que tentam limitar seus poderes. Essa simbiose entre o governo
estadunidense e as gigantes tecnológicas evidencia como interesses políticos e
corporativos convergem para redesenhar o cenário global, consolidando a
hegemonia dos Estados Unidos e posicionando as Big Techs como ferramentas e
beneficiárias dessa nova ordem mundial. Mas, até que ponto essa simbiose ergue
um novo Leviatã?
·
Meta-Trumpismo
Articulado com o apoio de Steve Bannon,
ex-estrategista-chefe da Casa Branca e arquiteto de uma nova
abordagem ao populismo digital, a campanha de Trump elevou a
desinformação ao centro da política estadunidense. Bannon foi um dos pioneiros
em explorar as bolhas comunicacionais e a segmentação algorítmica para
manipular opiniões e criar narrativas polarizadoras. Sob sua liderança,
plataformas como o Facebook foram transformadas em armas políticas,
disseminando conteúdos incendiários e muitas vezes falsos, visando mobilizar
eleitores e alimentar ressentimentos culturais.
Com a experiência de já ter passado pela cadeira de
Washington e com a compreensão do peso das Big Techs na construção do
imaginário coletivo, Trump passa então a utilizar sua aliança para avançar
sobre outros blocos econômicos. Exemplo disso foi a fala pública de Mark
Zuckerberg ameaçando reagir caso a Europa ou a América Latina avancem na
legislação.
Em outra frente, Musk
realiza campanha aberta para candidaturas alinhadas a Trump nas eleições alemãs, demonstrando como
o presidente dos EUA pode ganhar politicamente em uma frente ampla com os
magnatas das Big Techs. Constitui-se então um “Meta-Trumpismo”, uma
reconfiguração da estratégia populista em política institucional. Isto é, um
estágio avançado do Trumpismo, no qual a retórica incendiária, a manipulação de
narrativas e o uso de desinformação não são apenas ferramentas de campanha, mas
tornam-se pilares de governança, inclusive incorporando as Big Techs
formalmente às funções do Estado, tal
como a indicação de Elon Musk para um “Departamento de Eficiência
Governamental”.
Assim, o Meta-Trumpismo passa a se sustentar por uma
aliança da Casa Branca com os conglomerados tecnológicos, os quais fornecem a
infraestrutura necessária para amplificar mensagens políticas e influenciar a
opinião pública. Aqui, a distinção entre o poder do Estado e o poder
corporativo é borrada, criando um sistema onde as decisões políticas são
moldadas pela lógica algorítmica da atenção e do engajamento, e não por
processos democráticos e populares. Isso ainda pode ser compreendido pelo que o
Nobel em economia, Robert
Shiller, descreve como “economia de narrativas”, a ideia de que
histórias amplamente difundidas têm o poder de influenciar comportamentos
econômicos e decisões políticas.
Se essa sobreposição do poder corporativo sobre o
político é abraçada pela perspectiva Meta-Trumpista, o cenário torna-se ainda
mais grave ao se analisar o arranjo geopolítico. Em um mundo cada vez mais
multipolar, onde potências e coalizões, como o BRICS+, desafiam o domínio
absoluto dos EUA, o triplo
casamento entre Trump, Musk e Zuckerberg eleva o poder presidencial a uma
escala inédita de alcance, superando qualquer aliança já estabelecida pelo
Estado estadunidense com indústrias como a do petróleo, farmacêutica ou mesmo
especulativa.
·
Meta-política
Se um dia venderam a falsa ideia de que os Estados
Unidos seria a terra cantada dos livres e lar dos corajosos, hoje essa
narrativa se demonstra capturada pelo Leviatã
corporativo das Big Techs. Para além de operarem à margem do escrutínio
público, a normativa americana permite que estes conglomerados criem suas
próprias normas para além das leis americanas, arbitrando a conduta social e
política no espaço digital. Ao estabelecer regras que regulam tanto o acesso
quanto o uso de suas plataformas, elas acumulam um poder desproporcional que
excede o de muitos Estados-nações — inclusive os Estados Unidos.
Nesse contexto, surge uma espécie de “Meta-política”,
em que as Big Techs passam a institucionalizar a sua influência,
instrumentalizando o aparato estatal estadunidense para ampliar seu domínio
global. Esse fenômeno transcende uma mera atuação como agentes econômicos, pois
essas empresas reconfiguram as relações de poder, valendo-se de sua posição no
ambiente digital e no debate público para moldar políticas estatais em
benefício próprio. Além disso, por meio de lobby, financiamento de campanhas,
parcerias público-privadas e o controle de infraestruturas, elas transformam a
política em uma extensão de suas corporações privadas. Nesse cenário, a
Meta-política se apresenta como mais do que uma estratégia corporativa, mas
como a consolidação de um modelo de governança onde as corporações passam a
reger as dinâmicas políticas e sociais globais com a legitimação estatal.
Cabe citar que Nicholas Negroponte já descrevia um
futuro onde algoritmos moldariam a mídia conforme os interesses individuais.
Embora idealizado como ferramenta de empoderamento e eficiência, esse conceito
se transformou de Being Digital (1995) no contexto da
economia da atenção, convertendo o foco do usuário em lucro para as Big Techs.
Isso, ao invés oferecer pluralidade, o Daily Me moderno
encapsula os usuários em ambientes digitais onde apenas ideias e perspectivas
alinhadas às suas crenças preexistentes são apresentadas, fragmentando a esfera
pública e minando o debate democrático.
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Um outro mundo é possível
Em contraste com os EUA, os países do bloco BRICS+ têm
avançado em iniciativas para fortalecer sua soberania digital, regulando o
poder das Big Techs e investindo em infraestrutura tecnológica própria. Essas
nações têm reconhecido que limitar os abusos de corporações transnacionais é
essencial para proteger suas populações e fomentar economias resilientes em um
mundo multipolar. Esse esforço coletivo aponta para a construção de uma ordem
mais equilibrada, onde a tecnologia sirva como ferramenta de emancipação e
desenvolvimento, e não como mecanismo de controle de um império sobre nações.
Dessa forma, o cidadão americano médio encontra-se cada
vez mais refém de um sistema em que interesses corporativos se sobrepõem à
democracia, assistindo de camarote seu Estado em simbiose com Big Techs. Ao
mesmo tempo, o cidadão global, especialmente dos países que buscam alternativas
soberanas, ainda mantém a oportunidade de lutar por um mundo livre de amarras
do Vale do Silício. O papel dessas nações é crucial: elas precisam provar que é
possível construir um modelo onde a tecnologia sirva aos interesses da
humanidade, em vez de fortalecer conglomerados oligárquicos de um império
distante.
Enquanto isso, seremos cúmplices silenciosos de um
Trump 2.0 e seu Leviatã high-tech, ou encontraremos a coragem de
reivindicar soberania para desafiar o império algorítmico antes que ele
sequestre mais mentes distraídas em um feed infinito?
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IA:
os novos “Agentes” e os riscos à democracia. Por Elen Nas
Os “Agentes de IA” derivam da capacidade dos sistemas de
inteligência artificial (IA) de planejar e executar de maneira autônoma tarefas
complexas em um cenário de envolvimento humano mínimo. Apoiam-se nos
desenvolvimentos dos grandes modelos de linguagem, mas o que os diferencia é
tomarem iniciativa. Ao invés de esperarem “ser acionados”, como ocorre quando
solicitamos algo por comando de voz (por exemplo, na “Alexa”), pressionamos um
botão ou microfone na tela (“Siri”, “Gemini” ou “Cortana”), ou acionamos por
escrito em plataformas como Open AI, Midjourney e outras, os “Agentes de IA”
executam tarefas de maneira independente, para o cumprimento de determinados
objetivos.
Estes agentes já povoam o imaginário tecnocientífico há
décadas, em especial com novos desenvolvimentos a partir dos anos 1980. No
final do milênio, propagandas de vídeo com cenários de um futuro mediado pelas
tecnologias (um exemplo é “Cool Town” da HP)
começam a ser apresentadas ao público. Indicavam as vantagens de ter sistemas
automatizados decidindo pelas pessoas, para lhes poupar tempo e mesmo salvar
vidas. Referiam-se, por exemplo, a uma pessoa idosa vivendo sozinha que
desmaia, com o socorro acionado imediatamente; ou alguém que, ao dirigir por
uma estrada, sofre uma pane no carro – a assistência chega e se antecipa a
qualquer iniciativa humana para resolver o problema.
Porém, naquele período não se pensava nas implicações
sobre a privacidade no uso de tais recursos. Todo o desenvolvimento do que
ficou conhecido como Internet das Coisas (IoT, em inglês), em que sistemas
gerenciam as ações necessárias em uma casa, sem a presença e comando dado por
humanos, vem sendo discutido ao longo das últimas duas décadas em seus “prós” e
“contras”. Um dos aspectos para que chamo atenção, em minhas investigações, é
sobre o quanto tais sistemas indicam um olhar sobre o mundo, modelos de vida
considerados desejáveis, além das divisões entre quem tem ou não têm acesso às
infraestruturas, recursos e espaços para ‘bancar’ estes modelos.
Os “agentes de IA” são, portanto, uma nova versão de
sistemas autônomos, dos quais ainda não temos pleno conhecimento, à parte
exemplos de aplicativos como Replika e afins, que
são IAs voltadas a atender lacunas afetivas, aprendendo sobre as
características, desejos, anseios e medos de seus “usuários” para lhes
apresentar algum “conforto emocional”. Sim, um dos primeiros episódios da série
“Black Mirror” exibido inicialmente na Inglaterra em 2013 chamada “Be right back” foi inspirada
na história que resultou no desenvolvimento da Replika, esta que começou como
um modelo de “start up” em 2012 e foi disponibilizada inicialmente em fases de
teste em 2017 com capacidade de conversação apenas em inglês. Desde então veio
crescendo, ampliando o número de usuários até chegar ao cenário atual de cerca
de 30 milhões. Fato ainda a ser revelado em nossos estudos para melhor entender
os desafios e complexidades de um mundo em que interagir com dispositivos
técnicos e sistemas computacionais não é uma opção, são os impactos psíquicos e
suas consequências diretas.
O primeiro susto após a declaração do CEO da
Meta, Mark Zuckerberg, em 7 de janeiro, foi pensar que com a emergência dos
agentes de IA, a infodemia de notícias falsas e tendenciosas pode tomar
dimensão de algo que não apenas está “fora de controle” mas também é difícil de
absorver, refletir, reagir e discernir. Isto de certa forma já está acontecendo
nos últimos anos, à medida que os desenvolvimentos de IA tomam uma velocidade
sem precedentes, a partir do crescimento exponencial de interconectividade na
primeira década do século 21, aumentando o acesso de dispositivos capazes de
coletar dados, diariamente, 24/7, de milhões a bilhões de pessoas em todo o
mundo.
Se no início de 2023 havia uma grande corrida e disputa
entre os grandes investidores em IA para alcançar e ultrapassar os melhores
resultados com os grandes modelos de linguagem, neste ano entramos em nova
corrida — a de quem será capaz de oferecer os “Agentes de IA” mais eficientes.
Neste momento, análises especializadas e estudos de pesquisa experimental estão
sendo publicados como preprints, sites alternativos e em formato
de relatórios, devido às necessidades de atender a rápidas mudanças. Em um
deles se diz: a
questão não é se os agentes de IA se tornarão ubíquos, mas quando. Enquanto estamos
tentando nos recuperar de uma onda que chega com força, procurando entender os
seus impactos nas instituições, no trabalho, sistemas de saúde, educação e
diversos setores da economia, temos mais uma onda forte chegando. E, mais uma
vez, o mercado dispõe da prerrogativa de desenvolver “produtos” que possuem um
forte impacto na sociedade sem que exista um processo de adequação e integração
destes desenvolvimentos com as partes interessadas, afetadas, e mais
impactadas.
Existem muitas questões envolvendo os debates éticos e
de justiça quando estamos tratando de sistemas com certos níveis de autonomia.
Não entraremos neste debate agora, pois o objetivo deste texto é refletir sobre
as graves ameaças ao bem estar individual e coletivo, assim como às
democracias, quando estes agentes estiverem, possivelmente, a serviço da
desinformação e manipulação da opinião pública.
Quando se trata de inovação, há um conjunto de
símbolos, um léxico, que associa novos “produtos” a oportunidades de mercado em
ações que podem beneficiar as pessoas, com aplicações dentro de um sistema de
consumo de bens e serviços. Um “agente de IA” pode resolver transações no
mercado em nome de investidores, fazer publicações de engajamento de conteúdo e
tomar decisões que embora pareçam ações práticas e mesmo mecânicas, possuem
camadas “invisíveis” com consequências ainda desconhecidas.
Por exemplo, os “agentes de IA” tenderão a ter acesso à
informações que os seus signatários não possuem e suas decisões serão tomadas dentro
de um ambiente privilegiado onde o humano está em situação vulnerável. Como
aplicar um “consentimento informado” sem que exista a possibilidade de total
conhecimento das variáveis e fórmulas utilizadas por estes sistemas?
Estas são algumas das questões a serem observadas do
ponto de vista conceitual, ético e legal. Podemos facilmente prever que, uma
vez que estes sistemas já estão disponíveis, não existe qualquer garantia de
que não serão utilizados de maneira “invisível” em plataformas que interagem
com o público. Não apenas em mídias em que as pessoas podem entrar, continuar
ou sair, como também em outros sistemas computacionais que mediam os diversos
setores da vida e aos quais não há opção sobre interagir ou não com eles.
Se muita coisa mudou nos desenvolvimentos de IA desde
os primeiros desastres com “chatbots” como a Tay, da microsoft no
Twitter em 2016, estamos longe de alcançar um ambiente digital seguro. Em
especial quando executivos das maiores empresas de tecnologia, que lucram com
as bilhões de pessoas conectadas às suas redes, revertem as conquistas que
envolvem aplicações de segurança, tais como os filtros para checagem de fatos,
entre outras medidas. Embora a declaração de Mark Zuckerberg se aplique
inicialmente aos Estados Unidos, os argumentos de que existem “vieses
políticos” sobre o que é legítimo e verdadeiro anuncia um acirramento das
disputas de narrativas, com aumentos de polarizações que têm aumentado a
violência interpessoal, tendências ao isolamento e agravamento das condições
psíquicas de pessoas em todo o mundo.
O que precisamos compreender hoje é o quanto estes
novos produtos de IA vêm carregados de informações formatadas e sintéticas.
Mesmo que no Brasil permaneçam alguns filtros, o que será aplicado no
desenvolvimento de base poderá afetar campos sutis como o marketing político,
em modelos ainda presentes e melhores desenvolvidos, para além do que foi a “Cambridge
Analytica”.
O termo “democracia” já vêm sendo questionado e
combatido desde há alguns anos. Em entrevista ao programa “Democracy Now”, Marc Owen Jones,
autor de Autoritarismo Digital no Oriente Médio: decepção,
desinformação e mídias sociais (tradução livre), debate algo
relevantes sobre o uso das tecnologias digitais para atender a objetivos do
autoritarismo. Segundo ele, isso demonstra também que companhias como a Meta
estão se posicionando, ao submeter estas tecnologias de acesso geral aos
interesses de uma elite que lucra com a “pós verdade”, ou seja, com o
descompromisso de responder aos fatos.
A sustentação de uma “realidade paralela” (por exemplo,
um Brasil Paralelo) tem sido um “dispositivo” de valor para os
grupos que querem desconsiderar direitos sociais e ambientais, enquanto as Big Techs concentram
renda na mesma medida que direitos conquistados desde o século passado vão
colapsando e a necropolítica se alastra com os usos e abusos dos corpos mais
vulnerados. Ampliação de desigualdades, miséria, precarização da vida, do
trabalho e da própria observância dos conceitos fundamentais da justiça.
Marc Owen Jones destaca que os líderes autoritários
querem promover o medo, de modo que as populações vejam o mundo através dos
seus olhos. Uma “receita”, a propósito, sistematizada e apresentada por
Maquiavel há mais de 500 anos.
Também entrevistada pelo programa liderado pela
jornalista novaiorquina Amy Goodman, jornalista filipina Maria Angelita Ressa,
vencedora do Prêmio Nobel e autora de Como enfrentar um ditador (trad.
livre), destacou que o problema das redes é um assunto de segurança e não de
“liberdade de expressão”, principalmente porque já foi comprovado que as
dinâmicas das redes influenciam as decisões de formas manipulativas, como um
“sequestro” da autonomia. Ela diz: “esta é uma plataforma que une mais de 3,2
bilhões de pessoas ao redor do mundo (…), que já facilitou atos de genocídio em
Myanmar e que vem hackeando nossos sentidos, nosso sistema biológico, pois
consegue mudar os modos como sentimos medo, raiva e ódio, os modos como vemos o
mundo e que como agimos.” Ela lembra que desde o Brexit na Inglaterra o
Facebook vem impactando os resultados das eleições.
Este é um debate que vêm se ampliando, de modo a se
fazer entender que os algoritmos trazem embutidas estratégias invisíveis, não
apenas em suas fórmulas, como também por seguirem uma lógica que acentua o
problema de uma autoridade que não precisa prestar contas. Problema este que
vem-se procurando “remediar” com soluções parciais tais como filtros,
mecanismos de checagem de fatos, além de metodologias e estratégias
experimentais na computação que visam embutir princípios de justiça nos
algorítmos. Iniciativas estas que não alcançaram a robustez necessária para
equalizar os problemas de vieses na IA, de modo que as propostas de
regulamentação tais como a EBIA (Estratégia Brasileira da Inteligência
Artificial) usam palavras como “mitigar” ou “minimizar” danos e não impedí-los
e erradicá-los.
Portanto, enquanto não há solução efetiva temos poucos
anticorpos capazes de defender a sociedade quanto à possibilidade de
tecnopolíticas virem a se tornar tecnofacismos. Sim, este é o “panorama
pessimista” em um rol de possibilidades onde é possível também ser otimista ou
moderado, já que os desenvolvimentos tecnocientíficos também podem trazer
soluções e benefícios a indivíduos e comunidades. Mas como lembra Maria Ressa,
atualmente 71% dos governos no mundo estão sob a égide de regimes autoritários,
infelizmente eleitos por processos democráticos, em virtude da corrupção e
toxidade de mídias sociais. E isto vem se dando na mesma medida que as
possibilidades das tecnologias da informação se ampliam e penetram no tecido
social e corpos dos modos mais invisíveis.
Este é um processo que vem se desenvolvendo em etapas
distintas, desde que a internet chegou com muitos impactos positivos, assim
como boa parte dos desenvolvimentos tecnológicos. Em discussões filosóficas,
gostamos de lembrar que as tecnologias não são neutras, e vamos cada vez mais
ampliando a compreensão de que o respeito à terra, aos povos originários e à
defesa dos princípios de justiça dependem de construirmos outras e novas
perspectivas de desenvolvimento econômico e modos de abordar a inovação.
Pelo momento, que estas palavras – pensadas, escritas e
elaboradas inteiramente por uma humana – cheguem aos outros humanos que nos
lêem, como um convite à reflexão e atenção para o que vem por aí.
Fonte: Por Isabela
Rocha e Ergon Cugler, no Le Monde/Outras Palavras
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