sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Meta-Trumpismo & Meta-política: A geopolítica por trás das ações das Big Techs

Em 7 de janeiro de 2025, Mark Zuckerberg divulgou as novas diretrizes políticas da Meta, prometendo “mais espaço para o debate”. Contudo, mais alarmante do que o anúncio do fim das checagens de fatos e da adoção de um sistema de moderação baseado em notas da comunidade (Community Notes), foram as sinalizações explícitas de alinhamento com as políticas promovidas por Elon Musk, CEO do X (antigo Twitter). Essa convergência não apenas reflete a adesão de duas das maiores Big Techs a uma agenda que desmonta mecanismos de controle interno, mas também escancara um movimento de fortalecimento de interesses corporativos que transcendem as fronteiras digitais.

Com a eleição de Donald Trump em 2024, observamos um rearranjo na forma como as Big Techs operam na geopolítica global. De um lado, Trump se alia às Big Techs para expandir o domínio dos Estados Unidos em um mundo cada vez mais multipolar e marcado por disputas de soft power, pois não há nada mais potente do que contar com uma máquina de propaganda enraizada em quase cada lar do globo — um movimento que aqui chamamos de “Meta-Trumpismo”. De outro lado, essas empresas aproveitam o respaldo do governo estadunidense para impulsionar seus próprios interesses, valendo-se da influência e da legitimação estatal para consolidar seu domínio e enfraquecer esforços regulatórios que possam ameaçar seus objetivos — um movimento que aqui chamamos de “Meta-política”.

Nesse movimento, a Meta avançou ainda mais ao unir-se ao X em uma narrativa de “guerras culturais”, adotando uma postura de “vale-tudo” que normaliza ataques e violências relacionados a gênero e identidade como se fossem “liberdade de expressão”. Ao mesmo tempo, as Big Techs conduzem uma ofensiva articulada contra países da Europa e da América Latina que tentam limitar seus poderes. Essa simbiose entre o governo estadunidense e as gigantes tecnológicas evidencia como interesses políticos e corporativos convergem para redesenhar o cenário global, consolidando a hegemonia dos Estados Unidos e posicionando as Big Techs como ferramentas e beneficiárias dessa nova ordem mundial. Mas, até que ponto essa simbiose ergue um novo Leviatã?

·        Meta-Trumpismo

Articulado com o apoio de Steve Bannon, ex-estrategista-chefe da Casa Branca e arquiteto de uma nova abordagem ao populismo digital, a campanha de Trump elevou a desinformação ao centro da política estadunidense. Bannon foi um dos pioneiros em explorar as bolhas comunicacionais e a segmentação algorítmica para manipular opiniões e criar narrativas polarizadoras. Sob sua liderança, plataformas como o Facebook foram transformadas em armas políticas, disseminando conteúdos incendiários e muitas vezes falsos, visando mobilizar eleitores e alimentar ressentimentos culturais.

Com a experiência de já ter passado pela cadeira de Washington e com a compreensão do peso das Big Techs na construção do imaginário coletivo, Trump passa então a utilizar sua aliança para avançar sobre outros blocos econômicos. Exemplo disso foi a fala pública de Mark Zuckerberg ameaçando reagir caso a Europa ou a América Latina avancem na legislação. Em outra frente, Musk realiza campanha aberta para candidaturas alinhadas a Trump nas eleições alemãs, demonstrando como o presidente dos EUA pode ganhar politicamente em uma frente ampla com os magnatas das Big Techs. Constitui-se então um “Meta-Trumpismo”, uma reconfiguração da estratégia populista em política institucional. Isto é, um estágio avançado do Trumpismo, no qual a retórica incendiária, a manipulação de narrativas e o uso de desinformação não são apenas ferramentas de campanha, mas tornam-se pilares de governança, inclusive incorporando as Big Techs formalmente às funções do Estado, tal como a indicação de Elon Musk para um “Departamento de Eficiência Governamental”.

Assim, o Meta-Trumpismo passa a se sustentar por uma aliança da Casa Branca com os conglomerados tecnológicos, os quais fornecem a infraestrutura necessária para amplificar mensagens políticas e influenciar a opinião pública. Aqui, a distinção entre o poder do Estado e o poder corporativo é borrada, criando um sistema onde as decisões políticas são moldadas pela lógica algorítmica da atenção e do engajamento, e não por processos democráticos e populares. Isso ainda pode ser compreendido pelo que o Nobel em economia, Robert Shiller, descreve como “economia de narrativas”, a ideia de que histórias amplamente difundidas têm o poder de influenciar comportamentos econômicos e decisões políticas.

Se essa sobreposição do poder corporativo sobre o político é abraçada pela perspectiva Meta-Trumpista, o cenário torna-se ainda mais grave ao se analisar o arranjo geopolítico. Em um mundo cada vez mais multipolar, onde potências e coalizões, como o BRICS+, desafiam o domínio absoluto dos EUA, o triplo casamento entre Trump, Musk e Zuckerberg eleva o poder presidencial a uma escala inédita de alcance, superando qualquer aliança já estabelecida pelo Estado estadunidense com indústrias como a do petróleo, farmacêutica ou mesmo especulativa.

·        Meta-política

Se um dia venderam a falsa ideia de que os Estados Unidos seria a terra cantada dos livres e lar dos corajosos, hoje essa narrativa se demonstra capturada pelo Leviatã corporativo das Big Techs. Para além de operarem à margem do escrutínio público, a normativa americana permite que estes conglomerados criem suas próprias normas para além das leis americanas, arbitrando a conduta social e política no espaço digital. Ao estabelecer regras que regulam tanto o acesso quanto o uso de suas plataformas, elas acumulam um poder desproporcional que excede o de muitos Estados-nações — inclusive os Estados Unidos.

Nesse contexto, surge uma espécie de “Meta-política”, em que as Big Techs passam a institucionalizar a sua influência, instrumentalizando o aparato estatal estadunidense para ampliar seu domínio global. Esse fenômeno transcende uma mera atuação como agentes econômicos, pois essas empresas reconfiguram as relações de poder, valendo-se de sua posição no ambiente digital e no debate público para moldar políticas estatais em benefício próprio. Além disso, por meio de lobby, financiamento de campanhas, parcerias público-privadas e o controle de infraestruturas, elas transformam a política em uma extensão de suas corporações privadas. Nesse cenário, a Meta-política se apresenta como mais do que uma estratégia corporativa, mas como a consolidação de um modelo de governança onde as corporações passam a reger as dinâmicas políticas e sociais globais com a legitimação estatal.

Cabe citar que Nicholas Negroponte já descrevia um futuro onde algoritmos moldariam a mídia conforme os interesses individuais. Embora idealizado como ferramenta de empoderamento e eficiência, esse conceito se transformou de Being Digital (1995) no contexto da economia da atenção, convertendo o foco do usuário em lucro para as Big Techs. Isso, ao invés oferecer pluralidade, o Daily Me moderno encapsula os usuários em ambientes digitais onde apenas ideias e perspectivas alinhadas às suas crenças preexistentes são apresentadas, fragmentando a esfera pública e minando o debate democrático.

·        Um outro mundo é possível

Em contraste com os EUA, os países do bloco BRICS+ têm avançado em iniciativas para fortalecer sua soberania digital, regulando o poder das Big Techs e investindo em infraestrutura tecnológica própria. Essas nações têm reconhecido que limitar os abusos de corporações transnacionais é essencial para proteger suas populações e fomentar economias resilientes em um mundo multipolar. Esse esforço coletivo aponta para a construção de uma ordem mais equilibrada, onde a tecnologia sirva como ferramenta de emancipação e desenvolvimento, e não como mecanismo de controle de um império sobre nações.

Dessa forma, o cidadão americano médio encontra-se cada vez mais refém de um sistema em que interesses corporativos se sobrepõem à democracia, assistindo de camarote seu Estado em simbiose com Big Techs. Ao mesmo tempo, o cidadão global, especialmente dos países que buscam alternativas soberanas, ainda mantém a oportunidade de lutar por um mundo livre de amarras do Vale do Silício. O papel dessas nações é crucial: elas precisam provar que é possível construir um modelo onde a tecnologia sirva aos interesses da humanidade, em vez de fortalecer conglomerados oligárquicos de um império distante.

Enquanto isso, seremos cúmplices silenciosos de um Trump 2.0 e seu Leviatã high-tech, ou encontraremos a coragem de reivindicar soberania para desafiar o império algorítmico antes que ele sequestre mais mentes distraídas em um feed infinito?

 

¨       IA: os novos “Agentes” e os riscos à democracia. Por Elen Nas

Os “Agentes de IA” derivam da capacidade dos sistemas de inteligência artificial (IA) de planejar e executar de maneira autônoma tarefas complexas em um cenário de envolvimento humano mínimo. Apoiam-se nos desenvolvimentos dos grandes modelos de linguagem, mas o que os diferencia é tomarem iniciativa. Ao invés de esperarem “ser acionados”, como ocorre quando solicitamos algo por comando de voz (por exemplo, na “Alexa”), pressionamos um botão ou microfone na tela (“Siri”, “Gemini” ou “Cortana”), ou acionamos por escrito em plataformas como Open AI, Midjourney e outras, os “Agentes de IA” executam tarefas de maneira independente, para o cumprimento de determinados objetivos.

Estes agentes já povoam o imaginário tecnocientífico há décadas, em especial com novos desenvolvimentos a partir dos anos 1980. No final do milênio, propagandas de vídeo com cenários de um futuro mediado pelas tecnologias (um exemplo é “Cool Town” da HP) começam a ser apresentadas ao público. Indicavam as vantagens de ter sistemas automatizados decidindo pelas pessoas, para lhes poupar tempo e mesmo salvar vidas. Referiam-se, por exemplo, a uma pessoa idosa vivendo sozinha que desmaia, com o socorro acionado imediatamente; ou alguém que, ao dirigir por uma estrada, sofre uma pane no carro – a assistência chega e se antecipa a qualquer iniciativa humana para resolver o problema.

Porém, naquele período não se pensava nas implicações sobre a privacidade no uso de tais recursos. Todo o desenvolvimento do que ficou conhecido como Internet das Coisas (IoT, em inglês), em que sistemas gerenciam as ações necessárias em uma casa, sem a presença e comando dado por humanos, vem sendo discutido ao longo das últimas duas décadas em seus “prós” e “contras”. Um dos aspectos para que chamo atenção, em minhas investigações, é sobre o quanto tais sistemas indicam um olhar sobre o mundo, modelos de vida considerados desejáveis, além das divisões entre quem tem ou não têm acesso às infraestruturas, recursos e espaços para ‘bancar’ estes modelos.

Os “agentes de IA” são, portanto, uma nova versão de sistemas autônomos, dos quais ainda não temos pleno conhecimento, à parte exemplos de aplicativos como Replika e afins, que são IAs voltadas a atender lacunas afetivas, aprendendo sobre as características, desejos, anseios e medos de seus “usuários” para lhes apresentar algum “conforto emocional”. Sim, um dos primeiros episódios da série “Black Mirror” exibido inicialmente na Inglaterra em 2013 chamada “Be right back” foi inspirada na história que resultou no desenvolvimento da Replika, esta que começou como um modelo de “start up” em 2012 e foi disponibilizada inicialmente em fases de teste em 2017 com capacidade de conversação apenas em inglês. Desde então veio crescendo, ampliando o número de usuários até chegar ao cenário atual de cerca de 30 milhões. Fato ainda a ser revelado em nossos estudos para melhor entender os desafios e complexidades de um mundo em que interagir com dispositivos técnicos e sistemas computacionais não é uma opção, são os impactos psíquicos e suas consequências diretas.

O primeiro susto após a declaração do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, em 7 de janeiro, foi pensar que com a emergência dos agentes de IA, a infodemia de notícias falsas e tendenciosas pode tomar dimensão de algo que não apenas está “fora de controle” mas também é difícil de absorver, refletir, reagir e discernir. Isto de certa forma já está acontecendo nos últimos anos, à medida que os desenvolvimentos de IA tomam uma velocidade sem precedentes, a partir do crescimento exponencial de interconectividade na primeira década do século 21, aumentando o acesso de dispositivos capazes de coletar dados, diariamente, 24/7, de milhões a bilhões de pessoas em todo o mundo.

Se no início de 2023 havia uma grande corrida e disputa entre os grandes investidores em IA para alcançar e ultrapassar os melhores resultados com os grandes modelos de linguagem, neste ano entramos em nova corrida — a de quem será capaz de oferecer os “Agentes de IA” mais eficientes. Neste momento, análises especializadas e estudos de pesquisa experimental estão sendo publicados como preprints, sites alternativos e em formato de relatórios, devido às necessidades de atender a rápidas mudanças. Em um deles se diz: a questão não é se os agentes de IA se tornarão ubíquos, mas quando. Enquanto estamos tentando nos recuperar de uma onda que chega com força, procurando entender os seus impactos nas instituições, no trabalho, sistemas de saúde, educação e diversos setores da economia, temos mais uma onda forte chegando. E, mais uma vez, o mercado dispõe da prerrogativa de desenvolver “produtos” que possuem um forte impacto na sociedade sem que exista um processo de adequação e integração destes desenvolvimentos com as partes interessadas, afetadas, e mais impactadas.

Existem muitas questões envolvendo os debates éticos e de justiça quando estamos tratando de sistemas com certos níveis de autonomia. Não entraremos neste debate agora, pois o objetivo deste texto é refletir sobre as graves ameaças ao bem estar individual e coletivo, assim como às democracias, quando estes agentes estiverem, possivelmente, a serviço da desinformação e manipulação da opinião pública.

Quando se trata de inovação, há um conjunto de símbolos, um léxico, que associa novos “produtos” a oportunidades de mercado em ações que podem beneficiar as pessoas, com aplicações dentro de um sistema de consumo de bens e serviços. Um “agente de IA” pode resolver transações no mercado em nome de investidores, fazer publicações de engajamento de conteúdo e tomar decisões que embora pareçam ações práticas e mesmo mecânicas, possuem camadas “invisíveis” com consequências ainda desconhecidas.

Por exemplo, os “agentes de IA” tenderão a ter acesso à informações que os seus signatários não possuem e suas decisões serão tomadas dentro de um ambiente privilegiado onde o humano está em situação vulnerável. Como aplicar um “consentimento informado” sem que exista a possibilidade de total conhecimento das variáveis e fórmulas utilizadas por estes sistemas?

Estas são algumas das questões a serem observadas do ponto de vista conceitual, ético e legal. Podemos facilmente prever que, uma vez que estes sistemas já estão disponíveis, não existe qualquer garantia de que não serão utilizados de maneira “invisível” em plataformas que interagem com o público. Não apenas em mídias em que as pessoas podem entrar, continuar ou sair, como também em outros sistemas computacionais que mediam os diversos setores da vida e aos quais não há opção sobre interagir ou não com eles.

Se muita coisa mudou nos desenvolvimentos de IA desde os primeiros desastres com “chatbots” como a Tay, da microsoft no Twitter em 2016, estamos longe de alcançar um ambiente digital seguro. Em especial quando executivos das maiores empresas de tecnologia, que lucram com as bilhões de pessoas conectadas às suas redes, revertem as conquistas que envolvem aplicações de segurança, tais como os filtros para checagem de fatos, entre outras medidas. Embora a declaração de Mark Zuckerberg se aplique inicialmente aos Estados Unidos, os argumentos de que existem “vieses políticos” sobre o que é legítimo e verdadeiro anuncia um acirramento das disputas de narrativas, com aumentos de polarizações que têm aumentado a violência interpessoal, tendências ao isolamento e agravamento das condições psíquicas de pessoas em todo o mundo.

O que precisamos compreender hoje é o quanto estes novos produtos de IA vêm carregados de informações formatadas e sintéticas. Mesmo que no Brasil permaneçam alguns filtros, o que será aplicado no desenvolvimento de base poderá afetar campos sutis como o marketing político, em modelos ainda presentes e melhores desenvolvidos, para além do que foi a “Cambridge Analytica”.

O termo “democracia” já vêm sendo questionado e combatido desde há alguns anos. Em entrevista ao programa “Democracy Now”, Marc Owen Jones, autor de Autoritarismo Digital no Oriente Médio: decepção, desinformação e mídias sociais (tradução livre), debate algo relevantes sobre o uso das tecnologias digitais para atender a objetivos do autoritarismo. Segundo ele, isso demonstra também que companhias como a Meta estão se posicionando, ao submeter estas tecnologias de acesso geral aos interesses de uma elite que lucra com a “pós verdade”, ou seja, com o descompromisso de responder aos fatos.

A sustentação de uma “realidade paralela” (por exemplo, um Brasil Paralelo) tem sido um “dispositivo” de valor para os grupos que querem desconsiderar direitos sociais e ambientais, enquanto as Big Techs concentram renda na mesma medida que direitos conquistados desde o século passado vão colapsando e a necropolítica se alastra com os usos e abusos dos corpos mais vulnerados. Ampliação de desigualdades, miséria, precarização da vida, do trabalho e da própria observância dos conceitos fundamentais da justiça.

Marc Owen Jones destaca que os líderes autoritários querem promover o medo, de modo que as populações vejam o mundo através dos seus olhos. Uma “receita”, a propósito, sistematizada e apresentada por Maquiavel há mais de 500 anos.

Também entrevistada pelo programa liderado pela jornalista novaiorquina Amy Goodman, jornalista filipina Maria Angelita Ressa, vencedora do Prêmio Nobel e autora de Como enfrentar um ditador (trad. livre), destacou que o problema das redes é um assunto de segurança e não de “liberdade de expressão”, principalmente porque já foi comprovado que as dinâmicas das redes influenciam as decisões de formas manipulativas, como um “sequestro” da autonomia. Ela diz: “esta é uma plataforma que une mais de 3,2 bilhões de pessoas ao redor do mundo (…), que já facilitou atos de genocídio em Myanmar e que vem hackeando nossos sentidos, nosso sistema biológico, pois consegue mudar os modos como sentimos medo, raiva e ódio, os modos como vemos o mundo e que como agimos.” Ela lembra que desde o Brexit na Inglaterra o Facebook vem impactando os resultados das eleições.

Este é um debate que vêm se ampliando, de modo a se fazer entender que os algoritmos trazem embutidas estratégias invisíveis, não apenas em suas fórmulas, como também por seguirem uma lógica que acentua o problema de uma autoridade que não precisa prestar contas. Problema este que vem-se procurando “remediar” com soluções parciais tais como filtros, mecanismos de checagem de fatos, além de metodologias e estratégias experimentais na computação que visam embutir princípios de justiça nos algorítmos. Iniciativas estas que não alcançaram a robustez necessária para equalizar os problemas de vieses na IA, de modo que as propostas de regulamentação tais como a EBIA (Estratégia Brasileira da Inteligência Artificial) usam palavras como “mitigar” ou “minimizar” danos e não impedí-los e erradicá-los.

Portanto, enquanto não há solução efetiva temos poucos anticorpos capazes de defender a sociedade quanto à possibilidade de tecnopolíticas virem a se tornar tecnofacismos. Sim, este é o “panorama pessimista” em um rol de possibilidades onde é possível também ser otimista ou moderado, já que os desenvolvimentos tecnocientíficos também podem trazer soluções e benefícios a indivíduos e comunidades. Mas como lembra Maria Ressa, atualmente 71% dos governos no mundo estão sob a égide de regimes autoritários, infelizmente eleitos por processos democráticos, em virtude da corrupção e toxidade de mídias sociais. E isto vem se dando na mesma medida que as possibilidades das tecnologias da informação se ampliam e penetram no tecido social e corpos dos modos mais invisíveis.

Este é um processo que vem se desenvolvendo em etapas distintas, desde que a internet chegou com muitos impactos positivos, assim como boa parte dos desenvolvimentos tecnológicos. Em discussões filosóficas, gostamos de lembrar que as tecnologias não são neutras, e vamos cada vez mais ampliando a compreensão de que o respeito à terra, aos povos originários e à defesa dos princípios de justiça dependem de construirmos outras e novas perspectivas de desenvolvimento econômico e modos de abordar a inovação.

Pelo momento, que estas palavras – pensadas, escritas e elaboradas inteiramente por uma humana – cheguem aos outros humanos que nos lêem, como um convite à reflexão e atenção para o que vem por aí.

 

Fonte: Por Isabela Rocha e Ergon Cugler, no Le Monde/Outras Palavras

 

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