POLÍTICA NA
VENEZUELA: Nicolás Maduro, o Cramulhão?
No mais impressionante e inventivo livro de ficção
publicado em língua portuguesa no século XX, Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães
Rosa, somos bombardeados com sinônimos daquela que é a maior das confessas
obsessões do escritor, o Diabo. Ou, se preferirem: o Demo, Capiroto, Capeta,
Cujo, Rinha-Mãe, Rasga-em-Baixo, Fancho-Bode, Cramulhão, Galhardo, o
Pé-de-Pato, o Sujo, o Temba, o Azarape, o Coisa-Ruim… a coisa vai bem longe.
Por outro lado, Deus é Deus, simples assim: “O que Deus sabe, Deus sabe”.
No Brasil de 2025, um novo consenso idiomático entre a
esquerda liberal, o centro parasitário e a direita reacionária (em geral, não
muito íntima da literatura): o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, com
certeza é uma encarnação degenerada do traíra Hermógenes, o Belzebu, o Sem
Gracejos, o Grão-tinhoso dos presidentes latino-americanos. Basta passar o olho
no grosso das matérias publicadas pela nossa imprensa (nem contar os sites
necropolíticos e microcéfalos da choldra bolsonarista) sobre a Venezuela nos
últimos dez, doze anos.
No dia 07 de janeiro de 2025 desembarquei em Caracas
para participar de um encontro da Internacional Antifascista, onde se reúnem
delegações de pelo menos setenta países ao redor do mundo. Nos encontramos com
a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, na quinta-feira, dia 09,
onde depois nos convidaram a escolher mesas temáticas para discutir uma agenda
comum das esquerdas do Sul Global. Simultaneamente, a herdeira aristocrata e
principal liderança da extrema-direita no país, María Corina Machado, amargava
o fracasso de um ato público convocado por ela contra a posse do terceiro mandato
presidencial de Maduro.
Sobre tal episódio, ao menos uma pergunta é urgente.
Caso a oposição estivesse mesmo tão pujante, conforme alegam partidários da
direita fascista latino-americana (que de maneira eufemística temos chamado
apenas “extrema-direita”); caso os apoiadores de María Corina Machado e Edmundo
González Urrutia tivessem o apoio da maioria da população do país, então por
que o ato convocado por eles contra o presidente eleito, que acusam de fraude –
e contra o qual pedem a intervenção militar dos Estados Unidos (!) – foi um
verdadeiro fiasco? Sim, o que houve foi uma manifestação inexpressiva, senão
ridícula, em uma pequena praça de Caracas, que de um lado a outro não tem mais
do que quarenta passos. Fomos até o local, no dia seguinte, para ter certeza.
Veículos brasileiros, como a Folha de São Paulo, reproduziram sem
checagem a fake
news de
que Corina Machado havia sido “presa violentamente”, o que logo foi desmentido
por ela mesma e pelos dirigentes políticos brasileiros aqui presentes. Ou seja,
alguns jornais parecem não ter aprendido nada com a artilharia de mentiras
deslavadas do bolsonarismo. Ou devemos concluir que há muitos jornalistas
mentirosos e mal-intencionados no Brasil? Será? Logo antes do indiciamento pela
Polícia Federal, por tentativa de Golpe de Estado e plano para assassinar o
Presidente, o Vice-Presidente e o Ministro do STF, a Folha deu palanque
ao grande “democrata” Bolsonaro, apologeta da tortura em tribuna do Congresso,
que agora choraminga por uma anistia daqueles a quem planejava matar.
Interessante que a mesma imprensa que não cansa de
atacar o Pactário, o Bode preto, o Coisa-Ruim de Caracas, é a imprensa que
frequentemente dá crédito aos delírios ultraliberais de Javier Milei, ajoelhado
com suas costeletas hipertrofiadas (e sua nova medalha de imbrochável) diante
da versão 2.0 de Donald Trump, este sim, um déspota alaranjado e esclarecido,
ídolo colorido dos “patriotas brasileiros”. Estes últimos, meio verdes e meio
amarelos, mas podres por dentro, como uma manga encerada.
No Brasil somos levados a crer que o governo de Maduro
é uma ditadura implacável, claro, porque a imprensa não cansa de repetir a
ladainha o dia inteiro. Então: se fosse uma ditadura, digam-me, por favor, se o
principal nome da oposição, a senhora María Corina Machado, que teve
participação na tentativa de golpe de Estado (quando os EUA inventaram o
ventrículo Juan Guaidó), estaria livre, leve e solta, organizando manifestações
contra o Presidente da República às vésperas da posse? Corina já estaria detida
na maior parte do mundo. Na Espanha, lembremo-nos, por muito menos foram
enviados à prisão os políticos independentistas catalães. Agora, aquela mesma
direita que exige a punição dos insurgentes de Barcelona, são os que cobram um
diálogo de Maduro com Corina, figura abertamente golpista e intervencionista.
É chocante, mas a mesma imprensa que aquiesce
educadamente diante do projeto sionista e o genocídio do povo palestino,
perpetrado por um governo de extrema-direita, abertamente fascista, é a que empunha
o lábaro da moral democrática para acusar Maduro de “ditador” e “autócrata”,
contestando o resultado publicado pelo Conselho Nacional Eleitoral venezuelano,
com bravatas típicas de golpistas, envolvendo atas e não sei mais que provas
finais de lisura processual, às quais não se pede a nenhum outro país. Ao menos
a nenhum país curvado à política econômica dos Estados Unidos. Com isso, não
quero dizer que aqui haja um santo homem ou qualquer tipo de pureza angelical
bolivariana. A política é impura e todo mundo sabe mais ou menos quais são os
ingredientes usados no laboratório geopolítico.
A questão é justamente essa. Não há pureza em lado
algum, mas muitos ainda acreditam que os EUA, império cada vez mais decadente,
desesperado e agarrado aos pés do Pentágono, são a maior democracia do mundo.
Justo eles, financiadores de um sem-número de golpes de Estado (inclusive no
Brasil), banqueiros do terrorismo de “Israel”, condenado pela ONU e pelo
Tribunal Penal Internacional, que eles solenemente ignoram; usurpadores da
autonomia política de tantos países pelo mundo, de Cuba ao Vietnã. Eles, os
Estados Unidos, estão preocupados com a “cruel ditadura” e uma suposta trapaça
nas eleições venezuelanas, depois de terem participado direta e indiretamente
de outras sete tentativas de golpe nesse mesmo país?
Transcrevo Juan Carlos Monedero, em artigo publicado na Jacobin em
agosto de 2024,
um pouco depois das eleições:
‘O pensamento sempre deve ser situado, mas, ao mesmo
tempo, capaz de enxergar as correntes profundas que há por trás da realidade.
Trata-se de juntar os pontos. Por exemplo, perguntando-nos: o que faz Elon Musk
ao entrevistar e financiar Donald Trump, ajudando Netanyahu a massacrar os
palestinos e enchendo o X de notícias falsas sobre a Venezuela? Quem se
beneficia com isso de que a Venezuela sempre esteja sob suspeita? Por que tanto
interesse em que prestemos excessiva atenção à Venezuela? O que a Venezuela tem
para gerar tanto interesse? Pois é, petróleo e marcar rotas alternativas’.
Ora, nós brasileiros sabemos o que é viver abaixo da
linha do Equador. Enquanto o Brasil não voltar a representar uma ameaça
iminente à agenda norte-americana, não terá suas eleições contestadas. O que
teria acontecido se, nas eleições presidenciais de 2022, com a vitória apertada
de Lula, diante das acusações de Bolsonaro e seus asseclas golpistas (alguns
dos quais, presos há pouco por conspiração), fosse Donald Trump o presidente? Não
teriam os trumpistas ajudado a criar uma narrativa, mais ou menos crível, para
pôr em xeque as urnas eletrônicas e o Superior Tribunal Eleitoral, presidido
então pelo capeta criado pela propaganda bolsonarista, o Ministro Alexandre de
Moraes?
Lembremo-nos de que na última vez que um presidente
brasileiro ousou dizer que faria reforma agrária e alfabetização em massa,
acabamos vítimas de uma ditadura abjeta de vinte anos. Também não nos
esqueçamos do que a grande democracia americana fez na Argentina e no Chile de
Salvador Allende, onde enfiaram outro herói dos fascios nacionais, o
General Augusto Pinochet, que mandou enterrar os corpos dos “comunistas”
assassinados no maior dos grandes sertões, o deserto do Atacama.
“Ah!, mas não se pode justificar uma ditadura com
outra”. Claro que não. O que estou dizendo, de uma perspectiva um pouco mais
íntima e profunda, baseada não apenas em leituras rápidas e convicções
automatizadas, aqui, entre venezuelanos, tendo tempo para ouvir diferentes
pontos de vista, entrevistar, anotar, ler, ponderar, é que a Venezuela não
apenas não vive uma ditadura, como vive uma nova fase de entendimento das suas
contradições. Goste-se ou não do Presidente Maduro e da nauseabunda proximidade
do governo com as suas forças de segurança, que, apesar de difícil de engolir,
dado nosso horror a milicos, é o que tem garantido a continuidade do projeto,
diante das intentonas golpistas. Também é compreensível que haja dificuldades
em lidar com a aparente vaidade, o personalismo explícito, o jeito meio
fanfarrão e populista de discursar de Maduro, com sua retórica gordurosa.
O encontro da Internacional Antifascista contou com
lideranças de movimentos sociais de muitos países, de todos os continentes.
Conversando com cada uma delas, fica muito claro o que a Revolução Bolivariana
representa sobretudo para a classe trabalhadora, para os povos originários,
assim como para representações de minorias tradicionalmente violentadas pelas
políticas coloniais do Norte. De meu lado, como escritor e representante de
associações de escritores, pude conversar mais profundamente sobre as políticas
culturais implementadas desde Chávez, passando pela crise terrível que levou
tantos venezuelanos a refugiarem-se pelo mundo, até os projetos de reconstrução
do país que estão em curso.
No dia 12 de janeiro, domingo, fui a um encontro de
escritores no Ministerio
del Poder Popular para la
Comunicación y la Información, depois de ter participado de um Congresso
Internacional de Comunicadores, em uma universidade. No dia anterior, o poeta
António Trujillo fora agraciado com o Prémio Nacional de Literatura, então
tratou-se de um encontro mais íntimo e comemorativo, que contou com a presença
de um dos maiores poetas de língua espanhola, Luis Alberto Crespo (1941).
Crespo gosta de lembrar a fase de popularização dos
livros durante o governo Chávez, de como imprimiam e distribuíam milhares de
livros clássicos e contemporâneos para pessoas de todas as classes, com um
projeto de leitura sem correspondente em qualquer país do mundo. A empolgação
das pessoas era tão grande, contou o octogenário Crespo, que “um dia tive que
autografar um exemplar de Don Quijote para uma senhora (ela não se importava de
que não fosse ele o autor). O poeta então assinou: “Com carinho, Sancho Pança”.
Depois vieram as vacas magras, a crise terrível, a
falta de alimentos e insumos básicos, o êxodo forçado, claro, não há de se
apagar o horror do que houve. Quem gosta de apagar a memória das pessoas e
fazer tabula rasa é o fascismo.
Pude conhecer, principalmente através dos amigos poetas
Ana María Oviedo Palomares e Leonardo Ruiz, a atuação da Escuela de Poesía, constituída por
oficinas organizadas por poetas e agentes de leitura, que acontecem de forma
estruturada na rede pública de educação. Outra amiga, a poeta Yuri Patiño,
fundadora da Red
Nacional de Escritores de Venezuela, é uma das agentes mais ativas desse
projeto. Além disso, com o apoio estatal são organizados ao menos três grandes
eventos anuais de poesia, incluindo o Festival Internacional de Poesia de
Caracas. Explicaram
ainda como as novas políticas de incentivo à leitura consideram a importância
de pequenas editoras, as quais, como no Brasil, fazem um trabalho
extraordinário, porque não estão interessadas só em resultados financeiros.
Conheci uma dessas jovens editoras, Stefhanie Wagner, fundadora da Abisinia
Editorial.
O mais impressionante, entretanto, foi o contato com as
pessoas nas ruas, nas comunas, nos acampamentos da juventude bolivariana. Antes
da cerimônia de juramentação popular do presidente (que parece assumir um
discurso mais populista e uma postura ainda mais emplumada diante da multidão),
caminhei à contrapelo pela avenida e fui conversando com as pessoas,
testemunhando a admiração ou paixão de muitas delas pelo presidente, mais ainda
por Chávez, pessoas simples, trabalhadoras e trabalhadores da base. Uma
multidão orgulhosa daquele momento, orgulhosa do país. “O que você está achando
da Venezuela?”, perguntavam aos estrangeiros, na expectativa de que
confirmássemos seu amor aflorado.
Conversando demoradamente com os jornalistas e
comunicadores veteranos do mundo todo, inclusive do Brasil, já que Beto
Almeida, diretor da TeleSUR, ficou hospedado no mesmo hotel, soube de histórias
muito boas sobre uma Venezuela de vinte anos para cá. Beto era próximo de
Chávez e conta que o ex-presidente era um homem de cultura extraordinária, um
leitor de apetite, e que ficou fascinado pelo livro Quinhentos anos de periferia, de Samuel
Pinheiro Guimarães. Um companheiro do Uruguai, o jornalista Andres Silva, que
morou quatro anos em Caracas com a sua família, inclusive durante os anos de
pandemia, não apenas deu detalhes de programas do Estado venezuelano para
comunicação popular, como me levou para uma travessia a pé pelo centro de
Caracas, apontando onde havia sido tal e qual tentativa de golpe de Estado,
essa e aquela esquina de resistência da Revolução Bolivariana.
Por isso, pelo que se viu e se vê por aqui, antes e
depois da posse de Maduro, afirmações levianas e mal-informadas de quadros da
esquerda brasileira, como a que deu Randolfe Rodrigues, recentemente, sobre o
governo venezuelano, são groselha para deleite do bolsonarismo guloso, mas,
sobretudo, ajudam a desinformar nosso povo, de qualquer orientação política,
sobre o real estado de coisas no país vizinho.
Antes, deveríamos escutar o que têm a dizer os
companheiros do MST sobre a construção da soberania alimentar da Venezuela,
que, com o embargo criminoso dos EUA, passou a produzir os próprios alimentos.
Leiam o que diz o João Pedro Stedile sobre o assunto. Aliás, a liderança do MST
esteve agora na mesa de encerramento do Festival Mundial da Internacional
Antifascista,
ao lado de Maduro. O prestígio do MST por aqui é imenso.
Estando em Caracas (depois de um intervalo de mais ou
menos dez anos, quando pude testemunhar a pior crise econômica de um país do
continente, devastadora), posso dizer, sem medo, que o país vive uma fase de
reconstrução, não isenta de paradoxos, como no Brasil. E mais: há um apoio
popular substancial à Revolução Bolivariana, mesmo com o embargo dos EUA, mesmo
diante das restrições com as quais o país é forçado a conviver.
Há uma boa quantidade de textos de intelectuais da
esquerda latino-americana que aprofundam a análise política e econômica da
Venezuela a partir e depois de Chávez. O que eu quero aqui é dar meu testemunho
do que a cidade de Caracas viveu, nos dias que antecederam, como nos dias que
sucederam a posse de Nicolás Maduro. E faço questão de destacar que houve uma
gigantesca e alegre festa popular ao lado do Palácio Miraflores, sem violência,
com gente na rua, cantando, orgulhosa do país. As tintas usadas para pintar o
governo de Maduro no Brasil e na imprensa internacional não são apenas fortes,
são enganosas.
Concordo que não é preciso estar em um país para poder
formar uma opinião razoável sobre o que acontece ali, caso sejamos leitores
interessados, mas o caso da Venezuela é singular, porque as informações que
chegam ao grande público não fazem a mínima justiça à importância do país no
xadrez geopolítico, nem ao que acontece de fato nas ruas do país, nem como
funcionam as instituições venezuelanas. Isso de se meter na soberania de
vizinhos é servir ao colonialismo mais sujo do império desesperado.
Os desafios de todos os países do Sul Global são
muitos. O Brasil tem coisas a ensinar, somos a terra de Paulo Freire e Sueli
Carneiro, mas é certo que deveríamos ter mais humildade para aprender com
outras experiências. Não estamos em bons lençóis, sobretudo nesses últimos
anos, e precisamos de alternativas urgentes para atravessar a ascensão
vertiginosa da direita oportunista.
Há uma aliança explícita no Brasil, na América Latina,
entre capital corporativo, milícias, religião e agronegócio. Mas o diagnóstico
é pobre. Com ele é preciso elaborar uma agenda contra-hegemônica, anticolonial,
que nos garanta soberania na medida em que o decadente império americano, na
louca e alaranjada tentativa de se manter influente, torna-se capaz de todo
tipo de atrocidade. Gaza não é só um delírio colonial sionista, é o laboratório
mais importante do capitalismo que está por vir.
Voltando à Venezuela, para enfim terminar, digo às
amigas e amigos brasileiros que venham, não apenas para desfrutar das praias do
Caribe, mas para conhecer as experiências comunais que nasceram das políticas
sociais de Chávez, para conversar com as idosas na rua que defendem com unhas e
dentes o projeto da Revolução Bolivariana, porque viveram as agruras de um país
miserável e violento, antes disso. Chávez não é um ídolo qualquer para esse
povo, precisamente porque foi, como Fidel, capaz de enxergar a necessidade de
um mundo multipolar em que a América Latina fosse mais do que um balneário ou
um prostíbulo dos Estados Unidos.
Escutemos também as companheiras e companheiros que
tiveram que deixar seu país com o empobrecimento súbito, quando a crise do
petróleo afetou de forma aterradora a economia venezuelana. Estejamos abertos
às críticas mais duras ao bolivarianismo que chegam de venezuelanos obrigados a
migrar, também, com a consciência de que não há projeto político isento de
críticas. Muitos erros graves foram cometidos, não há dúvidas, nessa travessia
política pedregosa. É preciso saber que não há um consenso pacificador entre
venezuelanos, e que são eles os que podem construir o presente e o futuro da
Venezuela, não nós. Tratemos de resolver os nossos problemas, que não são
poucos, e deixemos os outros países resolverem os seus.
Quanto a projetos de integração, aí está o BRICS como
uma alternativa ao G7, ao FMI, à hegemonia do dólar, às instituições
absolutamente decadentes de dominação utilizadas pelos países usurpadores. Mais
do que um bloco político e financeiro, é preciso pensar no BRICS a partir de
uma perspectiva cultural. É necessário que haja não apenas delegações
diplomáticas na China, no Brasil, na Rússia, no Irã, na Índia, na África do Sul
e demais países do Sul, como a Venezuela; é fundamental que sejamos capazes de
nos reconhecer a partir daquilo que temos de mais forte, de mais bonito: nossas
línguas, nossos livros, nosso cinema. E isso não está longe, já há algum tempo
estamos construindo pontes.
Infelizmente, o terceiro mandato de Lula não sustenta as
mesmas diretrizes para a política internacional que os seus mandatos
anteriores, voltados à integração regional. Ao invés de aproveitar a chance
histórica para se aproximar mais da China, como defende o professor Elias
Jabour, ex-colega de UERJ e vizinho de Vila Isabel, especialista na questão
chinesa e que vinha trabalhando até agora como conselheiro da ex-presidente
Dilma no NDB (Banco do BRICS). Aproximar-se do BRICS, neste ano em que o Brasil
preside o bloco, seria lógico e importante para nossa economia, mas o governo
brasileiro tem preferido fazer confusas alianças com a União Europeia. Talvez
aí devêssemos concentrar nossas forças, nossa energia, em mover o governo mais
à esquerda, ao invés de querer ficar apitando os jogos de outros países.
Apesar da hesitação do governo, que se encolhe e se
intimida diante de um parlamento tomado por parasitas alinhados à direita
(milicos, milicianos, pastores, antigos senhores feudais), reconheçamos, ao
menos nós, mais próximos de uma esquerda socialista, que a Venezuela é um país
crucial no enfrentamento à agenda do minguante império americano, e só por isso
tem causado tanta controvérsia e tanto interesse. Seu potencial energético e
sua posição geográfica são alvo do interesse dos EUA e da União Europeia, principalmente
nesse momento em que veem sua influência colonial diminuir a passos largos.
Fonte: Por Marcelo
Reis de Mello, no Le Monde
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