sábado, 18 de janeiro de 2025

O que Trump 2.0 pode significar para o mundo?

Após sua vitória nas eleições presidenciais americanas de novembro passado, Donald Trump retorna à Casa Branca na segunda-feira, 20 de janeiro.

Trump foi presidente dos Estados Unidos pela primeira vez entre 2017 e 2021. Seu segundo mandato presidencial deve remodelar a política externa americana. A agenda chamada por ele de "America First" ("primeiro, os Estados Unidos") poderá afetar a vida de milhões de pessoas além das fronteiras americanas.

Aqui está um resumo de como o presidente eleito poderá abordar algumas questões internacionais importantes no momento.

·        Ucrânia

Durante a campanha eleitoral, Trump declarou repetidas vezes que poderia pôr fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia "em um dia", sem oferecer detalhes.

Ele critica há muito tempo os bilhões de dólares de ajuda militar americana enviados para a Ucrânia desde a invasão russa em 2022. Seu posicionamento gerou receio entre os apoiadores da Ucrânia de que ele poderia forçar o país a fazer concessões territoriais para terminar a guerra.

O homem indicado como enviado especial de Trump para a Ucrânia e a Rússia, Keith Kellogg, declarou à rede de TV Fox News no início de janeiro que pretende chegar a uma solução em até 100 dias. Em um estudo no mês de abril, ele propôs que a Ucrânia só recebesse mais auxílio americano se concordasse em participar de conversações de paz com a Rússia.

Trump declarou que o presidente russo, Vladimir Putin, quer uma reunião com ele, que sua equipe está "organizando".

·        Otan

Trump mantém antipatia expressa pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — a aliança militar composta por 32 países, incluindo os EUA, Reino Unido, França e Alemanha.

No seu primeiro mandato, ele ameaçou retirar os Estados Unidos da organização se outros membros não cumprissem seu objetivo comum de gastar 2% do seu produto interno bruto (PIB) com a defesa. Ele também indicou que os Estados Unidos não defenderiam um membro que fosse atacado se não estivesse em dia com sua participação.

No início de janeiro, Trump convocou os membros europeus da Otan a aumentar seus gastos para 5% do PIB, mais que o dobro da meta atual.

O website da campanha de Trump afirma que seu objetivo seria "basicamente reavaliar" os propósitos e a missão da Otan.

A possibilidade de que o presidente, algum dia, retire os Estados Unidos da aliança divide opiniões. Mas os analistas destacam que existem outras formas de minar a Otan sem abandoná-la — reduzindo o número de soldados americanos na Europa, por exemplo.

·        Oriente Médio

Trump toma posse pouco depois da entrada em vigor do acordo de cessar-fogo e libertação de reféns na Faixa de Gaza. Durante as negociações, seus consultores trabalharam com a equipe do presidente Biden, ao lado de negociadores do Catar e do Egito. Ambos reivindicam o crédito pelo acordo.

Mas o presidente eleito encontrará desafios à sua frente durante a implementação do acordo — especialmente para finalizar as próximas etapas, que incluem, nas palavras de Biden, o "fim permanente da guerra".

Durante seu primeiro mandato, Trump colocou em prática fortes políticas pró-Israel. Elas incluíram o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a mudança da embaixada americana em Tel-Aviv.

Seu governo também assumiu posição linha-dura em relação ao Irã. Os Estados Unidos se retiraram do acordo nuclear, aumentaram as sanções contra o país e mataram o general Qasem Soleimani (1957-2020), o mais poderoso comandante militar iraniano.

Os críticos defendem que as políticas de Trump causaram efeito desestabilizador na região, isolando os palestinos.

Ele intermediou os Acordos de Abraão, criados para normalizar os laços diplomáticos entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos. Mas estes acordos históricos foram firmados sem que Israel aceitasse a formação de um futuro Estado palestino independente, o que, antes, era uma condição dos países árabes para as negociações.

Após o anúncio do cessar-fogo na Faixa de Gaza, Trump declarou que iria promover "a paz pela força" na região e ampliar os Acordos de Abraão. Isso pode significar a elaboração de um acordo entre Israel e a Arábia Saudita.

·        China

A política americana em relação à China traz grandes consequências para o comércio e a segurança mundial.

Durante seu primeiro mandato, Trump iniciou uma forte guerra comercial com Pequim. Desta vez, ele sugeriu aumentar as tarifas de importação sobre os produtos chineses nos Estados Unidos em até 60%.

Seus escolhidos como secretário de Estado (Marco Rubio) e conselheiro de segurança nacional (Mike Waltz) mantêm posição considerada agressiva contra a China. Ambos deixaram claro que, para eles, Pequim é uma ameaça importante para os Estados Unidos.

Taiwan permanece outra questão relevante. Os Estados Unidos mantêm sua assistência militar para a ilha autogovernada, que a China considera uma província separatista que, um dia, ficará sob o controle de Pequim.

Historicamente, os Estados Unidos mantêm posição deliberadamente incerta sobre qual seria sua possível reação se a China invadisse Taiwan. Mas Biden foi o mais explícito de todos os líderes americanos, ao declarar que seu país defenderia a ilha.

Durante a campanha eleitoral, Trump disse que não precisaria usar a força militar para evitar o bloqueio de Taiwan porque o presidente chinês Xi Jinping "me respeita e sabe que sou maluco". O presidente eleito também afirmou que, se ocorresse uma invasão, ele imporia tarifas de importação paralisantes sobre os produtos chineses.

·        Mudanças climáticas

Donald Trump é um conhecido cético das mudanças climáticas. Ele chamou os esforços de promoção da energia verde de "fraude".

Trump provavelmente irá retirar mais uma vez os Estados Unidos do Acordo de Paris de 2015 sobre mudanças climáticas — uma medida já tomada por ele no seu primeiro mandato e revertida pelo presidente Biden em 2021.

O presidente eleito também se comprometeu a "perfurar, baby, perfurar" e oferecer energia mais barata.

Antes das eleições, a campanha de Trump também prometeu impedir os "litígios frívolos" dos ambientalistas, eliminar os subsídios para a energia eólica, cortar impostos para os produtores de petróleo, gás e carvão e reverter as regulamentações sobre emissões de veículos criadas no governo Biden.

Os especialistas climáticos consideram que Trump na presidência americana representa um retrocesso das ações climáticas globais. Mas eles também afirmam que, ainda assim, a transição para a energia renovável já começa a fazer parte da economia americana e global.

·        Imigração

Trump prometeu deportar milhões de imigrantes que moram nos Estados Unidos sem autorização. Ele declarou que irá iniciar a "maior operação de deportação em massa da história americana", já no seu primeiro dia na Casa Branca.

Estima-se que existam 11 milhões de imigrantes sem documentos vivendo nos Estados Unidos. Muitos deles moram e trabalham no país há vários anos.

Trump declarou que irá começar com "os criminosos", sem fornecer maiores detalhes. Ele também pretende pôr fim à cidadania automática para qualquer pessoa nascida nos Estados Unidos, conhecida como cidadania por direito de nascimento.

Durante a campanha, a retórica de Trump sobre a imigração foi inflamada. Ele afirmou que iria reforçar a segurança nas fronteiras e sugeriu retomar suas proibições de viagem para pessoas de determinados países, vários deles de maioria muçulmana. A medida gerou fortes controvérsias durante seu primeiro mandato.

Mas especialistas em imigração defendem que os planos do presidente eleito enfrentariam dificuldades significativas — jurídicas, logísticas, financeiras e políticas.

·        Groenlândia e Canal do Panamá

O presidente eleito dos EUA provocou turbulência ao dizer que quer comprar a Groenlândia e assumir o controle do Canal do Panamá.

Questionado no início de janeiro se ele descartaria o uso de força militar ou econômica para esses objetivos, ele respondeu: "Não, não posso garantir nada sobre nenhum dos dois."

O território dinamarquês pouco povoado abriga uma grande instalação espacial americana e tem alguns dos maiores depósitos de minerais de terras raras, que são cruciais na fabricação de baterias e dispositivos de alta tecnologia.

A Dinamarca, e também o primeiro-ministro da Groenlândia, enfatizaram que o território não está à venda.

Em dezembro, o Trump disse que o Panamá estava cobrando taxas "ridículas e altamente injustas" pela passagem pelo canal e disse que se o "roubo" não parasse, ele exigiria que ele fosse devolvido ao controle dos EUA.

Ele também disse que estava preocupado com a China, uma usuária frequente do canal que também tem grandes investimentos econômicos no Panamá. O Panamá disse que sua soberania sobre o canal era "não negociável" e que não havia "nenhuma interferência chinesa" na hidrovia.

É improvável que os EUA assumam o controle de qualquer uma dessas regiões, mas as declarações de Trump sugerem que sua visão de "América em Primeiro Lugar" inclui exercer a força dos EUA além de suas fronteiras.

 

¨      Trump topará na muralha da China. Por Yanis Varoufakis

Donald Trump quer impulsionar as exportações de seu país, trazer empregos de volta para os Estados Unidos e reduzir o déficit comercial norte-americano. Para isso, ele precisa de um dólar mais fraco. Mas, ao mesmo tempo, ele quer um dólar forte, e não tolerará qualquer discussão sobre o fim do privilégio exorbitante da supremacia do dólar americano nas transações internacionais.

Trump pode ter ambos? Seu primeiro problema é que introduzir tarifas sobre produtos importados, projeto que anunciou com alarde, e no qual investiu muito capital político, provavelmente aumentará o valor do dólar.

Por quê? Principalmente porque toda vez que há incerteza global, devido a um problema que emana dos Estados Unidos — seja a crise de 2008 ou qualquer outra –, há, paradoxalmente, uma corrida de dinheiro estrangeiro para os Estados Unidos, elevando o valor do dólar.

Se as tarifas de Trump criarem incerteza global, o resultado provável será um aumento no valor do dólar. E esse é o seu primeiro problema. O resultado será que, mesmo que as importações inicialmente diminuam como resultado das tarifas elevadas, a entrada de capital nos Estados Unidos impulsionará o valor do dólar. Isso anulará quaisquer efeitos que as tarifas tenham tido, na limitação das importações e no aumento das exportações americanas.

O segundo problema de Donald Trump é que, se ele levar adiante suas propostas de grandes cortes de impostos, especialmente para corporações e oligarcas extremamente ricos dos Estados Unidos, isso também atrairá capital estrangeiro para seu país. E o que este movimento fará? Aumentará o valor do dólar e, assim, ampliará o abismo entre a poupança e o investimento norte-americanos — o investimento é muito maior do que a poupança – o que é uma das causas fundamentais do déficit comercial dos EUA.

O terceiro problema de Trump é o privilégio exorbitante do dólar. É a razão pela qual, sempre que há uma crise (especialmente quando se origina nos Estados Unidos), o dólar sobe e o déficit comercial dos EUA piora, especialmente durante períodos de redução da demanda e empregos nos Estados Unidos.

Portanto, se Donald Trump realmente quisesse reduzir o déficit comercial norte-americano, ele teria que acabar com o privilégio exorbitante do dólar. Mas, é claro, ele nunca permitirá isso, porque seus melhores amigos, sua tribo, são os rentistas e os financistas – que ficariam horrorizados se os Estados Unidos perdessem o privilégio exorbitante do dólar. É altamente improvável que Donald Trump queira ser o primeiro presidente norte-americano, desde a Segunda Guerra Mundial, a perder o poder hegemônico dos Estados Unidos, ao abrir mão do privilégio exorbitante do dólar.

Alguns argumentam – e acredito que têm razão, ao menos em parte – que talvez o que ele esteja tentando fazer é ameaçar o mundo, a China e a União Europeia em particular, com tarifas muito altas. O objetivo real seria chegar a um acordo que os leve a aceitar uma desvalorização do yuan, do euro e de outras moedas concorrentes, para que os Estados Unidos possam ver suas exportações aumentarem e as importações diminuírem.

Em outras palavras, fazer um acordo. Algo semelhante ao que Ronald Reagan fez em 1985. Os infames Acordos da Plaza supostamente foram uma reunião multilateral entre europeus, norte-americanos, canadenses, australianos. Na realidade, representaram um ultimato de Washington a Tóquio. Apreciem fortemente o iene! Caso contrário, vamos impor grandes tarifas sobre as exportações japonesas. Os japoneses cederam. Aceitar os Acordos de Plaza foi razão pela qual as enormes taxas de crescimento econômico vividas pelo Japão entre 1950 e 1985 despencaram, e por que o país perdeu seu vigor edinamismo.

É provável que a China aceite um novo Acordo da Plaza? Eu atribuo probabilidade zero a essa hipótese. A China não é o Japão.

O Japão era um país ocupado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos escreveram sua Constituição. Ainda há dezenas de milhares de soldados norte-americanos ocupando Okinawa. A China, volto a repetir, não é o Japão. É altamente improvável que aceitem isso, especialmente em um momento em que a conta de capital do país, do ponto de vista econômico, recomendaria uma desvalorização do yuan.

Os chineses nunca aceitarão uma grande valorização de suamoeda, que faça a diferença para o déficit comercial dos Estados Unidos, da maneira que Donald Trump gostaria. Contar com isso é atirar pedras à Lua.

Não há novos Acordos da Plaza entre os Estados Unidos e Pequim no horizonte, agora. Nesse sentido, parece muito improvável que Donald Trump consiga alcançar seus dois objetivos ao mesmo tempo: reduzir o déficit comercial dos EUA e manter o privilégio exorbitante do dólar.

A grande questão, no entanto, para 2025 e além, diz respeito ao dilema da China. Pequim decidirá manter-se estática, ganhando tempo até que as contradições internas dos Estados Unidos – o dilema de Trump – se desenrolem?

Ou Pequim fará a escolha, que ainda não fez? O governo chinês ainda não tomou uma decisão, e penso que fará isso em algum momento: tomar a decisão de converter a área dos BRICS em uma nova versão de Bretton Woods.

Assim como Bretton Woods tinha em seu centro o dólar norte-americano, a área dos BRICS teria o yuan como moeda central, com taxas de câmbio mais ou menos fixas entre o a moeda chinesa, a rúpia indiana e outras, e com o objetivo de reciclar os superávits da China dentro da área dos BRICS. Este seria o maior e mais letal perigo para o privilégio exorbitante do dólar.

Essa ainda não é uma decisão tomada. Em 2025 ou nos anos seguintes, penso que saberemos a resposta. Até lá, fiquem bem.

 

Fonte: BBC News Mundo/Outras Palavras

 

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