'Nos EUA,
bilionários sempre levam a melhor', diz analista sobre debate Musk vs. Bannon
Disputas públicas e
ácidas entre o ideólogo de Trump, Steve Bannon, e o bilionário Elon Musk
refletem correlação de forças entre classe trabalhadora e o grande capital, diz
analista à Sputnik Brasil. Saiba quais os temas que dividem a direita
norte-americana às vésperas da posse de Trump e quem levará a melhor nessa
queda de braço.
Poucos dias antes
da posse de Donald Trump como 47º presidente dos EUA, seus aliados Steve Bannon
e Elon Musk dão a primeira amostra do tom e teor das disputas internas entre
seu círculo mais próximo.
As divergências
entre Bannon, considerado um típico apoiador do movimento MAGA ("Make
America Great Again"), e o bilionário Elon Musk sobre a continuidade de um
programa de vistos para imigrantes altamente qualificados se tornaram públicas
e pessoais durante essa semana.
"Esse cara é
realmente do mal. Bastante malvado. Eu coloquei como objetivo pessoal derrubar
esse cara", disse Bannon sobre Elon Musk ao jornal italiano
Corriere della Sera. "Ele não vai ter acesso total à Casa Branca. Vai ser
como outra pessoa qualquer."
O programa
norte-americanos de vistos H-1B fornece permissões temporárias para
que estrangeiros com curso superior possam trabalhar nos EUA. O programa é
bastante utilizado por empresas de tecnologia da informação, que recrutam
engenheiros e programadores em todo o mundo.
Recentemente,
a empresa de carros elétricos de Elon Musk, Tesla, contratou cerca de 750
funcionários através do programa. O empresário de origem sul-africana Musk
lembra que ele próprio chegou aos EUA graças a programas como o H-1B.
"A razão pela
qual estou nos EUA, assim como tantas pessoas importantes que construíram a
SpaceX, a Tesla e centenas de outras empresas que tornaram os EUA fortes, é por
causa do H-1B", postou Musk.
No entanto, a
opinião de Musk não é majoritária dentre a "ala ideológica" dos
apoiadores de Trump,
que querem banir essa categoria de vistos. Após a forte reação contra o
programa por parte de apoiadores do MAGA, Musk teve que ceder, afirmando que o
programa precisa ser reformado.
Em resposta, Bannon
declarou vitória durante entrevista ao portal Politico, mas reconheceu que
Musk "merece um lugar na mesa" de Trump, como recompensa pelo
investimento de milhões de dólares em sua campanha.
"Estamos
ganhando esse round. E ganhando com folga", disse Bannon sobre o debate em
torno do visto H-1B. "Acho que vamos pegar Elon nessa. Assim que eu puder
converter Musk de um tecno-feudalista à um populista nacionalista, aí sim vamos
começar a progredir."
As palavras de
Bannon sugerem que o embate entre os apoiadores de Trump está só começando.
Mas, afinal, quais são os temas que dividem a direita trumpista
norte-americana? O presidente terá o condão de manter seus aliados
unificados durante o seu mandato? A Sputnik Brasil conversou com especialistas
para entender os motivos e consequências dessas disputas.
"Acho que
estamos começando a ver qual será o impacto dos grandes doadores na coalizão de
Trump", disse o jornalista e apresentador do Break Through News, Eugene
Puryear, à Sputnik Brasil.
Ideólogos como
Bannon, que levantam
a bandeira da deportação em massa de imigrantes, pressionarão para
que grandes corporações não possam continuar contratando através do programa
H-B1, considerado um esquema privilegiado para bilionários importarem mão de
obra barata.
"Bannon está
falando para a sua base. Esse grupo vai se perguntar, por que não podemos
contratar, por exemplo, um pedreiro da Guatemala, se os empresários do Vale do
Silício podem importar quantos trabalhadores quiserem através do H-B1?",
explicou Puryear.
A disputa também
deve se repetir em assuntos como redução de impostos, que historicamente
tenderam a beneficiar as classes mais ricas dos EUA. Segundo Puryear, Bannon
teme que a redução drástica das receitas do Estado leve a cortes em programas
sociais.
"Se eles
querem realmente manter a classe trabalhadora norte-americana no seu guarda-chuva,
terão que encontrar maneiras de aumentar as receitas e evitar cortes dolorosos
nos programas sociais", disse Puryear. "Hoje, a classe trabalhadora
dos EUA é majoritariamente a favor de pautas que exigem participação do
governo, como crédito tributário para [famílias com] crianças, redução do
custo de vida e taxação de grandes fortunas, independente de filiação
partidária."
A eleição de Trump
foi creditada a um discurso
mais afinado com os trabalhadores norte-americanos, capitaneados não só por
Bannon, mas também pelo vice-presidente J. D. Vance. Apesar de não
terem políticas abertamente favoráveis a organizações sindicais, políticos
trumpistas marcaram presença em greves e manifestações operárias durante o
processo eleitoral.
"Eles sabem
que para se manter no poder, precisam do apoio dos trabalhadores. Mas, por
outro lado, temos a influência de bilionários como Musk, que de fato
financiaram a campanha. E, no fim do dia, esses bilionários apresentam as suas
contrapartidas e o governo precisa acatá-las", disse Puryear.
"Qualquer pessoa que conhece a política norte-americana sabe que, ao fim e
ao cabo, quem leva a melhor são os bilionários como Musk."
Ainda
que agenda de Bannon e J.D Vance também seja abertamente pró-mercado, o
grupo "ideológico" tem maior preocupação com a recepção dessas
agendas pelas classes trabalhadoras.
"A ideologia
trumpista se apresenta como favorável à classe trabalhadora no discurso, mas,
na prática, segue com uma agenda majoritariamente alinhada com os
interesses corporativos", disse Puryear. "Bannon acena para os
trabalhadores não só de manter o seu apoio, mas também para evitar
manifestações populares que possam desestabilizar o governo Trump."
Os debates
acalorados entre figuras como Bannon e Musk, portanto, geram uma névoa
retórica que camufla uma agenda bastante unificada entre os apoiadores de Trump,
sugeriu Puryear.
"A
direita norte-americana está mais unificada hoje do que durante o primeiro mandato
de Trump.
Como colocou o próprio Bannon, hoje eles estão com um time mais coeso e
experiente", disse Puryear. "A própria figura do presidente Trump
hoje serve como um efeito unificador, uma força centrífuga que une seus
apoiadores, tanto os bilionários quanto os chamados
'nacional-populistas'."
Unidade em política
externa
Apesar das
diferenças, Bannon afirmou apoiar declarações de Musk em apoio de movimentos de
partidos de direita na Europa, em detrimento de governos de centro, dizendo que
"o inimigo do meu inimigo é meu amigo".
"Bannon e Musk
podem ter diferenças na política doméstica, mas não na política
internacional", disse o professor titular de Relações Internacionais da
UERJ, Williams Gonçalves, à Sputnik Brasil. "Quando se trata de
fortalecer a perspectiva da direita mundo a fora, inclusive no Brasil, [Bannon
e Musk] estão no mesmo barco."
De fato, Steve
Bannon tem histórico de ligação com a família Bolsonaro, pelo menos desde as
eleições presidenciais de 2018. Na ocasião, o filho do então candidato, Eduardo
Bolsonaro, declarou que Bannon auxiliava a campanha do pai "com nada
financeiro [...], mas com dica de Internet, de repente uma análise, interpretar
dados, essas coisas", reportou a revista
Época.
"A
contenção da China é outra unanimidade nos EUA", lembrou o
professor Gonçalves. "A promessa dele é intensificar o protecionismo e ser
mais agressivo em relação às empresas chinesas que atuam nos EUA."
Segundo o
professor, nem os interesses comerciais e empresariais de Trump na China
poderão frear a política agressiva da Casa Branca. Cientes do "consenso
norte-americano de que a guerra com a China é inevitável",
as autoridades chinesas buscam reforçar suas alianças no Sul Global por meio
do BRICS.
A votação
expressiva que a população norte-americana conferiu a Trump, que terá controle
de ambas as casas do Congresso, sugerem que suas promessas de campanha na arena
doméstica e internacional serão implementadas, acredita Gonçalves.
"Ele está
legitimado para levar adiante o seu programa e agirá de maneira mais
enérgica contra os imigrantes e contra a China. Conhecendo o seu jeito
extravagante, acho que ele realmente pode ir muito longe nessas pautas",
concluiu o professor.
Fonte: Sputnik
Brasil
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