Incêndios
florestais vão ficar cada vez mais intensos e prolongados, alerta cientista da
ONU
A cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, é assolada pelos
maiores incêndios florestais já registrados na região.
Até a publicação
desta reportagem, o Departamento de
Silvicultura e Proteção ao Fogo da Califórnia registrava 135 focos de
emergência, 12,3 mil estruturas destruídas e 24 mortes.
Mas este episódio
está longe de ser inédito.
Ano passado, as chamas se
alastraram por vastas áreas do Pantanal e do Cerrado brasileiros.
Anteriormente,
grandes incidentes do tipo acometeram lugares como Grécia, Canadá, Austrália e Argélia.
A cientista Amy
Duchelle, líder do time de florestas e clima da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), avalia que incêndios florestais ficarão
cada vez mais comuns e intensos, graças a um círculo vicioso gerado a partir
das mudanças climáticas.
Em entrevista à BBC
News Brasil, a especialista pede que países e autoridades foquem os
investimentos nas políticas de prevenção desses eventos extremos.
Ela também aponta
que os esforços para apagar o fogo apresentam cada vez mais limitações
relacionadas à intensidade do calor e às próprias condições climáticas.
"Los Angeles
vive uma situação devastadora. E vemos que a ameaça de outros incêndios
florestais aumenta rapidamente numa escala global, tanto do ponto de vista da
frequência quanto da duração", alerta ela.
"Esse fenômeno
está relacionado às mudanças climáticas e às modificações no uso da
terra."
·
O
que explica os incêndios em Los Angeles?
Duchelle aponta que
as cenas registradas na cidade americana durante os últimos dias decorrem de
uma conjunção de fatores.
"Os incêndios
florestais dependem de três ingredientes: material de combustão, tempo seco e
uma fonte de ignição", lista a especialista.
E esse é justamente
o trio que engatilhou a emergência em Los Angeles.
"Essa região
passa por uma temporada extremamente seca, depois de alguns anos seguidos de
alta umidade. Ou seja, houve o crescimento de uma vegetação, que secou e ficou
suscetível a queimar", contextualiza ela.
No caso recente,
houve também o auxílio crucial
dos ventos de Santa Ana, um fenômeno típico local, que alastrou as chamas e
dificultou ainda mais o trabalho das equipes de resgate.
"Há também o
componente urbano aqui, já que as cidades estão em expansão e as pessoas vivem
em áreas com alto risco de incêndios florestais", acrescenta Duchelle.
A representante da
FAO-ONU lembra que as chamas sempre foram tradicionalmente usadas para o manejo
da terra, especialmente por indígenas e comunidades tradicionais.
"O fogo ocorre
basicamente em todo território e bioma do planeta, com exceção da
Antártida", destaca ela.
"Não podemos
encará-lo necessariamente como uma coisa ruim, já que ele sempre foi uma
ferramenta sustentável para lidar com diferentes ecossistemas, desde que bem
usado", pondera ela.
O problema é que a
escala e a frequência de grandes incêndios florestais vêm aumentando nos
últimos anos.
"Testemunhamos
o que acontece em Los Angeles, mas vimos eventos parecidos em anos anteriores
no Brasil, no Canadá, na Grécia, na Argélia, no Havaí…", lista ela.
As próprias
projeções das Nações Unidas revelam que incêndios florestais vão crescer 14%
até 2030, 30% até 2050 e 50% até o final do século 21.
Duchelle explica
que esse cenário é catapultado pelas mudanças climáticas — e, no caminho
reverso, contribui também para o aquecimento da temperatura do planeta.
Ou seja, as
alterações no padrão climático global propiciam eventos extremos, como ondas de
calor, inundações e secas prolongadas.
Alguns desses
fenômenos — como as estiagens — geram uma enorme quantidade de material
propício para a combustão, caso de galhos, folhas e troncos secos.
Daí basta uma
fagulha para o início do fogo, que se alastra com facilidade e rapidez.
"Na contramão,
os incêndios florestais também aceleram as mudanças climáticas ao liberar
enormes quantidades de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera", observa
Duchelle.
O CO2 é um dos
gases que, por causa da ação humana, se acumulam na atmosfera e geram o
aquecimento do planeta.
Um estudo da
Universidade East Anglia, no Reino Unido, calcula que os incêndios florestais
liberaram meio bilhão de toneladas adicionais de CO2 por ano desde o início do
século 21 — e essa taxa vem aumentando a cada nova temporada.
"Estamos num
círculo vicioso, que tende a se intensificar ainda mais no futuro", alerta
a especialista.
·
Uma
mudança nos cuidados
Para lidar com esse
cenário, a representante da FAO vê a necessidade de alterar o foco — e adotar
uma abordagem mais "holística" no combate aos incêndios florestais.
"Há muito a
ser feito para lidar com esse cenário", acredita Duchelle.
"Nossa atenção
atual está na supressão dos focos de incêndio. Mas episódios como esse de Los
Angeles revelam os limites dessa abordagem. Muitas aeronaves não conseguiram
voar, por causa dos ventos intensos. Além disso, há uma falta de água, em razão
da estiagem", exemplifica ela.
A cientista lembra
que os custos para combater o fogo são enormes — e seria muito mais
custo-efetivo apostar em medidas para prevenir os incêndios.
Segundo ela, a
estratégia mais moderna para lidar com esses eventos extremos pode ser resumida
em cinco "erres": revisão, redução de risco, rapidez, resposta e
recuperação.
"O primeiro
passo é justamente revisar e analisar a situação de cada local, de cada
contexto, para entender quais são os riscos de o fogo se alastrar ali",
começa Duchelle.
Feita essa
avaliação inicial, vem a etapa dois, de redução dos riscos: tomar as ações
necessárias para justamente impedir o aparecimento das chamas.
Pode ser
necessário, por exemplo, remover parte do material combustível ou jogar água
para umidificar certos lugares que apresentam maior risco.
Aqui também há uma
necessidade de criar programas educativos e campanhas de conscientização, para
evitar que as pessoas façam fogueiras ou criem, mesmo sem querer, fontes de
ignição que ganham proporções monumentais.
"O terceiro
'erre' envolve a prontidão [readiness, em inglês] para responder. Mesmo com um
plano de prevenção bem estruturado, incêndios inevitavelmente vão
ocorrer", pontua Duchelle.
Portanto, é
necessário ter um sistema preparado para identificar os focos das chamas
rapidamente e mobilizar equipes que vão lidar com o problema antes que ele se
alastre.
"O quarto
ponto, que está em andamento agora em Los Angeles, é onde costuma se concentrar
a maior parte da atenção: a resposta aos incêndios", diz a especialista.
"Por fim, o
quinto está justamente em recuperar a terra e promover a restauração dos
ecossistemas e das áreas urbanas. Esse é um ponto extremamente crítico e que
gera grandes custos", complementa ela.
Duchelle entende
que há um grande esforço de órgãos internacionais, como a própria FAO, em
promover uma mudança de foco e investir cada vez mais nos três primeiros
"erres" dessa história.
"O combate aos
incêndios é algo que deve acontecer durante o ano inteiro, não apenas nas
temporadas de seca, e todo mundo precisa contribuir", acredita ela.
·
Brasil
como referência
Questionada sobre
as grandes queimadas registradas no Brasil nos últimos anos, Duchelle entende
que o país tem se organizado para lidar melhor com essa questão.
"O Brasil fez
grandes esforços para diminuir o desmatamento na Amazônia recentemente, e
provavelmente os incêndios poderiam ter sido ainda piores caso a floresta
continuasse no mesmo ritmo de destruição registrado anteriormente", avalia
a especialista, que morou no Acre e no Rio de Janeiro durante dez anos.
A representante da
FAO também destaca a criação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo,
lançada em 2024 pelo Governo Federal.
"Isso
representa exatamente o que defendemos como uma maneira holística de lidar com
as queimadas, com um foco importante nas medidas preventivas", elogia ela.
"A política
brasileira também se destaca por acolher diferentes setores da sociedade, como
indígenas e comunidades tradicionais."
"Há muito o
que aprender sobre o manejo da terra com esses indivíduos, e o Brasil se
apresenta como uma liderança nesse aspecto", complementa ela.
A especialista
também chama a atenção para as políticas de Portugal.
"Em 2017, esse
país sofreu incêndios florestais devastadores e, desde então, desenvolveu um
plano de dez anos para lidar com o problema", exemplifica ela.
"Nesse
meio-tempo, Portugal criou um programa de manejo do fogo bem integrado e virou
um grande parceiro em escala global."
Por fim, Duchelle
destaca a "absoluta necessidade" de pensar em novas maneiras para
lidar com o cenário das queimadas em escala global.
"Falamos de
enormes tragédias, que têm um custo para a economia, para a infraestrutura,
para a biodiversidade e para a saúde humana", conclui ela.
Fonte: BBC News
Brasil
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