A guinada conservadora das centrais
sindicais
A precarização do trabalho e as mudanças nos contextos
político e econômico ocorridas desde a redemocratização do Brasil, com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, alteraram a dinâmica do
sindicalismo brasileiro e a sua capacidade de representar os interesses dos
trabalhadores. Uma dissertação defendida no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH) da Unicamp investiga esse cenário para entender o crescimento
das centrais caracterizadas como conservadoras durante os anos de 2003 a 2016 –
período marcado por governos do Partido dos Trabalhadores (PT) –, apontando as
causas e os potenciais impactos desse processo.
As centrais sindicais, organizações horizontais que
reúnem sindicatos de diversas categorias, articulam projetos políticos e de
sociedade amplos e atuam na defesa dos direitos dos trabalhadores. Por meio de
uma abordagem qualitativa e quantitativa, a pesquisa lançou mão de diferentes
fontes de informação, entre elas o índice de representatividade sindical de
2008 a 2016, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para
avaliar a representatividade dessas organizações. E identificou que a Central
Única dos Trabalhadores (CUT), uma entidade considerada progressista pela
literatura, se manteve na primeira posição do ranking até 2015, acompanhada da
Força Sindical, uma central conservadora, em segundo.
Em 2016, pela primeira vez a Força Sindical caiu para o
quarto lugar, cedendo espaço para a União Geral dos Trabalhadores (UGT), em
segundo, e para a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), em
terceiro. Na quinta e na sexta posição, apareceram a Central dos Sindicatos Brasileiros
(CSB) e a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST).
A que se deve esse reposicionamento e o crescimento da
ala conservadora, cujo índice de representatividade passou de 29,91% no ano de
2008 para 36,97% em 2016, enquanto a ala progressista se manteve relativamente
estável, oscilando de 40,93% para 40,48%? Essa é a pergunta que a dissertação
buscou responder.
O autor do trabalho, Marcos Aurélio Minari, explica que
as centrais conservadoras (Força Sindical, UGT, NCST, CSB e Central Geral dos Trabalhadores
do Brasil) “têm uma menor disposição para promover mobilizações e ação
grevista, para fazer trabalhos políticos de base. Ao mesmo tempo, têm uma maior
disposição para fazer acordos com os sindicatos patronais e com as empresas”.
Assim, apresentam um perfil mais pragmático, voltado à obtenção de ganhos
isolados e pontuais para sua base em detrimento da politização e da obtenção de
benefícios para os trabalhadores em geral.
Esse modelo se contrapõe às estratégias adotadas pelas
centrais consideradas progressistas (CUT e CTB), de perfil mais combativo e
reivindicativo, e pelas entidades consideradas radicais (Conlutas e
Intersindical – uma organização da classe trabalhadora e intersindical
central), que se situam mais à esquerda e que não apoiaram os governos do PT no
período analisado. A orientadora do estudo e professora do IFCH, Andréia
Galvão, destaca o fato de a pesquisa olhar justamente para as organizações
conservadoras, comumente preteridas em estudos acadêmicos.
·
Respaldo jurídico
Minari identifica que esse processo teve início com a
ou foi potencializado pela ascensão do PT à Presidência da República, em 2003,
provocando mudanças na relação do poder público com as entidades sindicais. A
aprovação, em 2008, da Lei de Reconhecimento das Centrais Sindicais (Lei n.
11.548/2008) estabeleceu um marco legislativo de grande impacto, pois deu
respaldo jurídico para essas entidades e fixou critérios capazes de determinar
quais centrais sindicais são representativas, considerando a quantidade de
trabalhadores filiados aos sindicatos que compõem cada uma.
A institucionalização da representatividade acirrou a
disputa entre as centrais sindicais em busca da filiação de sindicatos de base
e motivou o surgimento de novas entidades, uma vez que somente as capazes de
cumprir os requisitos do MTE teriam direito a recursos do imposto sindical
(facultativo a partir de 2017) e acesso a espaços de interlocução com o governo
nos conselhos de políticas públicas, anteriormente ocupados pelas centrais de
maior projeção nacional. “Antes disso, não havia nenhum procedimento
administrativo para calcular essa representatividade. Sabíamos quais eram as
mais representativas porque elas se projetavam no debate público”, ressalta o
pesquisador.
No âmbito econômico, a precarização do trabalho,
fenômeno que se intensifica na década de 1990, também desempenhou um papel
importante, levando a uma maior criação de vagas de trabalho em setores com
vínculos empregatícios mais frágeis, tais como os de serviço, comércio e
construção civil – cujos integrantes vêm sendo contratados, cada vez mais, como
autônomos, como pessoas jurídicas (em um processo chamado de “pejotização”) ou
ainda de forma terceirizada. As centrais conservadoras conseguiram se
posicionar como representantes desses segmentos, agregando mais sindicatos
entre essas categorias – a exemplo da UGT, que focou os comerciários, e da CSB,
com foco nas áreas de transporte, armazenagem e comunicação.
Para alcançar os requisitos de representatividade, as
centrais, sobretudo as conservadoras, lançaram mão de diferentes estratégias,
tais quais o desmembramento territorial de sindicatos que representavam mais de
um município ou o fracionamento de categorias em subgrupos mais restritos. Além
da busca por sindicatos anteriormente não filiados a nenhuma central ou da
disputa direta por sindicatos já filiados, por meio de eleições.
·
Representatividade ameaçada
Para os pesquisadores, a crescente relevância das
centrais sindicais conservadoras no país não se traduz necessariamente em uma
maior capacidade de representar os interesses dos trabalhadores, e isso devido
ao perfil moderado e conciliador que prevalece em sua forma de atuar. Deu-se
algo do tipo quando do posicionamento a respeito da terceirização: enquanto as
centrais progressistas e radicais se opuseram a esse processo ou defenderam uma
regulamentação mais restritiva, as centrais conservadoras se dispuseram a
negociar a possibilidade de estender a terceirização a todos os tipos de
atividade sob o pretexto de garantir alguns direitos.
Conforme Galvão, isso abre brechas para aprofundar a
deterioração do trabalho: “Se a gente pensa em um modelo de sindicalismo que
admite cada vez mais o rebaixamento de direitos, qual é o limite? A quem cabe
pensar alternativas senão aos sindicatos que representam os trabalhadores?”.
Além disso, o aumento da precarização do trabalho afeta a base de representação
sindical, pois os funcionários de uma mesma empresa passam a pertencer a
diferentes categorias profissionais, fragmentando-se em diferentes sindicatos. Por
fim, a rejeição aos sindicatos por parte de alguns segmentos como motoristas de
aplicativos e a alta taxa de informalidade do mercado de trabalho brasileiro
compõem fatores que contribuem para enfraquecer a capacidade representativa da
estrutura sindical.
¨ O que esperar do mercado de trabalho
em 2025. Por Eric Chiconelli Gomas
A análise do mercado de trabalho brasileiro para 2025 demanda uma
compreensão profunda das transformações estruturais que moldaram as relações
laborais no país. O cenário atual apresenta uma complexidade particular,
evidenciada pelos dados da PNAD Contínua do IBGE, que registrou uma taxa de
desemprego de 6,2% no último trimestre de 2024, a menor marca desde o início da
série histórica em 2012. Entretanto, este indicador aparentemente positivo
mascara contradições importantes que precisam ser criteriosamente examinadas no
contexto das transformações sociais e econômicas em curso.
A composição atual do mercado de trabalho revela aspectos preocupantes
quanto à qualidade do emprego gerado. Com 40,3 milhões de trabalhadores
informais e uma taxa de informalidade de 38,9%, observa-se a continuidade de um
processo histórico de precarização das relações trabalhistas. Este fenômeno se
manifesta principalmente nas regiões metropolitanas, onde o trabalho por
aplicativo e outras formas de ocupação sem proteção social têm se multiplicado,
criando uma nova categoria de trabalhadores desprovidos de direitos básicos.
O aspecto regional do desemprego evidencia as disparidades estruturais
do desenvolvimento brasileiro. Estados como Pernambuco, com taxa de desemprego
de 10,5%, contrastam dramaticamente com Rondônia, que registra 2,1%. Esta
disparidade não é meramente estatística, mas reflete processos históricos de
concentração industrial e desenvolvimento desigual que persistem apesar das
políticas de descentralização produtiva implementadas nas últimas décadas.
A questão da discriminação de gênero no mercado de trabalho permanece
como um elemento estrutural que demanda atenção urgente. Os dados do IBGE são
contundentes: a taxa de desemprego entre mulheres (7,7%) supera
significativamente a dos homens (5,3%), representando uma diferença de 45,3%.
Esta disparidade se torna ainda mais grave quando analisamos os rendimentos –
homens recebem em média R$ 3.459, enquanto mulheres recebem R$ 2.697, uma
diferença de 28,3%. Tais números revelam que, apesar dos avanços nas políticas
de igualdade de gênero, persistem mecanismos discriminatórios profundamente
enraizados nas práticas do mercado de trabalho.
A precarização do trabalho, especialmente entre os jovens, assume
contornos ainda mais dramáticos. Helena Hirata (Hirata 2021, 156) destaca que
“a interseccionalidade entre idade, gênero e raça produz uma tripla
vulnerabilidade no mercado de trabalho contemporâneo”. Os dados do IBGE
corroboram esta análise, mostrando que o desemprego entre jovens negros de 18 a
24 anos é 45% superior à média nacional.
A intersecção entre raça e mercado de trabalho expõe outra dimensão
crítica da desigualdade brasileira. Com taxas de desemprego de 7,6% entre
pessoas pretas e 7,3% entre pardas, contra 5% entre pessoas brancas, os dados
evidenciam a persistência de barreiras estruturais que limitam o acesso a
oportunidades de trabalho formal e qualificado para a população negra. Esta realidade
se reflete também nos tipos de ocupação e níveis salariais, perpetuando um
ciclo de desigualdade social que tem raízes históricas profundas.
A transformação das relações de trabalho no contexto da economia digital
representa um campo de tensões e contradições. Como observa Ricardo Antunes
(Antunes 2020, 45), “a uberização do trabalho constitui uma nova forma de
servidão digital, onde a aparente autonomia mascara uma intensificação da
exploração laboral”. Este processo tem se intensificado particularmente nos
grandes centros urbanos, onde a economia de plataforma se estabelece como uma
alternativa ao desemprego estrutural.
O setor industrial, tradicionalmente responsável pela geração de
empregos de maior qualidade e estabilidade, apresenta sinais contraditórios. O
crescimento de 2,9% registrado no último trimestre de 2024 precisa ser
analisado em conjunto com o processo de desindustrialização em curso no país. A
participação da indústria no PIB continua em declínio, enquanto aumenta a
dependência do setor de serviços, geralmente associado a empregos de menor
qualificação e remuneração.
A questão da qualificação profissional emerge como um elemento central
na reprodução das desigualdades. A taxa de desocupação para pessoas com ensino
médio incompleto (10,8%) contrasta drasticamente com a observada entre aqueles
com nível superior completo (3,2%). Este dado revela não apenas a importância
da educação formal para a inserção no mercado de trabalho, mas também a
necessidade de políticas públicas que democratizem o acesso ao ensino superior
e à qualificação profissional.
O papel dos sindicatos e das organizações coletivas de trabalhadores
também passa por transformações significativas. Ruy Braga (Braga 2022, 167)
argumenta que “a fragmentação da classe trabalhadora e a individualização das
relações de trabalho representam desafios cruciais para a ação sindical
contemporânea”. Esta análise é particularmente relevante quando observamos a
queda na taxa de sindicalização, que atingiu seu menor patamar histórico em 2024.
O avanço tecnológico e a automação representam uma nova fronteira de
transformação do trabalho que precisa ser cuidadosamente analisada. A
digitalização acelerada dos processos produtivos, intensificada após a
pandemia, tem criado novas exigências de qualificação e adaptabilidade dos
trabalhadores. Simultaneamente, observa-se o surgimento de novas formas de
precarização do trabalho, agora mediadas por plataformas digitais e algoritmos
que intensificam o controle sobre o processo de trabalho.
David Harvey (Harvey 2018, 89) argumenta que “a flexibilização das
relações de trabalho representa não apenas uma mudança nas formas de
contratação, mas uma profunda reestruturação do próprio modo de acumulação
capitalista”. Esta análise se confirma quando observamos o crescimento do
trabalho intermitente no Brasil, que passou de 85 mil contratos em 2019 para
mais de 350 mil em 2024, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED).
O cenário do mercado de trabalho brasileiro para 2025 apresenta desafios
complexos e multifacetados. A combinação entre altas taxas de informalidade,
desigualdades estruturais e transformações tecnológicas configura um quadro que
demanda respostas articuladas tanto do poder público quanto das organizações da
sociedade civil.
A superação das disparidades de gênero, raça e região no mercado de
trabalho não pode ser vista como um processo natural ou automático. Requer, ao
contrário, a implementação de políticas públicas consistentes e duradouras,
capazes de enfrentar as raízes históricas das desigualdades brasileiras e
promover um desenvolvimento mais equilibrado e inclusivo.
O futuro do trabalho no Brasil dependerá, em grande medida, da
capacidade da sociedade em construir respostas coletivas aos desafios
apresentados. A qualidade do emprego, a proteção social e a dignidade do
trabalhador precisam ser colocadas no centro do debate sobre desenvolvimento
econômico e social, superando a falsa dicotomia entre crescimento econômico e
direitos trabalhistas.
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