sábado, 18 de janeiro de 2025

A guinada conservadora das centrais sindicais

A precarização do trabalho e as mudanças nos contextos político e econômico ocorridas desde a redemocratização do Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, alteraram a dinâmica do sindicalismo brasileiro e a sua capacidade de representar os interesses dos trabalhadores. Uma dissertação defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp investiga esse cenário para entender o crescimento das centrais caracterizadas como conservadoras durante os anos de 2003 a 2016 – período marcado por governos do Partido dos Trabalhadores (PT) –, apontando as causas e os potenciais impactos desse processo.

As centrais sindicais, organizações horizontais que reúnem sindicatos de diversas categorias, articulam projetos políticos e de sociedade amplos e atuam na defesa dos direitos dos trabalhadores. Por meio de uma abordagem qualitativa e quantitativa, a pesquisa lançou mão de diferentes fontes de informação, entre elas o índice de representatividade sindical de 2008 a 2016, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para avaliar a representatividade dessas organizações. E identificou que a Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma entidade considerada progressista pela literatura, se manteve na primeira posição do ranking até 2015, acompanhada da Força Sindical, uma central conservadora, em segundo.

Em 2016, pela primeira vez a Força Sindical caiu para o quarto lugar, cedendo espaço para a União Geral dos Trabalhadores (UGT), em segundo, e para a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), em terceiro. Na quinta e na sexta posição, apareceram a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST).

A que se deve esse reposicionamento e o crescimento da ala conservadora, cujo índice de representatividade passou de 29,91% no ano de 2008 para 36,97% em 2016, enquanto a ala progressista se manteve relativamente estável, oscilando de 40,93% para 40,48%? Essa é a pergunta que a dissertação buscou responder.

O autor do trabalho, Marcos Aurélio Minari, explica que as centrais conservadoras (Força Sindical, UGT, NCST, CSB e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil) “têm uma menor disposição para promover mobilizações e ação grevista, para fazer trabalhos políticos de base. Ao mesmo tempo, têm uma maior disposição para fazer acordos com os sindicatos patronais e com as empresas”. Assim, apresentam um perfil mais pragmático, voltado à obtenção de ganhos isolados e pontuais para sua base em detrimento da politização e da obtenção de benefícios para os trabalhadores em geral.

Esse modelo se contrapõe às estratégias adotadas pelas centrais consideradas progressistas (CUT e CTB), de perfil mais combativo e reivindicativo, e pelas entidades consideradas radicais (Conlutas e Intersindical – uma organização da classe trabalhadora e intersindical central), que se situam mais à esquerda e que não apoiaram os governos do PT no período analisado. A orientadora do estudo e professora do IFCH, Andréia Galvão, destaca o fato de a pesquisa olhar justamente para as organizações conservadoras, comumente preteridas em estudos acadêmicos.

·        Respaldo jurídico

Minari identifica que esse processo teve início com a ou foi potencializado pela ascensão do PT à Presidência da República, em 2003, provocando mudanças na relação do poder público com as entidades sindicais. A aprovação, em 2008, da Lei de Reconhecimento das Centrais Sindicais (Lei n. 11.548/2008) estabeleceu um marco legislativo de grande impacto, pois deu respaldo jurídico para essas entidades e fixou critérios capazes de determinar quais centrais sindicais são representativas, considerando a quantidade de trabalhadores filiados aos sindicatos que compõem cada uma.

A institucionalização da representatividade acirrou a disputa entre as centrais sindicais em busca da filiação de sindicatos de base e motivou o surgimento de novas entidades, uma vez que somente as capazes de cumprir os requisitos do MTE teriam direito a recursos do imposto sindical (facultativo a partir de 2017) e acesso a espaços de interlocução com o governo nos conselhos de políticas públicas, anteriormente ocupados pelas centrais de maior projeção nacional. “Antes disso, não havia nenhum procedimento administrativo para calcular essa representatividade. Sabíamos quais eram as mais representativas porque elas se projetavam no debate público”, ressalta o pesquisador.

No âmbito econômico, a precarização do trabalho, fenômeno que se intensifica na década de 1990, também desempenhou um papel importante, levando a uma maior criação de vagas de trabalho em setores com vínculos empregatícios mais frágeis, tais como os de serviço, comércio e construção civil – cujos integrantes vêm sendo contratados, cada vez mais, como autônomos, como pessoas jurídicas (em um processo chamado de “pejotização”) ou ainda de forma terceirizada. As centrais conservadoras conseguiram se posicionar como representantes desses segmentos, agregando mais sindicatos entre essas categorias – a exemplo da UGT, que focou os comerciários, e da CSB, com foco nas áreas de transporte, armazenagem e comunicação.

Para alcançar os requisitos de representatividade, as centrais, sobretudo as conservadoras, lançaram mão de diferentes estratégias, tais quais o desmembramento territorial de sindicatos que representavam mais de um município ou o fracionamento de categorias em subgrupos mais restritos. Além da busca por sindicatos anteriormente não filiados a nenhuma central ou da disputa direta por sindicatos já filiados, por meio de eleições.

·        Representatividade ameaçada

Para os pesquisadores, a crescente relevância das centrais sindicais conservadoras no país não se traduz necessariamente em uma maior capacidade de representar os interesses dos trabalhadores, e isso devido ao perfil moderado e conciliador que prevalece em sua forma de atuar. Deu-se algo do tipo quando do posicionamento a respeito da terceirização: enquanto as centrais progressistas e radicais se opuseram a esse processo ou defenderam uma regulamentação mais restritiva, as centrais conservadoras se dispuseram a negociar a possibilidade de estender a terceirização a todos os tipos de atividade sob o pretexto de garantir alguns direitos.

Conforme Galvão, isso abre brechas para aprofundar a deterioração do trabalho: “Se a gente pensa em um modelo de sindicalismo que admite cada vez mais o rebaixamento de direitos, qual é o limite? A quem cabe pensar alternativas senão aos sindicatos que representam os trabalhadores?”. Além disso, o aumento da precarização do trabalho afeta a base de representação sindical, pois os funcionários de uma mesma empresa passam a pertencer a diferentes categorias profissionais, fragmentando-se em diferentes sindicatos. Por fim, a rejeição aos sindicatos por parte de alguns segmentos como motoristas de aplicativos e a alta taxa de informalidade do mercado de trabalho brasileiro compõem fatores que contribuem para enfraquecer a capacidade representativa da estrutura sindical.

 

¨      O que esperar do mercado de trabalho em 2025. Por Eric Chiconelli Gomas

A análise do mercado de trabalho brasileiro para 2025 demanda uma compreensão profunda das transformações estruturais que moldaram as relações laborais no país. O cenário atual apresenta uma complexidade particular, evidenciada pelos dados da PNAD Contínua do IBGE, que registrou uma taxa de desemprego de 6,2% no último trimestre de 2024, a menor marca desde o início da série histórica em 2012. Entretanto, este indicador aparentemente positivo mascara contradições importantes que precisam ser criteriosamente examinadas no contexto das transformações sociais e econômicas em curso.

A composição atual do mercado de trabalho revela aspectos preocupantes quanto à qualidade do emprego gerado. Com 40,3 milhões de trabalhadores informais e uma taxa de informalidade de 38,9%, observa-se a continuidade de um processo histórico de precarização das relações trabalhistas. Este fenômeno se manifesta principalmente nas regiões metropolitanas, onde o trabalho por aplicativo e outras formas de ocupação sem proteção social têm se multiplicado, criando uma nova categoria de trabalhadores desprovidos de direitos básicos.

O aspecto regional do desemprego evidencia as disparidades estruturais do desenvolvimento brasileiro. Estados como Pernambuco, com taxa de desemprego de 10,5%, contrastam dramaticamente com Rondônia, que registra 2,1%. Esta disparidade não é meramente estatística, mas reflete processos históricos de concentração industrial e desenvolvimento desigual que persistem apesar das políticas de descentralização produtiva implementadas nas últimas décadas.

A questão da discriminação de gênero no mercado de trabalho permanece como um elemento estrutural que demanda atenção urgente. Os dados do IBGE são contundentes: a taxa de desemprego entre mulheres (7,7%) supera significativamente a dos homens (5,3%), representando uma diferença de 45,3%. Esta disparidade se torna ainda mais grave quando analisamos os rendimentos – homens recebem em média R$ 3.459, enquanto mulheres recebem R$ 2.697, uma diferença de 28,3%. Tais números revelam que, apesar dos avanços nas políticas de igualdade de gênero, persistem mecanismos discriminatórios profundamente enraizados nas práticas do mercado de trabalho.

A precarização do trabalho, especialmente entre os jovens, assume contornos ainda mais dramáticos. Helena Hirata (Hirata 2021, 156) destaca que “a interseccionalidade entre idade, gênero e raça produz uma tripla vulnerabilidade no mercado de trabalho contemporâneo”. Os dados do IBGE corroboram esta análise, mostrando que o desemprego entre jovens negros de 18 a 24 anos é 45% superior à média nacional.

A intersecção entre raça e mercado de trabalho expõe outra dimensão crítica da desigualdade brasileira. Com taxas de desemprego de 7,6% entre pessoas pretas e 7,3% entre pardas, contra 5% entre pessoas brancas, os dados evidenciam a persistência de barreiras estruturais que limitam o acesso a oportunidades de trabalho formal e qualificado para a população negra. Esta realidade se reflete também nos tipos de ocupação e níveis salariais, perpetuando um ciclo de desigualdade social que tem raízes históricas profundas.

A transformação das relações de trabalho no contexto da economia digital representa um campo de tensões e contradições. Como observa Ricardo Antunes (Antunes 2020, 45), “a uberização do trabalho constitui uma nova forma de servidão digital, onde a aparente autonomia mascara uma intensificação da exploração laboral”. Este processo tem se intensificado particularmente nos grandes centros urbanos, onde a economia de plataforma se estabelece como uma alternativa ao desemprego estrutural.

O setor industrial, tradicionalmente responsável pela geração de empregos de maior qualidade e estabilidade, apresenta sinais contraditórios. O crescimento de 2,9% registrado no último trimestre de 2024 precisa ser analisado em conjunto com o processo de desindustrialização em curso no país. A participação da indústria no PIB continua em declínio, enquanto aumenta a dependência do setor de serviços, geralmente associado a empregos de menor qualificação e remuneração.

A questão da qualificação profissional emerge como um elemento central na reprodução das desigualdades. A taxa de desocupação para pessoas com ensino médio incompleto (10,8%) contrasta drasticamente com a observada entre aqueles com nível superior completo (3,2%). Este dado revela não apenas a importância da educação formal para a inserção no mercado de trabalho, mas também a necessidade de políticas públicas que democratizem o acesso ao ensino superior e à qualificação profissional.

O papel dos sindicatos e das organizações coletivas de trabalhadores também passa por transformações significativas. Ruy Braga (Braga 2022, 167) argumenta que “a fragmentação da classe trabalhadora e a individualização das relações de trabalho representam desafios cruciais para a ação sindical contemporânea”. Esta análise é particularmente relevante quando observamos a queda na taxa de sindicalização, que atingiu seu menor patamar histórico em 2024.

O avanço tecnológico e a automação representam uma nova fronteira de transformação do trabalho que precisa ser cuidadosamente analisada. A digitalização acelerada dos processos produtivos, intensificada após a pandemia, tem criado novas exigências de qualificação e adaptabilidade dos trabalhadores. Simultaneamente, observa-se o surgimento de novas formas de precarização do trabalho, agora mediadas por plataformas digitais e algoritmos que intensificam o controle sobre o processo de trabalho.

David Harvey (Harvey 2018, 89) argumenta que “a flexibilização das relações de trabalho representa não apenas uma mudança nas formas de contratação, mas uma profunda reestruturação do próprio modo de acumulação capitalista”. Esta análise se confirma quando observamos o crescimento do trabalho intermitente no Brasil, que passou de 85 mil contratos em 2019 para mais de 350 mil em 2024, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).

O cenário do mercado de trabalho brasileiro para 2025 apresenta desafios complexos e multifacetados. A combinação entre altas taxas de informalidade, desigualdades estruturais e transformações tecnológicas configura um quadro que demanda respostas articuladas tanto do poder público quanto das organizações da sociedade civil.

A superação das disparidades de gênero, raça e região no mercado de trabalho não pode ser vista como um processo natural ou automático. Requer, ao contrário, a implementação de políticas públicas consistentes e duradouras, capazes de enfrentar as raízes históricas das desigualdades brasileiras e promover um desenvolvimento mais equilibrado e inclusivo.

O futuro do trabalho no Brasil dependerá, em grande medida, da capacidade da sociedade em construir respostas coletivas aos desafios apresentados. A qualidade do emprego, a proteção social e a dignidade do trabalhador precisam ser colocadas no centro do debate sobre desenvolvimento econômico e social, superando a falsa dicotomia entre crescimento econômico e direitos trabalhistas.

 

Fonte: Jornal da Unicamp/Outras Palavras

 

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