Como lobby do agro
emplacou redução de impostos para uso de agrotóxico na reforma tributária
Na tarde do dia 9
de julho, deputados federais, empresários e lobistas de todo o Brasil
caminhavam apressados pelos corredores da Câmara dos Deputados. A Casa finalizava
as negociações para a votação do projeto de lei da reforma tributária no dia
seguinte. Mas, apesar de intermináveis sessões nos meses anteriores sobre o
assunto, um setor em específico ainda não estava inteiramente satisfeito: o
agro.
Naquela tarde, uma
leva de cinco emendas idênticas, apresentadas por deputados diferentes, chegou
ao Plenário da Casa. O texto pedia a inclusão de uma série de produtos e
serviços agrícolas, como vacinas e melhoramento genético no rol dos que teriam
redução de 60% nas alíquotas do Imposto sobre Bens
e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos criados
pela reforma. O objetivo da emenda era baratear insumos e serviços usados pelo
agronegócio.
Poucas horas
depois, no dia seguinte, parte da lista contida nas emendas foi atendida,
aprovada e incluída na relação de produtos cujo imposto será reduzido. E entre
eles, um chamou especial atenção: a pulverização contra pragas, normalmente
realizada com agrotóxicos. A inclusão foi aprovada pelo Senado e pela Câmara e
chancelada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
que sancionou o texto principal da reforma tributária nesta quinta-feira
(16/01).
A inclusão da
pulverização de agrotóxicos no rol dos serviços sujeitos à redução de tributos
contou com a atuação de cinco deputados diferentes: Daniela Reinehr (PL-SC),
Luiz Nishimori (PSD-PR), Marússia Boldrin (MDB-GO), Zé Vitor (PL-MG) e do
presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR). A
BBC News Brasil enviou questionamentos a todos, mas nenhum enviou resposta.
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Mas
como cinco deputados diferentes propuseram exatamente o mesmo texto no mesmo
dia?
A reportagem usou
técnicas de programação e análise de dados e descobriu que os metadados dessas
emendas apontam que elas foram redigidas total ou parcialmente pela mesma
pessoa: um homem que atua como gerente técnico de uma entidade mantida por
associações ligadas ao agronegócio. Metadados são informações carregadas por
arquivos digitais que podem revelar a data e o local de sua criação. Em alguns
casos, podem indicar também o nome da pessoa ou da empresa à qual o computador
que criou um documento estava vinculado. Por isso, são frequentemente
comparados a uma "impressão digital".
"A analogia
entre impressão digital e metadados pode ser válida no contexto de investigação,
pois ambos deixam algum tipo de informação para trás porque, frequentemente, os
metadados são incluídos de forma automática pelos programas de computador
quando um arquivo é gerado", explicou à BBC News Brasil o cientista da
computação e empresário do ramo de automação Marcus Goldschmidt.
Ao longo de quatro
meses, a BBC News Brasil extraiu os metadados de mais de 3 mil emendas
apresentadas por parlamentares na Câmara e no Senado durante a tramitação da
reforma tributária. Essa análise dos metadados disponíveis — nem todas as
emendas os continham — aponta que parlamentares do Senado e da Câmara
apresentaram emendas que indicam ter sido total ou parcialmente redigidas em
computadores registrados em nomes de funcionários de montadoras e lobistas de
setores como o carvão mineral ou o agronegócio.
Na Câmara, das 809
emendas apresentadas durante a tramitação da reforma tributária, a análise dos
metadados detectou pelo menos 18 nomes potencialmente vinculados a empresas
privadas, escritórios de advocacia ou associações de classe. No Senado, foram
encontrados pelo menos seis nomes.
No Brasil, a
atuação de lobistas no Congresso Nacional não está regulamentada, mas não é
ilícita, ainda que tenha ganhado conotações negativas nas últimas décadas,
apontam especialistas consultados pela BBC News Brasil. Nos casos citados nesta
reportagem não há indícios de crime ou ilegalidade na atuação dos lobistas ou
grupos de interesse. Especialistas alertam, porém, que a falta de transparência
na relação entre parlamentares e lobistas, somada às desigualdades financeiras
entre os diferentes grupos da sociedade, pode permitir que os setores mais
poderosos exerçam uma influência desproporcional sobre as leis e políticas
públicas, em detrimento das parcelas menos favorecidas.
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Lobby
do agro institucionalizado
Durante a
tramitação da reforma tributária, diversas entidades do segmento ativaram seus
lobistas e representantes em Brasília. Mas poucas tiveram o sucesso e a
intensidade de atuação que o Instituto Pensar Agro. A instituição foi fundada
em 2011 e reúne 48 entidades do setor agropecuário do país. São organizações
que representam criadores de gado, produtores de soja e empresas ligadas ao
agronegócio.
Segundo a página do
instituto, o Instituto Pensar Agro foi criado "com objetivo de defender os
interesses da agricultura e prestar assessoria à Frente Parlamentar da
Agropecuária (FPA)". De acordo com a instituição, ela fornece
"assessoria" à frente por meio de um acordo de cooperação técnica. Na
prática, apesar de parlamentares terem direito a assessores vinculados ao seu
gabinete e à própria estrutura do Senado e da Câmara, o Pensar Agro (como
também é conhecido) fornece um outro corpo de assessores que atuam
especificamente nas pautas ligadas ao agronegócio e em benefício das entidades e
das empresas que o mantém. A análise dos metadados parece corroborar este
vínculo.
De acordo com os
dados, das 809 emendas propostas durante a tramitação do projeto na Câmara dos
Deputados, 72 foram redigidas em computadores ou dispositivos eletrônicos de
três usuários vinculados direta ou indiretamente ao instituto. Isso significa
que pelo menos 9% de todas as emendas apresentadas na Câmara tiveram a entidade
como origem. Dessas, 18 foram aprovadas total ou parcialmente na primeira
votação da Câmara. Desse total, cinco eram, justamente, as emendas idênticas
que emplacaram no texto final a redução de impostos para a pulverização com
agrotóxicos.
O número de emendas
redigidas por lobistas e apresentadas durante a reforma tributária pode ser
maior do que o originalmente encontrado pela BBC News Brasil porque, como
explica Marcus Goldschmidt, ao contrário de uma impressão digital humana, os
metadados podem ser apagados. "É importante destacar que metadados não são
únicos como uma impressão digital. Eles podem ser facilmente modificados ou até
mesmo removidos de forma intencional", disse. Na análise das emendas, na
imensa maioria dos casos, o campo "autor" referente ao arquivo
aparecia vazio.
De volta aos
corredores do Congresso Nacional, uma das estratégias do Instituto Pensar Agro
é a atuação em bloco fazendo com que uma mesma emenda seja apresentada por
diversos parlamentares diferentes ao mesmo tempo. Foi assim que a proposta que
incluiu a pulverização de agrotóxicos no rol de serviços com impostos reduzidos
acabou incluída no texto aprovado na Câmara e mantido no Senado. Também foi
assim que o instituto conseguiu emplacar outra emenda no texto aprovado pelo
Congresso e sancionado por Lula. Trata-se da emenda que incluiu as proteínas
animais como carne bovina, frango e peixe no rol dos produtos isentos do IBS e
CBS. Na versão inicial do texto, esses produtos estavam sujeitos apenas a uma
redução de 60% nos impostos. Às vésperas da votação na Câmara e após intensas
negociações, a bancada do agro lançou uma ofensiva para mudar o jogo.
Entre as 16h do dia
9 de julho e 15h de 10 de julho, data em que o texto foi votado, cinco emendas
idênticas foram apresentadas por deputados diferentes para isentar as proteínas
animais e incluí-las no rol dos produtos da cesta básica. Se por um lado, a
inclusão beneficia famílias mais pobres que pagarão menos impostos sobre esses
produtos, por outro, as emendas também beneficiam os empresários do agronegócio
que garantem menos impostos sobre suas vendas. As emendas que incluíram a carne
na cesta básica e as que reduziram o tributo para a pulverização de agrotóxicos
tinham uma coisa em comum. Segundo a análise dos metadados, elas foram
redigidas pela mesma pessoa: Gabriel Lemos.
Em seu perfil no
Linkedin, Lemos aparece como gerente técnico da FPA e do Instituto Pensar Agro.
Mas apesar de aparecer como vinculado à frente, o site da Câmara dos Deputados
mostra que ele não consta da folha de pagamento da Casa nem como servidor
efetivo e nem como funcionário comissionado, o que sugere que sua remuneração
seja paga pelo Instituto Pensar Agro.
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Emenda
'Marco Polo'
Outro caso que
chamou atenção durante a análise dos metadados das emendas é o da gigante do
setor automotivo nacional Marcopolo. A empresa é especializada na fabricação de
ônibus e micro-ônibus com fábricas no Brasil e no exterior. A empresa tem sede
no Rio Grande do Sul e faturou mais de R$ 6,6 bilhões em 2023.
Os metadados
analisados pela BBC News Brasil mostram que dois parlamentares, o deputado
federal Gilvan Máximo (Republicanos-DF) e o ex vice-presidente e senador
Hamilton Mourão (Republicanos-RS), apresentaram emendas criadas ou escritas por
Vanessa Marini Cecconello. De acordo com o seu perfil no Linkedin, Cecconello
trabalha como gerente da área tributária da da Marcopolo desde 2023. Antes
disso, foi membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) por
sete anos, entre 2015 e 2023.
Gilvan Máximo
propôs três emendas ligadas a Cecconello. Mourão apresentou duas. Nenhuma das
emendas atribuídas a Cecconello e à Marcopolo foram aprovadas pela Câmara ou
pelo Senado. No caso de Máximo, as emendas previam benefícios a empresas que
atuam no setor de transporte coletivo ou transporte rodoviário. Os dois
segmentos estão diretamente ligados à fabricante de ônibus Marcopolo. A vinculação
das emendas de Mourão à Marcopolo foi até mais explícita que no caso de Gilvan
Máximo.
Além de as emendas
conterem metadados vinculando as emendas apresentadas por ele à gerente
tributária da companhia, o nome com o qual elas foram registradas no sistema de
indexação do Senado já dava pista sobre quem tinha interesse nelas. "Emenda
Marco Polo ao PLP 68/2024", era o título de uma das emendas apresentadas
por Mourão.
Diferentemente de
Máximo, cujas emendas beneficiam empresas clientes da Marcopolo, uma das
emendas apresentadas por Mourão beneficiaria, a partir da suspensão da cobrança
de tributos, as fabricantes de ônibus como a Marcopolo.
É o caso da emenda
766-U, ou, como dito anteriormente: Emenda Marco Polo ao PLP 68/2024. Ela
previa a suspensão da cobrança do IBS e do CBS sobre produtos como chassis,
carrocerias, partes e peças importadas que fossem utilizadas na fabricação de
veículos usados no transporte coletivo de passageiros. Isso é particularmente
importante para uma montadora como a Marcopolo na medida em que parte das peças
que ela utiliza na fabricação dos seus ônibus é importada.
Na justificativa da
emenda, o documento explica o pleito. "Do contrário, o setor do transporte
público de passageiros acabaria por infligir pesados custos tributários à sua
cadeia de geração de valor", disse um trecho da justificação contida na
emenda. Segundo os metadados, o documento saiu de um computador registrado em
nome da gerente tributária da Marcopolo.
Apesar de não ter
sido aprovada, o advogado tributarista Alexandre Tortato avalia que a emenda
poderia beneficiar empresas como a Marcopolo às custas do restante dos
contribuintes brasileiros. "Todos os demais setores [seriam prejudicados],
pois a suspensão implicaria redução de arrecadação e, consequentemente,
demandaria aumento da alíquota moral/geral para manutenção da carga
tributária", disse.
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Uma
emenda e um sobrenome
Na história
política do Brasil, é comum que algumas emendas ou leis sejam
"batizadas" com os nomes de seus patronos. Em 1983, por exemplo, a
emenda que tentou restabelecer as eleições diretas no Brasil ganhou o nome de
"Emenda Dante de Oliveira", em homenagem ao jovem deputado federal de
Mato Grosso que a apresentou, Dante de Oliveira.
Quatro décadas
depois, em meio à reforma tributária, foi a vez de um lobista do carvão mineral ter uma
emenda com o seu sobrenome. Trata-se da emenda 405-U, apresentada pelo senador
bolsonarista Jorge Seif (PL-SC). A emenda foi registrada no site do Senado com
o seguinte título: "Emenda ao PLP 68/2024 - Zancan".
Zancan não é o
acrônimo de algum tributo de nome complicado. É sobrenome de um dos principais
lobistas do setor de combustíveis fósseis do Brasil: Fernando Luiz Zancan,
presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS). Ele nasceu
em Porto Alegre, em 1957. Influenciado pelo irmão mais velho, estudou
engenharia de minas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (URFGS). Pouco
depois de se formar, mudou-se para Criciúma, em Santa Catarina, coração da
indústria carbonífera do país. Com o passar do tempo, ajudou a fundar a antiga
Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), que congregava mineradoras e
geradoras de energia a partir do minério. Mais recentemente, em meio à pressão
pela descarbonização da matriz energética do país, a entidade mudou de nome e
retirou o "carvão" do seu nome. Passou a se chamar: Associação
Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS).
Aliados e até mesmo
adversários ouvidos pela BBC News Brasil atestam a habilidade e influência de
Zancan no Congresso. Ele mesmo diz não ter problemas para descrever o que faz. "Não
é nada demais me chamar de lobista", disse à BBC News Brasil.
A emenda
"Zancan" identificada pela reportagem tem três dispositivos, que propõem:
# transações
envolvendo combustíveis fósseis, incluindo o carvão mineral, devem ficar
isentas do chamado "imposto pecado" caso sejam usados para a geração
de energia elétrica
# Inclusão do
carvão mineral em uma lista que limita a tributação máxima do "imposto do
pecado"
# Redução a zero da
taxação do gás natural quando ele é usado como "insumo" em alguma
atividade econômica
Consultado sobre a
emenda, o advogado tributarista Alexandre Tortato, mestre em direito tributário
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, explica que a aprovação da
emenda poderia ter impacto sobre o restante dos contribuintes. O raciocínio é
de que como o "bolo" da arrecadação é um só, para que um setor pague
menos tributos, outros acabarão sendo sacrificados e terão de pagar mais. "Em
tese, como consequência de toda medida que amplia rol de reduções e benefícios,
todos os demais contribuintes são impactados com a necessidade de aumento da
alíquota modal para manutenção do nível de arrecadação tributária",
explica o advogado.
Outro especialista
avalia que a "Emenda Zancan" também teria impactos ambientais caso
seja aprovada. O gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente
(IEMA), Ricardo Baitello, disse à BBC News Brasil que a emenda mantém um
ambiente favorável à produção de energia elétrica a partir de combustíveis
fósseis em um momento em que o país e o mundo deveriam priorizar a geração por
fontes renováveis. "Esta emenda não é boa [...] É preciso dar um sinal
para que haja uma diferenciação entre o tratamento que se dará às fontes
renováveis e as fósseis. Os subsídios são muito maiores para as fontes fósseis
e era preciso que houvesse essa diferença tributária para aumentar a penetração
das fontes renováveis", diz Baitello.
À BBC News Brasil,
Zancan disse que procurou o senador Jorge Seif e outros parlamentares de Santa
Catarina depois que a Câmara dos Deputados incluiu as transações envolvendo
carvão mineral no rol daquelas sujeitas ao imposto seletivo.
Segundo ele, o
esforço para evitar a inclusão do carvão mineral no imposto seletivo resultou
em 21 emendas, mas nenhuma foi aprovada. "Houve um movimento que não foi
só nosso. Foram 21 emendas tentando mexer com a questão do carvão. Seja para
retirar ou para colocar um limite de tributação, mas no final, não passou
nada", disse. Ele conta que não entregou uma emenda para que Jorge Seif
apresentasse. Segundo ele, técnicos da ABCS e a assessoria parlamentar do
senador se reuniram e discutiram o texto da emenda. "O que a gente fez foi
a defesa de interesses e isso é totalmente lícito. Totalmente ético [...] isso
não é para nenhuma empresa. É para defender os interesses de uma região. Uma
coisa é você apresentar uma emenda e, quando você olha, vê que tem o dedo de
uma empresa. Não é o nosso caso. Eu atuo para um segmento", disse Zancan.
Procurado, o
senador Jorge Seif confirmou que atendeu ao pleito de Zancan. "Minhas
emendas são registradas de acordo com as pessoas que nos procuram [...] Sou
senador de Santa Catarina e vou defender os interesses do meu estado e de suas
fortalezas econômicas", disse Seif à BBC News Brasil. O parlamentar negou
que já tenha apresentado alguma emenda inteiramente redigida por lobistas. "Tenho
três pessoas na assessoria parlamentar. Recebemos as sugestões, entendemos os
problemas e escrevemos. Não somos protocoladores de emendas prontas",
escreveu Seif à BBC News Brasil.
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Limite
ético
A literatura
acadêmica qualifica o lobby como um conjunto de ações tomadas por
diferentes atores da sociedade junto a tomadores de decisão para influenciar políticas
públicas, a aprovação ou rejeição de leis. Em alguns países, como os Estados
Unidos, a prática é regulamentada. Lá, a primeira lei a tratar especificamente
do assunto entrou em vigor em 1946. Em 1995, uma nova lei instituiu mecanismos
para conferir mais transparência à atuação dos lobistas que atuam no país. Entre
essas medidas estão a obrigatoriedade de que o profissional mantenha registros
sobre suas atividades e que eles sejam disponíveis à consulta pública.
No Brasil,
o lobby ganhou uma conotação negativa. A atividade não é ilegal, mas
diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, a prática não é regulamentada.
"Tecnicamente [o lobby] é a atividade de relação com os poderes
constituídos para propor e debater pautas regulatórias. O termo, entretanto,
foi tão confundido e utilizado em situações negativas que perdeu o sentido
técnico e assumiu sentido, na maioria das vezes, pejorativo", disse o
presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais
(Abrig), Jean Castro. A Abrig é a principal entidade do segmento no país.
Um projeto de lei
de 2007 sobre o assunto foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2022, mas
encontra-se parado no Senado. Para a diretora de Programas da organização
não-governamental Transparência Brasil, Marina Atoji, a atuação de grupos de
interesse ou de lobistas durante a discussão das leis é parte da democracia. "A
tentativa de fazer contribuições a um projeto de lei é legítima, faz parte do
processo democrático. É positivo que isso seja possível. O problema nesses
casos é a falta de transparência sobre a autoria das emendas", disse à BBC
News Brasil. Ela argumenta, no entanto, que o fato de a real autoria de algumas
emendas só apareça por meio da extração de metadados fere o princípio da
moralidade, que é um dos cinco princípios que, segundo a Constituição Federal,
deve nortear a administração pública. Por esse princípio, um servidor é
obrigado a agir com honestidade e respeito ao interesse coletivo, evitando
práticas que possam favorecer interesses particulares. "Saber que uma
empresa ou um setor diretamente interessado em algum aspecto da reforma
tributária fez uma proposta de emenda é muito importante para que a gente saiba
justamente quem está tentando influenciar a legislação e em que termos. Que isso
só apareça nos metadados fere o princípio da moralidade é um princípio da
administração pública", afirmou Atoji.
Ela sugere que, no
Brasil, uma solução seria a criação de um banco de dados sobre as interações
entre parlamentares e lobistas. "Para dar mais transparência, seria
importante haver um sistema de registro de informações relativos às interações
entre os entes privados e os parlamentares, assim como seus chefes de gabinete
e outros participantes do processo de tomada de decisão", disse. Segundo ela,
esse grande banco de dados deveria ser público para permitir à sociedade
visualizar quais os interesses estariam por trás da atuação dos parlamentares.
Para a
especialista, a falta de transparência sobre o lobby no Brasil também
amplia a disparidade entre segmentos da sociedade com mais ou menos acesso aos
tomadores de decisão. "Não existe uma paridade de armas no acesso e na
influência sobre o Legislativo. Há atores com capacidades financeiras muito
maiores para contratar profissionais e fazer essa incidência política junto ao
Legislativo", diz a especialista. "O problema disso não é só a falta
de isonomia, mas é que corremos o risco muito maior de apropriação de políticas
públicas por interesses privados", complementou.
Para Jean Castro,
da Abrig, no caso específico da reforma tributária, seria natural que atores
econômicos atuassem de forma mais intensa junto ao Congresso Nacional. "O
fato concreto é que o sistema produtivo era quem estava sendo atingido e
chamado de forma mais objetiva para esse debate. Isso, talvez, tenha levado à
impressão de que outros grupos não", disse. Para Castro, não há problemas
em parlamentares apresentarem emendas redigidas parcial ou completamente por
lobistas. "Não há motivo para não se aceitar um texto que entrará em debate
pelos colegiados do Congresso e terá encaminhamentos a favor ou contra se isso
ocorrer dentro do formato e prazo estabelecido", afirmou Castro.
Fonte: BBC News
Brasil
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