7 motivos que fizeram Brasil piorar em
ranking de corrupção em 2023
O Brasil caiu dez posições e ficou em 104º
lugar entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção de 2023, divulgado
pela ONG Transparência Internacional nesta terça-feira (30/1).
O índice classifica as
nações de acordo com uma pontuação que vai de 0, no pior cenário de corrupção, a 100, no melhor.
Enquanto a média mundial ficou estagnada em 43 pontos pelo 12º ano consecutivo,
a pontuação brasileira caiu de 38 para 36 pontos em 2023.
Essa é a pior queda do
Brasil desde 2017, quando o país perdeu 17 posições no ranking em relação a
2016 (foi de 79º para 96º lugar).
Segundo a
Transparência Internacional, o declínio está ligado à dedicação à neutralização
do sistema de freios e contrapesos da democracia durante os anos de governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao mesmo tempo, a
organização aponta a falta de compromisso da administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em reconstruir esse sistema e os mecanismos de controle da
corrupção em seu primeiro ano de mandato.
A presidente do PT,
deputada Gleisi Hoffmann, respondeu à divulgação do relatório afirmando que a
ONG tem "longa trajetória de desinformação" contra o partido.
"Acusar de
retrocesso a indicação dos ministros Cristiano Zanin e Flavio Dino ao STF, além
da escolha de Paulo Gonet para a PGR, revela apenas a má vontade e a oposição
política da ONG a @LulaOficial e ao PT. Queriam que Lula indicasse
procurador-geral e ministros lavajatistas? Expliquem antes quem financia vocês,
abram suas contas", disse Gleisi no X (antigo Twitter).
A Controladoria-Geral
da União (CGU) também reagiu ao relatório. Em nota oficial, o órgão afirmou que
"reverteu quase duas centenas de sigilos abusivos e, mais importante,
estabeleceu regras para prevenir novas violações da Lei de Acesso à Informação".
"O governo Lula
vem restabelecendo a estrutura dos conselhos de políticas públicas, espaços
essenciais – como reconhece o relatório da TI – para a prevenção e o controle
da corrupção. Há de ressaltar, no entanto, que estudos internacionais discutem as
limitações metodológicas de índices baseados em percepção, por isso seus
resultados devem ser vistos com cautela."
"Diversos
organismos internacionais - entre eles ONU, G20 e OCDE - têm discutido a
elaboração de novas medidas sobre o tema. A corrupção é um fenômeno complexo e
nenhum indicador consegue medir todos os seus aspectos", acrescentou o
texto.
A BBC News Brasil
selecionou alguns dos pontos principais que levaram a Transparência
Internacional a fazer tais críticas e que ajudam a explicar a queda do Brasil
no ranking de 2023, segundo o próprio relatório da organização.
·
1. Ingerência e
autonomia das instituições
Um dos pontos
apontados pelo relatório da instituição como parte dos esforços do governo
Bolsonaro para o "desmanche do pilar de controle jurídico" é a
ingerência em organismos como a Procuradoria-Geral da República (PGR), a
Polícia Federal (PF), a Controladoria-Geral da União (CGU), o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Advocacia-Geral da União (AGU),
a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a Receita Federal, entre outros.
Segundo a
Transparência Internacional, a "peça central" desse esforço foi a
nomeação do agora procurador-geral da República, Augusto Aras, que
"desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção" e foi
"responsável por uma retração histórica nas funções de controle
constitucional dos atos do governo".
"Se os ataques
dos fanáticos golpistas destruíram fisicamente as sedes dos Três Poderes, a
omissão da PGR contribuiu para sua destruição institucional", diz o
relatório sobre os ataques de 8 de janeiro de 2023 em Brasília - estes também
apontados como pontos negativos do último ano pelo ranking de percepção da
corrupção.
Aras foi substituído
em dezembro por Paulo Gonet.
O estudo também indica
um neglicenciamento do governo Lula em reerguer alguns dos pilares jurídicos
ameaçados pelo seu antecessor, em especial no âmbito da autonomia do sistema de
Justiça.
Entre as principais
ações que justificam tal conclusão estão a nomeação de Cristiano Zanin,
ex-advogado particular de Lula, e de Flávio Dino, seu ministro da Justiça e Segurança Pública e
aliado, para o Supremo Tribunal Federal (STF).
A Transparência também
aponta a nomeação do novo procurador-geral da República como "um forte
indicativo de não haver compromisso real com a recuperação da independência
deste órgão, cuja cooptação por Bolsonaro foi tão desastrosa para o país".
Lula nomeou o
ex-subprocurador Paulo Gonet para comandar a PGR, ignorando as escolhas
apontadas pela lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da
República (ANPR) e rompendo com uma tradição que ele mesmo havia inaugurado.
Bolsonaro também
indicou Aras sem seguir a lista tríplice.
Segundo a
Transparência Internacional, "nunca o Judiciário brasileiro esteve tão
permeado, até suas mais altas esferas, por interesses e transações políticas e
econômicas – ou pelo menos nunca tão explicitamente".
O relatório diz que as
relações impróprias entre Executivo e Judiciário poderiam ter sido mitigadas
com duas tentativas regulatórias que fracassaram em 2023.
A primeira foi barrada
pelo plenário do STF, que julgou inconstitucional uma reforma aprovada em 2014
no Congresso para proibir que juízes atuem em processos em que alguma das
partes for cliente de escritório de advocacia de parente do(a) magistrado(a).
A segunda foi
descartada no plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e previa dar mais
transparência e controle à participação de juízes em eventos patrocinados ou
organizados por pessoas jurídicas ou físicas que tenham alguma demanda judicial
sob sua jurisdição.
·
2. 'Orçamento secreto'
e mecanismos de barganha
A organização aponta
um desmanche do pilar de controle político durante o governo Bolsonaro por meio
do chamado 'orçamento secreto',
apelido dado a uma modalidade de emendas ao Orçamento da União.
"Sob um verniz de
legalidade e um teatro de institucionalidade, o 'orçamento secreto' representou
o maior esquema de apropriação orçamentária para fins escusos de que se tem
registro no país", diz o relatório.
Entre os efeitos das
novas regras aprovadas durante o governo Bolsonaro, a organização aponta a
"perversão de parâmetros técnicos na formulação de políticas públicas e na
alocação orçamentária" , "a pulverização da corrupção com municípios
recebendo bilhões sem capacidade de gestão e controle" e a
"manipulação eleitoral, favorecendo a reeleição e a ampliação do
'Centrão'".
As emendas de relator,
que estavam por trás do "orçamento secreto", foram consideradas
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, mas segundo a Transparência
"governo e Congresso encontraram rapidamente um arranjo para preservar o
mecanismo espúrio de barganha".
"Durante a
campanha, Lula criticou duramente o orçamento secreto e chegou a prometer
substitui-lo por um mecanismo de orçamento participativo. Fez o oposto, criou o
'orçamento secreto 2.0'."
Segundo o relatório, o
modelo adotado no governo Lula segue essencialmente o mesmo padrão da
administração de Bolsonaro, com o Centrão fortalecido e ampliado no Congresso
"Tudo indica que
as verbas disponíveis serão ainda maiores, com a reedição do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), um banquete para o 'Centrão'", nas
eleições municipais de 2024, diz a organização.
O ranking ainda aponta
a reintrodução, no atual governo, de outra grande moeda de troca no Congresso:
o loteamento das estatais.
De acordo com o
documento, a administração Lula pressiona pela fragilização da Lei das Estatais
"e, portanto, da governança dessas empresas, com o objetivo de ampliar o
loteamento político".
"No front
judicial já obteve uma grande vitória, com uma decisão liminar do então
ministro Lewandowski (hoje indicado ministro da Justiça e Segurança Pública),
que derrubou este ponto central da lei, de freio a nomeações políticas, com o
argumento de que se tratava de prática discriminatória."
·
3. Redução da
transparência
Outra crítica feita
pela Transparência Internacional tem relação com a redução da transparência e
do acesso à informação pública durante o governo de Jair Bolsonaro.
Segundo a organização,
houve um "apagão de dados governamentais, "emprego de sigilos
abusivos e restrições de acesso e "extinção dos espaços
institucionalizados de participação social".
Por outro lado, o
relatório aponta uma melhora nesse setor em 2023, com a identificação da volta
da participação social à agenda do país, além da implementação de mais
mecanismos de transparência.
"No entanto, a
representatividade nos principais cargos do poder político ficou em segundo
plano, apesar das cobranças da sociedade pela nomeação, por exemplo, de uma
ministra mulher e, pela primeira vez na história do país, negra para o STF. O
governo Lula ignorou estas demandas, usando uma das nomeações para indicar o
advogado pessoal do presidente para o cargo."
·
4. Fake news e
discurso de ódio
Juntamente com a
redução do acesso à informação pública, o ranking aponta a disseminação
sistemática de fake news e discurso de ódio como fatores que desestabilizaram o
controle social no governo Bolsonaro.
Segundo o relatório,
essa disseminação aconteceu por meio de canais oficiais e de manifestações de
autoridades públicas, da varticulação e do financiamento oculto de milícias
digitais e da alocação de verbas de publicidade oficial para veículos de desinformação
e mídia oficialista.
A organização também
lista os "ataques permanentes, inclusive violentos, a ativistas,
acadêmicos, artistas e jornalistas" e "a estruturação de aparatos
clandestinos de espionagem" como parte desse fenômeno.
·
5. Lobby advocatício
A Transparência
Internacional também lista o poder alcançado pelo que chama de "lobby
advocatício" como uma das razões para a queda do Brasil no ranking de
2023.
O relatório relaciona
diretamente esse ponto com a perda de autonomia das instituições e as relações
impróprias entre Executivo e Judiciário.
"Se no primeiro
mandato de Lula, no início dos anos 2000, um grupo de jovens advogados
constitucionalistas, especialistas em direito público e direitos humanos foi
convocado a fazer parte do governo e esteve por trás de avanços significativos
nas políticas de transparência e anticorrupção, hoje os advogados que compõem o
entourage presidencial e ocupam cargos influentes são criminalistas de elite
que ajudaram no desmonte desses marcos."
Segundo a organização,
esse lobby conquistou influência política e explorou "o rico negócio da
revogação de prisões e anulações em massa das condenações criminais da Lava
Jato".
"Esgotado este
mercado, agora exploram outro nicho, talvez ainda mais rentável: a anulação das
multas dos acordos de leniência das empresas."
Esse esforço, segundo
a Transparência, levou a ações inéditas em 2023, tal como o ajuizamento de uma
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, para pedir a
suspensão generalizada de todas as multas aplicadas às grandes empresas que
confessaram corrupção em acordos de leniência assinados nos últimos anos no
Brasil (não apenas na Lava Jato).
·
6. Exacerbação dos
poderes do STF e TSE
Outro ponto apontado
pelo relatório é "a exacerbação dos poderes do STF e do TSE e a
resistência em retornarem a um estado de normalidade constitucional".
Segundo o documento,
diante de graves ameaças, de ataques efetivos aos tribunais e à democracia e do
vácuo constitucional da PGR durante o governo de Jair Bolsonaro, os ministros
exacerbaram seus papéis.
"Mas se a
subversão do regime acusatório serviu como uma traqueostomia no resgate de um
sistema sufocado, a violação continuada de garantias processuais e direitos
individuais traz consequências nefastas para o estado de direito e minam,
progressivamente, a reserva de autoridade da Justiça", diz a ONG.
O ranking aponta como
um dos mais graves exemplos dessa tendência algumas decisões feitas pelo
ministro Dias Toffoli.
Segundo a instituição,
nessas ações "o magistrado decidiu, monocraticamente e com fortes
evidências de conflitos de interesses e outras heterodoxias processuais, sobre
demandas que tiveram imenso impacto sobre a impunidade de casos de corrupção
que figuram entre os maiores da história mundial".
"No intervalo de
pouco mais de dois meses, ele anulou todas as provas do acordo de leniência da
Odebrecht (rebatizada de "Novonor") e suspendeu multa de mais de R$
10 bilhões aplicada ao grupo J&F, proprietário da JBS."
Ainda segundo a
organização, "a busca obstinada do maior grupo empresarial brasileiro, a
J&F, por reverter decisões judiciais e alcançar impunidade total pelos
crimes que confessou, evidencia os problemas estruturais de conflitos de
interesses no sistema de Justiça brasileiro."
Para a Transparência,
a anulação generalizada de condenações e sanções aplicadas a políticos e
empresários levou a um agravamento da percepção de impunidade nos casos de
grande corrupção.
Na decisão, Toffoli
argumentou que as ações judiciais que culminaram com a prisão de Lula foram uma
"armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em
seu objetivo de conquista do Estado, por meios aparentemente legais, mas com
métodos e ações ilegais".
·
7. Fundo Eleitoral e
flexibilização de mecanismos de transparência
Outro caso específico
apontado pela Transparência Internacional foi o aumento do Fundo Eleitoral para
as eleições municipais de 2024.
O Fundão, como é
conhecido popularmente, foi aprovado pelo Congresso em 2017, e para 2024 teve
seu valor definido em R$ 4,96 bilhões. A quantia foi aprovada pelo Congresso em
dezembro do ano passado.
A organização ressalta
que esse total é mais que o dobro do disponibilizado para as eleições
municipais de 2020 e que, juntamente com a redução de controles, pode ser
prejudicial para o país e para os mecanismos de controle à corrupção.
Os valores destinados
a cada partido não são divididos igualmente, mas calculados de forma
proporcional à quantidade de cadeiras de determinado partido no Congresso.
Sobre isso, o
relatório aconselha ao governo "aprimorar os mecanismos de transparência e
prestação de contas dos partidos políticos considerando os riscos oriundos da
ampliação do Fundo Eleitoral destinado às candidaturas municipais em 2024,
especialmente de fraude às cotas para mulheres e pessoas negras".
Como ponto negativo, a
Transparência Internacional ainda aponta a aprovação às pressas, pela Câmara
dos Deputados, de projeto de reforma eleitoral, que flexibilizaria, já para as
eleições de 2024, mecanismos de transparência e democratização de acesso à política.
Fonte: BBC News Brasil
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