quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Pepe Damasceno: Avanço da bancada evangélica sobre a República não é problema do governo; é problema nosso

Uma coisa é o governo se render aos fatos, à vida como ela é, e não como gostaria que fosse, e não conseguir deter o avanço da bancada evangélica sobre premissas republicanas e iluministas, tal como a laicidade do Estado. Outra bem diferente, e deplorável, é parcela expressiva do campo progressista naturalizar esses retrocessos e não refletir seriamente sobre alternativas de reação. 

Em mais um capítulo desta louca cavalgada, nesta terça-feira (27), uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a ampliação da imunidade tributária de igrejas e templos religiosos. O autor da proposta é o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella, agora deputado federal. O texto, que já havia sido aprovado pela CCJ, em setembro do ano passado, deve ir a plenário antes da semana santa.

Cabe destacar o festival de privilégios tributários descabidos contidos nessa PEC. Além das igrejas e templos religiosos, ela estende a imunidade tributária a entidades como orfanatos, hospitais, creches e comunidades terapêuticas ligadas às instituições religiosas. 

E também livra do pagamento de impostos despesas com obras e restauração de igrejas. Mas as benesses às custas do erário não ficam por aí. A proposta prevê devolução de tributos pagos indiretamente nas contas de luz ou serviços de reforma, além de proibir governos de criar impostos sobre a aquisição de bens por essas entidades.

Causa apreensão saber que a voracidade da bancada evangélica, apoiada em algumas proposições por parlamentares que professam outras religiões, está longe do arrefecimento.

O quer virá por aí?

Temos o direito de imaginar todo tipo de barbaridade. Será que vão querer obrigar a União a pagar os vencimentos dos pastores? Ou incluir na lei dispositivo permitindo aposentadoria especial para os missionários? Ou conceder direito a porte de arma aos pregadores do Evangelho?

Pelo andar da carruagem, nada pode ser descartado em termos de violação do conceito republicano. 

Sabemos que a origem desse e outros tantos males está na maioria atrasada, reacionária e trevosa do Congresso Nacional. Não pode haver prioridade maior para o campo progressista, no plano institucional, do que eleger bancadas mais numerosas de deputados e senadores, já em 2026.

Está aí um desafio gigantesco e extremamente complexo, pois a definição de voto do eleitorado brasileiro é produto de inúmero fatores, que vão baixo nível de consciência social e política à pressão de milicianos, da influência dos mercadores da fé às ameaças do crime organizado, da falta de compreensão do valor do voto para o Legislativo à força do dinheiro nas eleições, dentre outros.

Nunca nada foi fácil para os que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária. É hora de arregaçar as mangas e enfrentar esse monstro de múltiplas cabeças. 

 

Ø  Malafaia quer ser presidente. Por Eduardo Guimarães

 

No último domingo, a tarde já ia pelo meio quando Silas Malafaia entoou uma sugestiva estrofe do Hino da Independência: "ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil". Quando a audiência aderiu em coro...

Silas Lima Malafaia nasceu no Rio de Janeiro em 14 de setembro de 1958 - tem 66 anos. É um pastor protestante neopentecostal brasileiro, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Malafaia também é televangelista, graduado em psicologia, presidente da editora Central Gospel, além de ser vice-presidente do Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil, entidade que agrega cerca de oito mil pastores de quase todas as denominações evangélicas brasileiras.

Malafaia é bastante conhecido por sua atuação política e pelo discurso de ódio sobre temas como homossexualidade e aborto, bem como por defender a chamada teologia da prosperidade.

Em janeiro de 2013, a revista Forbes o classificou como o terceiro pastor mais rico do Brasil, com um patrimônio estimado pela publicação em 150 milhões de dólares.

No ato em defesa de Jair Bolsonaro no último domingo (25), o pastor Silas Malafaia não proferiu crenças ou santidades. Falou dos atos dos políticos ao longo da última década e até hoje. Discursando antes de Bolsonaro, fez um cozido à base de direito e religião para rearticular, a seu bel prazer, democracia e Estado de Direito.

Essa comédia tem três atos.

Ato 1: Malafaia dá sua versão para a história recente do Brasil pinçando momentos como a contestação das eleições por Aécio Neves em 2014, o tratamento benevolente e inexistente que diz que protestos dos militantes da esquerda receberam, passando pelo golpeachment de Dilma e o golpe lavajatista que encarcerou Lula, abusando do interdito de chamá-lo de ex-presidiário, e o que pintou como "parcialidade" de Alexandre de Moraes.

Ato 2: Malafaia pergunta à multidão a quem ela obedecia. Aos brados, o rebanho cravou um "Ao povo". Encenou, desse modo, a disputa pela unidade social com povo ao seu lado.

Ato 3: encerrando sua participação, Malafaia disse à multidão que ela era "maioria cristã". Sob esse epíteto, reuniu evangélicos e católicos, apontando para alianças e limites do que ele imagina ser um ecumenismo tupiniquim.

Para colocar evangélicos e católicos no mesmo bolso, Malafaia elucubrou um cristianismo generalizado. E se apropria dele para imprimir uma marca discursiva religiosa no que chama de "maioria da sociedade brasileira". A religião é a linguagem que edifica uma ordem em que Malafaia disputa a unidade social.

No alto do carro de som, ela chorava. Em tom de pregação, dizia que "o Brasil é do Senhor" e que o povo brasileiro é de bem e "defende os valores e princípios cristãos".

Não era a primeira vez que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro cumpria o papel de aglutinar o eleitor religioso em torno de seu marido. Mas, no domingo 25, em ato na avenida Paulista em defesa dele, foi mais direta:

"Por um bom tempo fomos negligentes ao ponto de falarmos que não poderia misturar política com religião, e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento da libertação. Eu creio em um Deus todo poderoso capaz de restaurar e curar nossa nação".

O discurso de Michelle é apontado por especialistas como um aceno à supremacia cristã e uma ameaça para a laicidade do Estado. Segundo eles, política e religião sempre estiveram entrelaçados no Brasil. O problema é quando alguém planeja impor os valores de determinada religião a toda a nação – como teria acontecido no governo Bolsonaro.

O perigo da fala de Michelle é apontar para uma teocracia, uma forma de governo submetida a normas de uma religião.

Michelle Bolsonaro e seu marido, porém, antes de serem os senhores de Silas Malafaia, são parte de seu projeto para suprir com lucro a ausência de Jair Bolsonaro na política. Engana-se quem acha que a mulher do "mito" tem estofo para presidir um regime teocrático sem contestação.Esse papel caberá a outro.

Malafaia sabe que não será preso; ele amarrou muito bem a questão jurídica com uma rentabilidade descomunal que prescinde de sonegação ou qualquer ilícito. Traduzindo: Malafaia ganha tanto dinheiro entoando o discurso messiânico e falsário que conquista legiões de incautos que seria burrice cometer um só ato que o expusesse ao rigor da lei.

Um fato: Bolsonaro será preso e ficará inelegível. E Michelle , nem de longe, pode substituí-lo.

Não há quem movimente multidões como Malafaia, mas ele só entra na política para pilotar uma ditadura teocrática com ele mesmo como ditador, um líder que poderá permanecer no Poder até o próprio fim, deixando o trono para um herdeiro a fabricar ou escolher.

 

Fonte: Brasil 247

 

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