terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Roberto Ponciano: Não se deve subestimar o fascismo, nem superestimá-lo

De La Cruz passa como quer pela marcação tricolor e encontra Arrascaeta, que de letra toca para Pedro, que de letra encontra Cebolinha, que com um tirambaço faz um gol estilo “Canal 100”, no fato mais comentado no fim de semana. Não, não foi a micareta bolsonazistas, mas o Fla x Flu de Diniz versus Tite que teve mais destaque nas redes sociais. Não, este artigo não é sobre a indústria cultural, nem sobre pão e circo, mas para destacar, que diante do esforço hercúleo do bolsonarismo para mostrar poder, mostrou impotência.

O ato da Bolsonazi na Paulista foi opaco, apagado. Não bombou nas redes sociais, nem nas mídias tradicionais. Ao contrário das manadas de julho e do golpe contra Dilma, nos quais, com o interesse de derrubar o PT, a Globo e redes afins transmitiam até briga de bar se a discussão pudesse ser ligada a alguma atividade antipetista, a micareta nazista na Paulista recebeu uma atenção muito, muito pequena, tanto na web quanto na imprensa tradicional. 

Apesar de todo o esforço dos exércitos de robôs de Bolsonaro para subir o engajamento nas redes, a retransmissão da opereta sem graça foi bem abaixo do que esperavam seus organizadores. Duas razões há para isto, a primeira é que parece, que agora, parte da esquerda começou a aprender a usar as redes sociais a seu favor e pararam de recompartilhar e engajar o conteúdo bolsonarista (não toda a esquerda, mas parte dela, a esquerda caça click ficou com link aberto o tempo todo no evento fascista). De outro lado, Bolsanazi, sem as tropas de assalto sob seu comando, que tinha quanto estava com o aparelho de Estado na mão, e encagaçado de medo, fez um discurso que não açula o seu bando.

Bolsonaro Tchuchuca não encanta o batalhão de ensandecidos “machos alfas a la Village People” e clones de Damares que o seguem. O discurso de perdão, anistia e “reconciliação nacional” não engaja suas matilhas fascistas. O fascismo é antes de tudo um estilo estético, como alerta João Bernardo, em seu excelente “Labirintos do fascismo” (o melhor panorama geral do fascismo que eu já li). Bolsonaro na personagem de führer tupiniquim Bento Carneiro encanta sua turba de ressentidos e recalcados, no papel de Polyanna Moça não engana ninguém. Um cabisbaixo ex-imbrochável (incomível continua a ser, ninguém em sã consciência sente libido por este traste) só faltou ajoelhar e pedir perdão a Moraes pelos delitos que confessou no púlpito – realcemos a burrice de confessar para milhares que sim, a minuta golpista existiu.

Não se pede anistia para crimes que não foram cometidos, Bolsonaro subiu ao palco para pedir pinico ao STF, poderia se colocar um fundo musical com o Bezerra da Silva ao fundo: “Você com revólver na mão é um bicho feroz, sem ele anda rebolando e até muda de voz”. O rugido do leão nazifascista Bento Carneiro virou um miadinho bem sem vergonha de gato angorá de madame. O fascismo não consegue operar as suas turbas com base na racionalidade, opera no Tânatos, nunca no Eros, não é no princípio do prazer, é na sua negação, no sentido da morte, da destruição, do ressentimento, do recalque. Um “mito” nazifascista enfraquecido (como foi Mussolini na Alemanha, subjugado por seus pares e depois reposto no poder pela Gestapo, sem nenhum poder de fato), não serve para nada. Bolsonaro não mostrou nenhuma força, só fraqueza.

Há duas discussões na esquerda, uma sobre se o evento “flopou” – fracassou – ou não, olhando apenas pelos números. Os números do laboratório da USP falam numa média de 30, 40 mil pessoas e 185 mil no pico. São números grandes, mas não pelo que foi investido no ato. É bom lembrar que era um ato nacional com caravanas de todos os estados do Brasil, com o fenômeno de algumas denominações evangélicas mandarem ônibus de suas igrejas para o ato, como se fosse uma “marcha para Jesus”. Dada a envergadura do esforço, o público é para lá de mediano, de per si, não ilustra nenhum grande ato pró-Bolsonaro. E tem dimensões ainda mais interessantes: como ato pró-golpe fracassa esteticamente já no intento, porque o cagaço, o medo do ex führer Beto Carneiro já proibiu as manifestações estilo “Ustra te amamos”, próprias do golpismo desde o início. Se a tônica dos deputados bolsonaristas foi a de pedir o Impeachment de Lula durante a semana, no ato, Bolsonaro só pediu perdão. Estética e simbolicamente foi demonstração de fraqueza, não de força.

Sobre a frase de que não podemos subestimar o fascismo, desculpe, ela é um truísmo. Este autor que vos escreve nunca o subestimou. Eu saí do PCB em 2004 rumo ao PT por conta do mensalão. Enquanto muita gente gozava com o Justiceiro Joaquim Barbosa e entrava numa fúria udenista de teatro bufão, eu já assinalava o risco de que, primeiro o mensalão, e depois a lava jato, fossem uma forma de macarthismo a la brasileira. Este escritor aqui foi contra a lei da ficha limpa, foi contra as delações premiadas, contra o mensalão e contra a lava jato. Vi o perigo do lawfare e do fascismo não em 2024, mas em 2004! Camaradas, alertar contra subestimar o perigo do fascismo agora não é antevisão, é falar o óbvio. Enquanto alguns de vocês posavam ao lado de Bretas e da Paulinha do Caetano num passado não muito distante, eu sempre estive do outro lado explicando, avisando: “senhores, vocês estão chocando o ovo da serpente”.

Não podemos subestimar o fascismo, nem superestimá-lo. Não podemos transformar um ato de fraqueza numa demonstração de força. Bolsonaro subiu ao palco, todo cagado, para pedir perdão, não para ameaçar. Não foi uma demonstração de força, foi de cagaço, medo mesmo. E é hora de metê-lo na cadeia, junto com Malafaia, sem medo da retórica de ameaças deste curandeiro de quinta que se finge pastor. É óbvio que o país continua dividido, é óbvio que o bolsonazismo continuará a ser uma força eleitoral considerável, é óbvio que o perigo de retorno do fascismo não passou, mas não, ontem eles não demonstraram força, estavam na defensiva, fazendo um ato preventivo contra a prisão de Bolsonaro. Ato tão ignóbil, que seus possíveis “sucessores” já de estapeavam no palco pela carniça do moribundo político fedorento, que ainda agoniza, mas está vivo ligado a aparelhos. Micheque, Caiado, Tarcísio, todos estavam lá não para apoiá-lo, mas para sucedê-lo.

O perigo do fascismo não passou, sua força no Brasil é considerável, mas ontem teve menos destaque que o gol de placa do Cebolinha ou a virada do Inter no Grenal. Em tudo, a micareta golpista de Bolsonaro me fez lembrar o último baile da Ilha Fiscal, este acabou com o Império sendo extinto, o de ontem acabará com Bolsonaro na Papuda.

 

Ø  Michelle Bolsonaro: a Jezabel evangélica no reino da besta neopentecostal brasileira. Por Ricardo Nêggo Tom

 

A julgar por tudo que vimos acontecer neste domingo na Paulista, podemos dizer que a próxima tentativa de golpe contra a democracia no Brasil se dará pelos evangélicos. Mas não sem a permissividade do Estado com o projeto de poder neopentecostal que vem sendo pavimentado por etapas desde o final dos anos 1970. E aqui vai uma crítica ao presidente Lula, porque foi nos seus primeiros dois governos que essa permissividade se ampliou com a participação de líderes evangélicos apoiando o seu governo em troca de benesses que favoreceram ainda mais o cumprimento das etapas desse projeto. Um projeto que tem na mentira e nos seus disseminadores a sua principal base de convencimento e sustentação. Na atual etapa, a da fomentação da teologia do domínio, duas figuras ganham destaque e serão fundamentais para as perversas pretensões do neopentecostalismo no país. São elas Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia.

Quem conhecesse a história de Jezabel, a esposa do rei Acabe que governou Israel entre os anos 873-852 a.c, vai reconhecer muitas semelhanças entre ela e a ex-primeira dama da República. A começar o livro de I Reis a descreve como uma mulher dominadora, potencialmente religiosa e que se dizia porta-voz dos deuses na terra, o que lhe rendeu a fama de profetisa e mística. Após se casar com o rei Acabe, Jezabel introduziu as suas crenças culturais e religiosas no reino de Israel, passando a ser considerada uma sacerdotisa e educadora espiritual para aquele povo. Sua fama de ex-prostituta nunca pode ser, de fato, comprovada, uma vez que sua imagem mística e religiosa era muito convincente e o seu comportamento de mãe zelosa e dona de casa a tornava ainda mais crível como a escolhida dos deuses e exemplo de mulher. Graças a fraqueza de seu marido, foi crescendo politicamente e submetendo até mesmo os rabinos e sacerdotes às suas ordens e ao culto do seu deus Baal.

Michelle já conta com a fé de muitos evangélicos de que ela é uma mulher ungida por Deus. Durante sua participação na manifestação da Paulista ela mostrou todo o seu lado Jezabel ao olhar para o céu, erguer as mãos e, com a voz embargada e contrita, invocar o socorro do seu Deus contra aquilo que ela considera do mal e nocivo ao projeto de poder que ela defende e faz parte. Uma verdadeira ode à mentira e a falta de escrúpulos, mas que não deve ser refutada sob a égide do respeito a crença religiosa das pessoas. E Michelle sabe disso, por isso abusa do seu direito de ser desonesta religiosamente e golpista em nome de Deus. Por ser mulher e possuir um estereótipo frágil, sensível e delicado, aos moldes do que muitos cristãos acreditam ser o tipo de mulher perfeita aos olhos de Deus, ela pode manifestar todos os demônios que carrega dentro de sua falsa personalidade sem ser considerada suspeita de possuí-los. O reino da besta neopentecostal brasileira já tem sua postulante a rainha.

Ainda sobre as mentiras contadas pelos bolsonaristas na Paulista, eu diria que se o diabo é o pai de tal arte, Silas Malafaia é seu filho primogênito. Vou mais além e digo que o empresário da fé possui todas as credenciais para suceder o cramulhão no cargo. Além de ataques subliminares ao STF, Malafaia incitou os evangélicos a combaterem Lula como inimigo de Deus por suas declarações contra Israel. Algo que do ponto de vista sócio religioso significa promover uma cruzada evangélica contra o atual presidente da República, atribuindo a ele a personificação do mal a ser combatido pela igreja. Aqui eu volto à permissividade do Estado com a conduta de certos líderes religiosos, que usam o direito constitucional de professarem a sua fé religiosa para disseminar o ódio e incitar os seus fiéis contra aqueles que discordam de suas opiniões. Parafraseando um trecho do apocalipse bíblico, eu diria que Malafaia é a primeira besta, que veio anunciar o governo da segunda besta, para um bando de bestas que assistem passivamente o Brasil se tornar um evangelistão sob uma teocracia miliciana.

Das etapas desse projeto de poder neopentecostal, três delas já foram praticamente cumpridas e outras duas estão em processo. A primeira, foi a disseminação da ideia de um Estado evangélico governado por “Deus”, cujo programa de governo oferece como benefício máximo a salvação da alma das pessoas em nome de Jesus.  A segunda, consistia no chamado a aceitação desse projeto salvador, através da conversão à igreja evangélica e do estrito cumprimento de sua doutrina. A terceira, foi fomentar a teologia da prosperidade no imaginário dos fiéis, promovendo a alienação dos novos convertidos, sob a promessa do sucesso material e financeiro por meio da fidelidade ao projeto. A quarta, que ainda está em vigor, mas em processo de conclusão, é a conclamação de uma luta contra o mal sob a égide do pânico moral e da defesa da família e dos valores cristãos. O que significa condicionar os convertidos a enxergarem todos aqueles que não aceitam o projeto da “salvação” como uma ameaça às suas conquistas e a sua salvação através da fé no projeto.

Esses “seres do mal” que resistem e fazem a oposição ao poder neopentecostal, precisam ser destruídos para a manutenção e expansão desse projeto na sociedade por meio da quinta e derradeira etapa: a teologia do domínio. Esse conjunto de ideologias políticas que buscam submeter a vida pública ao pleno controle neopentecostal evangélico e da interpretação que este segmento faz da lei bíblica, é o que podemos classificar como um apocalipse “babyconsuêlico”, ou o fim do Estado democrático de direito na nossa sociedade. Quando ministra, Damares Alves já anunciava a hora de os evangélicos governarem esta nação, enquanto Michelle se ajoelhava em seus aposentos presidenciais e entregava o país nas mãos do senhor Jesus, associando o governo de seu marido a uma profecia de avivamento sobre o Brasil. Avivamentos que começaram a pipocar “espontaneamente” em locais públicos logo após a eleição de Lula. Quem não se lembra das cantorias gospel em supermercados e shoppings de algumas regiões do país, que era absorvida pelas pessoas que ali estavam despretensiosamente, sugerindo uma manifestação do espírito santo em suas vidas e um chamado à conversão ao projeto neopentecostal? Puro circo armado para impressionar os incautos e os mais suscetíveis ao controle.

A Jezabel evangélica e a besta do neopentecostalismo brasileiro já mostraram o seu cartão de visitas na Paulista e deixaram claro que não estão para brincadeira. A ordem do Deus deles é incendiar o país com mentiras que levem a sustentação de sua ideologia teocrática miliciana. Um evangelho de horrores que exclui Jesus Cristo e o substitui por um Messias genocida e adorador da morte, que está sob iminente risco de prisão. Bolsonaro será preso por seus inúmeros crimes, e que isso seja breve. No entanto, o evangelistão dirá que, assim como Jesus, ele é um perseguido por defender a verdade e amar a Deus sobre todas as coisas. 

Bolsonaro é a personificação do mal. Não é pela divergência política, é pela maldade que exala de gente tão ordinária e fascista que contamina a atmosfera terrestre e nos causa a sensação de estarmos vivendo um eterno apocalipse. Que seja breve, porque já durou demais. 

 

Fonte: Brasil 247

 

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