terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Israel poderá continuar devastando Gaza e atacando o Líbano com o apoio e assistência militar dos EUA

A tarde de 20 de fevereiro, foi dramática para a população palestina, que tem sofrido um contínuo extermínio na Faixa de Gaza desde 7 de outubro, enquanto as forças de segurança israelenses cercam as cidades da Cisjordânia. Dramática, mas dolorosamente previsível. O governo dos Estados Unidos vetou pela terceira vez uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas pedindo um cessar-fogo.

Apesar dos esforços, desta vez dos argelinos, para deter o massacre, Israel poderá continuar com sua ofensiva em Gaza (que já ceifou a vida de 29.195 palestinos), na Cisjordânia (com pelo menos 400 mortos) e no Líbano (140), com armamentos vendidos e facilitados pelos Estados Unidos. Apenas uma semana antes, na terça-feira passada, o Senado dos Estados Unidos aprovou um pacote de 14 bilhões de dólares em ajuda militar para seu principal aliado no Oriente Médio, enquanto o país se preparava para enviar armas e munições. A ajuda militar milionária precisará ser aprovada no Congresso, onde a administração Biden já estaria pressionando.

No mesmo dia em que a representante dos Estados Unidos na ONU levantava a mão impedindo uma resolução que detivesse o extermínio, o presidente Joe Biden se reunia com um financiador do AIPAC, o importante lobby sionista. Seu interlocutor, Haim Saban, que recebe até 250.000 dólares de cada um de seus doadores e desempenha um papel fundamental no apoio financeiro ao Partido Democrata, declarou em 2015: "Não estou sugerindo que os muçulmanos sejam submetidos a algum tipo de sala de tortura para que admitam se são ou não terroristas, estou dizendo que devemos submetê-los a um maior escrutínio".

A reunião despertou a discordância da comunidade muçulmana dos Estados Unidos, muito crítica com a administração Biden, que teme o abandono do voto da cidadania árabe e muçulmana. Ontem à tarde, a CAIR —a maior organização muçulmana pelos direitos humanos nos EUA— classificou o veto dos Estados Unidos como "vergonhoso" e instou Joe Biden a parar de agir como "advogado de Netanyahu" e começar a "agir como o presidente dos Estados Unidos".

Por sua vez, após classificar o veto israelense como "muito lamentável", o representante palestino nas Nações Unidas, Riyad Mansour, afirmou que continuariam "batendo à porta do Conselho de Segurança, da Assembleia Geral e de todos os componentes das Nações Unidas", consciente de que o cessar-fogo contava com o respaldo de 13 dos 15 países que compõem o primeiro. "Chame como quiser, humanitário, descreva como preferir, mas precisamos de um cessar-fogo imediato, como exigido tanto pelo secretário-geral das Nações Unidas, quanto por quase todas as agências humanitárias das Nações Unidas e por um grande número de estados na Assembleia Geral".

·        Fome e hospitais destruídos

Enquanto isso, a ofensiva constante contra Gaza está impedindo que a tão necessária ajuda chegue. Ontem, o Programa Mundial de Alimentos (WFP) anunciou que estava interrompendo novamente suas atividades no norte da Faixa de Gaza por não poder realizá-las em condições de segurança. Em um comunicado, seu presidente declarou que os ataques israelenses contra os comboios humanitários, a prática de disparar contra a polícia de Gaza encarregada de escoltá-los e a quebra da ordem civil em uma população atravessada pela fome impediam a agência de continuar seu trabalho.

Do governo de Gaza, criticou-se a decisão dessa agência das Nações Unidas, apontando que "significa uma sentença de morte para três quartos de um milhão de pessoas, piorando exponencialmente a situação humanitária". As autoridades locais instaram todas as agências da ONU a retornarem a Gaza e a se absterem de "escapar de suas responsabilidades".

Programa Mundial de Alimentos não é o único ator humanitário com dificuldades para realizar seu trabalho na Faixa. A Meia Lua Vermelha denunciou ontem que doze de seus membros ainda estão detidos, sete deles após serem capturados pelo exército sionista no Hospital Al Amal. A organização teme pelo destino de seus trabalhadores em um contexto de tortura, tratamento degradante e desaparecimento dos palestinos retidos pelo exército ocupante.

Por sua vez, Médicos Sem Fronteiras denunciou ontem que perdeu contato com dois de seus médicos após a invasão israelense ao Hospital Nasser na semana passada. A organização também está pedindo a evacuação dos 130 pacientes que permanecem no que resta do maior hospital de Khan Younis, para que possam ser tratados em outros centros de saúde.

Enquanto isso, a UNRWA alertou mais uma vez que a falta de financiamento impedirá a continuação de seu trabalho em Gaza e nos demais territórios onde está presente. Seu comissário-geral, Philippe Lazzarini, afirmou que Israel não apresentou à agência nenhuma evidência das acusações feitas há semanas contra uma dúzia de seus trabalhadores, acusações que levaram vários países a bloquearem seus fundos para a agência, embora vários relatos da imprensa tenham mostrado que Israel não tinha provas para apoiá-las. "As Nações Unidas nunca receberam, nunca, nenhum relatório escrito das autoridades israelenses, apesar de nossos repetidos pedidos de cooperação", explicou Lazzarini em uma entrevista ontem.

·        Escalada no Líbano e isolamento internacional

As bombas patrocinadas pela ajuda dos Estados Unidos também estão chegando ao sul do Líbano, gerando alarme diante da possibilidade de uma escalada do conflito. Os ataques israelenses na última semana penetraram no território, atingindo na segunda-feira, 19 de fevereiro, a cidade de Ghaziyeh, a cerca de 60 quilômetros da Linha Azul, a zona que separa os dois países. Alguns analistas temem que Israel esteja se preparando para uma guerra aberta contra o país vizinho nos próximos meses.

No Líbano, acredita-se que Israel queira esvaziar uma ampla área da população libanesa com a justificativa de impedir a presença do Hezbollah. Para isso, mira na infraestrutura civil da parte norte do país e destrói os campos agrícolas em que vive a população local. A Human Rights Watch fala de possíveis crimes de guerra por parte do exército sionista em seus ataques contra a população civil. A Anistia Internacional já denunciou o uso de bombas de fósforo branco na região, que além de causar danos graves às pessoas, prejudica os cultivos a longo prazo. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 87.000 civis tiveram que deixar suas casas.

Ontem, 20 de janeiro, durante o segundo dia do julgamento contra a ocupação israelense na CIJ, dez estados intervieram, mostrando um consenso em considerar que a ocupação é ilegal, especialmente por seu caráter permanente, e que o Estado de Israel submete a população palestina a um regime de apartheid. Os representantes dos estados também apontaram para a obrigação de Israel de cessar as violações dos direitos humanos da população palestina, reparar os danos e garantir que tais violações não se repitam. Os palestrantes enfatizaram o direito à autodeterminação do povo palestino.

As intervenções da África do Sul e da Argélia durante a audiência de ontem foram particularmente simbólicas, dada a semelhança histórica de ambos os países com a Palestina. Enquanto a África do Sul suportou mais de quatro décadas de apartheid, a Argélia suportou 132 anos de ocupação francesa, da qual só conseguiu se libertar durante a guerra de independência, pagando um alto custo em vidas humanas.

As duras intervenções desses dois países foram acompanhadas por outros que também têm sido muito claros contra Israel nas últimas semanas, como Chile, Brasil e Bolívia. Mesmo estados considerados aliados de Israel, como Bélgica e os Países Baixos, concordaram que a ocupação israelense é ilegal e deve ser interrompida. O Canadá, que estava programado para participar do processo, retirou sua participação das audiências no último minuto.

Durante o dia de hoje, os Estados Unidos participarão, país que, além de vetar três resoluções desde 7 de outubro e não fechar a torneira da ajuda, negou repetidamente que Israel esteja cometendo um genocídio. Contar com o aval da superpotência e, mesmo acompanhado de alguns repreendimentos, de seus aliados europeus, parece ser mais do que suficiente para o estado sionista, embora encontre cada vez mais rejeição internacional.

A União Africana retirou o status de observador do estado sionista, como consequência do que seu presidente, Moussa Faki Mahamat, definiu como uma "operação de aniquilação sem precedentes na história da humanidade". É curioso notar que o próprio Faki Mahamat foi um dos defensores da aproximação da organização africana com Israel, que desde 2016 tenta aumentar sua influência no continente.

Por sua vez, a Anistia Internacional instou a comunidade internacional a reconhecer "o fim da ocupação ilegal israelense como um pré-requisito para interromper as recorrentes violações dos direitos humanos em Israel e nos territórios ocupados", e pediu a todas as nações que revisem suas relações com o estado sionista, após qualificar perante a CIJ a ocupação da Palestina como a mais prolongada e mortífera da história.

No entanto, Israel continua com seu plano de invadir Rafah. Enquanto isso, embora o Egito tenha declarado que não permitirá o deslocamento de refugiados palestinos dentro de seu território, organizações de direitos humanos neste país divulgaram imagens que mostram claramente a construção de uma zona encapsulada cercada por altos muros, o que levanta temores de que o Egito planeje realocar milhares de refugiados palestinos lá.

O Wall Street Journal informou em 12 de fevereiro sobre os planos de Israel de criar cidades de tendas temporárias em Gaza como parte de seu chamado "plano de evacuação", para o qual precisaria de financiamento dos Estados Unidos e de seus aliados árabes, diante de uma iminente invasão de Rafah. O mesmo veículo, citando fontes oficiais egípcias, aponta que este país, seguindo o plano israelense, estabeleceria 15 acampamentos no sudoeste de Gaza, cada um com 25.000 tendas, incluindo um hospital de campanha.

 

Ø  Para ONU, ataque à Rafah como anunciou Israel seria a morte da ajuda humanitária aos palestinos

 

Se Israel concretizar seus planos de atacar o único ponto de entrada de ajuda humanitária para os palestinos da Faixa de Gaza, a cidade de Rafah, isso seria o equivalente a uma "sentença de morte" para os programas de assistência à população do território. As declarações foram feitas nesta segunda (26/02) pelo secretário-geral da ONU, António Guterrez, horas depois de Israel anunciar os planos de ampla operação militar. 

"Uma ofensiva israelense total sobre a cidade não seria apenas aterrorizante para mais de um milhão de civis palestinos refugiados lá; isto colocaria o último prego no caixão dos nossos programas de ajuda", disse Guterres em Genebra, durante encontro do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

A pequena Rafah foi invadida por cerca de 1,5 milhão de palestinos que buscam escapar dos bombardeios em outras partes de Gaza. Apesar de apelos internacionais para que não seja feita a operação militar na região — inclusive dos EUA  Israel disse que vai em frente.

"Tem que ser feito porque a vitória total é nosso objetivo e a vitória total está ao nosso alcance", disse o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, à TV dos EUA no domingo. Ele disse ainda que há um plano para a deslocar civis palestinos para outras áreas, embora os bombardeios ocorram por todo o território.

A ONU diz que a situação em Gaza é de fome generalizada. Os poucos comboios que chegam ao norte são saqueados e palestinos recorrem a ração animal e folhas para sobreviver. 

"Vamos morrer de fome", disse Abdullah al Aqra, 40 anos, à agência de notícias AFP.

Não é só a fome. O chefe dos Médicos Sem Fronteiras, Christopher Lockyear, disse que os ataques israelenses constantes a hospitais impede o cuidado a vítimas. Ele diz ser comum crianças de cinco anos pedirem para morrer, ao passarem por amputações sem anestesia e verem familiares mortos.

A maioria dos cerca de 30 mil mortos em Gaza é de mulheres, crianças e adolescentes. Muitos dos sobreviventes não possuem mais familiares vivos em Gaza. 

"É uma guerra de punição coletiva, uma guerra sem regras, uma guerra a todo custo", disse Lockyear.

Em Ramallah, o premiê palestino Mohammad Shtayyeh renunciou ao cargo alegando "impotência" diante do massacre em Gaza e as violações em Jerusalém Oriental e na própria Cisjordânia. 

Os EUA afirmaram ainda que negociações para um cessar-fogo avançaram na sexta-feira em Paris e é possível uma pausa de seis semanas para troca de prisioneiros e entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

 

Fonte: El Salto/Brasil de Fato

 

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