Israel poderá continuar devastando Gaza e
atacando o Líbano com o apoio e assistência militar dos EUA
A tarde de 20 de
fevereiro, foi dramática para a população palestina, que tem sofrido um
contínuo extermínio na Faixa de Gaza desde 7 de outubro, enquanto as forças de segurança israelenses cercam as cidades
da Cisjordânia. Dramática, mas
dolorosamente previsível. O governo dos Estados Unidos vetou pela
terceira vez uma resolução do Conselho de Segurança das Nações
Unidas pedindo um cessar-fogo.
Apesar dos esforços,
desta vez dos argelinos, para deter o massacre, Israel poderá
continuar com sua ofensiva em Gaza (que já ceifou a vida de 29.195 palestinos),
na Cisjordânia (com pelo menos 400 mortos) e
no Líbano (140), com armamentos vendidos e facilitados pelos Estados Unidos. Apenas uma semana antes, na terça-feira passada, o Senado dos
Estados Unidos aprovou um pacote de 14 bilhões de dólares em ajuda militar para
seu principal aliado no Oriente Médio, enquanto o país se preparava para enviar
armas e munições. A ajuda militar milionária precisará ser aprovada no
Congresso, onde a administração Biden já estaria pressionando.
No mesmo dia em que a
representante dos Estados Unidos na ONU levantava
a mão impedindo uma resolução que detivesse o extermínio, o presidente Joe Biden se reunia com um
financiador do AIPAC, o importante lobby sionista. Seu
interlocutor, Haim Saban, que recebe até 250.000 dólares de cada um de
seus doadores e desempenha um papel fundamental no apoio financeiro ao Partido
Democrata, declarou em 2015: "Não estou sugerindo que os muçulmanos sejam
submetidos a algum tipo de sala de tortura para que admitam se são ou não
terroristas, estou dizendo que devemos submetê-los a um maior escrutínio".
A reunião despertou a
discordância da comunidade muçulmana dos Estados Unidos, muito crítica com a
administração Biden, que teme o abandono do voto da cidadania árabe e
muçulmana. Ontem à tarde, a CAIR —a maior organização muçulmana pelos
direitos humanos nos EUA— classificou o veto dos Estados Unidos como
"vergonhoso" e instou Joe Biden a parar de agir como "advogado
de Netanyahu" e começar a
"agir como o presidente dos Estados Unidos".
Por sua vez, após
classificar o veto israelense como "muito lamentável", o
representante palestino nas Nações Unidas, Riyad
Mansour, afirmou que continuariam "batendo à porta do Conselho de
Segurança, da Assembleia Geral e de todos os componentes das Nações
Unidas", consciente de que o cessar-fogo contava com o respaldo
de 13 dos 15 países que compõem o primeiro. "Chame como quiser,
humanitário, descreva como preferir, mas precisamos de um cessar-fogo imediato,
como exigido tanto pelo secretário-geral das Nações Unidas, quanto por quase
todas as agências humanitárias das Nações Unidas e por um grande número de
estados na Assembleia Geral".
·
Fome e hospitais destruídos
Enquanto isso, a
ofensiva constante contra Gaza está impedindo que a tão necessária
ajuda chegue. Ontem, o Programa Mundial de Alimentos (WFP) anunciou que estava
interrompendo novamente suas atividades no norte da Faixa de Gaza por
não poder realizá-las em condições de segurança. Em um comunicado, seu
presidente declarou que os ataques israelenses contra os comboios humanitários,
a prática de disparar contra a polícia de Gaza encarregada de escoltá-los e a
quebra da ordem civil em uma população atravessada pela fome impediam a agência
de continuar seu trabalho.
Do governo de Gaza,
criticou-se a decisão dessa agência das Nações Unidas, apontando que
"significa uma sentença de morte para três quartos de um milhão de
pessoas, piorando exponencialmente a situação humanitária". As autoridades
locais instaram todas as agências da ONU a retornarem a Gaza e a se
absterem de "escapar de suas responsabilidades".
O Programa Mundial de Alimentos não
é o único ator humanitário com dificuldades para realizar seu trabalho na
Faixa. A Meia Lua Vermelha denunciou ontem que doze de seus membros
ainda estão detidos, sete deles após serem capturados pelo exército sionista
no Hospital Al Amal. A organização teme pelo destino de seus trabalhadores
em um contexto de tortura, tratamento degradante e desaparecimento dos
palestinos retidos pelo exército ocupante.
Por sua vez, Médicos Sem Fronteiras denunciou
ontem que perdeu contato com dois de seus médicos após a invasão israelense ao
Hospital Nasser na semana passada. A organização também está pedindo a
evacuação dos 130 pacientes que permanecem no que resta do maior hospital
de Khan Younis, para que possam ser tratados em outros centros de saúde.
Enquanto isso,
a UNRWA alertou mais uma vez que a falta de financiamento impedirá a
continuação de seu trabalho em Gaza e nos demais territórios onde está
presente. Seu comissário-geral, Philippe Lazzarini, afirmou
que Israel não apresentou à agência nenhuma evidência das acusações feitas há
semanas contra uma dúzia de seus trabalhadores, acusações que levaram vários
países a bloquearem seus fundos para a agência, embora vários relatos da
imprensa tenham mostrado que Israel não tinha provas para apoiá-las.
"As Nações Unidas nunca receberam, nunca, nenhum relatório
escrito das autoridades israelenses, apesar de nossos repetidos pedidos de
cooperação", explicou Lazzarini em uma entrevista ontem.
·
Escalada no Líbano e isolamento
internacional
As bombas patrocinadas pela
ajuda dos Estados Unidos também estão chegando ao sul
do Líbano, gerando alarme diante da possibilidade de uma escalada do
conflito. Os ataques israelenses na última semana penetraram no território,
atingindo na segunda-feira, 19 de fevereiro, a cidade de Ghaziyeh, a cerca
de 60 quilômetros da Linha Azul, a zona que separa os dois países. Alguns
analistas temem que Israel esteja se preparando para uma guerra aberta contra o
país vizinho nos próximos meses.
No Líbano, acredita-se
que Israel queira esvaziar uma ampla área da população libanesa com a
justificativa de impedir a presença do Hezbollah. Para isso, mira na
infraestrutura civil da parte norte do país e destrói os campos agrícolas em
que vive a população local. A Human Rights Watch fala de possíveis
crimes de guerra por parte do exército sionista em seus ataques contra a
população civil. A Anistia Internacional já denunciou o uso de bombas de fósforo
branco na região, que além de causar danos
graves às pessoas, prejudica os cultivos a longo prazo. Segundo a Organização
Internacional para as Migrações (OIM), mais de 87.000 civis tiveram que deixar
suas casas.
Ontem, 20 de janeiro,
durante o segundo dia do julgamento contra a ocupação israelense na CIJ,
dez estados intervieram, mostrando um consenso em considerar que a ocupação é
ilegal, especialmente por seu caráter permanente, e que o Estado de Israel submete
a população palestina a um regime de apartheid. Os representantes
dos estados também apontaram para a obrigação de Israel de cessar as violações
dos direitos humanos da população palestina, reparar os danos e garantir que
tais violações não se repitam. Os palestrantes enfatizaram o direito à autodeterminação
do povo palestino.
As intervenções da
África do Sul e da Argélia durante a audiência de ontem foram particularmente
simbólicas, dada a semelhança histórica de ambos os países com a Palestina.
Enquanto a África do Sul suportou mais de quatro décadas de apartheid, a
Argélia suportou 132 anos de ocupação francesa, da qual só conseguiu se
libertar durante a guerra de independência, pagando um alto custo em vidas
humanas.
As duras intervenções
desses dois países foram acompanhadas por outros que também têm sido muito
claros contra Israel nas últimas semanas, como Chile, Brasil e Bolívia. Mesmo
estados considerados aliados de Israel, como Bélgica e os Países Baixos, concordaram
que a ocupação israelense é ilegal e deve ser interrompida. O Canadá, que
estava programado para participar do processo, retirou sua participação das
audiências no último minuto.
Durante o dia de hoje,
os Estados Unidos participarão, país que, além de vetar três
resoluções desde 7 de outubro e não fechar a
torneira da ajuda, negou repetidamente que Israel esteja cometendo um
genocídio. Contar com o aval da superpotência e, mesmo acompanhado de alguns
repreendimentos, de seus aliados europeus, parece ser mais do que suficiente
para o estado sionista, embora encontre cada vez mais rejeição internacional.
A União
Africana retirou o status de observador do estado sionista, como
consequência do que seu presidente, Moussa Faki Mahamat, definiu como uma
"operação de aniquilação sem precedentes na história da humanidade".
É curioso notar que o próprio Faki Mahamat foi um dos defensores da
aproximação da organização africana com Israel, que desde 2016 tenta aumentar
sua influência no continente.
Por sua vez,
a Anistia Internacional instou a comunidade internacional a
reconhecer "o fim da ocupação ilegal israelense como um pré-requisito para
interromper as recorrentes violações dos direitos humanos em Israel e nos
territórios ocupados", e pediu a todas as nações que revisem suas relações
com o estado sionista, após qualificar perante a CIJ a ocupação da
Palestina como a mais prolongada e mortífera da história.
No entanto, Israel
continua com seu plano de invadir Rafah. Enquanto
isso, embora o Egito tenha declarado que não permitirá o deslocamento de
refugiados palestinos dentro de seu território, organizações de direitos
humanos neste país divulgaram imagens que mostram claramente a construção de
uma zona encapsulada cercada por altos muros, o que levanta temores de que o
Egito planeje realocar milhares de refugiados palestinos lá.
O Wall Street
Journal informou em 12 de fevereiro sobre os planos de Israel de criar
cidades de tendas temporárias em Gaza como parte de seu chamado
"plano de evacuação", para o qual precisaria de financiamento dos
Estados Unidos e de seus aliados árabes, diante de uma iminente invasão
de Rafah. O mesmo veículo, citando fontes oficiais
egípcias, aponta que este país, seguindo o plano israelense, estabeleceria 15
acampamentos no sudoeste de Gaza, cada um com 25.000 tendas, incluindo um
hospital de campanha.
Ø
Para ONU, ataque à Rafah como anunciou
Israel seria a morte da ajuda humanitária aos palestinos
Se Israel concretizar
seus planos de atacar o único ponto de entrada de ajuda humanitária para os
palestinos da Faixa de Gaza, a cidade de Rafah, isso seria o equivalente a uma
"sentença de morte" para os programas de assistência à população do
território. As declarações foram feitas nesta segunda (26/02) pelo
secretário-geral da ONU, António Guterrez, horas depois de Israel anunciar os
planos de ampla operação militar.
"Uma ofensiva
israelense total sobre a cidade não seria apenas aterrorizante para mais de um
milhão de civis palestinos refugiados lá; isto colocaria o último prego no
caixão dos nossos programas de ajuda", disse Guterres em Genebra, durante
encontro do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A pequena Rafah foi
invadida por cerca de 1,5 milhão de palestinos que buscam escapar dos
bombardeios em outras partes de Gaza. Apesar de apelos internacionais para que
não seja feita a operação militar na região — inclusive dos EUA — Israel
disse que vai em frente.
"Tem que ser
feito porque a vitória total é nosso objetivo e a vitória total está ao nosso
alcance", disse o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, à TV dos EUA no
domingo. Ele disse ainda que há um plano para a deslocar civis palestinos para
outras áreas, embora os bombardeios ocorram por todo o território.
A ONU diz que a
situação em Gaza é de fome generalizada. Os poucos comboios que chegam ao norte
são saqueados e palestinos recorrem a ração animal e folhas para
sobreviver.
"Vamos morrer de
fome", disse Abdullah al Aqra, 40 anos, à agência de notícias AFP.
Não é só a fome. O
chefe dos Médicos Sem Fronteiras, Christopher Lockyear, disse que os ataques
israelenses constantes a hospitais impede o cuidado a vítimas. Ele diz ser
comum crianças de cinco anos pedirem para morrer, ao passarem por amputações
sem anestesia e verem familiares mortos.
A maioria dos cerca de
30 mil mortos em Gaza é de mulheres, crianças e adolescentes. Muitos dos
sobreviventes não possuem mais familiares vivos em Gaza.
"É uma guerra de
punição coletiva, uma guerra sem regras, uma guerra a todo custo", disse
Lockyear.
Em Ramallah, o premiê
palestino Mohammad Shtayyeh renunciou ao cargo alegando "impotência"
diante do massacre em Gaza e as violações em Jerusalém Oriental e na própria
Cisjordânia.
Os EUA afirmaram ainda
que negociações para um cessar-fogo avançaram na sexta-feira em Paris e é
possível uma pausa de seis semanas para troca de prisioneiros e entrada de
ajuda humanitária na Faixa de Gaza.
Fonte: El Salto/Brasil
de Fato
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