quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Igor Felippe: a ofensiva estratégica da extrema-direita

Ninguém imaginava uma década atrás que o então deputado federal de baixo clero Jair Bolsonaro poderia chegar à presidência da República e levar milhares de pessoas às ruas. Naqueles tempos, a direita tinha o PSDB como referência política, disputando as urnas e respeitando a “alternância de poder”. Seu projeto neoliberal defendia bandeiras como  “modernização do Estado”, responsabilidade fiscal e políticas sociais focalizadas. 

Dez anos depois, com o recrudescimento das contradições da crise mundial do capitalismo, a coalizão tucana naufragou. Emergiu uma força política que rejeita os princípios da Constituição de 1988 e o arranjo institucional da Nova República. As bases de convivência democrática das forças neoliberais e da esquerda moderada foram corroídas, sobretudo, com a manipulação de casos de corrupção. 

Ganhou força o discurso hipócrita do “tem que mudar tudo que está aí”, com o ódio de parcela da elite e da classe média conservadora tragando a democracia formal. O motivo: os avanços dos direitos dos trabalhadores, especialmente dos mais pobres.

O manejo da pauta conservadora contra as conquistas das agendas das mulheres, da negritude e dos LGBTs aproximou os interesses da extrema-direita com a ideologia das igrejas fundamentalistas, colocando uma base popular a serviço dessa força política.

Não se pode subestimar o processo político que está em curso, que tem conexões internacionais e conquista governos pelo mundo. As milhares de pessoas que participaram do ato na Avenida Paulista no último domingo, atendendo o chamado de Bolsonaro, não se moveram apenas para apoiar seu líder diante da "perseguição" que sofre dos seus supostos algozes. Foram, sobretudo, para defender sua visão de mundo, sua ideia de Brasil, seu entendimento de democracia e seu projeto de sociedade – mesmo que ele seja para poucos.  

Quem procura analisar os efeitos dessa manifestação na conjuntura nacional, especialmente nos processos contra Bolsonaro, pode concluir que os impactos são pequenos. Em determinada medida, o ato pode até prejudicá-lo, com a inclusão no processo de trecho do discurso no qual o ex-presidente admite que sabia  da minuta que previa a decretação de estado de sítio. 

O cerco judicial está se fechando e Bolsonaro passa por uma defensiva tática com o avanço das investigações, a prisão de aliados próximos e o aumento da possibilidade de ir para a cadeia. Contraditoriamente, a capacidade de direção política e de coesão ideológica do seu campo, que se resumiram neste domingo em capacidade de mobilização, demonstram que a extrema-direita faz uma ofensiva estratégica. 

Suplantou a direita tradicional e conquistou a fidelidade de uma base social conservadora. Incidiu sobre setores populares com a aliança com as igrejas fundamentalistas e com a ideologia do medo, que assola das capitais ao interior do país. Ganhou postos na disputa institucional, com uma bancada puro sangue de parlamentares, governadores e prefeitos. Construiu uma máquina de disputa ideológica com a defesa de seus valores. 

O presidente Lula venceu a eleição de 2022, na disputa mais acirrada da história recente. O Brasil está profundamente dividido: quase metade do eleitorado votou em Bolsonaro, mesmo depois das contradições de quatro anos de governo. Essa força da extrema-direita mantém um nível de coesão; e milhares foram às ruas com a sua engenharia de mobilização de massas. 

De um lado, o ódio da elite brasileira e da classe média conservadora contra a esquerda, mobilizada a partir das redes sociais, em defesa de seus interesses de classe. Por outro lado, a articulação das igrejas fundamentalistas, com pesado investimento de recursos, viabilizou caravanas de recorte mais popular, das cidades do interior e de Estados mais próximos. 

A manifestação em defesa de Bolsonaro, líder de uma articulação golpista, foi convocada em defesa do Estado de Direito. No entanto, tinha como pano de fundo a defesa de um projeto de sociedade, representado por Bolsonaro, que faz parte de uma rede internacional ultraconservadora.

A tentativa de naturalizar o 8 de janeiro de 2023, relativizando o significado de democracia, os ataques ao presidente Lula e ao MST, a exaltação de discursos religiosos fundamentalistas e o desfile das bandeiras de Israel colocaram nas ruas a ideologia da extrema-direita. 

Quando a democracia se torna um valor social relativo, com significados diferentes a depender do lado da polarização, defendê-la é insuficiente para enfrentar aqueles que querem destruí-la. Mais do que nunca, é necessário fazer a disputa de ideias, valores e projetos de sociedade.

 

Ø  Lula perdeu a eleição para Bolsonaro, e o Brasil vive sob uma ditadura. Por Ricardo Noblat

 

Perde seu tempo Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e condutor do inquérito que apura atentados à democracia, quando ensina aos que não querem aprender, seja por lhes faltar inteligência, seja por indiferença ou ideologia:

“Não existe crime de golpe de Estado, porque, se tivessem dado o golpe, quem não estaria aqui seríamos nós para julgar o crime. Quem dá golpe não é julgado. Por mais ridículo que pareça, faço esse esclarecimento porque são muitos os absurdos que se ouve”.

O bolsonarista raiz, como li no X, ex-Twitter, é o cara que acredita que a Avenida Paulista reuniu 700 mil pessoas para ouvir seu guia defender-se da acusação de que planejou um golpe com o objetivo de anular os resultados da eleição presidencial de 2022.

Mas o bolsonarista raiz é também os que duvidam que morreram no Brasil mais de 700 mil pessoas vítimas da associação entre o governo e o vírus durante a pandemia da Covid-19. O bolsonarista raiz só acredita nas notícias que recebe pelo Zap dos patriotas.

Quase a totalidade dos manifestantes que foram à Avenida Paulista no domingo para prestar apoio a Bolsonaro considera que o Brasil atravessa uma “ditadura” sob o governo Lula. Sim, uma ditadura que eles, nesse caso, fingem não saber o que é.

O que se viu na Paulista foi um mar de gente com idade avançada; os jovens, aparentemente, não foram tantos assim. Gente com mais de 50 anos de idade viveu os anos mais tenebrosos da ditadura militar de 1964, prestes a completar 60 anos. Vai ver que gostou.

Para 94% dos entrevistados na Paulista pelos pesquisadores do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, os “excessos e as perseguições da Justiça” no Brasil atual caracterizam uma ditadura.

Para 88%, Bolsonaro é “quem de fato ganhou a eleição para presidente em 2022”, e não Lula. Os bolsonaristas se dividem, contudo, em relação ao que o ex-presidente deveria ter feito depois que a Justiça Eleitoral anunciou a vitória do candidato da esquerda.

Para 49%, Bolsonaro deveria ter decretado uma operação de Garantia da Lei e da Ordem; 39% discordam. São 42% os que pensam que o Bolsonaro deveria ter invocado o artigo 142 da Constituição para pedir a arbitragem das Forças Armadas; 45% discordam.

A Polícia Federal encontrou na sede do PL, em Brasília, documento que defendia a decretação de Estado de Sítio. Embora Bolsonaro tenha dito que a medida está prevista na Constituição, a maioria de seus apoiadores se opõe à ideia: 61% x 23%.

O levantamento foi feito a partir de entrevistas presenciais com 575 pessoas entre 13h30 e 17h de domingo, e em toda a extensão da Avenida Paulista. A margem de erro é estimada em quatro pontos percentuais para mais ou menos, para um grau de confiança de 95%.

 

Ø  Bolsonaro mostra força, mas pede arrego. Por Altamiro Borges

 

Nem flopou, nem foi um estrondo. A manifestação golpista na Avenida Paulista neste domingo (25) cumpriu os objetivos traçados pelo QG do bolsonarismo, mas não livra o “capetão” e suas milícias civis e fardadas do processo em curso na Justiça, que pode resultar em condenações e prisões. No calor do acontecimento, um primeiro balanço:

1) O ato mostrou força para as fotos – como implorou o ex-presidente fujão. Não foram os 650 mil anunciados pelo ex-secretário Fábio Wajngarten nem os 300 mil previstos pelo “pastor” Silas Malafaia. Mesmo assim, ele reuniu muita gente. Segundo métricas da USP, 185 mil fiéis seguidores estiveram presentes. Já a Folha fala em quatro quarteirões abarrotados – cerca de 160 mil pessoas. Não é fácil esse tipo de mobilização – a esquerda sabe disso. Não é bom subestimar a força da extrema direita, que está em ascensão no mundo e mantém sua força no Brasil.

2) O ato ajudou a conter a dispersão do campo fascista. Governadores eleitos na onda bolsonarista, mercadores da fé, cloaca burguesa e militares não se manifestaram após a operação “Tempus Veritatis”, que atingiu o coração do bolsonarismo na véspera do Carnaval. A manifestação na Paulista conseguiu reunir quatro governadores e dezenas de parlamentares. É certo que houve muita trairagem – como dos governadores Ratinho (PR) e Cláudio Castro (RJ), dos expoentes do lúmpen-empresariado (Luciano Hang, Meyer Nigri e Afrânio Barreira) e de vários lobistas da fé. Mas o ato teve legitimidade política e serve como pressão sobre os poderes da República.

3) A iniciativa também serviu para repassar a mensagem central do bolsonarismo para o próximo período, para a nova campanha dos golpistas. Bolsonaro, Malafaia, Michelle e outros insistiram no tema da anistia, pediram perdão aos terroristas que depredaram as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023. Acima de tudo, eles levantaram a tese da anistia para o próprio “mito”. A fala do pastor-charlatão foi emblemática nesse sentido: “Se eles te prenderem, você vai sair de lá exaltado. Se eles te prenderem, não vai ser a tua destruição, mas a destruição deles”.

4) Por último, o ato da Avenida Paulista serviu para preparar o time da extrema direita para as eleições de outubro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até poderia analisar se não houve crime eleitoral, com a antecipação da disputa. Bolsonaro foi explícito: “Em 2024, temos eleições municipais. Vamos caprichar no voto para vereadores e prefeitos”.

5) Se estes quatro objetivos foram cumpridos, não significa que Bolsonaro e seus milicianos saíram mais tranquilos da manifestação de domingo. Havia muita tensão nos rostos dos palanqueiros do caminhão Demolidor. Metido a valentão durante suas trevas fascistas, o ex-presidente pediu explicitamente arrego e virou “tchutchuca”, como foi ironizado pelos internautas. O defensor das torturas, da ditadura e da necropolítica não atacou o STF ou Lula, não proferiu palavrões e até falou em “pacificação” e “conciliação”. O “cagão”, segundo outros ativistas digitais, preferiu terceirizar os ataques para o pastor encapetado Silas Malafaia, que acha que está acima de Deus e ainda conta com “imunidade religiosa”.

6) Passado o ato da Paulista, o que virá agora? Como o STF vai encarar a “demonstração de força” dos golpistas? Será que usará as palavras do próprio ex-presidente, que finalmente reconheceu a existência da “minuta do golpe”, para incriminar ainda mais o chefão da Orcrim (Organização Criminosa)? Quais serão os seus próximos passos – indiciamento, julgamento, condenação e prisão? E como o Congresso Nacional vai se comportar diante dessa nova provocação? E o campo popular e progressista, as forças de esquerda – social e política? Ele precisará analisar em profundidade o novo quadro para definir a sua reação, as suas iniciativas. Em política não há espaços vazios! Ainda mais nesses tempos de intensa disputa de hegemonia, da tal batalha de narrativas!

 

Fonte: Opera Mundi/Metrópoles/Fórum

 

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